O conflito de competências tributárias sobre o consumo na era das novas tecnologias: uma reflexão sobre a tributação dos softwares

The tax competence conflict regarding new technologies consumption: a review of softwares taxation

Tadeu Puretz Iglesias

Mestrando em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo. E-mail: t.puretz@rplaw.com.br.

Recebido em: 26-07-2019

Aprovado em: 12-03-2020

Resumo

Este estudo tem por objetivo analisar os efeitos tributários decorrentes da evolução da tecnologia, especialmente no que se refere à tributação sobre o consumo estadual e municipal. A ideia central, portanto, consiste em analisar se a materialidade dos referidos tributos, da forma como posta no ordenamento jurídico brasileiro, está apta a alcançar as empresas digitais e, caso contrário, quais as soluções viáveis para que as suas respectivas atividades sejam objeto de tributação. Para limitar o tema, o estudo analisará a matéria apenas sob a perspectiva dos softwares. Ao final, conclui-se que nenhum dos impostos incidentes sobre o consumo, seja o ICMS, seja o ISS, estão aptos, da forma em que idealizados, a incidir sobre os programas de computador, cabendo à União Federal valer-se da competência residual para alcançá-los.

Palavras-chave: ISS; ICMS; federalismo; tecnologia.

Abstract

This scientific article seeks to analyse the tax effects arising from the evolution of technology, especially regarding sales and services taxation. The main idea, therefore, is to analyse whether the referred taxes materiality is sufficient to reach the digital companies and, if not, which are the feasible solutions. Narrowing the focus herein, this study will only take the software into account. By the end, it is concluded that neither ICMS nor ISS shall apply to computer programs, being under the Federal Government discretion to use the ‘residual competence’ to reach them.

Keywords: ISS; ICMS; federalism; technology.

1. Introdução

A definição de conceitos e o estabelecimento de métodos para a tributação da economia digital vêm sendo amplamente discutidos em todo o mundo. Não são raros os casos em que o novo – e multimilionário – mercado das empresas digitais apresenta desafios aos países que, com legislações tributárias baseadas na economia tradicional – com fronteiras bem delimitadas em um mercado predominantemente marcado pela circulação física de mercadorias –, não conseguem alcançar as empresas digitais1.

A propósito, se é verdade que no século XXI a economia digital deixou de ser considerada de forma apartada da economia “tradicional” – na medida em que sua importância constitui, de fato, a economia atual2 –, deve-se investigar se o desenvolvimento tecnológico enseja a criação de novos instrumentos e ferramentas exclusivos para alcançar, do ponto de vista fiscal, a operação das empresas integrantes desse nicho3 ou se a atual legislação é suficiente para tanto.

Nesse contexto, em sendo a economia digital uma realidade do século XXI, parece evidente que não se pode deixar de imputar às empresas dela integrantes o mesmo grau de oneração fiscal aplicados às empresas tradicionais, sob pena de violação à livre concorrência4. Isso porque, em que pese ser o fundamento para incidência tributária a lei e não a capacidade contributiva – esta última de presença inegável no mercado digital – é papel do estudioso do direito conhecer e propor soluções para evitar distorções dessa natureza no mercado.

Assim, este artigo busca investigar se: (i) o ordenamento jurídico tributário brasileiro, da forma como posto, especificamente no que se refere à tributação sobre o consumo, é suficiente para alcançar as novas tecnologias; (ii) em caso negativo, verificar quais as soluções viáveis para que as atividades das empresas de tecnologia não deixem de ser tributadas, levando em consideração o sistema de repartição de competências tributárias e a materialidade dos tributos sobre o consumo no Brasil.

Para delimitar o objeto da presente pesquisa, analisaremos o conflito de competências entre estados e municípios, legitimados para instituição e arrecadação, respectivamente, do ICMS e ISS, especificamente no que se refere à tributação de softwares.

Dividiremos, para fins didáticos, este trabalho em seis diferentes tópicos, a saber: (i) desafios da tributação na economia digital; (ii) breves comentários acerca da materialidade do ICMS; (iii) breves comentários acerca da materialidade do ISS; (iv) breves anotações sobre a teoria dos conceitos e tipos para fins de repartição de competências tributárias; (v) solução possível: competência residual da União Federal; e (vi) conclusões.

2. Desafios da tributação na economia digital

Dentre os desafios decorrentes das mudanças promovidas pelo mercado digital, destacam-se, dentre muitos outros, a ausência de suporte físico e de fronteiras delimitadas. A economia tradicional, decorrente de uma sociedade industrial, especialmente para fins de legislação tributária, sempre se valeu de conceitos pautados em “saídas físicas de mercadorias”, “compra e venda de bens”, “prestação de serviços baseadas em obrigações de fazer” e na determinação de competência tributária com base na ideia de estabelecimentos fixos. No mercado digital, por outro lado, as transações passaram a ser realizadas primordialmente por meio de dispositivos eletrônicos, colocando o suporte físico em desuso e dificultando sobremaneira o controle das autoridades fiscais e a lógica da tributação prevista na legislação em vigor.

Aos desafios em tela soma-se a dificuldade em identificar os contribuintes e os sujeitos ativos dos tributos, na medida em que a ausência física das empresas no local em que estão os usuários – que em muitos casos encontram-se em países diferentes da sede física da empresa – torna ainda mais complexa a relação comercial, ensejando conflitos de competência doméstica e internacional.

Por esse motivo, a doutrina vem indicando que nada obstante a tributação das novas tecnologias seja objeto de debate em todo o mundo, no Brasil, em razão da coexistência de três níveis de competência tributária, somada à incapacidade da Suprema Corte em dar respostas rápidas às disputas judiciais, são reveladas dificuldades adicionais5. Ademais, verifica-se nos últimos anos um aumento relevante nas tensões entre estados e municípios, especialmente pela percepção do esvaziamento da arrecadação dos estados em contraposição com o aumento da arrecadação dos municípios, que após reformas legislativas, passaram a inserir em suas listas de serviços as atividades decorrentes da economia digital.

Na mesma linha, observa-se o movimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de flexibilizar as normas de competências tributárias, adotando, em alguma medida, a teoria dos tipos e tornando a relação ainda mais conflituosa entre os entes tributantes6.

Diante dessas questões, este trabalho se concentra na análise da incidência dos tributos sobre o consumo existentes às novas tecnologias, investigando, em paralelo, quais as medidas seriam viáveis para alcançar os negócios digitais sob o ponto de vista do conflito de competências entre estados e municípios7.

Em outras palavras, tem-se por objetivo verificar se os estados e municípios brasileiros vêm tentando, a qualquer custo, enquadrar seus tributos em atividades não englobadas pela materialidade prevista nas regras de competência constitucional ou se, ao contrário, em que pese o advento das novas tecnologias, os tributos brasileiros sobre o consumo, da forma como postos pela Constituição Federal de 1988. estão aptos a alcançar tais inovações.

3. Breves anotações acerca das modalidades de software

Antes de adentrar nas materialidades dos impostos estaduais e municipais sobre o consumo no direito brasileiro, importa apresentar, brevemente, as características de cada um dos tipos de software, o que tornará mais simples a análise da compatibilidade entre eles e a tributação sobre o consumo da forma como posta no ordenamento jurídico brasileiro. As características ora apresentadas serão igualmente importantes para diferenciar cada uma das espécies de software, questões que se revelam sensíveis para fins tributários.

Em primeira aproximação, a Lei n. 9.609/1998 (art. 1º) conceitua os softwares como “expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento de informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”

O mesmo diploma (art. 9º) prevê que o uso do programa se dá por meio de contrato de licença de uso, que consiste na outorga da autorização para o uso por parte do titular dos direitos autorais sobre o programa em favor do usuário interessado.

A legislação do software estabelece, portanto, que os programas de computador são protegidos pelas normas relativas aos direitos autorais, de sorte a confirmar que a exploração econômica do software pode se dar por meio da cobrança de contraprestação em dinheiro pela licença de uso – sem transferência de titularidade do direito autoral. Em outras palavras, a empresa desenvolvedora do programa de computador não vende – leia-se, não transfere – a titularidade do programa, mas cede, por tempo determinado, o direito de uso do software ao usuário, que pode, ao final, renovar ou não o contrato. Os programas de computador são protegidos, portanto, pela Lei dos Direitos Autorais (Lei n. 5.988/1973) – contrato relacionado à propriedade intelectual do desenvolvedor, cedido àquele que pretende se valer, por tempo determinado, de programa de computador.

A questão da exploração econômica de software não se encerra no contrato de licença de uso. O STF, ao julgar o RE n. 176.626-3, cujo objeto se concentrava na discussão sobre a incidência ou não do ICMS sobre as operações com software padrão disponibilizado em lojas de departamentos, classificou os programas de computador em três diferentes espécies: (i) software padrão (“de prateleira”); (ii) software desenvolvido sob encomenda (software as a service – SaaS); e, (iii) software adaptado ao cliente (híbrido) e assentou que o contrato relativo ao desenvolvimento ou comercialização de software haveria de ser analisado adicionalmente à mera identificação da circunstância de estar o usuário diante de um contrato de licença de uso ou cessão de uso de direito.

Naquela oportunidade, a corte decidiu que, sobre software padrão (de prateleira), incidiria ICMS, ao passo que, sobre software desenvolvido sob encomenda, incidiria o ISS. Interessante observar que o referido julgamento levou a posições divergentes das administrações fiscais federal, estaduais e municipais, que passaram a adotar posições opostas no que se refere às incidências tributárias sob sua gestão.

O RE 176.626-3/SP, portanto, não foi suficiente para dirimir as controvérsias acerca da tributação dos programas de computador. Ao contrário, a partir do acórdão, iniciou-se grande discussão acerca da incidência tributária nos três níveis de entes tributantes: no que se refere à competência da União, a Receita Federal, com base no acórdão acima indicado, se posicionou durante muito tempo pela não incidência do IRRF sobre remessas pelo pagamento do software de prateleira, na medida em que estes produtos não poderiam ser considerados mercadorias (Solução de Divergência COSIT n. 27/2008). Em 2016, todavia, passou a exigir IRRF sobre softwares nas operações que envolvessem apenas o licenciamento para reproduzir ou comercializar no Brasil (Solução de Consulta COSIT n. 154/2016).

Em âmbito estadual, identifica-se a desconsideração da posição do STF – e por consequência, a necessidade de suporte físico para a tributação pelo ICMS – passando a adotar critério de padronização como aspecto fundamental da caracterização do software de prateleira, atraindo a incidência do ICMS8.

A posição dos municípios, por fim, vem sendo no sentido de exigir o ISS sobre softwares de todas as modalidades. Nessa linha, o município de São Paulo, por exemplo, passou a adotar a superveniência da disposição do item 1.05 da Lei Complementar n. 116/2003 para fundamentar a tese de que todos os softwares – sejam eles personalizados ou não – têm sua comercialização tributada pelo ISS9.

4. Breves considerações sobre a materialidade do ICMS e do ISS

Conhecidos os detalhes acerca dos modelos de softwares existentes no mercado, que representam, a nosso ver, elemento essencial para a compreensão do próximo tópico, passamos ao estudo da materialidade do ICMS e do ISS, investigando se – e como – o mercado digital afetou sua incidência.

4.1. Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)

O ICMS, imposto de competência estadual que recai sobre a circulação de mercadorias e serviços de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, está previsto no art. 155, inciso II, da CF. Do ponto de vista histórico, o imposto em questão aglutinou outros impostos de competência federal, sem que, contudo, tenha maculado o antecedente – “operações de circulação de mercadorias” – e passou a abarcar novas hipóteses como “prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”10.

A materialidade do ICMS, nos termos acima, deve levar em consideração uma operação de circulação de mercadorias. Nessa linha, ensinam Schoueri e Galdino, que a circulação se materializa no momento em que há a transmissão de mercadorias, que supõe a existência de um ato de comércio, ou seja, de caráter mercantil11. Carvalho, por seu turno, confere à expressão “operações de circulação de mercadorias” o mesmo significado de “transferência de sua titularidade”. Desse modo, enquanto “operações” seriam os atos e negócios jurídicos capazes de provocar a circulação de mercadorias, “circulação” seria a passagem de uma esfera patrimonial a outra, ou seja, a circulação jurídica12. A incidência do ICMS decorre, em síntese, da vontade em colocar um bem em comércio, por meio da compra e venda.

As discussões acerca do conceito de mercadoria, em que pese sejam essenciais para o estudo da materialidade do tributo em questão – especialmente para verificar se apenas bens físicos podem ser considerados para fins de ICMS – não se iniciaram com a evolução da economia digital. Almeida e Bevilacqua, em estudo sobre o tema, indicam que o impasse remonta às discussões acerca da caracterização da energia elétrica como mercadoria13. Segundo os autores, o próprio constituinte indicou o alcance de “mercadoria” de modo amplo, ao determinar que, ressalvados o Imposto de Importação e o Imposto de Exportação, nenhum outro imposto, que não o ICMS, poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica (art. 155, § 3º, da CF).

Nesse contexto, os autores defendem – apoiados na teoria tipológica acerca das regras de competência, que será explorada a seguir – que o constituinte não estabeleceu um conceito de mercadorias e circulação, mas uma aproximação tipológica, fluida e sem contornos demarcados, sendo papel do legislador complementar definir sua realidade econômica, em observância ao disposto no art. 146, inciso III, alínea a da CF.

A Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir) prescreve, em seu art. 2º, inciso I, que o ICMS incide sobre “operações de circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares (...)”. A partir da leitura do dispositivo, vê-se que a lei não define mercadoria, e apenas repete o disposto na Constituição Federal, causando enorme incerteza no contexto das novas tecnologias, em razão especialmente da ausência de suporte físico.

Com isso, deve-se investigar se, em razão da ausência de um conceito claro de mercadoria na legislação tributária, o intérprete deve, valendo-se do disposto no art. 110 do Código Tributário Nacional – CTN, assegurar a utilização de um conceito advindo do direito privado – necessariamente físico – para fins de caracterização das mercadorias, impossibilitando qualquer extensão ou alteração destes para fins de imposição de tributos ou se, por outro lado, podem os intérpretes dar novos contornos à ideia de mercadoria.

A relação do direito tributário com o direito privado foi objeto do estudo de Schoueri, que indica caber ao intérprete verificar se o legislador levou em conta ou não a estrutura de direito privado para fins de definição da hipótese tributária. Na visão do autor, o legislador seria livre para utilizar ou não às formas daquele. Pondera, todavia, que, em princípio, devem as expressões empregadas na lei tributária ser interpretadas segundo o contexto das leis em que se encontram14.

A extensão do conceito de mercadorias não é tema pacífico na doutrina, que diverge acerca da extensão do conceito a bens incorpóreos, ora levando em consideração uma acepção tipológica do tema, ora defendendo a visão conceitual, baseada no art. 110 do CTN, que determinaria a necessidade de observância dos conceitos de direito privado para fins de delimitação da ideia de mercadoria, que seria obrigatoriamente física. Nesse sentido, Carvalho indica estar inserido no conceito de mercadoria “tudo aquilo suscetível de ser objeto de compra e venda” desde que seja “coisa móvel, corpórea, que esteja destinada ao comércio”15. Carrazza, na mesma linha, defende que o conceito de mercadoria reflete “bem móvel corpóreo adquirido pelo comerciante, industrial ou produtor, para servir de objeto ao seu comércio, isto é, para ser revendido”16. Iwase igualmente indica que a ideia de mercadoria pressupõe um bem corpóreo da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, posta em circulação até ser adquirido pelo consumidor17. A posição dos autores parece indicar a adoção da teoria dos conceitos (rígidos), de modo que a ideia de mercadoria, por sua vez extraída do direito privado por força do art. 110 do CTN, teria por objeto sempre bens físicos. Por outro lado, em sentido contrário, Almeida e Bevilacqua, em aberta defesa à teoria dos tipos (flexíveis), indicam que a ideia de mercadoria evoluiu para incorporar outras características decorrentes da digitalização da economia, de modo que a ausência de definição pelo legislador complementar afasta a efetividade do art. 110 do CTN sobre a questão18.

Tradicionalmente, os estados brasileiros, acompanhados pela jurisprudência dos tribunais superiores e pela doutrina, levavam em consideração a existência de um bem corpóreo para caracterização do fato tributável do ICMS. No que se refere aos programas de computador, a ideia de suporte físico esteve, durante muitos anos, presente no dia a dia do usuário. Até aquele momento, o consumidor que pretendia comprar determinado software necessariamente precisava se dirigir a um estabelecimento comercial para adquirir – por meio de um CD (suporte físico) – o conteúdo do programa19.

A evolução da tecnologia, todavia, passou a um movimento de intangibilidade dos bens, no sentido de extinguir aquilo que era considerado pelos estados como elemento mais característico da circulação das mercadorias. Nesse contexto, a aquisição dos programas passou a ocorrer por meio da transmissão sem fio, pela transferência do conteúdo diretamente do servidor ao computador do usuário (download).

A partir desse momento, os estados iniciaram movimento legislativo para enquadrar os downloads no âmbito de incidência do ICMS, equiparando-os à circulação de mercadorias realizadas pelo suporte físico.

Foi nesse contexto que o STF, de forma favorável às administrações tributárias, ao analisar a constitucionalidade do art. 2°, caput, inciso I, da Lei Complementar n. 87/1996, modificou seu entendimento anterior para afastar a necessidade de haver suporte físico para tributação pelo ICMS. O julgamento em tela se deu em sede de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, considerando que não haveria diferença entre a circulação física ou virtual e mercadorias, inserindo, a partir desse raciocínio, os programas de computador obtidos por download no campo de incidência do ICMS20. Foi nessa linha que Piscitelli e Canen21 passaram a indicar o referido julgamento como marco do abandono do critério de bem corpóreo e substituição pelo nível de customização do bem.

A mensagem da Corte Suprema no julgamento em questão, ao flexibilizar a necessidade da presença de bens corpóreos para incidência do ICMS, revelou o entendimento dos ministros no sentido de que o avanço tecnológico seria suficiente para repercutir na interpretação do texto constitucional.

Recentemente, baseados na jurisprudência da Corte, os estados passaram a sustentar, por meio dos Convênios do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) n. 181, de 28.12.2015, e 106, de 29.09.2017, que o software seria uma “mercadoria virtual”, ainda que ausente o suporte físico, estabelecendo procedimentos de cobranças do tributo sobre operações com bens e mercadorias digitais comercializados via transferência eletrônica de dados.

O Estado de São Paulo, por exemplo, visando implementar o disposto nos referidos Convênios, promulgou o Decreto Estadual n. 63.099/2017, passando a tributar, a partir de abril de 2018, as operações com bens e mercadorias digitais22.

Dando continuidade ao movimento tecnológico, o download – que parecia ser algo absolutamente inovador e duradouro, tendo em vista a possibilidade de se adquirir determinado software a partir de qualquer ponto do globo sem que o usuário precisasse sair de sua residência – foi novamente superado.

A partir dessa evolução – que reflete o momento atual – as transferências por download passaram a ser menos comuns, passando o usuário a utilizar os programas de computador em máquinas localizadas no servidor do desenvolvedor, sem a efetiva transferência – circulação – para a sua máquina, mas pela disponibilização do acesso, em contraponto à ideia de circulação apresentada pela doutrina tradicional, que pressupunha a transferência da posse ou da propriedade de mercadoria, de uma para outra pessoa23.

Em atenção à redução do uso do download como meio de aquisição de programas, o Estado de São Paulo editou a Decisão Normativa CAT n. 4, de 20.09.2017, subscrita pelo Coordenador da Administração Tributária Estadual, indicando estarem inseridas no campo de competência do ICMS as transferências de softwares padronizados, ainda que realizada por download ou streaming, ficando a cobrança suspensa até a definição do aspecto espacial do fato gerador.

Inicia-se, portanto, uma nova etapa na discussão da incidência do ICMS sobre programas de computador: enquanto em um primeiro momento o STF condicionou a cobrança do tributo estadual a um suporte físico, com a extinção dessa modalidade transmissão, aquela Corte reavaliou seu entendimento anterior, passando a equiparar a transmissão via download à circulação física, apresentando novo entendimento acerca do conceito de mercadoria, que passou a compreender tanto o software de prateleira, como aquele comercializado por meio de download. Segundo o entendimento da Corte naquele momento, em que pese a circulação não ser física – mas por download – estariam cumpridos os elementos necessários para realização do fato gerador do ICMS. Em um terceiro momento, caracterizado pela ausência de circulação, voltam os contribuintes a questionar se, em que pese flexibilizado o conceito de mercadoria, estariam as licenças de uso adquiridas sem circulação – tendo em conta a ausência de transferência – inseridas no campo de incidência do ICMS.

O tratamento do tema por meio de convênio merece ser objeto de alguns comentários que serão úteis à compreensão das questões colocadas a seguir. Isso porque, a nosso sentir, em sendo a Lei Complementar o instrumento eleito pelo constituinte para definir os fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes dos impostos previstos na Constituição, o convênio parece ultrapassar o disposto na legislação complementar, que indica como hipótese de incidência do tributo a “saída” das mercadorias do “estabelecimento”, situação incompatível com as operações envolvendo bens incorpóreos.

Da mesma sorte, analisando a definição do estabelecimento para fins de ICMS, previsto no art. 11, § 3º, da Lei Complementar n. 87/1996, lê-se que estabelecimento “é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias” indicando caráter físico do estabelecimento comercial.

A partir das questões colocadas, nos parece que os estados vêm tentando, a qualquer custo, inserir os softwares, independentemente da modalidade em que se dá a aquisição, no âmbito de incidência do ICMS, mesmo sem substrato legal para tanto.

Do ponto de vista da evolução legislativa, em que pese a flexibilização, por parte do STF, acerca do conceito de mercadoria e do modo de transmissão, deve-se frisar que esta não é ilimitada e merece ser cuidadosamente observada pelo aplicador do direito. Isso porque, em razão da natureza residual do ISS prevista na CF/1988, o alargamento do campo de competência do imposto estadual tem efeitos diretos no campo de competência do imposto municipal, podendo-se mencionar que sua inobservância viola, em última análise, o pacto federativo.

Além dos efeitos indesejados decorrentes da interpretação extensiva no caso do ICMS, as previsões nesse sentido inseridas nos convênios acima apontados padecem de vício material ao tratar de temas reservados à lei complementar, ultrapassando a materialidade designada ao ICMS que, em atenção ao mandamento constitucional, foi tratada na Lei Kandir. O papel dos convênios no ordenamento jurídico brasileiro é restrito a hipóteses taxativas24, que, em nenhuma hipótese, abrangem a criação de novas materialidades tributárias, como decidiu o STF em momento anterior25.

A referida inconstitucionalidade seria suficiente para inviabilizar as disposições do convênio, porém deve-se destacar que o texto, da forma como posto, fomenta a guerra fiscal – que é justamente o oposto do objetivo central dos convênios de ICMS – quando determina a cobrança do imposto também nas operações com software e nas situações em que os bens digitais são utilizados apenas temporariamente pelos contratantes, tal como ocorre nas operações de contratação de software na nuvem (SaaS) ou de streaming de músicas e vídeos.

Sob esse aspecto, a posição dos estados invade a competência dos municípios para a cobrança de impostos, na medida em que a LC n. 116/2003 determina a incidência do ISS nas operações de “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” (item 1.05) e na “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos” (item 1.09).

Sobre o tema, os contribuintes vêm se manifestando26, a nosso ver de forma acertada, pela não incidência do ICMS com fundamento na ideia de que bens incorpóreos não se inserem no conceito de mercadoria. Na mesma linha, vem se sustentando que inexiste – no contexto da aquisição da licença de uso por tempo determinado sem transferência ao computador do usuário – a “circulação” do produto, assim como a transferência de sua propriedade. Isso porque, a partir da compra do direito de uso (licença), o usuário não se torna proprietário do programa, mas apenas tem assegurado o direito de utilizá-lo por determinado tempo.

A partir da evidente tentativa de ampliação do critério material da hipótese de incidência do ICMS pelos estados, cumpre analisar a materialidade do ISS, com intuito de investigar, a partir das mudanças recentes observadas também na legislação daquele imposto, se estes são capazes de alcançar os softwares e, em paralelo, quais seriam as soluções possíveis para evitar o conflito de competência entre este e o imposto de competência estadual.

4.2. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS)

O Imposto Sobre Serviços (ISS), de competência dos municípios e previsto no art. 156, inciso II, da Constituição Federal de 1988 tem como hipótese de incidência a prestação de serviços de qualquer natureza, desde que previstos em lei complementar. Assim, na obrigação tributária referente ao ISS, tem-se, de um lado, um prestador de serviços – contribuinte do imposto (art. 5º da LC n. 116/2003) – e, de outro, um tomador, pessoa física ou jurídica.

A Constituição Federal de 1988 estabelece que a competência municipal para instituir tributos é residual em relação àqueles de competência estadual e àqueles de competência da União Federal (IPI e IOF). Nesses termos, para que se verifique a incidência do ISS, deve-se investigar a definição do que se enquadra como serviço, uma vez que apenas as atividades classificadas como tal, à luz da materialidade constitucional do conceito de serviço, são passíveis de atrair a obrigatoriedade do imposto, previsto em lei complementar27.

A materialidade do ISS foi objeto de diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Durante muitos anos, restou consolidada posição firme das cortes superiores28 no sentido de que a materialidade do tributo em questão consistia em obrigação de fazer, sob o argumento de que não poderia a lei complementar alterar o sentido dos conceitos elencados na constituição para fins de repartição de competências constitucionais. O requisito da existência de obrigação de fazer para configuração da hipótese de incidência do ISS foi, inclusive, objeto de súmula vinculante29, que consolidou o entendimento pela não incidência do tributo municipal sobre a locação de bens móveis.

A doutrina tradicional chegou a absorver o conceito de serviço como obrigação de fazer, como pontua Derzi nas notas às lições de Aliomar Baleeiro30, asseverando que “onde houver obrigação de fazer, pode caber, como ensinou Geraldo Ataliba, o imposto municipal de serviços, ISS, mas não IPI ou ICMS”. Ao contrário, onde houver obrigação de dar, pode caber a incidência do IPI e do ICMS, mas não a do ISS. Barros, em artigo recente sobre o conflito de competência nas novas tecnologias31, menciona que a doutrina clássica firmou entendimento bastante fechado ao identificar uma correspondência entre “prestações de serviço” e “obrigações de fazer”, identificando a materialidade do ISS como atividade ou conduta humana desenvolvida em favor de um terceiro, que com ela obtém uma utilidade ou que deriva para a identificação da materialidade do ISS com as denominadas “obrigações de fazer”.

A caracterização da prestação de serviço como obrigação de fazer decorrente do esforço humano – predominante, mas não unânime32 – encontra-se também nos estudos de Justen Filho33 e Barreto34.

Em complemento aos doutrinadores acima indicados, Moraes35 aponta para a incidência de ISS sobre serviços como bens imateriais, refletindo clara posição da doutrina clássica no sentido de que o ICMS apenas poderia incidir nas operações de circulação de bens corpóreos produzidos em massa e destinados à mercancia, enquanto o ISS estaria restrito a obrigações de fazer36.

A posição doutrinária – que parecia ser pacífica também no Poder Judiciário – começou a ser alterada a partir da decisão do STF ao julgar o RE n. 116.121, relativo à incidência do ISSQN sobre a atividade de locação de guindastes, momento em que aquela Corte passou a flexibilizar tal entendimento, afastando a ideia de que a interpretação do conceito de serviço deveria se submeter tão somente à luz dos conceitos do direito privado e admitindo a ideia de que determinada palavra tenha um sentido diferente no Direito Tributário quando comparado àquele no Direito Civil.

Em julgado mais recente, o STF decidiu, em caso com repercussão geral reconhecida, que incide ISS sobre as atividades de planos de saúde, afastando o requisito da obrigação de fazer e da presença de esforço humano – historicamente aplicadas como requisitos pela doutrina tradicional – com fundamento na teoria dos tipos no que se referem às regras de repartição de competências, cuja consequência imediata é a flexibilização do conceito constitucional de serviços37.

Veja-se, no entanto, a nosso sentir, que as ideias cunhadas em julgados recentes não podem ser consideradas como nova posição da Corte Suprema, mas um movimento pela flexibilização do conceito de serviço. Isso porque os julgados recentes não são suficientes para superar, de forma definitiva, toda a jurisprudência do STF dos últimos trinta anos, consubstanciada, inclusive, de Súmula Vinculante – destaque-se, não revogada – acerca do tema.

No contexto das novas tecnologias, principalmente em razão da transmissão eletrônica dos bens digitais, são comuns os conflitos de competência vertical entre estados e municípios. Especificamente em relação aos softwares, e em razão da flexibilização, por parte do Poder Judiciário, no que se refere à incidência do ICMS nas “transferências” de programas de computador, ainda que ausente o suporte físico – que ensejaria a redução do campo de competência do ISS para tributá-los –, os municípios somaram esforços para aprovar no Congresso a Lei Complementar n. 157/2016, que alterou a Lista de Serviços do ISS. A referida Lei inseriu uma série de novos serviços que surgiram com a evolução da tecnologia, incluindo atividades desenvolvidas na nuvem (cloud) e a disponibilização de conteúdos por meio da internet.

Em linha com a inclusão de novas hipóteses de incidência na Lei Complementar, os municípios passaram a se movimentar para adequar suas práticas internas com o intuito de realizar o alargamento do campo de competência do ISS, viabilizando a cobrança do imposto também sobre softwares.

A título de exemplo, a Lei n. 16.757/2017, editada pelo Município de São Paulo, estabeleceu, dentre outros, como novo fato gerador do ISS a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos”, passando a ser o streaming tributado à alíquota de 2,9% no município paulistano. Na mesma linha, o Parecer Normativo SF n. 1, de 18.07.2017, indicou a incidência do ISS, independentemente da distinção entre softwares por encomenda e padronizados, sobre a transferência eletrônica de dados (download), bem como a sua disponibilização a partir de servidor externo (software as a service SaaS – ou streaming), enquadrando-se no subitem 1.05 da lista de serviços, sem prejuízo da possibilidade de subsunção de parte da operação nos subitens 1.03 e 1.07.

De toda sorte, em que pese serem as alterações legislativas reflexos da publicação da LC n. 157/2016, estas se revelam, a nosso ver, incompatíveis com a natureza das transmissões de dados, especialmente no que se refere à disponibilização, a partir de servidor externo, de software a usuário (SaaS). Isso porque, pela natureza do referido modelo, há cessão temporária de direito de acesso a determinados conteúdos, hipótese que não se insere na materialidade do ISS. Ressalte-se, a esse respeito, que o art. 156, inciso III, da CF não versa sobre a tributação de cessão de direitos, mas sobre os “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar”.

Em relação às demais modalidades de software, entendemos serem igualmente incompatíveis com o conceito de serviços previsto na Constituição Federal, convalidado pela doutrina e pela jurisprudência, que assentaram a ideia de obrigação de fazer como critério para sua caracterização. A flexibilização dos conceitos constitucionais, a nosso sentir, viola frontalmente a Lei Maior e retira daquele texto seu principal atributo, que é a limitação do poder do estado em face do contribuinte.

Em razão dessas mudanças, tornaram-se ainda mais acirradas as disputas tributárias sobre o tema entre estados e municípios, os quais vêm buscando, a qualquer custo, inserir na materialidade de seus tributos as atividades decorrentes das novas tecnologias, ainda que, para tanto, sejam flexibilizadas as noções de “mercadorias” ou “serviços”, distanciando-se da forma originalmente concebidas pelo legislador. A posição acima nos remete a um segundo tema, que merece ser objeto de atenção para os fins ora propostos. Poderiam os entes federados, em razão da legítima necessidade de tributação das empresas atuantes no mercado digital, expandir por meio da legislação infraconstitucional o campo de competência de seus tributos? Em outras palavras, os termos utilizados pelo constituinte no que se refere à repartição de competências podem ser considerados rígidos ou flexíveis? As questões acima, que nos parecem essenciais para o estudo da tributação na economia digital, foram objeto de atenção pela doutrina nacional e estrangeira, que discutem se os enunciados constitucionais para fins de repartição de competência consistem em conceitos ou tipos.

5. Repartição de Competências Tributárias: breves anotações sobre as teorias dos tipos e conceitos e o papel da lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro

A Constituição Federal de 1988 delimita o poder de atuação, para fins tributários, de cada um dos entes tributantes. Assume-se, a partir da dessa afirmação, que o constituinte originário apresentou, no texto constitucional, qual ente seria competente para instituição e cobrança de cada um dos tributos previstos naquele diploma.

Como indicado no início deste trabalho, o modelo de repartição de competências tributárias no direito brasileiro, na linha da crítica de Borges38 e Barreto39, torna as soluções em torno do conflito de competências ainda mais complexas, tendo em conta que, com objetivo de conferir autonomia financeira a cada um dos entes federados, nosso sistema foi desenhado com a pluralidade de competências para instituição dos tributos sobre o consumo, ensejando tanto concorrência horizontal (entre União, estados e municípios), como vertical (entre estados e municípios).

Nesses termos, ainda que a atribuição de fontes próprias de custeio para cada ente tributante tenha por fundamento a sua autonomia, em linha com a ideia de federalismo participativo40, não se pode olvidar que o modelo enseja diversos conflitos, refletindo cenário de absoluta insegurança jurídica tanto aos contribuintes, quanto aos entes federados, na medida em que a atribuição constitucional de competências para diferentes entes tributantes por meio da indicação de materialidades tributáveis por cada um deles gera conflitos em relação à subsunção de determinadas atividades em um ou outro conceito.

Assim, especificamente em relação aos impostos – tema sobre o qual se desenvolve este trabalho –, os arts. 153 a 156 indicam a repartição de competências tributárias para os entes federados. A Constituição elenca, ainda, nos dispositivos mencionados, as materialidades sobre as quais recairão os impostos de competência de cada ente, a partir de expressões delimitadoras do sentido atribuído às respectivas palavras em determinado contexto, refletindo, desse modo, o alcance de incidência do tributo.

O cenário indicado, que pode parecer simples à primeira vista, é objeto de grandes controvérsias doutrinárias no direito brasileiro, na medida em que não são raras as oportunidades em que os entes tributantes, ao verificar determinada situação no mundo real, tentam estender a abrangência da competência para alcançar determinada atividade.

Surgem, então, as teorias dos tipos e conceitos que, em apertada síntese, divergem acerca da liberdade do legislador infraconstitucional, no que se refere à determinação da materialidade dos impostos incidentes sobre atividades que se encontram em situações cinzentas. Especificamente no que tangem aos tributos sobre o consumo, podem ser destacados os seguintes pontos de divergência: (i) operações que parecem revelar troca de titularidade – ensejando a incidência do ICMS –, mas que, em razão do avanço tecnológico, não são mais realizadas por meio de suporte físico, podendo ser inserido na hipótese de incidência do ISS; (ii) operações que mesclam circulação de mercadorias e prestação de serviços; e (iii) atividades que, embora pareçam prestações de serviço ou circulação de mercadorias, não se enquadram de forma exata nas materialidades descritas na Carta Magna.

Diante dessas questões meramente exemplificativas, surgem as discussões acerca da existência de conceitos – que se caracterizam por sua rigidez e intransponibilidade, com necessidade de cumprimento de todos os requisitos para sua caracterização – ou de tipos, cuja principal característica é a flexibilidade, admitindo que apenas alguns dos requisitos – ou aqueles tipicamente comuns àquela espécie – sejam suficientes para sua caracterização.

Neste ponto, deve-se também investigar o papel da lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente para saber se tais normas podem inovar no que se refere à materialidade dos impostos previstos na Carta Magna ou se, ao contrário, têm como limite o disposto naquele Diploma.

Sobre o tema, Schoueri41 se manifesta no sentido de que cabe à Lei Complementar delimitar a materialidade dos tributos, de modo que quando o constituinte se valer de conceitos de direito privado – por serem conhecidos os limites daquela competência –, não pode o legislador complementar redefinir aquele conceito, sob pena de ultrapassar o disposto na própria Constituição (art. 110 do CTN).

De toda sorte, alerta o autor que uma expressão extraída do direito privado pode não ter sido recepcionada pelo texto constitucional, na medida em que este deve ser interpretado em seu contexto, permitindo a investigação acerca da adoção ou não, pelo constituinte, de um instituto de direito privado.

O referido entendimento, que revela a adoção da teoria dos tipos por Schoueri, está fundamentado principalmente no teor do art. 146, inciso I, da CF/1988, que determina que compete à lei complementar dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária entre os entes federados.

O raciocínio cunhado pelo autor, portanto, leva em consideração que, em sendo as expressões previstas pelo constituinte consideradas tipos – portanto, “fluidos” e “flexíveis”, na medida em que os critérios que os caracterizam se alteram de acordo com o grupo a que pertencem –, fica o legislador complementar apto a especificar o seu significado, delimitando os conceitos previstos constitucionalmente42. A lição do autor abrange também os conflitos de competência verticais.

A divergência acerca do papel da lei complementar foi objeto dos estudos de Paulo Ayres Barreto, que ao tratar da matéria definiu a Constituição de 1988 como verdadeira carta de competências que define o espectro legiferante em matéria tributária43. Nesse sentido, defende o autor que em sistemas tributários em que as competências são definidas no plano constitucional, é a própria Constituição que definiria a materialidade de cada tributo. Desse modo, dever-se examinar “se a regra-matriz de incidência tributária erigida no plano legislativo se amolda ao perfil constitucional traçado para aquela figura impositiva”44.

Na mesma linha, Aires Fernandino Barreto afirma que a definição do âmbito de incidência de cada tributo depende da investigação do conceito dos fatos adotados pela Constituição como hipótese de incidência de cada tributo45. Isso porque, a Constituição Federal de 1988 elenca rígida separação de competências tributárias, de modo que nem mesmo a lei complementar poderia ampliar ou restringir o alcance dos conceitos incorporados pelo texto constitucional46.

A nosso ver, assiste razão aos dois últimos autores, na medida em que a atribuição de competências tributárias pela Constituição evidencia a preocupação do constituinte em não deixar tal matéria para o legislador complementar. Adotar entendimento diverso, no sentido de que caberia ao legislador complementar definir a materialidade dos tributos implicaria, em última análise, o estabelecimento de uma supremacia da lei complementar sobre a Constituição, raciocínio que, além de equivocado, se revela ilógico.

Nesse contexto, os termos empregados pelo texto constitucional possuem um significado previamente delimitado – como dito anteriormente, refere-se ao sentido normalmente atribuído à palavra em determinado contexto histórico – que não pode ser ignorado nem ultrapassado pelo legislador infraconstitucional. A utilização do significado originalmente concebido, nesse sentido, trabalha em prol da segurança jurídica do contribuinte, refletindo o limite a ser garantido pela Lei Maior no papel de limitar o poder do estado diante do cidadão.

Tal perspectiva não torna impertinente a necessidade de lei complementar para definir a materialidade dos tributos ou resolver conflitos de competência (art. 146 da CF). Isso porque conceitos também são abstrações e, portanto, dependem de definição para que se afastem problemas de vagueza e ambiguidade.

Assim, o entendimento de que é a lei complementar que atribui significado aos termos empregados pelas regras de competência pressupõe que não haveria qualquer significado previamente estabelecido pelo constituinte, o que não parece correto. Portanto, será no texto constitucional – e não na legislação complementar – que deverá ser identificada a materialidade dos tributos. Tal entendimento privilegia o texto constitucional e afasta a insegurança que necessariamente surgiria ao se deixar o legislador complementar definir livremente as materialidades sujeitas à tributação.

Nesse contexto teórico surgem as teorias dos conceitos e dos tipos, que serão brevemente apresentadas a seguir.

5.1. Teoria dos Conceitos

A ideia de conceitos, nos termos do que foi brevemente exposto nas linhas anteriores, se revela a partir do significado de um termo ou de uma classe de termos sinônimos, de modo que ao se afirmar que determinado termo constitucional exprime um conceito, diz-se que o termo conota propriedades necessárias e suficientes para sua verificação, de modo que sem elas o conceito não se manifesta47.

Tratando de regras de competência, a adoção da teoria dos conceitos indica a ideia de que os enunciados constitucionais seriam prescritivos, ou seja, cumpririam a função de modificar, dirigir ou influenciar o comportamento humano, guiando a conduta dos entes tributantes. Desse modo, nas palavras de Ávila48, os enunciados prescritivos determinam, sob pena de invalidade, como as coisas devem ser.

As regras de competência, segundo a doutrina dos conceitos, resultariam da interpretação dos enunciados contidos em uma fonte (Constituição), dirigindo o comportamento do destinatário (entes federados), fixando-lhe limites para o exercício legitimo da competência49.

Nesse sentido, ao defender a ideia de conceitos, Ávila sustenta que se as regras de competência atribuem aos entes federados o poder de tributar (faculdade), mas implicitamente proíbem que o poder de tributar seja exercido relativamente a outras hipóteses, de modo que tal poder apenas se confirma caso as hipóteses sejam previstas na Constituição, sob pena de invalidade – inexistindo poder de tributar50.

Aplicando a teoria ao caso dos softwares, as modificações da legislação, seja por meio de lei ou pelos convênios editados pelos estados, seriam incompatíveis com a Constituição. Na mesma linha, no caso dos softwares que não são transmitidos ao computador do usuário – cujo pagamento é realizado mensalmente –, está igualmente ausente característica essencial para a cobrança do ICMS, motivo pelo qual, caso adotada a teoria dos conceitos, não se observa a incidência do imposto estadual.

Contudo, no que se refere ao ISS, a inclusão dos novos serviços na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, por não se subsumirem ao conceito de prestação de serviço definido pelas cortes superiores – que levam em consideração a obrigação de fazer para incidência do imposto e excluem as obrigações de dar ou entregar – enseja conflito com o disposto na Constituição Federal.

5.2. Teoria dos Tipos

Em oposição à ideia de conceitos, há consistentes estudos que defendem a existência de tipos nas regras de competência, baseados na ideia de que o constituinte, ao atribuir as competências tributárias, efetua certa forma de abstração. Isso porque, por serem as relações sociais complexas, seria impossível que o legislador previsse todas as suas miudezas, optando, portanto, por escolher algumas características, abstraindo da realidade algumas de suas peculiaridades, positivando-as51.

Em outras palavras, segundo aqueles que defendem a teoria dos tipos no que toca às regras de competência, o tipo descreve características habituais que costumam comumente se apresentar, de modo que, ao se afirmar que determinado termo constitucional exprime um tipo, está-se a dizer que os termos utilizados na Constituição descrevem as propriedades típicas comumente constatadas, mas não necessárias nem suficientes para sua verificação52.

Segundo Schoueri, a origem da teoria dos tipos em matéria de repartição de receitas pode ser encontrada na doutrina de Klaus Vogel e Hannfried Walter (1971), que indicaram que a hipótese tributária, da forma como colocada a partir da ideia de conceitos, não resolveria o tema, seja em razão de os conceitos refletirem critérios cujos conteúdos não eram exatos, seja porque a jurisprudência vez por outra privilegiava um ou outro critério, sem qualquer razão clara. É nessa linha que o autor, citando Strache, ao diferenciar tipos de conceitos aduz que, enquanto um conceito jurídico permite uma definição exata com contornos precisos, no tipo não cabe falar em definição, mas em descrição53. Assim, o conceito estaria definido a partir de seus contornos.

Diante dessas considerações, deve-se investigar se os termos constantes nos dispositivos da Carta de 1988, que atribuem o poder de tributar aos entes federados, apresentam significados que conotam propriedades exaustivamente determinadas, devendo estar presentes para sua existência (conceitos) ou se, ao contrário, esses significados apenas descrevem propriedades tipicamente observadas, exemplificativas, sem que precisem necessariamente ser observadas para sua constatação (tipos).

A resposta a esta indagação se faz fundamental neste estudo, na medida em que, a partir dela, poder-se-á afirmar se a presença de apenas alguns elementos descritos pela Constituição como critérios para incidência do ICMS e do ISS seriam suficientes para viabilizar a cobrança dos tributos ou se, ao contrário, apenas quando observados todos os elementos descritos no texto, seria possível a cobrança dos referidos tributos.

Ainda que a questão seja complexa e que tenha demandado grandes reflexões de juristas – destacamos, em nosso país, Luís Eduardo Schoueri e Humberto Ávila54 –, entendemos como correta a ideia de que as regras de competência constitucional, nos termos do que previu o constituinte de 1988, referem-se a conceitos.

A afirmação acima se baseia em dois principais argumentos, que serão expostos, mas não desenvolvidos com profundidade para não fugir do objetivo principal deste trabalho. São eles: (i) as normas constitucionais revelam normas prescritivas, rígidas, que limitam o poder de tributar do estado, constituindo garantia ao contribuinte e aos entes tributantes, que, a partir da ideia materializada no texto constitucional, conseguem conhecer exatamente as atividades que serão objeto de tributação, conhecendo, por consequência, os valores que serão despendidos – no caso dos contribuintes – e o valor que será arrecadado – no caso dos entes tributantes; (ii) as normas de competência – exatamente pela natureza de norma – não cumprem função de descrever, mas de determinar como as coisas devem ser efetivamente, dirigindo e delimitando o comportamento dos entes federados, de modo que sua inobservância invalida formalmente o ato normativo.

Aos argumentos acima elencados, soma-se ainda a ideia de que o próprio constituinte de 1988 concedeu à União Federal a competência residual (art. 154), justamente para alcançar os fatos jurídicos não previstos na materialidade elencada nos artigos 153, 155 e 156. Se estivéssemos, portanto, diante de enunciados tipológicos, não seria necessária a competência residual, na medida em que a natureza flexível dos tipos seria suficiente para alcançar, caso necessário, propriedades não previstas com exatidão na distribuição de competências ordinárias.

5.3. Adequação dos tributos sobre o consumo sobre as novas tecnologias

As considerações anteriores nos parecem suficientes para chegar a algumas conclusões preliminares, especialmente no que se refere ao conflito entre estados e municípios acerca da incidência do ICMS e do ISS sobre programas de computador.

No que se refere ao ICMS, entendemos ser inviável sua incidência sobre software, especialmente por três motivos: em primeiro lugar, porque não há ato de mercancia nem troca de titularidade, elementos essenciais, a nosso ver, para incidência do referido imposto, na medida em que não há venda de licença, mas cessão do uso de direito autoral, que não se confunde, em absoluto, com a hipótese de incidência do ICMS. Nessa linha, entende-se que, em sendo as regras de competência constitucionais rígidas em sua natureza, não há espaço para ampliações de base que maculem os sentidos previamente delimitados pela Carta Magna.

Em segundo lugar, porque, em que pese tenha o STF decisões no sentido de flexibilizar a necessidade de suporte físico para fins de incidência do imposto estadual, sua ausência viola o significado anteriormente atribuído à expressão “mercadoria”, imprescindível para a cobrança do tributo. Nesse prisma, a ausência de suporte físico – seja pela sobreposição do CD pelo download, seja pela sobreposição do download pela utilização do software na nuvem – afasta a possibilidade de cobrança do ICMS.

Em terceiro lugar, ainda que os estados estejam se movimentando no sentido de estender o conceito de mercadorias digitais, inserindo os softwares no campo de incidência do ICMS, a exemplo do disposto nos Convênios n. 181, de 28.12.2015, e 106, de 29.09.2017, importante ressaltar que estes se revelam incompatíveis com a Constituição Federal, porque: (i) padecem de vício material, na medida em que não são instrumento hábil para criar nova hipótese de incidência do ICMS, tendo em vista a necessidade de lei complementar e o respeito ao sentido de circulação de mercadorias previsto nos enunciados constitucionais; e (ii) violam o pacto federativo, previsto no art. 1º da Constituição Federal, pois, ao ampliar o campo de incidência do ICMS, tem-se, como efeito automático, a redução do campo de incidência do ISS, este último residual em relação ao primeiro, nos termos do art. 155, inciso III, da CF/1988.

Do mesmo modo, a materialidade do ISS, da forma como posto no ordenamento jurídico brasileiro vigente, a nosso ver, também não alcança os softwares, porque: (i) analisando o ordenamento jurídico, da forma como positivado, não podem ser os programas de computador caracterizados como serviços, em especial pela ausência da natureza de obrigação de fazer, que se revela essencial para incidência do tributo, nos termos da doutrina e da jurisprudência majoritária e consolidada; (ii) a extinção do suporte físico – que teria como suposto impacto imediato a incidência do ISS – violaria o pacto federativo, na medida em que em razão da ausência de previsão para repartição de receitas dos municípios com os estados, ficariam estes privilegiados em relação aos primeiros, ainda que os estados permaneçam obrigados a entregar parte de suas receitas (muito reduzidas com a digitalização da economia) aos municípios.

Este último ponto, como se verifica, viola frontalmente a ideia de federação, ao privilegiar – seja por lei complementar ou por qualquer outro meio – um ente em detrimento de outro.

Além dos argumentos acima indicados, que seriam suficientes para inviabilizar as pretensões tributárias dos estados e dos municípios sobre os programas de computador, deve-se adicionar o fato de que há crescente disputa entre estados e municípios para alargar as hipóteses de incidência dos tributos para abarcar materialidades não previstas pelo constituinte, em evidente violação à Constituição Federal não apenas no que se refere às regras de competência, mas também em relação à segurança jurídica do contribuinte no que toca à previsibilidade, à cognoscibilidade e à estabilidade do direito.

A violação à segurança jurídica consiste em fundamento importante de validade para a cobrança de tributos, de modo que sua inobservância pode fundamentar a impossibilidade de cobrança de tributos. No caso dos softwares, a disputa entre os entes consiste em evidente violação aos direitos dos contribuintes, que além de não conhecerem, com clareza, o tributo que deve ser recolhido, encontram, como demonstrado acima, entendimentos divergentes, ainda que baseados no mesmo julgamento do STF, acerca da natureza – e por consequência, do tributo incidente – dos programas de computador. Interessante notar que a impossibilidade de se tributar os softwares com base no direito posto não é motivo suficiente para que as autoridades fiscais busquem, a qualquer custo, uma forma de alcançá-los, sob o fundamento da inegável capacidade contributiva das empresas desse nicho. Sobre isso, mencionamos no início deste trabalho que o direito tributário, pautado na legalidade, não funda a pretensão tributária na capacidade contributiva, mas na lei, sendo a capacidade contributiva tão somente o método de graduação da intensidade da tributação55.

Por outro lado, a ausência de tributação ou a baixa intensidade de sua incidência viola a livre concorrência ao tributar empresas que atuam no mesmo mercado de forma diferente. É nesse contexto que a solução proposta neste trabalho guarda maior relevância: buscar, por meio de novo regramento, disciplinar a tributação sobre os bens digitais de forma linear, reduzindo a guerra fiscal e preservando a autonomia financeira dos entes federados, em homenagem ao pacto federativo.

Por todas essas questões, a proposta que se coloca em debate tem por fundamento a utilização da competência residual da União Federal, prevista no art. 154 da Carta Magna, como ferramenta de resolução dos problemas da economia digital. Nos termos mencionados no início deste trabalho, o uso da competência residual não é a única solução56 possível para a tributação dos bens digitais, mas a que entendemos ser mais adequada para tanto, observado o ordenamento jurídico tributário da forma como posto.

6. Solução possível: Competência Residual da União Federal (art. 154, inciso I, da CF/1988)

A criação de um imposto específico para bens digitais vem sendo o caminho adotado pela Europa como resposta à verdadeira revolução tecnológica observada nos últimos anos. A esse respeito, a conclusão daquele continente se enquadra em problema similar ao observado no Brasil: a tentativa de se aplicar a um mercado disruptivo e inovador legislação criada em contexto absolutamente diferente, gerando inequívocas distorções, conforme longamente apresentado ao longo deste trabalho.

A comissão europeia, em atenção à redução da arrecadação e da insegurança jurídica decorrente das transformações no mercado digital adotou novas medidas, dentre as quais destacam-se: (i) equalization tax ou digital service tax (DST) (3% da receita bruta de empresas digitais não residentes), devida no destino (cf. local de upload do usuário), dedutível do corporate income tax e VAT, recolhido por empresas dos setores de mídias sociais, marketing digital e coleta de informações; (ii) abandono do critério físico na caracterização de Estabelecimento Permanente e regras de alocação de receitas entre os países da UE com base no número de usuários e transações (“presença digital significativa”, aferida pelo volume de receitas, contratos ou consumidores); e (iii) dispensa da retenção, para manter o ideal de mercado sem fronteiras.

Em outras palavras, diante da evolução tecnológica, fortemente marcada pela digitalização da economia e acompanhada de alterações diárias na forma como os negócios são realizados, os países vêm buscando criar tributos específicos, adequados a essas realidades, com intuito de onerar as empresas digitais de forma similar àquelas do mercado tradicional.

No Brasil, em razão de a Constituição Federal de 1988 ter delimitado a repartição de competências tributárias para que os entes políticos instituíssem imposto de acordo com suas materialidades, levando em consideração o contexto normativo-social do momento em que foi promulgada a Carta Magna, entendemos que seria a utilização da competência residual pela União, o instrumento adequado para criação de um novo tributo que recaia especificamente sobre os bens digitais.

A proposta em questão revelaria, em primeiro lugar, maior flexibilidade do legislador, que poderia, a partir da indicação do fato gerador do tributo, afastar a necessidade de estabelecimentos fixos, bens corpóreos ou qualquer outro limite encontrado nas materialidades previstas na CF/1988 para os tributos existentes.

Em segundo lugar, o imposto residual da União Federal não viola, mas auxilia a repartição de receitas previstas na Lei Maior, na medida em que divide parte dos recursos obtidos com estados (art. 157, inciso II, da CF/1988), que vêm sofrendo forte redução de suas receitas tributárias em razão do desenvolvimento das tecnologias, sem que, em contrapartida, sejam reduzidas suas atribuições constitucionais, que incluem a repartição de parte de sua arrecadação com os municípios. A nosso ver, esta medida fortalece o pacto federativo no que se refere às finanças dos entes, em oposição ao cenário atual, em que o esvaziamento das receitas estaduais somados à obrigação dos estados de repassarem parte de seus recursos aos municípios viola a autonomia financeira.

Em terceiro lugar, em sendo requisito constitucional a instituição do imposto residual por meio de lei complementar (art. 154, inciso I, da CF), que se refere, nos termos do art. 146, inciso I, da Carta Magna, ao instrumento eleito para dispor sobre conflito de competência entre os entes tributantes, a lei instituidora do imposto poderia indicar a não compatibilidade da incidência do ICMS e do ISS sobre os bens digitais, de sorte a fornecer o substrato legal necessário para afastar a guerra fiscal entre entes, sem a perda de arrecadação.

7. Conclusões

Diante das questões apontadas, pode-se concluir que nem o ICMS nem o ISS, da forma como postos no ordenamento jurídico brasileiro, revelam-se aptos a incidir sobre os softwares, independentemente da modalidade de transmissão.

A afirmação acima, baseada na ideia de que o sistema de repartição de competências da Constituição Federal de 1988 revela conceitos, rígidos e imutáveis, demonstra que os entes tributantes vêm, a qualquer custo, tentando inserir os bens digitais em seu campo de competência, gerando inúmeras distorções de mercado e violação ao pacto federativo.

Nesse contexto, observa-se que os estados e os municípios vêm desconsiderando a natureza da comercialização dos softwares, que consiste em contratos de cessão de uso – não configurando mercadoria ou serviço, mas contrato de propriedade intelectual que ultrapassa o campo de atuação tributária desses entes –, sendo inviável sua tributação pelo ICMS ou pelo ISS.

Os estados, por sua vez, vêm desconsiderando aspectos essenciais para incidência do ICMS, como a ideia de mercadoria e de transferência de titularidade – que implicam na presença de bens tangíveis para sua caracterização – por meio da flexibilização desses conceitos para alcançar a tributação dos softwares.

Além da evidente violação acima indicada, que seria suficiente para inviabilizar a cobrança, o instrumento utilizado pelos entes para tanto são igualmente inadequados. Os convênios não podem, em nenhuma hipótese, aumentar o campo incidência de determinado imposto, na medida em que sua função consiste unicamente em dirimir os conflitos de competência entre entes. Veja-se que, além do vício material de tais convênios, em sendo a competência para cobrança do ISS residual em relação ao ICMS, o alargamento da hipótese de incidência deste último reduz o campo de atuação dos municípios, violando o pacto federativo.

Em relação aos municípios, verifica-se movimento igualmente incompatível com a CF/1988: a inserção de hipóteses de incidência na Lei Complementar n. 116/2003 com intuito de aumentar o escopo e a possibilidade de cobrança do ISS sobre os softwares, em especial aqueles cuja utilização se dá por meio da internet, sem a transferência ao computador do usuário (SaaS).

Sob esse aspecto, em que pese ser a lei complementar o instrumento adequado para apontar o fato gerador dos impostos previstos na Carta Magna, eles não podem ultrapassar o significado de serviço, que nos termos delineados pela Constituição Federal, corroborado pela jurisprudência e pela doutrina, reflete apenas obrigações de fazer.

Na mesma linha, em razão da natureza dos programas de computador – contratos de propriedade intelectual (Lei n. 9.609/1998) –, os softwares não podem ser considerados serviços, tendo em vista o patente afastamento da hipótese de incidência atribuída pelo constituinte ao ISS. Por fim, o esvaziamento da competência dos estados, conforme acima demonstrado, em favor dos municípios, viola flagrantemente o pacto federativo, especialmente no que se refere à autonomia financeira.

A ausência de flexibilidade das regras de competência foi objeto de análise em momento oportuno neste trabalho, que demonstrou ter o constituinte brasileiro vislumbrado casos em que as materialidades dos impostos elencados na Constituição seriam incompatíveis com determinadas situações da vida real, hipóteses em que atribuiu à União Federal a competência residual, nos termos do art. 154, inciso I, da Carta Magna.

Diante desses argumentos, o este estudo concluiu, a partir da análise do ordenamento jurídico posto, ser a competência residual a única opção para se tributar os softwares sob pena de distorção incompatível com a rigidez do sistema tributário brasileiro.

Verifica-se, destarte, que a tributação do mercado digital a partir do exercício da competência residual da União Federal se revela adequada porque, além de compatível com o ordenamento jurídico brasileiro: (i) resolve – na medida em que instituído por lei complementar – o conflito de competência entre estados e municípios no que se refere à tributação do mercado digital; e (ii) promove e incentiva o pacto federativo, a partir de divisão de recursos entre estados e municípios.

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1 Nesse sentido, a manifestação da Comissão Europeia na exposição de motivos à proposta de diretiva 2018/0072 (CNS) sobre o estabelecimento permanente na economia digital.

2 A Action 1 do BEPS/OCDE/G20: “The Action 1 report concludes that the digital economy cannot be ring-fenced as it is increasingly the economy itself (...)”.

3 Segundo a Comissão Europeia, nove em cada vinte das maiores empresas mundiais, em virtude da sua capitalização de mercado, passaram a ser digitais, em comparação com uma em cada vinte, há dez anos.

4 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva. p. 371-381.

5 Cf. GODOI, Marciano Seabra de. “Recent Developments in Brazil Regarding the Indirect Taxation of Services in the Digital Economy”. Bulletin for International Taxation, v. 72, n. 4a, 2018. p. 5.

6 Dentre outros, destacam-se: RE 547245, Relator Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 02.12.2009; STF. RE n. 651703/PR, Relator Ministro Luiz Fux, pub. 26.04.2017.

7 WILDASIN, David E. Fiscal Competition. The Oxford Handbooks of Political Science. Nova York: Oxford University Press, 2006. p. 503.

8 BRASIL. Secretaria Estadual da Fazenda do Estado de São Paulo. Decisão Normativa CAT n. 4/2017. Publicado do DOE/SP, em 21.09.2017..

9 Sobre os efeitos dos julgados ver: “Posições interpretativas fiscais em face do RE n. 176.626-3”. Grupo de Pesquisa Tributação da Era Digital no NEF/FGV Direito SP. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/posicoes-interpretativas-fiscais-em-face-do-re-176-626-
3-13112017>. Acesso em: 6 dez. 2018.

11 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo; GALDINO, Guilherme Silva. p. 251-252.

13 Cf. ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira; BEVILACQUA, Lucas. ICMS sobre software: evolução do conceito constitucional de mercadorias em face da inovação tecnológica. In: MONTEIRO, Alexandre; FARIA, Renato; MAITTO, Ricardo. Op. Cit., p. 343.

14 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 654.

15 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit., p. 646-648.

16 Cf. CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 44.

17 Cf. IWASE, Raquel Harumi. Aspectos controvertidos da tributação do uso de software. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), São Paulo, 2013. p. 17-18.

18 Cf. ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira; BEVILACQUA, Lucas. ICMS sobre software: evolução do conceito constitucional de mercadorias em face da inovação tecnológica. In: MONTEIRO, Alexandre; FARIA, Renato; MAITTO, Ricardo. Op. Cit. p. 346.

19 Em outras palavras, a primeira análise do STF sobre a matéria consubstanciou entendimento no sentido de que apenas bens corpóreos poderiam ser objeto de tributação pelo imposto estadual. As legislações estaduais, em linha com a jurisprudência em tela, costumavam designar o valor do suporte físico (CD) como base de cálculo de incidência do ICMS, reforçando a ideia de que apenas a partir deste se estaria diante de uma mercadoria tributável pelo ICMS.

20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI MC 1.945/MT. Plenário, pub. 14.03.2011.

22 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – SP – MS n. 1010278-54.2018.8.26.0053. Nona Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, tendo sido deferida liminar suspendendo os efeitos do Decreto Estadual n. 63.099/2017 para as empresas do setor de tecnologia da informação e comunicação em São Paulo.

24 Dentre as funções dos decretos, destacamos: (i) regulamentar a prestação de assistência para a fiscalização de tributos e permuta de informações, conforme art. 199 do CTN; (ii) delimitar hipóteses de concessões de isenções, benefícios e incentivos fiscais, nos moldes do art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da CF/1988, e da LC n. 24/1975; (iii) tratar de substituição tributária em operações interestaduais (art. 9º, caput, da LC n. 87/1996); e (iv) padronizar obrigações acessórias entre os estados.

25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADIn 4.171, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, pub. 10.08.2015.

26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 5.958, Relator Ministro Dias Toffoli (pendente de julgamento).

27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 651703/PR, Relator Ministro Luiz Fux, pub. 26.04.2017

28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 446.003-AgR, Relator Ministro Celso de Mello; RE 446.003 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, j. 30.05.2006, DJ 04.08.2006; RE 602.295 AgR, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 07.04.2015, DJe 75 de 23.04.2015.

29 Cf. Súmula Vinculante 31 do STF.

31 Cf. BARROS, Maurício. Tributação da economia digital e os conflitos de competência entre ICMS e ISS. In: MONTEIRO, Alexandre; FARIA, Renato; MAITTO, Ricardo. Op. Cit. p. 362.

32 Barros cita a divergência na doutrina de Marco Aurélio Greco. GRECO, Marco Aurélio. Internet e direito. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 93-94.

33 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre circulação na Constituição. São Paulo: RT, 1985. p. 90.

34 Cf. BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003. p. 423.

35 Cf. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo: RT, 1978. p. 98-99.

36 Cf. BARROS, Maurício. Tributação da economia digital e os conflitos de competência entre ICMS e ISS. In: MONTEIRO, Alexandre; FARIA, Renato; MAITTO, Ricardo. Op. Cit., p. 363.

37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 651.703, Relator Ministro Luiz Fux, pub. 26.04.2017.

38 Cf. BORGES, José Souto Maior. O imposto sobre o valor acrescido. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 348.

39 Cf. BARRETO, Paulo Ayres. A base de cálculo do ISS e os descontos incondicionados. Cadernos jurídicos (EPM), v. 45, p. 99-112, 2016. Lê-se: “(...) não se pode negligenciar que a divisão dos impostos sobre o consumo (sem falar nas contribuições) entre três diferentes níveis federativos, dezenas de Estados e centenas de Municípios, gera, inevitavelmente, distorções e discrepâncias relativamente à base de cálculo e demais elementos da incidência de cada um dos tributos”, p. 100.

40 Cf. SCAFF, Fernando Facury; SCAFF, Luma Cavaleiro de Macedo. Comentários ao artigo 157. In: CANOTILHO, J.J. Gomes et al. (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013 (2ª tiragem/2014). p. 1.737.

41 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. In: SOUZA, Priscila de (org.). Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012. p. 679.

42 Ibidem, p. 695.

44 Ibidem, p. 519 e 520.

45 Cf. BARRETO, Aires Fernandino. ISS: intributabilidade das atividades-meio: imperativo constitucional. In: BARRETO, Aires Fernandino (coord.). Direito tributário contemporâneo: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 27 e 28.

46 Ibidem, p. 28 e 29; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Conflito de competência do ICMS x ISSQN. Industrialização por encomenda sob a ótica do reconhecimento da repercussão geral pelo STF. In: TEIXEIRA, Alexandre Alkmim; BREYNER, Frederico Menezes; LOBATO, Valter de Souza (org.). Os repetitivos e súmulas do STF e STJ em matéria tributária (distinguishing e overruling). Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 403 e 404.

48 Ibidem, p. 20.

49 Ibidem, p. 22.

50 Ibidem, p. 25.

51 Cf. SCHOUERI. Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 275.

52 Cf. ÁVILA, Humberto. Competências tributárias. Ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018. p. 12.

53 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva. p. 552.

54 As posições divergentes, mas muito bem fundamentadas, podem ser encontradas, entre outras, nas obras: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 275; e ÁVILA, Humberto Bergmann. Competências tributárias. Ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018.

55 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 145, § 1º: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

56 Indicamos a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 293-A/2004, que altera o Sistema Tributário Nacional, apresentando um sistema de tributação similar ao adotado por países europeus, baseado em um imposto de renda e um imposto seletivo monofásico sobre itens específicos, de competência federal, um imposto sobre o valor agregado incidente sobre bens e serviços na esfera estadual, mas com legislação unificada nacionalmente, além da transferência do resultado da tributação sobre a propriedade para a esfera municipal, ainda que a competência para cobrança seja atribuída a outros entes federativos por questão de eficiência administrativa.