Os Efeitos do Parcelamento no Curso da Execução Fiscal: Confissão Irretratável e Irrevogável?

The Effects of Installments in the Course of Tax Execution: Unretractable and Irrevocable Confession?

Thaís Figueiredo Fedosseeff Guerrero

Graduanda do curso de Ciências Contábeis da Universidade Estácio de Sá – UNESA. Graduada do curso de Direito da Universidade Candido Mendes Niterói – UCAM. Advogada. Rio de Janeiro. E-mail: thaisfedosseeff@hotmail.com.

Recebido em: 11-08-2019

Aprovado em: 18-11-2019

Resumo

A presente pesquisa tem por fim discorrer sobre os efeitos do pedido do parcelamento pelo contribuinte no curso da execução fiscal, bem como sobre a possibilidade de posterior discussão do referido débito parcelado, na esfera judicial. Isto porque, os principais requisitos para concessão de tal benesse pelo Estado, via de regra, se baseiam na prévia renúncia a quaisquer alegações de direito e a desistência de defesas, administrativos ou judiciais, que tenham por objeto os débitos que serão liquidados.

Como a legislação fiscal confere de um modo geral à referida opção (renúncia/desistência) o caráter irretratável e irrevogável, há entendimento doutrinário e jurisprudencial que entende que o contribuinte ficaria impossibilitado de discutir o débito confessado na esfera judicial, por intermédio de ação própria. Entretanto, existe jurisprudência que entende que a confissão de dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, sendo este o ponto controvertido de partida para a presente pesquisa.

Condicionar a benesse do parcelamento da dívida à renúncia de uma eventual discordância em momento posterior pode ser considerado ato abusivo e arbitrário da Administração Pública Fazendária, uma vez que tal instituto não se confunde com o reconhecimento do pedido, visto que neste encontra-se presente a admissão da existência do direito material, enquanto que na confissão há a admissão de um fato determinado, razão pela qual se faz necessária a discussão para maiores esclarecimentos, por haver entendimentos doutrinários divergentes.

Palavras-chave: parcelamento, renúncia, confissão, reconhecimento, dívida.

Abstract

The purpose of this research is to discuss the effects of the request for installment payment by the taxpayer in the course of the tax enforcement proceeding, as well as the possibility of further discussion of the mentioned installment payment in the judicial sphere. This is because the main requirements for the granting of such benefit by the State, as a rule, are based on the prior waiver of any allegations of law and the waiver of defenses, administrative or judicial, which have as their object the debts that will be settled.

As the tax legislation generally confers to such option (waiver/dissistance) the non-retractable and irrevocable character, there is a doctrinal understanding and case law that understands that the taxpayer would be unable to discuss the confessed debt in the judicial sphere, by means of a proper action. However, there is jurisprudence that understands that the confession of debt does not inhibit the judicial questioning of the tax obligation, which is the controversial point of departure for this study.

Conditioning the benefit of the installment payment of the debt on the waiver of an eventual disagreement at a later time may be considered as an abusive and arbitrary act of the treasury public administration, since this institute is not to be confused with the recognition of the request, since in this one is present the admission of the existence of material law, while in the admission there is the admission of a specific fact, which is why it is necessary to discuss for further clarification, because there are different legal understandings.

Keywords: installment plan, renunciation, confession, recognition, debt.

Introdução

A escolha do tema justifica-se pela relação controvertida entre a condição imposta pelo Estado quando do pedido de parcelamento do débito constituído e exigido contra o contribuinte, referente à confissão de dívida irretratável e irrevogável, e a disposição prevista no art. 5º, XXXV, da CF/1988, que determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito, assim, não devendo ser óbice de eventual questionamento na esfera judicial.

Existe um relevante debate que envolve questões sobre a possibilidade de o sujeito passivo insurgir-se contra o débito tributário em momento posterior ao pedido de parcelamento da dívida, e, sendo assim, condiciona o sujeito passivo à aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas na referida Lei. Desta forma, o parcelamento é uma forma de beneficiamento ao sujeito passivo como uma condição de que seja renunciado o seu direito de provocar a esfera judicial questionando a validade do débito exigido pelo Fisco.

Nesta toada, verifica-se que a confissão de dívidas – um dos requisitos para que se conceda o parcelamento do crédito – se refere ao mundo dos fatos, relacionando-se neste caso, ao fato gerador, e não confessando o sujeito passivo acerca de questões referentes ao direito, razão pela qual será verificado se há ilicitude ou não, de num momento posterior, querer-se discutir acerca da existência ou não do débito exigido, ainda que parcelado.

Necessário relembrar que o parcelamento é uma das modalidades de suspensão do crédito tributário, conforme art. 151, inciso VI, do CTN, em que, após verificado pela autoridade competente o fato gerador cometido pelo contribuinte, ora sujeito passivo da relação jurídico-tributária, e, sendo corretamente realizada uma das formas de lançamento da exigência do crédito constituído, intimado o contribuinte ou responsável acerca do tributo devido, pode optar pelo pagamento do débito, extinguindo o crédito, impugnar na esfera administrativa, ou até mesmo, requerer o seu parcelamento.

Posto isso, desenvolveremos uma linha de raciocínio para demonstrar as possibilidades de atuação do contribuinte quando se vê obrigado a enfrentar excessiva barreira arbitrária apresentada pelo Estado ao denegar eventual prestação jurisdicional pela justificativa da concessão do benefício de parcelamento do crédito tributário constituído e exigido.

1. Do processo de execução em sede tributária

O processo de execução é o meio por intermédio do qual o credor se vale para satisfazer um crédito constante num título que possua força executiva, ou seja, trata-se de um procedimento de cobrança judicial regida pela Lei de Execução Fiscal n. 6.830/1980 e, subsidiariamente pelo Código de Processo Civil. Tal satisfação do crédito pode ocorrer de forma voluntária, através do pagamento após realizada a citação do devedor, ou, pela expropriação realizada pelo Fisco no patrimônio do contribuinte, sendo esta última, a hipótese mais recorrente na seara tributária.

A Lei n. 6.830/1980 legisla a regularidade em cobrar judicialmente o crédito inscrito em Dívida Ativa pela Fazenda, que, em seu art. 2º estabelece que a cobrança pode se estender em toda dívida ativa tributária ou não tributária1, sendo certo que o título executivo deve atender aos requisitos essenciais de inscrição. Veja-se2:

“A autoridade competente para proceder à inscrição da dívida ativa (art. 2º, § 3º) poderá certificar a existência da dívida ativa inscrita, mediante reprodução dos mesmos elementos contidos no termo. Poderá, também, autenticar o próprio termo, certificando que corresponde à dívida inscrita. Assim, formalmente, é irrelevante que a certidão apresente: a) a feição clássica e tradicional: ‘Certifico que, no Registro da dívida ativa foi inscrita, sob o nº..., em tal data, a dívida ativa do Estado, de cujo termo consta o seguinte’, reproduzindo-se o conteúdo do termo e, a final, datando e assinando a certidão; ou b) o modelo atual de cópia datilográfica, xerográfica ou fotográfica do termo, no qual se faz constar: ‘Certifico que o presente termo corresponde à dívida ativa do Município, devidamente inscrita no respectivo Registro’. Seguem-se o lugar, data e assinatura. Importantes os requisitos essenciais, sem os quais a certidão não preenche a sua finalidade. Dela constando o que figura do termo, e não se desviando do que estabelece o § 5º do art. 2º, tem plena eficácia.” (PACHECO, José da Silva, p. 43)

Interpretando o que dispõe o art. 204, parágrafo único, do CTN3, podemos verificar que a presunção de certeza e liquidez do título executivo do qual se vale a Dívida Ativa para buscar do contribuinte judicialmente aquilo que se pretende receber, não é uma verdade absoluta, já que o sujeito passivo ou o terceiro a que aproveite o débito, poderá apresentar prova inequívoca nos autos, pondo fim à pretensão estatal.

O processo de execução tem início com a petição inicial distribuída pelo exequente em face do executado, tendo por objeto a satisfação do seu crédito devidamente constituído, isto é, precipuamente se prevalece da garantia do depósito em espécie4 no caso de não haver o pagamento integral do débito pelo executado, no prazo de 5 (cinco) dias. De outro modo, não há impedimento para que a Fazenda aponte na petição inicial bens que considere satisfatórios à penhora, de modo que se possa garantir a arrecadação do débito5.

Após iniciada a fase executiva, poderá ser verificado no curso do processo eventual impedimento que permita dar continuidade à ação de execução, acarretando a sua suspensão e consequentemente, a interrupção da prescrição. Tal efeito irá perdurar até o momento em que seja levantado o referido impedimento, período em que se retomará o curso processual. Porém, também pode ocorrer algum evento que seja suficiente à extinção do processo, como por exemplo, o adimplemento completo do parcelamento que inicialmente pudera ter dado azo à suspensão, ou até mesmo a ocorrência da prescrição intercorrente6.

Saliente-se que a suspensão da exigibilidade significa a suspensão dos atos tendentes à cobrança do crédito pela Fazenda Pública7. Tem como fim, portanto, a suspensão da exigibilidade do crédito constituído pela ocorrência do prazo prescricional da cobrança e a suspensão da continuidade da execução fiscal.

1.1. Das implicações resultantes ao contribuinte pela constituição do crédito e a consequente inscrição em Dívida Ativa

Entendendo como se inicia o processo de execução pela autoridade competente, não é difícil perceber as implicações que o Estado com seu poder arrecadatório faz o contribuinte sofrer. Isto porque, conforme se verifica do art. 185-A do CTN, a indisponibilidade de bens e direitos é apenas uma das restrições que o devedor sofre quando não paga ou não garante aquilo que é devido. Assim, vejamos:

“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

§ 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.

§ 2º Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.”

Outro exemplo, e este recente, que tem preocupado os contribuintes é a instituição da Lei n. 13.606, de 9 de janeiro de 2018, referente ao Programa de Regularização Tributária – PRR, na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a qual alterou a Lei n. 10.522/2012 (Cadin) em seu art. 25, acrescendo à lei os arts. 20-B, 20-C, 20-D e 20-E. Ao que se refere à averbação pré-executória, verificamos o art. 20-B, § 3º, II:

“Art. 20-B. Inscrito o débito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados.

§ 1º A notificação será expedida por via eletrônica ou postal para o endereço do devedor e será considerada entregue depois de decorridos quinze dias da respectiva expedição.

§ 2º Presume-se válida a notificação expedida para o endereço informado pelo contribuinte ou responsável à Fazenda Pública.

§ 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-as indisponíveis.”

A averbação pré-executória nada mais é do que uma prática realizada pelo cartório em registro imobiliário da condição de um imóvel que poderia afetar um terceiro interessado que se veria eivado de seu direito, em razão da materialização da garantia unilateralmente imposta pelo Fisco, conforme o que dispõe o art. 185-A do CTN.

Isto é, além da possibilidade de a Fazenda Nacional comunicar a inscrição do débito em dívida ativa para o Cadastro Informativo de Créditos não quitados do setor público federal (Cadin) – base de consulta das informações para análise de situações de concessão de crédito, fornecimento de garantias e demais ajudas de cunho financeiro – agora é possível também que o Fisco determine a averbação no registro do bem imóvel, tornando-o indisponível por força do título executivo da inscrição em dívida ativa e a consequente ação judicial, ato que dará maior publicidade a quem assim interessar possa.

De certo que a inclusão do referido artigo que inova com a averbação pré-executória se deu em causa de recorrentes fraudes à execução, propriamente ao que se refere ao art. 185 do CTN8, quando contribuintes com o conhecimento de uma iminente execução se desfazem de seus bens não restando aqueles suficientes ao pagamento da dívida.

Cumpre mencionar, entretanto, que o novo efeito do crédito tributário encontra-se em pauta para deliberação no Supremo Tribunal Federal, em virtude da distribuição de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.931/DF proposta pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, a qual se questiona a legalidade da inclusão dos mencionados artigos à Lei n. 10.522/2002, uma vez que a averbação pré-executória deveria ser considerada como um novo meio de cobrança, de modo que apenas lei complementar poderia dispor.

1.2. Dos casos de urgência em requerer o parcelamento em sede de execução fiscal

É de notório conhecimento que o Estado com seu poder arrecadatório precisa de recursos que naturalmente seriam providos da tributação. Quando o Estado se vê diante de uma conta negativa daquilo que se pretendia arrecadar, precisa consolidar planos de ajuste que possam balancear o saldo negativo em seu orçamento. Com isso, não rara é a edição e publicação de leis de concessão de parcelamento com o oferecimento de uma benesse ao contribuinte devedor, como por exemplo a redução de multa e juros da dívida, para arrecadação prioritariamente do valor principal.

Com a informatização cada vez mais presente inclusive na esfera fiscal, muitos contribuintes do Imposto de Renda de Pessoa Física – IRPF são os próprios a efetuarem suas declarações, sem, muitas das vezes, buscar informações relevantes da maneira a se proceder com a entrega da DIRPF, o que em algumas ocasiões, por falta de conhecimento, pode, de maneira falha, declarar algo que considere devido mas que por força da lei não seria tributável.

Citemos o exemplo de um contribuinte pessoa física, homem médio, que por conta própria realiza a entrega de sua declaração anual do Imposto de Renda, e por erro e desconhecimento, declara o valor de uma doação no campo de um rendimento tributável. Ainda que por uma eventualidade o valor dessa doação não seja isento do ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação9 em sede Estadual, ele é isento do Imposto de Renda devendo apenas ser declarado no campo de rendimentos isentos e não tributáveis apenas para fins de justificação do acréscimo patrimonial daquele que recebeu o valor.

Continuando com o olhar sobre a hipótese mencionada, no caso de o devedor não pagar aquilo que declarou e consequentemente ser intimado na esfera administrativa para regularizar o débito, suponhamos que após mudar-se, não informa novo endereço junto à Receita Federal do Brasil, sendo realizada a intimação pela autoridade competente por publicação edilícia, finalizando todo o processo administrativo sem comparecimento e/ou conhecimento do contribuinte aos autos10.

“Processual civil. Tributário. Embargos à execução fiscal. Mudança de endereço do contribuinte. Alteração ineficaz. Ausência de preenchimento de campos obrigatórios da declaração de ajuste anual. Processo administrativo fiscal. Notificação do contribuinte no endereço constante da base de dados da Receita Federal. Cerceamento de defesa não configurado. Bloqueio de valores de natureza alimentar. Não configurado. Provimento do apelo.

1. Embora tenha o contribuinte informado por extenso seu novo endereço quando da apresentação da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda, deixou de preencher campo obrigatório – e essencial à validade do ato – existente no formulário, impossibilitando, assim, que o sistema eletrônico da Receita Federal processasse a alteração pretendida. 2. Logo, ineficaz a tentativa de alteração do domicílio fiscal, não há que se falar em cerceamento de defesa se a notificação do lançamento fora encaminhada ao endereço antigo do contribuinte, constante do banco de dados do Fisco, sendo certo que, infrutífera a diligência, providenciou a intimação por edital.”

Se já inscrito em dívida ativa, conforme já verificamos, a Fazenda não só pode, como deve, executar o título executivo em face do contribuinte devedor para que obtenha dele o pagamento daquilo que foi declarado como devido. Ainda sob a conjuntura hipotética do caso narrado, este mesmo sujeito passivo encontra-se em vias de realizar um financiamento de sua casa própria, porém a instituição financeira lhe obsta o feito pois há contra ele a ação de uma execução fiscal em razão deste débito declarado e não pago, conforme verificado de uma certidão positiva de débitos exarada pela Receita Federal do Brasil.

Ora, há de se convir que nestes momentos e na situação atual da maioria dos contribuintes pessoa física, são poucos os que podem dispor de um pagamento integral do débito repentinamente, ainda mais quando se está em vias de proceder com um financiamento da tão sonhada casa própria. Assim, na maioria das alternativas, não resta outra opção que suspenda a execução fiscal e possibilite a emissão de uma certidão positiva com efeitos de negativa de débito, senão a adesão ao parcelamento do crédito tributário contra si constituído.

Vejamos que na mencionada hipótese, o débito contra si constituído se deu em razão de um erro no preenchimento da declaração de ajuste anual por mera falta de informações, já que muitas das vezes o próprio Fisco admite a complexidade de seus sistemas, sempre aconselhando que a declaração se realize após uma melhor orientação ou até mesmo por um profissional preparado.

Nesta toada, seríamos prepotentes em afirmar que diante da hipótese narrada, o sujeito passivo estaria confessando a dívida em razão de ter optado pelo parcelamento do débito que a princípio não tinha sequer conhecimento de que se tratava de um erro cometido por ele mesmo e que, diante da urgência e necessidade de ter uma emissão de certidão de regularidade fiscal, viu a hipótese do inciso VI do art. 151 do CTN11 como o meio mais seguro de assim alcançar seu objetivo fim.

Uma lei que seja posteriormente declarada como inconstitucional também é um exemplo que podemos citar. Por vezes o sujeito passivo da obrigação tributária adere aos programas de parcelamento oferecidos pelo governo por mera boa-fé, ainda que a cobrança de um débito seja pauta de discussão em questões de inconstitucionalidade, o que porventura, no mais tardar, poderia se ver pagando por algo que não é constitucional de o Fisco cobrar, o que também acarretaria uma confissão de dívida e que veremos daqui pra frente as possibilidades de sua anulação.

2. Da suspensão da execução fiscal por força do parcelamento

Conforme dispõe o art. 155-A, § 1º, do CTN, quando optado pelo contribuinte o parcelamento como forma de suspensão da exigibilidade do crédito contra ele executado, devem-se incluir, salvo disposição de lei em contrário, os juros e a multa de mora que deverão ser pagos junto com o débito principal, por intermédio das parcelas que serão definidas pela lei que conceder o parcelamento.

O parcelamento, segundo ensinado por Leandro Paulsen (2017, p. 111), “é espécie de moratória através da qual se permite o pagamento do débito tributário em diversas prestações, de modo que, a cada mês, seja exigível uma parcela, e não o todo”12.

Tal benesse não importa na extinção da execução fiscal que se encontrar em curso, mas sim a suspensão do feito até a quitação da última parcela. Vejamos a jurisprudência13:

“Processual civil. Parcelamento do débito após o ajuizamento da execução fiscal. Suspensão do feito.

1 – No caso de parcelamento posterior ao ajuizamento da execução fiscal, não se justifica a extinção da mesma, mas tão somente sua suspensão até o pagamento da última parcela.

2 – Agravo de instrumento a que se nega provimento. Agravo regimental prejudicado.” (TRF-3, AI n. 24810 SP 2004.03.00.024810-4, Rel. Des. Fed. Nery Junior, Terceira Turma, j. 11.03.2010)

“Tributário e processual civil. Execução fiscal. Parcelamento do débito em momento posterior ao ajuizamento da execução. Extinção do feito. Impossibilidade. Suspensão do curso do processo.

1. Agravo de Instrumento em face de decisão que, no bojo da execução fiscal de nº 0005674-84.2015.4.05.8300, acolheu parcialmente a exceção de pré-executividade apresentada pelo agravante e determinou a suspensão do feito executivo com fulcro no inciso VI do art. 151 do Código Tributário Nacional – CTB. [...] Como se vê, na espécie, o parcelamento do débito tributário foi celebrado em 29/08/2015 e 29/09/2015, isto é, em momento posterior ao ajuizamento da execução fiscal (20/06/2015). Desta forma, conclui-se que não se mostra possível a extinção do feito executivo, o qual, por força do previsto no inciso VI do art. 151 do CTB c/c 922 do CPC, deve permanecer suspenso pelo tempo concedido pelo credo para o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor. Agravo de instrumento improvido.”14

Ademais, antes mesmo da LC n. 104/2001, que editou a norma para inserir ao art. 151 do CTN, em seus incisos, a opção do parcelamento já era de maior entendimento que o pagamento parcelado do crédito tributário daria ensejo à suspensão do poder de exigir pelo Fisco, aquilo que se constituiu em face do contribuinte-devedor.

Com efeito, a suspensão do crédito por intermédio do parcelamento evitará que sejam promovidos novos atos de penhora e de expropriação de bens do devedor, uma vez que até então não haveria óbice à constrição de seus bens. Em razão disso, qualquer ato praticado anteriormente ao pedido de parcelamento, deverá ser mantido em sua integralidade por não haver motivo pretérito que sustasse a penhora.

Da mesma maneira ocorre quando a consolidação da dívida ocorre após realização da penhora, senão vejamos:

“Tributário. Execução fiscal. Adesão a programa de parcelamento. Momento da suspensão da exigibilidade do crédito (art. 151, VI, do CTN). Lei nº 11.941/2009. Consolidação da dívida após a penhora de ativos financeiros. Manutenção da constrição.

1. Caso no qual houve requerimento de adesão ao parcelamento antes da penhora de ativos financeiros, porém, a consolidação da dívida somente ocorreu depois de realizada a penhora. Definição do momento a partir do qual considera-se suspensa a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, VI, do CTN) para fins de impedir a realização de atos constritivos, como a penhora de ativos financeiros.

2. Restou assentado no julgamento do REsp 957.509/RS, Rel. Min. Luiz Fux, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, que ‘A produção de efeitos suspensivos da exigibilidade do crédito tributário, advindos do parcelamento, condiciona-se à homologação expressa ou tácita do pedido formulado pelo contribuinte junto ao Fisco. [...] A suspensão da exigibilidade do crédito tributário, perfectibilizada após a propositura da ação, ostenta o condão somente de obstar o curso do feito executivo e não de extingui-lo’ (STJ, 1ª Seção, REsp 957.509, DJe 25.8.2010).

3. A homologação do pedido ocorre com a consolidação do parcelamento, sendo este o marco para suspensão da exigibilidade do crédito tributário. É legítima a manutenção da penhora preexistente à concessão de parcelamento tributário. Precedentes: AgInt no REsp 1.659.973/PE, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 06/06/2017, DJe 09/06/2017; REsp 1.664.832/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/05/2017, DJe 16/06/2017; AgInt no REsp 1.614.946/DF, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 21/03/2017, DJe 29/03/2017. 4. A consolidação do parcelamento após o ajuizamento da execução fiscal enseja a suspensão do feito, mantendo a penhora preexistente à suspensão, sem prejuízo de prosseguimento da execução caso o parcelamento seja rescindido. 5. Apelação provida.” (STJ, REsp n. 957.509, Primeira Seção, DJe 25.08.2010)

No entanto, ainda que por algum equívoco não ocorra a suspensão da execução fiscal, o executado pode e deve, através do recurso de Apelação, requerer a concessão do efeito suspensivo, nos termos do art. 1.012, § 4º, do Código de Processo Civil. Porém, no caso de haver constrição de bens após a celebração da avença, o Fisco estará ferindo o princípio da menor onerosidade e, ainda, configurará a dupla exoneração do contribuinte-executado.

Já no caso de haver inadimplemento do parcelamento contraído pelo devedor, deverá ser retomada a execução fiscal até que a Fazenda obtenha êxito na satisfação integral de seu crédito, devendo se valer dos bens em que ocorreu a constrição em momento anterior à suspensão da exigibilidade, onde se, em se tratando de parcial penhora em cima de ativos financeiros, poderá haver a conversão em renda em favor do Fisco, dando-se continuidade ao procedimento executório. Mas se a constrição do bem se tratar de natureza diversa, como por exemplo um imóvel, o mesmo poderá ser levado à leilão.

2.1. Da flexibilização da cláusula de confissão de dívida irretratável e irrevogável no parcelamento

A hipótese de parcelamento está prevista no art. 151, inciso IV, do CTN, o qual condiciona ao contribuinte uma suposta confissão de dívida que seria, a priori, irretratável e irrevogável, conforme previsto na Lei n. 13.469/2017, última legislação que instituiu o Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista o que dispõe em seu art. 1º, § 4º, inciso I, conforme se vê:

“Art. 1º Fica instituído o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos termos desta Lei.

[...]

§ 4º A adesão ao PERT implica:

I – a confissão irrevogável e irretratável dos débitos em nome do sujeito passivo, na condição de contribuinte ou responsável, e por ele indicados para compor o Pert, nos termos dos arts. 389 e 395 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”15

Em seguinte, mais propriamente em seu art. 5º, e justamente o assunto do qual se aprofunda no presente trabalho, o parcelamento encontra-se condicionado à desistência prévia das impugnações ou recursos administrativos com relação aos débitos que se encontrem em discussão administrativa ou judicial e à renúncia de discussão judicial, diante do exposto:

“Art. 5º Para incluir no Pert débitos que se encontrem em discussão administrativa ou judicial, o sujeito passivo deverá desistir previamente das impugnações ou dos recursos administrativos e das ações judiciais que tenham por objeto os débitos que serão quitados e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações e recursos ou ações judiciais, e protocolar, no caso de ações judiciais, requerimento de extinção do processo com resolução do mérito, nos termos da alínea c do inciso III do caput do art. 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).”

Na referida lei, há ainda disposições em que caso haja o atraso ou o inadimplemento das parcelas contraídas, poderá dar causa ao cancelamento do referido benefício, o que poderá culminar na inscrição em dívida ativa daquilo que remanescer do total do débito, com o consequente envio para cobrança judicial se já houver inscrição em Dívida Ativa, ou a continuidade da execução fiscal anteriormente suspensa em razão do parcelamento.

Com isso, tal condição estabelecida para que os contribuintes possam aderir ao programa de parcelamento não deve ser fundada de forma absoluta e arbitrária, uma vez que pode haver necessidade de o legislador regularizar eventuais vícios que possam existir com relação ao crédito, não devendo obstar o acesso ao Judiciário para instaurar tal contenda.

Em assim sendo, a declaração do contribuinte tão somente deverá causar efeitos comprobatórios dos fatos e deverá poder ser revisada na presença de algum vício na declaração. Isto porque, a referida condição busca afastar do sujeito passivo as garantias constitucionais e os direitos fundamentais, assim mostrando-se excessivamente restritiva uma vez que configura uma imposição demasiadamente arbitrária.

Com isso, entende-se que não deverá haver tanta relevância na forma que o pagamento está sendo realizado, mas sim na existência ou não de incidência do tributo ao qual se está parcelando e o qual se pretende ao final extinguir, e, assim, aquele que confessa a dívida através do parcelamento em virtude de erro deverá se valer do direito de buscar o Judiciário para que se obtenha a anulação do que entende como indevido.

Nesta esteira, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região16, em acórdãos publicados no Diário Oficial da União, decidiu que o parcelamento de débito fiscal não impede discussão posterior em juízo. Vejamos a ementa da indigitada decisão:

“Processo civil – processo civil – execução fiscal parcelamento do crédito exequendo – embargos discussão do aspecto jurídico – possibilidade. I – A multa foi incluída no montante da dívida fiscal confessada para fins de parcelamento. II – O parcelamento de dívida fiscal não impede a discussão posterior em juízo de seu aspecto jurídico da exação. III – Apelo provido.”

“Agravo legal. Apelação. PIS e COFINS – art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/98. Inconstitucionalidade. Adesão do impetrante ao PAES nos termos da Lei 10.684/03. Possibilidade de revisão do parcelamento. Prescrição. Não ocorrência. Actio nata. Julgados do STJ e desta Corte. Agravo desprovido. – A decisão agravada foi prolatada a teor do disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, bem como em conformidade com a legislação aplicável à espécie e amparado em súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal ou dos Tribunais Superiores. – No mérito, está superada a questão relativa à inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo perpetrada pela Lei nº 9.718/98. – A questão controvertida nos presentes autos cinge-se sobre a possibilidade de exclusão dos valores relativos à majoração da base de cálculo do PIS e da COFINS, pretendida pela Lei nº 9.718/98 e declarada inconstitucional, da consolidação do Parcelamento Especial, desde a sua adesão, em julho de 2003, bem como sobre a possibilidade de determinar que os pagamentos efetuados com inclusão dos mencionados valores sejam alocados para amortização dos demais débitos existentes, considerando os valores e respectivos meses em que efetuados. – A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a confissão de dívida não impede a discussão judicial acerca da legalidade da exação. – No caso dos autos, a revisão judicial da confissão da dívida encontra amparo no entendimento jurisprudencial do STJ, na medida em que tem por fundamento a ilegitimidade da norma que instituiu a majoração da base de cálculo do PIS e da COFINS, disposta no artigo 3º, § 1º da Lei 9.718/98, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.”

Em decisão fundamentada, o Relator do supramencionado acórdão, Desembargador Federal Cotrim Guimarães, entendeu, tendo por embasamento o julgamento de Recurso Repetitivo do Superior Tribunal de Justiça, que “é possível discutir parcelamento concedido pelos entes políticos, pois muito embora se consubstancie em confissão de dívida, não tem o condão de impedir o questionamento judicial da obrigação tributária”, isso no que se alude aos seus feitios jurídicos quando ocorre defeito ocasionador de nulidade do ato jurídico, tal como erro, dolo, fraude ou simulação17.

Conforme mencionado preteritamente, havendo declaração de inconstitucionalidade de uma lei, a exigência da qual o Fisco se valia anteriormente não mais poderá ser sustentada ainda que com fulcro em qualquer outro tipo de fundamento, que dirá sob o fundamento que tenha por base na manifestação do contribuinte que surgiu pelo pedido de parcelamento do débito.

No caso de não ser permitida, numa das hipóteses, a exclusão do parcelamento dos débitos que foram declarados inconstitucionais, haverá violação grave ao princípio da moralidade administrativa, em que hipoteticamente o Poder Público se anteciparia instituindo novos programas de parcelamento, configurando tal comportamento do Estado como pérfido, o qual induziria os despreparados a efetuarem o pagamento, garantindo assim, o Fisco, sua arrecadação tributária e o enriquecimento sem causa.

2.2. Da garantia constitucional do devido processo legal

O Superior Tribunal de Justiça julgou em sede de recurso repetitivo o Recurso Especial n. 1.133.027/SP, questão a que se referia à impossibilidade de revisão judicial da confissão de dívida extraída pela adesão ao parcelamento do débito da obrigação tributária, tanto em seus aspectos jurídicos quanto em alguns casos, seus aspectos fáticos18.

“Processual civil. Tributário. Recurso especial representativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do CPC). Auto de infração lavrado com base em declaração emitida com erro de fato noticiado ao Fisco e não corrigido. Vício que macula a posterior confissão de débitos para efeito de parcelamento. Possibilidade de revisão judicial.

1. A Administração Tributária tem o poder/dever de revisar de ofício o lançamento quando se comprove erro de fato quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória (art. 145, III, c/c art. 149, IV, do CTN). 2. A este poder/dever corresponde o direito do contribuinte de retificar e ver retificada pelo Fisco a informação fornecida com erro de fato, quando dessa retificação resultar a redução do tributo devido. 3. Caso em que a Administração Tributária Municipal, ao invés de corrigir o erro de ofício, ou a pedido do administrado, como era o seu dever, optou pela lavratura de cinco autos de infração eivados de nulidade, o que forçou o contribuinte a confessar o débito e pedir parcelamento diante da necessidade premente de obtenção de certidão negativa. 4. Situação em que o vício contido nos autos de infração (erro de fato) foi transportado para a confissão de débitos feita por ocasião do pedido de parcelamento, ocasionando a invalidade da confissão. 5. A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude). Precedentes: REsp n. 927.097/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 8.5.2007; REsp 948.094/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/09/2007; REsp 947.233/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009; REsp 1.074.186/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 17/11/2009; REsp 1.065.940/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 18/09/2008. 6. Divirjo do relator para negar provimento ao recurso especial. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.”

O referido julgado apenas nos demonstra que a cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade deve, neste aspecto, ser analisada pelo viés de proteção ao contribuinte, no sentido de o parcelamento aderido não ser unilateralmente revogado pelo Fisco e não mais no entendimento de que a confissão de dívida através da benesse concedida pelo Estado com o fito de arrecadação aos cofres públicos submeteria o sujeito passivo à uma renúncia de discussão num momento posterior.

O pagamento parcelado de um débito não pode ser óbice para que se possa obter uma prestação jurisdicional do Judiciário em virtude da exigência de se renunciar a um direito que está previsto em lei, qual seja, o princípio do devido processo legal disposto no art. 5º, LIV, da CFRB/198819.

Este mesmo artigo é ainda um direito fundamental conforme o que se prevê na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como na Convenção de São José da Costa Rica, respectivamente em seus artigos a seguir:

“Art. 8º Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”

“Art. 8º Garantias Judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.”

O princípio do devido processo legal atua juntamente com os demais princípios previstos pela Magna Carta de 1988, garantindo o contraditório e a ampla defesa, que restam presentes para tutelar os interesses individuais dos contribuintes. De nada serviria os demais princípios se não se aplicasse o princípio do devido processo legal, possibilitando o curso de um regular processo que possa demonstrar ao sujeito passivo que não se contente com imposições do Estado sem que tenha uma decisão definitiva do Poder que pode decidir pela lide.

Alvim20 nos lembra que o princípio do devido processo legal se relaciona com o princípio do nula poena sine iudicio, isto é, não há pena sem processo. Ainda que o referido princípio seja utilizando comumente ao direito penal, podemos generalizar sua aplicação no sentido de que o sujeito passivo não precisa ser condenado por algo que entende ser indevido, ainda que tenha por voluntariedade supostamente confessado o débito apenas para obter para si uma regularidade que naquele momento se fazia urgente.

Ainda, Nery Junior21 nos explica que o devido processo legal “nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível”. E é por isso que pode-se concluir que a desistência de ações e renúncia a um direito não pode e não deverão ser consideradas pelo Judiciário em razão de um parcelamento, devendo conceder a oportunidade de posterior discussão judicial provada pelo sujeito passivo da relação obrigacional tributária.

3. Da ação de repetição de indébito de dívida parcelada após o ajuizamento da execução fiscal

Verificamos, com isso, que não há impedimento a que o contribuinte busque junto ao Poder Judiciário uma possível restituição da dívida supostamente confessada junto ao Fisco, considerando de per si, que o valor que vem sendo pago parceladamente é indevido ou está sendo pago a mais do que deveria, nos termos da exegese do art. 165, inciso I, do CTN, a dizer:

“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no art. 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido.”

Cumpre salientar que para haver possiblidade de restituição daquilo que o contribuinte considera como pago por ele de forma indevida, deve-se comprovar que os fatos não ocorreram na forma declarada por ele anteriormente, no momento em que optou por aderir ao programa especial de parcelamento concedido por lei especial.

Destaca-se, neste sentido, a obra de Hugo de Brito Machado, que entende a evidência dos órgãos fazendários quando determinam a confissão da dívida irretratável por parte do contribuinte, em esquivar-se de serem obrigados a restituir os tributos pagos indevidamente pelos contribuintes:

“Qualquer forma de evitar a restituição do tributo indevidamente pago é, sem dúvida, validação de cobrança indevida, de cobrança ilegal, ou inconstitucional, que não pode ser tolerada pelos que respeitam o Direito e, sobretudo, a supremacia da Constituição.”22

O entendimento jurisprudencial vem se consolidando a cada dia no sentido da possibilidade de se reaver aquilo que foi pago indevidamente pelo contribuinte, ainda que seja referente a um débito parcelado após a inscrição em dívida e o ajuizamento da execução fiscal. Vejamos:

“Revisão de débitos tributários. Dívida quitada. Depósitos convertidos em renda. Ausência de alocação. Inclusão em programa de parcelamento. Repetição do indébito.

Tem o contribuinte o direito de repetir os valores que foram indevidamente recolhidos em função do não aproveitamento dos depósitos convertidos em renda e da inclusão de dívida inexistente em programa de parcelamento.”23

“Direito tributário. Ação anulatória de débito fiscal c/c repetição de indébito. ICMS. Regime especial. Parcelamento. Confissão de dívida. Erro de fato. Revisão judicial.

1. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.133.027/SP submetido ao regime dos recursos repetitivos, firmou posicionamento no sentido de que é possível a revisão judicial da confissão de dívida por erro de fato. Desse modo, na hipótese, diante dos documentos colacionados nos autos, especificamente na conclusão da ação fiscal, é imperioso concluir que o autor incorreu em erro de fato que, ao viciar sua vontade, culminou na formalização de parcelamento tributário, tendo por pressuposto a confissão da dívida parcelada. 2. Recurso conhecido e provido.”24

“Tributário. Ação de repetição do indébito. Imposto de Renda sobre verbas previdenciárias pagas acumuladamente. Parcelamento. Confissão de dívida. Posterior discussão judicial da dívida quanto aos aspectos jurídicos. Possibilidade. Aplicação do regime de competência. Prescrição quinquenal. Apelação desprovida.

[...]

3. O parcelamento implica em reconhecimento do débito pelo devedor e em confissão irrevogável e irretratável de dívida tributária. Contudo, de forma excepcional, a confissão realizada pelo contribuinte ao aderir ao parcelamento tributário não impede a discussão judicial da dívida em determinadas hipóteses.

4. O E. STJ, sob o regime do art. 543-C, § 1º, do CPC/73, decidiu que a confissão de dívida para fins de parcelamento dos débitos tributários não impede sua posterior discussão judicial quanto aos aspectos jurídicos e, quanto aos fáticos, se houver vício que acarrete a nulidade do ato (REsp 1.133.027/SP). [...]

7. Apelação Desprovida.”25

Desta maneira, resta incontroverso o direito do sujeito passivo da obrigação jurídico-tributária junto ao Poder Público do intermédio para busca, ou do indébito tributário, ou da inconstitucionalidade de lei que torne a referida dívida inexigível, restando clara a posição de arbitrariedade do Estado ao opor cláusulas de confissão quando do pedido do parcelamento, com o fito de criar óbice à posterior busca jurisdicional pelo sujeito passivo.

Considerações finais

Pode-se concluir com base no estudo aqui realizado, corroborado com inúmeras discussões no corpo discente e entrevistas com diversos contribuintes – pessoas físicas ou jurídicas – que a confissão de dívida no âmbito do parcelamento de débitos fiscais não é capaz de reproduzir o verdadeiro anseio da sociedade, sendo muitas vezes caracterizada uma afronta ao devido processo legal estabelecido na nossa Carta Magna, posto que inibe o acesso ao Judiciário com o fito de se postular a extinção da dívida supostamente confessada.

Constata-se que inúmeros doutrinadores possuem seu entendimento consolidado nos princípios norteadores de nossa Constituição, devendo o Estado ser isonômico quando da aplicabilidade da norma, fato que nos leva a amparar o sujeito passivo numa futura discussão de mérito, a qual uma vez vedada estar-se-á enriquecendo os cofres públicos.

Ver tolhido seu direito à discussão de mérito por imposição normativa, simplesmente com um viés arrecadatório, é algo desconexo com o ordenamento pátrio que garantiu em suas cláusulas pétreas a aplicabilidade dos princípios do devido processo legal, da isonomia e da proporcionalidade. Tomando para si esta verdade, poderá ser facilmente aplicado este entendimento, posto que aos próprios olhos da legislação, o parcelamento é fator suspensivo da restituição e apor esta lógica para garantir o direito à discussão de mérito será uma situação sine qua non, já que para fins de decisão não é aceitável possuir “dois pesos, duas medidas” para o efeito suspensivo do parcelamento quando da execução fiscal.

Face ao exposto, é notório que o presente estudo visa demonstrar que o contribuinte ao ter contra si um débito constituído e inscrito em dívida ativa, sem possuir outras formas financeiras e patrimoniais para garantir a discussão da lide, vê-se compelido a aderir o parcelamento, fato que não poder descaracterizar seu direito ao devido processo legal, já que esta adesão tem o condão de suspender a exigibilidade da cobrança, sendo-lhe assegurada a proteção jurisdicional no intuito da desconstituição do débito e repetição de indébito das parcelas já liquidadas.

Referências bibliográficas

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PACHECO, José da Silva. Comentários à lei de execução fiscal: Lei nº 6.830, de 22-9-1980. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

1 “Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.”

2 PACHECO, José da Silva. Comentários à lei de execução fiscal: Lei nº 6.830, de 22-9-1980. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

3 “Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.”

4 Lei n. 6.830/1980: “Art. 9º Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegura atualização monetária.”

5 Lei n. 13.105/2015: “Art. 829, § 2º Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado.”

Lei n. 8.212/1991: “Art. 53. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exequente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.

§ 1º Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis.

§ 2º Efetuado o pagamento integral da dívida executada, com seus acréscimos legais, no prazo de 2 (dois) dias úteis contados da citação, independentemente da juntada aos autos do respectivo mandado, poderá ser liberada a penhora, desde que não haja outra execução pendente.

§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às execuções já processadas.

§ 4º Não sendo opostos embargos, no caso legal, ou sendo eles julgados improcedentes, os autos serão conclusos ao juiz do feito, para determinar o prosseguimento da execução.”

6 Súmula n. 314, STJ: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicial o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.”

7 Brasília. “Processual civil e tributário. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC. Ação antiexacional anterior à execução fiscal. Depósito integral do débito. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II, do CTN). Óbice à propositura da execução fiscal, que, acaso ajuizada, deverá ser extinta [...]. 2. É que as causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN) impedem a realização, pelo Fisco, de atos de cobrança, os quais têm início em momento posterior ao lançamento, com a lavratura do auto de infração. 3. O processo de cobrança do crédito tributário encarta as seguintes etapas, visando ao efetivo recebimento do referido crédito: a) a cobrança administrativa, que ocorrerá mediante a lavratura do auto de infração e aplicação de multa: exigibilidade-autuação; b) a inscrição em dívida ativa: exigibilidade-inscrição; c) a cobrança judicial, via execução fiscal: exigibilidade-execução. [...] 10. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial n. 1.140.956/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, Unânime. Brasília, 24 de novembro de 2010, publicação em 03.12.2010)

8 “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.”

Art. 792, CPC: “A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828.”

9 Lei n. 7.174/2015: “Art. 2º O imposto tem como fatos geradores:

II – a doação de quaisquer bens ou direitos.”

10 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. REsp n. 1.681.448/PE (2017/0152886-6), Rel. Min. Regina Helena Costa. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/502068575/recurso-especial-resp-1681488-pe-2017-0152886-6>. Acesso em: 23 mai. 2019.

11 “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito:

IV – o parcelamento (incluído pela LCP nº 104, de 2001).”

12 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

14 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. AG 08082869-32.2016.4.05.0000, Rel. Des. Fed. José Vidal Silva Neto. Disponível em: <http://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/468101517/agravo-de-instrumento-ag-8082869320164050000-se?ref=serp>. Acesso em: 23 mai. 2019.

15 “Art. 389. Há confissão, judicial ou extrajudicial, quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário.

[...]

Art. 395. A confissão é, em regra, indivisível, não podendo a parte que a quiser invocar como prova aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável, porém cindir-se-á quando o confitente a ela aduzir fatos novos, capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.”

16 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível n. 0000404-29.2014.4.03.6115. Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães. Disponível em: <http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/PesquisarDocumento?processo=201461150004047>. Acesso em: 23 mai. 2019.

17 São Paulo. REsp n. 1.133.027/SP, Primeira Seção, DJe 16.03.2011.

18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.133.027/SP (2009/0153316-0), Rel. Min. Luiz Fux. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1006557&num_registro=200901533160&data=20110316&formato=PDF>. Acesso em: 23 mai. 2019.

19 “Art. 5º, LIV. Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

20 ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 64.

21 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, S.d., p. 41.

22 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 494.

23 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n. 5075193-45.2014.4.04.7000 PR, Rel. Rômulo Pizzolatti. Disponível em: <https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/693930331/apelação-civel-ac-50751934520144047000-pr-5075193-4520144047000?ref=serp>. Acesso em: 23 mai. 2019.

24 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJ-DF. Apelação Cível n. 0042039-30.2016.8.07.0018/DF, Rel. Romeu Gonzaga Neiva. Disponível em: <https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/614586459/420393020168070018-df-0042039-3020168070018?ref=serp>. Acesso em: 23 mai. 2019.

25 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível n. 0013722-29.2013.4.03.6143, Rel. Des. Fed. Marli Ferreira. Disponível em: <http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/7147474>. Acesso em: 23 mai. 2019.