Tributação do Valor Justo de Ativos na Devolução do Capital Social

Taxation of the Fair Value of Assets in the Return of Share Capital

Carlos Augusto Daniel Neto

Doutor em Direito Tributário (USP). Mestre em Direito Tributário (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário (IBET-SP). Ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do CARF. Professor da Pós-graduação do IBDT. Advogado em São Paulo. E-mail: carlos.daniel@ddtax.com.br.

Maria Carolina Maldonado Mendonça Kraljevic

Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP. Bacharel em Ciências Contábeis pela Trevisan Escola Negócios. Pós-graduada em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Advogada em São Paulo. E-mail: mmk@almlaw.com.br.

Recebido em: 15-08-2019

Aprovado em: 18-02-2020

Resumo

A partir da publicação da Lei n. 11.638/2007, a contabilidade brasileira sofreu grandes modificações para se adaptar aos padrões internacionais, dentre as quais se destaca a possibilidade de avaliação a valor justo de determinados ativos. Tais modificações, entretanto, não podem resultar em tributação de ganho presumido e não realizado, como pretende a Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta n. 415/2017. Assim, o § 1º do art. 13 da Lei n. 12.973/2014, que determina a tributação do ganho decorrente da avaliação a valor justo na medida em que o ativo seja realizado, deve ser interpretado de forma a preservar a opção fiscal do art. 22 da Lei n. 9.249/1995, bem como em consonância com os princípios constitucionais tributários e o art. 43 do CTN.

Palavras-chave: contabilidade, Direito Tributário, avaliação a valor justo, Imposto de Renda, devolução de capital.

Abstract

Since the publication of Law No. 11638/2007, the Brazilian accounting system has undergone major changes to adapt itself to the international standards; among them, the possibility of valuation at fair value of certain assets stands out. Such modifications, however, may not lead to the taxation of presumed and unrealized gain, as intended by the Brazilian Internal Revenue Service in the Consultation Solution No. 415/2017. Thus, paragraph 1 of article 13 of Law No. 12973/2014, which determines the taxation of gains arising from fair value valuation as the asset is realized, must be interpreted in a way that preserves the tax as set forth in article 22 of Law No. 9249/1995, as well as in line with the constitutional tax principles and witharticle 43 of the National Tax Code.

Keywords: accounting, tax law, fair value valuation, income tax, return of share capital.

Introdução

As modificações sofridas pela contabilidade brasileira, no contexto da convergência contábil operacionalizada pela Lei n. 11.638/2007, com a finalidade de adequar as nossas regras aos padrões internacionais, tiveram grandes implicações também sobre o sistema tributário.

Tal circunstância não deve causar espécie, pois os fatos econômicos recebem uma tradução à luz das regras, princípios e métodos da Contabilidade, sendo escriturados pela pessoa jurídica e, a partir daí, são utilizados pelo Direito, em especial o Direito Tributário, por meio do reenvio feito pela legislação a conceitos oriundos daquele ramo científico. Essa conexão é especialmente relevante quando tratamos da tributação da renda, visto que a legislação, mormente o Decreto-lei n. 1.598/1977, estabelece que determinadas figuras tipicamente contábeis deverão ser tomadas em consideração para a apuração das bases de cálculo tributárias, como o lucro líquido e a receita bruta.

No afã de adaptar a legislação tributária ao novo panorama contábil adotado no Brasil, editou-se a Medida Provisória n. 627/2013, convertida na Lei n. 12.973/2014, que teve como finalidade declarada “a adequação da legislação tributária à legislação societária e às normas contábeis” e, por meio dela, “extinguir o RTT [regime tributário de transição] e estabelecer uma nova forma de apuração do IRPJ e da CSLL, a partir de ajustes que devem ser efetuados em livro fiscal”1.

Essa adaptação, entretanto, ainda vem apresentando diversas questões controversas, dentre as quais destacamos os efeitos fiscais da adoção da mensuração de elementos patrimoniais pelo seu valor justo, em desfavor do método do custo histórico, que pode afetar o valor contábil de um ativo. Mais especificamente, parece-nos haver um problema entre a mensuração de ativos a valor justo e a opção fiscal estabelecida pelo art. 22 da Lei n. 9.249/1995, que autoriza a devolução de capital social aos sócios por meio de bens e direitos avaliados a valor contábil.

A Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Solução de Consulta Cosit n. 415, entendeu que a redução de capital social a valor contábil, com a devolução de bem mensurado pelo valor justo, estaria sujeita à adição de eventual acréscimo no valor do ativo ao lucro real da sociedade, pois o seu valor contábil incluiria o ganho decorrente de avaliação a valor justo.

Essa interpretação dada pela RFB possui o efeito prático de esvaziar a opção do contribuinte pela entrega de ativo a valor de mercado ou a valor contábil, pois o valor contábil já refletirá o seu valor de mercado – ou uma estimativa aproximada dele, como será explanado adiante2.

Assim posto, o problema que pretendemos enfrentar neste trabalho diz respeito à possibilidade de as normas contábeis, que alteraram a definição do valor contábil de ativos sujeitos a AVJ, surtirem efeitos na esfera tributária, especialmente na sistemática jurídica de tributação da renda, afastando, com isso, a opção fiscal contida no art. 22 da Lei n. 9.249/1995.

Antes de nos dirigirmos ao problema, entretanto, deveremos passar pela exposição da sistemática estabelecida pelo art. 22 da Lei n. 9.249/1995 e pelos fundamentos subjacentes à adoção do valor justo como parâmetro de mensuração de elementos patrimoniais.

1. Devolução decapital a valor contábil: um exemplo de opção fiscal

Por muito tempo, a entrega de bens e direitos da pessoa jurídica ao seu titular, sócio ou acionista, a título de devolução de capital social, somente poderia ocorrer a valor de mercado, sob risco de caracterização de distribuição disfarçada de lucros (DDL), sujeitando-se à tributação.

Isso porque o Decreto-lei n. 1.598/1977, que introduziu boa parte dos dispositivos que dão a feição contemporânea do Imposto de Renda no Brasil, estabeleceu, em seu art. 60, presunções juris tantum de que, caso a operação realizada pela pessoa jurídica se desse emdeterminadas condições, considerar-se-ia ocorrida distribuição de lucros.

Dentre elas, o art. 60, inciso I, do DL n. 1.598/1977 prevê que se presuma a distribuição disfarçada de lucros no negócio pelo qual a pessoa jurídica aliena, por valor notoriamente inferior ao de mercado, bem de seu ativo à pessoa ligada. Essa hipótese gerava um problema de natureza societária para as pessoas que integralizavam o capital social de empresas utilizando-se de bens, que eram registrados no patrimônio pelo seu custo histórico, quando esse patrimônio era devolvido ao sócio, por qualquer razão.

Por se tratar o sócio de parte ligada à empresa, nos termos do art. 60, § 3º, “a”, do DL n. 1.598/19773, a devolução do bem estava sujeita às regras de DDL. Tal situação gerou diversas autuações fiscais, tendo em vista que, no momento da operação societária, o bem ostentava um valor de mercado superior ao valor histórico pelo qual havia sido integralizado, exigindo, a RFB, que se incluísse a diferença no lucro líquido do exercício para fins de tributação.

À época, vale lembrar, a distribuição de dividendos era tributada no Brasil, e as pessoas se utilizavam da redução do capital social das empresas como forma de “remunerar” os sócios, ilidindo a hipótese de incidência tributária – o pagamento de dividendos4– por meio de simulação, o que gerou uma série de autuações fiscais.

Nesse contexto, entretanto, também foram autuados contribuintes que procederam a referida operação societária de devolução do capital social aos sócios, por meio de bens, sem qualquer animus dissimulatório. Nesses casos, os tribunais pátrios cuidaram de rechaçar de forma reiterada as tentativas da RFB de qualificar a devolução de bens do capital social lícita e regular como uma hipótese de incidência do imposto de renda, tampouco como forma de distribuição disfarçada de lucros5.

Em razão da consolidação jurisprudencial da matéria, editou-se a Lei n. 9.429/1995, que trouxe, em seus arts. 22 e 23, um regime simétrico para a incorporação e devolução de bens e direitos ao capital social, autorizando que ambas pudessem ser realizadas tanto pelo valor registrado como pelo valor de mercado, estabelecendo a apuração do ganho de capital nos casos em que a operação se desse por valor superior ao contábil6.

A partir de então, as operações societárias envolvendo integralização e devolução de bens entre sócios e a sociedade passaram a ser realizadas sem o risco de incidência tributária, já que era permitido ao contribuinte escolher o momento em que queria apurar o ganho de capital sobre os bens – se na incorporação ou na devolução (que poderiam ser feitas pelo valor de mercado), ou mesmo em posterior alienação para terceiros (hipótese em que a operação seria realizada pelo valor contábil).

A finalidade de excepcionar as regras de DDL é tão expressa que, no momento de elaborar a consolidação da legislação do imposto de renda, esses dispositivos embasaram os §§ 1º e 2º do art. 464 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999, aprovado pelo Decreto n. 3.000/19997 e, atualmente, constam nos §§ 1º e 2º do art. 528 do Regulamento de Imposto de Renda de 2018, aprovado pelo Decreto n. 9.580/2018, que tratam das hipóteses de aplicação da presunção em questão.

Diante disso, utilizando-se da autorização contida no art. 22 da Lei n. 9.249/1995, os contribuintes passaram a promover a redução do capital social8, mediante deliberação da assembleia, para alienação posterior do bem pelo sócio, tributando o ganho de capital na pessoa física.

Tal conduta foi objeto de autuações pelo fisco e análise pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que, majoritariamente, especialmente nos julgamentos realizados pela 1ª Seção, tem tratado o art. 22 da Lei n. 9.249/1995 como uma opção fiscal do contribuinte, que pode escolher o momento em que apurará o ganho de capital sobre os bens e direitos incorporados ao capital social: na incorporação, na devolução ou em posterior alienação9-10.

No entanto, essa opção fiscal está ameaçada. A RFB, por meio da Solução de Consulta n. 415, de 8 de setembro de 2017, proferida pela Coordenação Geral de Tributação (Cosit) e vinculante a toda a Administração Federal, externou seu entendimento no sentido de que, na devolução de participação no capital social pelo valor contábil, o ganho decorrente de avaliação a valor justo integra o valor contábil11.

Isso significa que, aos contribuintes que avaliaram seus ativos a valor justo, não é mais autorizada a devolução de capital a valor contábil sem a apuração do ganho de capital na pessoa jurídica, o que, como se verá a seguir, além de tornar letra morta o art. 22 da Lei n. 9.249/1995, configura tributação de fato que não se subsome à hipótese de incidência do imposto de renda.

Antes de enfrentar diretamente o tema, entretanto, é preciso apresentar algumas considerações acerca da utilização do valor justo na mensuração de ativos e passivos e seus efeitos fiscais, o que será tratado adiante.

2. Apresunção do valor justo

Ao longo dos anos, a evolução da contabilidade foi pautada fundamentalmente pelas necessidades dos usuários das suas informações, deixando de se prestar a finalidades meramente gerenciais e de mensuração patrimonial, como o era em sua origem, e se tornando um importante instrumento de tomada de decisões para todos os participantes do mercado, dos administradores aos investidores, passando pelos fornecedores, instituições financeiras e o próprioPoder Público.

É nesse contexto que a mensuração dos ativos e passivos de acordo com o custo histórico migra para formas de avaliação que melhor representem o patrimônio da entidade12. Isso porque o custo, enquanto parâmetro de mensuração, equivale ao montante de caixa ou outro recurso despendido na aquisição ou construção de um ativo e, por se referir a transações já ocorridas ou a ocorrer, mas derivadas de fatos contábeis acontecidos13, tem como vantagem a sua objetividade, mas não reflete o valor real do elemento patrimonial, afetando a qualidade da informação contábil.

Do ponto de vista informacional, explicam Martins e Lopes, o custo histórico, a despeito do ganho de objetividade em razão de se basear em uma transação já ocorrida14, não atende plenamente à finalidade de mensurar o fluxo de caixa que os elementos patrimoniais são capazes de gerar.

Diante disso, em 2011, após anos de discussões sobre o tema, o International Accounting Standards Board (IASB), organização internacional sem fins lucrativos responsável pela publicação e atualização das normas internacionais de contabilidade, publicou o International Financial Reporting Standards (IFRS) 13 – Fair Value Measurement, para tratar da mensuração do valor justo.

Tais conceitos foram incorporados à contabilidade brasileira por meio do Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 46 – Mensuração do Valor Justo, que tem por finalidade, principalmente, conceituar valor justo e estabelecer os critérios para sua mensuração.

De acordo com o Pronunciamento CPC 46, o valor justo consiste em uma mensuração baseada em mercado, que objetiva estimar “o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração”.

Não obstante o valor justo, em um primeiro momento, recorrer ao mercado para sua quantificação, optou-se por não definir o valor justo simplesmente como valor de mercado, permitindo, assim, a mensuração de elementos patrimoniais que não tenham preço de mercado15, hipótese na qual, como se verá adiante, outras técnicas serão empregadas no seu cálculo.

Ao contrário do que ocorre com a avaliação pelo custo histórico, que, frise-
-se, reflete o valor de transações passadas, o valor justo consiste em estimativa do “preço que seria recebido” em uma transação não forçada, assim entendida aquela em que o ativo é previamente exposto ao mercado, de forma a permitir as atividades de marketing usuais à atividade.

A transação hipotética a ser utilizada na apuração do valor justo pressupõe que compradores e vendedores sejam independentes entre si e conhecedores do elemento patrimonial alienado e da transação realizada, bem como estejam interessados em realizar o negócio, mas não forçados a fazê-lo.

Na mensuração de ativos não financeiros, que são o objeto principal deste trabalho, o valor justo deve considerar, ainda, a maximização do uso do ativo, isto é, a capacidade de a empresa gerar benefícios econômicos fazendo o melhor uso possível do ativo do ponto de vista mercadológico, independentemente do emprego efetivo ou pretendido do bem.

Assim, partindodo melhor uso possível do ativo não financeiro, o preço que seria recebido pela sua venda deve ser estimado por meio de uma das seguintes técnicas: (i) abordagem de mercado, que se utiliza de informações de transações realizadas no mercado com ativos idênticos ou similares; (ii) abordagem de custo, que consiste na mensuração do custo exigido para que um comprador adquira ou construa um ativo substituto ou de utilidade comparável; ou (iii) abordagem de receita, que converte valores futuros em um único valor atual, por meio de técnicas de valor presente, modelos de precificação de opções e método de ganhos excedentes em múltiplos períodos.

Cumpre ressaltar que não há hierarquia entre as técnicas de avaliação, mas sim entre as informações utilizadas em cada uma dessas técnicas para mensurar o valor justo, priorizando-se o uso de dados observáveis relevantes, como, por exemplo, uma cotação de preços, e minimizando-se o uso de dados não observáveis, tais como as premissas que seriam utilizadas por participantes do mercado para precificar um ativo ou passivo similar.

Portanto, o valor justo é influenciado por diversos fatores, tais como a premissa do melhor uso possível do ativo não financeiro e o pressuposto de uma transação não forçada, entre partes independentes, motivadas e conhecedoras do negócio. Além disso, nos casos em que o elemento patrimonial não seja comumente transacionado no mercado, a apuração do valor justo pode se dar por meio de hipotéticos modelos matemáticos.

Nesse contexto, não há dúvidas de que o valor justo é uma presunção, que não se aproxima do montante que seria recebido ou desembolsado caso a transação efetivamente se concretizasse – o que, entretanto, não retira sua importância para fins contábeis, mas limita os seus efeitos fiscais, como se verá adiante.

3. Efeitos da avaliação a valor justo

3.1. Efeitos contábeis

A principal consequência da adoção do valor justo na mensuração de ativos e passivos é o reconhecimento de suas variações, em regra,em contas de resultado. Em outras palavras, os ganhos e perdas decorrentes da avaliação de elementos patrimoniais a valor justo são tratados como receitas ou despesas, impactando diretamente o resultado do período. No entanto, nem todos os elementos patrimoniais podem ou devem ser mensurados pelo seu valor justo.

Os ativos biológicos, isto é, os animais e as plantas vivas16, e a produção agrícola correlata no ponto de colheita, devem, obrigatoriamente, ser mensurados pelo valor justo menos despesa de venda, exceto se tal avaliação não puder ser efetuada de forma confiável.

Por outro lado, os ativos imobilizados, assim entendidos aqueles empregados na produção ou no fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas, atualmente, devem ser mensurados pelo custo17 e sujeitados a avaliações periódicas para refletir eventual redução do valor recuperável (“impairment”). No entanto, quando da adoção inicial do CPC 27 – Ativo Imobilizado, foi oportunizada às empresas a possibilidade de contabilizar tais ativos pelo seu valor justo, afastando, com isso, as distorções no balanço patrimonial causadas pelos critérios contábeis até então vigentes18.

As propriedades para investimento, assim entendidas aquelas mantidas para auferir aluguel ou para valorização do capital, podem ser avaliadas a valor justo ou a custo19. Em regra, a opção entre custo e valor justo deverá ser aplicada a todos os bens contabilizados como propriedade para investimento até que ocorra sua alienação ou reclassificação contábil, já que a alteração do critério de avaliação de valor justo para custo é de difícil justificação. É comum, entretanto, a reclassificação de ativos de e para propriedade para investimentos, hipóteses nas quais os critérios de avaliação poderão ser alterados, trazendo consequências com relação aos valores decorrentes da avaliação a valor justo.

Por exemplo, um imóvel outrora alugado que passe a ser ocupado para o desempenho da atividade operacional da empresa deverá ser transferido de propriedade para investimento para o ativo imobilizado. Nessa hipótese, caso a avaliação das propriedades para investimento sejam feitas pelo valor justo, este é considerado custo na data da alteração do uso do bem20 e, a partir de então, aplicam-se as regras contábeis próprias do ativo imobilizado.

Por outro lado, na transferência de um ativo do estoque para propriedade para investimento, como, por exemplo, na eventualidade de essa mesma empresa adquirir um imóvel para venda no curso normal dos negócios, mas, posteriormente, optar por aguardar a valorização do mercado imobiliário, a diferença entre o custo (critério de avaliação do estoque) e o valor justo (critério de avaliação da propriedade para investimento) deve ser reconhecida no resultado do período, como se houvesse uma alienação21.

Tais efeitos contábeis da avaliação a valor justo, não obstante sejam relevantes para a consistência e confiabilidade das demonstrações contábeis, não devem ter reflexos tributários enquanto não verificada a hipótese de incidência dos tributos que oneram o acréscimo patrimonial, como se verá no próximo tópico.

3.2. Efeitos tributários

Com a convergência das normas contábeis brasileiras aos padrões internacionais a partir da publicação da Lei n. 11.638/2007, a contabilidade deixou de ser principalmente um instrumento de apuração de tributos e passou a transmitir informações de qualidade, seguras e comparáveis mundialmente, favorecendo a tomada de decisões e a inserção das empresas brasileiras no mercado internacional.

Nesse contexto, alterações significativas foram introduzidas na contabilidade brasileira, o que, em um primeiro momento, não traria consequências na esfera tributária22. Em 2014, sobreveio a Lei n. 12.973, que extinguiu o RTT e alterou a legislação tributária, para adaptá-la aos novos padrões contábeis.

Inicialmente, cumpre ressaltar que, embora adaptações na legislação tributária sejam possíveis, os novos critérios de reconhecimento, mensuração e evidenciação decorrentes das modificações na legislação contábil brasileira não podem alterar a hipótese de incidência tributária, cujos contornos gerais sãomatéria de lei complementar e têm seus limites traçados pela Constituição Federal23.

Em outras palavras: o fato de uma mutação patrimonial ser tratada como receita ou despesa pela contabilidade, afetando positiva ou negativamente o resultado do exercício, não atraia incidência de imposto de renda se não houver aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, devendo a legislação tributária prever a realização de ajustes no Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur) para neutralizar os efeitos fiscaisdo reconhecimento contábil de tal receita.

Não é, entretanto, o que ocorre com o ganho decorrente da avaliação a valor justo em determinadas situações.

De acordo com o art. 13 da Lei n. 12.973/201424, o ganho decorrente da avaliação do ativo com base no valor justo, desde que evidenciado em subconta própria, não será computado na determinação do lucro real até que o ativo seja realizado. No mesmo sentido é a Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017, que esclarece que tal ganho seráregistrado a crédito em conta de receita ou de patrimônio líquido, em contrapartida à subconta vinculada ao ativo, e a tributação correlata diferida até a realização do ativo25.

Ainda que haja a realização do ativo ou a falta de contabilização da avaliação a valor justo nos termos da legislação, o ganho correlato não integrará a base de cálculo das estimativas mensais de imposto de renda e de contribuição social sobre o lucro líquido, conforme determina o art. 41 da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017. Para tanto, estabelece o § 1º de tal dispositivo que, na apuração do ganho de capital, inclusive aquele auferido na devolução de capital em bens e direitos, o ganho decorrente da avaliação do ativo com base no valor justo não será considerado como parte integrante do valor contábil.

Ao aplicar tais dispositivos legais, a RFB entendeu que, na devolução de participação no capital social pelo valor contábil, o ganho decorrente de avaliação a valor justo, controlado por meio de subconta vinculada ao ativo, integra o valor contábil. Isso porque, segundo a Autoridade Fiscal, o valor contábil inclui o ganho decorrente de avaliação a valor justo e a transferência de bens aos sócios, em razão da devolução de participação no capital social, e configura realização, atraindo, portanto, a tributação dos ganhos decorrentes da avaliação a valor justo. Confira-se trecho da Solução de Consulta Cosit n. 415/2017:

“Conforme explicado no item 12 desta Solução de Consulta, no caso de alienação pelo valor contábil não há que se falar em apuração de ganho de capital. No entanto, deve-se salientar que o valor contábil do bem que está registrado na contabilidade inclui o ganho ou a perda decorrente de avaliação a valor justo controlado por meio de subconta vinculada ao ativo.

16. O § 1º do art. 97 da IN RFB n. 1.700, de 2017, já anteriormente transcrito, determina que o ganho evidenciado por meio de subconta será computado na determinação do lucro real e do resultado ajustado à medida que o ativo for realizado, inclusive mediante alienação ou baixa. No caso em análise, a transferência de bens aos sócios por meio de devolução de participação no capital (redução de capital) é uma forma de realização do ativo. (...)

Assim sendo, o ganho decorrente de avaliação a valor justo controlado por subconta, anteriormente excluído da determinação do lucro real e do resultado ajustado, deverá ser adicionado a apuração das bases de cálculo dos citados tributos quando ocorrer a transferência dos imóveis aos sócios”.

Nos termos da referida solução de consulta, cujo conteúdo foi replicado pela Solução de Consulta n. 10.014, da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 10ª Região Fiscal (“SRRF10/Disit”), tal tributação, entretanto, se dá apenas quando da apuração do lucro real, ao final do período de apuração, tendo em vista que o § 1º do art. 41 da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017 exclui da estimativa mensal os ganhos decorrentes da avaliação a valor justo, na medida em que determina a apuração do ganho de capital pelo valor contábil sem a inclusão do ganho decorrente de tal avaliação.

Portanto, segundo o Fisco, a avaliação a valor justo produz efeitos tributários quando da devolução de participação no capital social, por meio da entrega de bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, a valor contábil, tendo em vista que: (i) o valor contábil compreende o ganho decorrente da avaliação a valor justo; e (ii) a devolução de participação configura hipótese de realização.

4. Tributação do ganho decorrente da avaliação a valor justo na redução de capital

A atribuição de efeitos tributários à avaliação a valor justo quando da redução de capital, com devolução de bens e direitos aos sócios, buscada pela RFB na Solução de Consulta n. 415/2017, não procede.

O art. 22 da Lei n. 9.249/1995, conforme tratado acima, possibilita aos contribuintes optar pela devolução de bens e direitos do capital social pelo valor contábil ou pelo valor de mercado. Entretanto, o valor contábil, com a interpretação que lhe é dada pela RFB, com a inclusão do ganho decorrente da avaliação a valor justo, equivale ao valor de mercado.

Isso significa que, de acordo com o entendimento consubstanciado na Solução de Consulta n. 415/2017, não é mais facultada a devolução de capital a valor contábil, sem efeitos tributários, aos contribuintes que mensurarem seus ativos a valor justo, já que, tanto na devolução a valor contábil, como na devolução a valor de mercado, a diferença entre o custo histórico e o valor de mercado será tributada.

Em primeiro lugar, há que se ressaltar uma razão de ordem interpretativa.

Quando da publicação da Lei n. 9.249/1995, o valor contábil era um conceito definido em função do custo histórico do bem ou direito, e essa escolha não foi aleatória, pelo contrário, o legislador pretendeu expressamente que não houvesse a incidência da tributação da renda na hipótese de operações societárias relativas a transferências patrimoniais entre os sócios/acionistas e as empresas.

Por se tratar de um âmbito de normatividade extremamente técnico, o legislador adotou um sentido específico para “valor contábil” no momento de redigir a lei, não podendo a RFB, à luz de alterações nos conceitos contábeis, promover uma substituição do sentido originalmente invocado pelo legislador – o respeito ao sentido técnico dos termos, na redação das leis, é uma determinação do art. 11, inciso I, “a”, da LC n. 95/199826, de modo que, se o legislador deve respeitar esse significado, não faria sentido reconhecer ao intérprete o poder de alterá-lo.

Assim, para conferir maior efetividade à vontade manifesta do legislador,a expressão “valor contábil” do art. 22 da Lei n. 9.249/1995 deve ser interpretada como correspondente ao custo histórico do bem ou direito – mesmo que a legislação fiscal atual, em adequação às normas contábeis, determine queas empresas controlem em subconta vinculada ao ativo o montante equivalente à avaliação a valor justo.

É preciso, para a correta interpretação do referido dispositivo, que se compreenda o contexto significativo da lei, buscando a concordância material do sentido das proposições jurídicas com a regulação que se pretendia estabelecer27, e não a interpretando de forma segregada, promovendo uma articulação de significados que gere um resultado normativo diametralmente oposto ao pretendido pelo legislador.

Frise-se que o que aqui se defende não é a redução de capital a valor contábil com a incorporação do montante correspondente ao valor justo ao patrimônio dos sócios, de forma a afastar a tributação do ganho em definitivo, mas sim a manutenção da possibilidade de devolução de bens por seu valor de custo, conforme a melhor interpretação da Lei n. 9.249/1995, a todos os contribuintes, inclusive àqueles que optaram por realizar a avaliação a valor justo de seus elementos patrimoniais – hipótese na qual haverá um mero diferimento na tributação para quando efetivamente ocorrer a alienação do bem.

Mais ainda, milita contra a tese fiscal o próprio sistema constitucional tributário, poistributar os contribuintes que reduzem capital socialcom ativos mensurados a valor justo e manter a opção fiscal por diferir a tributação do ganho de capital àqueles que efetuam a mesma operação societária, mas avaliam seus ativos a custo, violam o princípio da isonomia tributária, que deve necessariamente orientar a atividade tributária do Estado.

O dever de igualdade tributária é violado sempre que não exista um fundamento razoável ou uma razão objetivamente evidente para a diferenciação de tratamento entre dois contribuintes28. De forma mais analítica, aduz Humberto Ávila que a distinção deve ser fundada em uma diferença factual existente entre os contribuintes e que seja feita em função de uma determinada finalidade reputada como válida pelo sistema jurídico29, já que a forma de mensuração dos elementos patrimoniais não é um critério de discriminação válido.

A enunciação de um dever de igualdade determina uma relação entre os sujeitos, mas o conteúdo dessa relação, o tratamento a ser dado a cada um, só poderá ser determinado a partir de uma racionalidade estratégica em relação à finalidade pugnada pelo subsistema jurídico relevante ao caso30.

Ora, sendo inconteste que a finalidade do legislador, ao estabelecer o art. 22 da Lei n. 9.249/1995, era evitar a tributação do ganho de capital na incorporação e devolução de bens ao capital social, quando ela não se desse a valor de mercado, resta evidente que o estabelecimento dessa diferenciação de tratamento jurídico para os ativos sujeitos à mensuração a valor justo e aqueles mensurados a custo vai à contramão do escopo da legislação, evidenciando a ofensa à igualdade tributária.

Ademais, a devolução de capital social, mediante entrega de bens e direitos da pessoa jurídica ao seu titular, pelo valor contábil, conquanto possa ser entendida como uma espécie de alienação, não importa em realização de eventual ganho decorrente da contabilização do AVJ, não atraindo, portanto, a incidência do imposto de renda.

Isso porque, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional, o imposto de renda tem por hipótese de incidência a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza31.

Sem pretender entrar aqui na longa controvérsia doutrinária acerca do significado das expressões “jurídica” e “econômica”32, temos como premissa a assunção de que o legislador não inseriu palavras desnecessárias na lei (no brocardo, verba cum effectu sunt accipienda), de modo que as espécies de disponibilidades cuja aquisição configura o fato gerador do IR não se confundem.

Uma das posições predominantes enuncia que a disponibilidade econômica se verifica com a possibilidade de o contribuinte, efetivamente, realizar quaisquer atos de disposição, de forma incondicionada, sobre riqueza que lhe acresceu o patrimônio; ao passo que a disponibilidade jurídica implicaria a disposição sobre a riqueza, ainda que ela não lhe tenha sido entregue, ou quando haja um direito incondicional ao recebimento dessa riqueza nova no futuro, por força de título jurídico33. Em outro sentido, diversos autores traçam um paralelismo entre a disponibilidade econômica e jurídica e os regimes de caixa e competência, para reconhecimento de ativos e passivos na contabilidade, de modo que o primeiro pressuporia o recebimento efetivo da riqueza, sua detenção, enquanto o segundo corresponderia à obtenção do título jurídico34.

A despeito da relevância da controvérsia, entretanto, parece-nos que o cerne da discussão, no que se refere ao enfrentamento do problema posto neste trabalho, é o reconhecimento da intenção do legislador de, ao recorrer às expressões “jurídica” e “econômica”, promover a universalidade na tributação da renda35, esgotando todas as espécies de “disponibilidades” que venham a acrescer o patrimônio do contribuinte, atingindo-as todas pela tributação da renda36.

Nesse sentido, há que se compreender que a disponibilidade da renda, independentemente de se manifestar econômica ou juridicamente, corresponde à capacidade do contribuinte de usar livremente, dar aplicação ou despender de moeda ou o seu valor em direitos patrimoniais, o que se dá com o ingresso dessa riqueza no patrimônio sem qualquer condição ou óbice. Daí o alerta de Bulhões Pedreira para que não se confunda a aquisição do direito à renda com a aquisição da disponibilidade sobre ela, pois entre uma e outra falta um evento de realização da renda37.

Brandão Machado, em erudito parecer, pontua que a tributação da renda reconhece universalmente o princípio da realização (que não se confunde com a liquidação, ato de transformar em dinheiro determinado ativo detido pelo contribuinte), que se caracteriza pela certeza do contribuinte de dar como separado do seu patrimônio o bem ou direito cuja alienação assegurará o ganho adquirido38 – em outras palavras, apenas no momento em que a riqueza nova se destaque jurídica e economicamente do patrimônio do contribuinte é que se considerará ocorrida a realização.

Essa realização do lucro, explica Bulhões Pedreira, pressupõe a ocorrência de quatro requisitos, quais sejam: (i) a sua conversão em direitos que acresçam ao patrimônio da pessoa jurídica; (ii) que essa conversão se processe mediante troca no mercado; (iii) que a pessoa jurídica já tenha cumprido as obrigações que para ela nascem dessa troca; e (iv) que os direitos recebidos na troca tenham valor mensurável e liquidez39.

Em síntese, a realização é o momento em que o lucro deixa de ser potencial para tornar-se real ou efetivo40.

Pois bem, voltando ao que dissemos anteriormente, o valor justo dos ativos consiste em uma estimativa do “preço que seria recebido” em uma transação não forçada, entre partes independentes – ou seja, conquanto represente um acréscimo de valor ao patrimônio do contribuinte, ele não reflete propriamente uma riqueza disponível, pois lhe falta ainda a realização, por meio de uma transação no mercado, capaz de promover o destaque do ganho tributável.

Na devolução de capital a valor contábil, entretanto, ocorre uma mera substituição da parcela correspondente ao capital social pelo ativo vertido ao sócio, sem a verificação, nesse momento, de qualquer acréscimo patrimonial passível de tributação pelo IR – nesse sentido, inclusive, é a orientação firmada na jurisprudência do TFR, que orientou o estabelecimento do art. 22 da Lei n. 9.249/1995 (e.g. AC n. 84.615/SP41). Se e quando o ativo for alienado pelo sócio, haverá a disponibilidade de renda sobre a parcela que eventualmente superar o valor registrado na declaração de imposto de renda do sócio – momento no qual será válida a tributação correspondente.

Não se pode olvidar que a contabilidade atualmente se orienta pelo critério da qualidade da informação contábil, e busca esse atributo de todos os modos, inclusive com a mensuração de elementos patrimoniais a valor justo; por outro lado, a tributação deve, nos termos do art. 145, § 1º, da CF/1988, ser mensurada de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, a qual é posta em evidência apenas no momento em que a renda é realizada.

Ao analisar caso análogo, em que se discutiu a incidência de IRna integralização de cotas, a valor contábil, para aumento de capital social de empresa ligada, o STJ decidiu que o ganho decorrente da alienação ou liquidação do investimento, objeto da reserva de reavaliação de que trata o art. 24 do Decreto-lei n. 1.598/1977, apenas poderá ser computado na apuração do lucro real quando o contribuinte efetivamente obtiver, com tal operação, a disponibilidade econômica ou jurídica do acréscimo patrimonial. Confira-se:

“Assim, a transferência, por pessoa jurídica, de bens (ações) para fins de integralizar/subscrever aumento de capital social de uma terceira empresa, perpetrada no caso concreto, não importou em disponibilidade imediata de ganhos à embargante, mas puramente na substituição, no âmbito de seu patrimônio, de uma participação direta na empresa por uma participação indireta, em igual valor/proporção, tendo em vista que a integralização foi feita com base no valor contábil dos bens (ações) utilizados para tanto”42.

O racional é o mesmo do caso em comento: a redução de capital em bens e direitos avaliados a valor justo não importa em disponibilidade imediata de ganhos ao sócio, mas somente em substituição, no seu patrimônio, de um instrumento patrimonial por um ativo economicamente equivalente. Caso o ganho decorrente da avaliação a valor justo efetivamente se concretize quando da alienação do bem ou direito pelo sócio, sua tributação será incontroversa.

Ressalte-se, mais uma vez, a impossibilidade de tributação da avaliação a valor justo pelo IR na devolução de capital a valor contábil pela circunstância de o valor justo ser mera presunção, relevante para fins contábeis, mas imprópria para servir de base de incidência tributária. Afinal, o que se tributa pelo imposto de renda não é a valorização potencial do patrimônio, mas a sua realização efetiva. Nesse sentido pontua com precisão Fernando de Moura Fonseca:

“Ademais, pode-se afirmar que o direito tributário se volta para o passado, não se ocupando de situações precárias, provisórias, reversíveis, cujo resultado final está vinculado à ocorrência de eventos futuros. Isso impede que o imposto incida sobre um acréscimo patrimonial estimado, que ainda não tenha se transformado em renda por meio de uma decisão levada a efeito pelo contribuinte. Constitui objeto de atuação do legislador tributário apenas o fluxo positivo de riqueza nova que tenha como resultado um aumento no valor do patrimônio do indivíduo e, como fundamento, a ocorrência de atos ou negócios jurídicos voluntários, sobre as quais não paire qualquer condição. (...)

Portanto, antes da realização o contribuinte pode ter manifestado riqueza pelo acréscimo de valor ocorrido sobre o seu patrimônio, mas que jamais chegará ao ponto de ser considerada juridicamente renda”43. (grifo nosso)

Ou seja, o ganho decorrente da mensuração do ativoa valor justo pode não se concretizar no patrimônio do sócio que o recebeu em devolução de capital – hipótese em que, em se tratando de pessoa física, a despesa será indedutível, e a tributação, irreversível. Por outro lado, ainda que o ganho venha a se concretizar, seu valor somente será apurado com segurança quando da realização efetiva do bem – momento em que o ganho de capital deve ser tributado.

Por fim, do fato de o valor justo do ativo afetar o resultado do exercício da pessoa jurídica não decorre que o mesmo deveria ser tributado sem realização. Tanto é assim que a Lei n. 6.404/1976, em seu art. 197, estabelece a possibilidade de constituição de Reserva de Lucros a Realizar, para os casos em que haja lucro contábil sem disponibilidade financeira de recursos para o pagamento de dividendos, evitando problemas de liquidez da empresa44.

Diante disso, o § 1º do art. 13 da Lei n. 12.973/2014, que determina a tributação do ganho decorrente da avaliação a valor justo à medida que o ativo seja realizado, há de ser interpretado em consonância com o art. 43 do CTN e com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade, devendo a realização ser entendida como condição para a disponibilidade econômica ou jurídica, elemento essencial da hipótese de incidência do IR.

Cabe ressaltar, entretanto, que não vislumbramos óbice à possibilidade de que nova lei venha a alterar de forma expressa o sentido de “valor contábil” a que se refere o art. 22 da Lei n. 9.249/1995, para compreender também os ajustes decorrentes do valor justo daquele ativo.

Essa alteração seria suficiente para superar apenas o óbice relativo ao sentido da regra estabelecida, aduzido acima, mas, por si, não ultrapassaria a questão da disponibilidade exigida pelo art. 43 do CTN, que pressupõe a realização da renda. Parece-nos que a única forma de superar esse óbice seria com a criação de uma nova opção fiscal, semelhante àquela estabelecida pelo art. 30 da Medida Provisória n. 2.158-35/200145, em relação à tributação das variações monetárias em função da taxa de câmbio.

Essa regra teve o condão de permitir a tributação do valor justo da moeda estrangeira, muito antes das alterações contábeis e jurídicas promovidas pela Lei n. 12.973/2014, ao estabelecer que a incidência do IRPJ, CSLL, e PIS/COFINS poderia se dar na liquidação dos contratos de câmbio (regime de caixa) ou à medida que se verificasse (regime de competência).

Como pontuou Alexandre Pinto, o legislador reconheceu que o valor justo de moeda estrangeira representa renda, viabilizando a sua tributação definitiva independentemente de realização efetiva, mas permitiu ao contribuinte escolher entre tributar o resultado da variação cambial pelo regime de caixa ou pelo de competência46, superando o problema da ausência de realização ao permitir a escolha pelo contribuinte do momento da tributação.

O modelo ideal, portanto, autorizaria o contribuinte a oferecer o valor justo do ativo à tributação pelo regime de competência, na medida em que verificado o acréscimo patrimonial; no momento da sua devolução ao sócio, como uma realização ficta dessa renda; ou posteriormente, na alienação feita a terceiros, pelo regime de caixa.

Conclusões

À guisa de síntese de tudo que foi dito, não procede a interpretação atribuída pela RFB ao § 1º do art. 13 da Lei n. 12.973/2014, consubstanciada na Solução de Consulta n. 415/2017, que culminou na atribuição de efeitos tributários à avaliação a valor justo quando da redução de capital, com devolução de bens e direitos aos sócios, com base nos argumentos de que: (i) o valor contábil compreende o ganho decorrente da avaliação a valor justo; e (ii) a devolução de participação configura hipótese de realização.

Isso porque tal entendimento afasta a faculdade, contida no art. 22 da Lei n. 9.249/1995, de devolução de capital a valor contábil, sem efeitos tributários, aos contribuintes que mensurarem seus ativos a valor justo, já que, tanto na devolução a valor contábil, como na devolução a valor de mercado, a diferença entre o custo histórico e o valor de mercado será tributada.

Ademais, interpretar “valor contábil” como sendo o “custo histórico acrescido do ganho ou perda decorrente de avaliação a valor justo” viola a correta interpretação do art. 22 da Lei n. 9.249/1995, tendo em vista que ignora o contexto significativo da lei e o sentido técnico originalmente atribuído pelo legislador ao “valor contábil”, qual seja, o custo histórico do bem ou direito.

Mais grave ainda é a infração ao sistema constitucional tributário. Tributar os contribuintes que reduzem capital social com ativos mensurados a valor justo e manter a opção fiscal por diferir a tributação do ganho de capital àqueles que efetuam a mesma operação societária, mas avaliam seus ativos a custo, afrontam o princípio da isonomia tributária. Tributar o ajuste a valor justo, uma presunção contábil que não se subsome ao conceito de renda realizada e não reflete a capacidade econômica do contribuinte, fere o princípio da capacidade contributiva.

Como se isso não bastasse, a devolução de capital social, mediante entrega de bens e direitos da pessoa jurídica ao seu titular, pelo valor contábil, conquanto possa ser entendida como uma espécie de alienação, não importa em realização de eventual ganho decorrente da contabilização do AVJ, não atraindo, portanto, a tributação pelo imposto de renda, que tem por hipótese de incidência a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza.

O valor justo dos ativos consiste em uma estimativa do “preço que seria recebido” em uma transação não forçada, entre partes independentes. Portanto, conquanto represente um acréscimo de valor ao patrimônio do contribuinte, o AVJ não consiste em riqueza passível de tributação, pois lhe falta ainda a realização, por meio de uma transação no mercado, capaz de promover o destaque do ganho tributável, já que, na devolução de capital a valor contábil, ocorre uma mera substituição da parcela correspondente ao capital social pelo ativo vertido ao sócio.

O defendido neste trabalho, entretanto, não é a redução de capital a valor contábil com a incorporação do montante correspondente ao valor justo ao patrimônio dos sócios, de forma a afastar a tributação do ganho em definitivo, mas sim o diferimento da tributação até que o ativo seja alienado pelo sócio, por montante superior ao informado em sua declaração de imposto de renda, e o ganho efetivamente se realize.

Assim, o § 1º do art. 13 da Lei n. 12.973/2014, que, frise-se, determina a tributação do ganho decorrente da avaliação a valor justo à medida que o ativo seja realizado, há de ser interpretado de forma a preservar a opção fiscal contida no art. 22 da Lei n. 9.249/1995, bem como em consonância com o art. 43 do CTN e com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária.

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1 Exposição de motivos da MP n. 627/2013 (esclarecemos em colchetes).

2 TONANNI, Fernando; e GOMES, Bruno. O conceito e a natureza jurídica do ajuste a valor justo e seu tratamento nas reorganizações societárias. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (orgs.). Controvérsias jurídico-contábeis: aproximações e distanciamentos.São Paulo: Dialética, 2015. v. 6. p. 244.

3 “Art. 60. (...) § 3º Considera-se pessoa ligada à pessoa jurídica: a) o sócio desta, mesmo quando outra pessoa jurídica.”

4 Por todos, veja-se o seguinte julgado do Tribunal Federal de Recursos (TFR):

Tributario. Imposto de Renda. Distribuição disfarçada de lucros. Cedula ‘f’. Distribuição disfarçada de lucros caracterizada pela redução de capital nos termos do art. 251, letra ‘h’ do RIR (Decreto n. 58.400/66) – CF. AC. n. 35.920-RS. Tributação na cedula ‘f’ do correspondente beneficio auferido pelo socio, a titulo de lucros ou dividendos disfarçadamente distribuidos. Ação anulatoria de debito fiscal julgada improcedente por sentença que se mantem. Desprovimento da apelação” (AC n. 39.393/RS, Relator Min. Pedro Acioli, j. 29.06.1983, publicada no DJ de 08.09.1983).

5 Por todos, veja-se o seguinte julgado do Tribunal Federal de Recursos (TFR):

Imposto de Renda – distribuição disfarçada de lucros. Não se verifica essa causa de incidencia do tributo quando se procede a desincorporação de bem do patrimonio da empresa, com sua transferencia aos socios, na proporção das respectivas participações societarias, e com a correspondente redução do capital social” (AC n. 84.615/SP, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 12.10.1988, publicado no DJ de 14.03.1989).

6 “Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista. a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

§ 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nos resultados da pessoa jurídica tributada com base no lucro real ou na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido devidos pela pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado. (...)

Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.

§ 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei n. 2.065, de 26 de outubro de 1983.

§ 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.”

7 “Art. 464. (...)

§ 1º O disposto nos incisos I e IV não se aplica nos casos de devolução de participação no capital social de titular, sócio ou acionista de pessoa jurídica em bens ou direitos, avaliados a valor contábil ou de mercado (Lei n. 9.249, de 1995, art. 22).

§ 2º A hipótese prevista no inciso II não se aplica quando a pessoa física transferir a pessoa jurídica, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante na respectiva declaração de bens (Lei n. 9.249, de 1995, art. 23, § 1º)”.

8 É de frisar que a redução de capital, regida pelos arts. 173 e 174 da Lei n. 6.404/1976, é apenas uma das hipóteses de devolução de capital a que alude o art. 22 da Lei n. 9.249/1995, abrangendo outras operações como resgate e reembolso de ações, cisão etc.

9 Nesse sentido: Acórdão n. 101-94.008, Relator Cons. Sebastião Rodrigues Cabral, j. 06.11.2002; Acórdão n. 1402-001.341, Relator Cons. Antônio José Praga, j. 05.03.2013; Acórdão n. 1402-001.477, Relator Cons. Moisés Giacomelli Nunes, j. 09.10.2013; Acórdão n. 1301-001.302, Relator Cons. Paulo Jackson, j. 09.11.2013; Acórdão n. 1201-001.809, Relatora Cons. Eva Maria Los, j. 25.07.2017; Acórdão n. 1301-002.582, Relator Cons. José Eduardo Dornelas Souza, j. 16.08.2017; Acórdão n. 1401-002.347, Relatora Cons. Livia de Carli Germano, j. 10.04.2018; Acórdão n. 1301-003.023, Relatora Cons. Amélia Yamamoto, j. 16.05.2018; Acórdão n. 1301-003.370, Relator Cons. Carlos Augusto Daniel Neto, j. 19.09.2018; e Acórdão n. 1201-002.584, Relatora Cons. Gisele Barra Bossa, j. 21.09.2018.

10 Em pouquíssimos casos, entretanto, ainda há precedentes que analisam a questão como um planejamento tributário, buscando identificar a presença ou a ausência de um propósito negocial para validar a devolução dos bens e direitos – em outros, o voto faz referência tanto a motivos extratributários como a indícios de simulação, não ficando clara a premissa e a linha de raciocínio adotada pelo Colegiado (Acórdão n. 1402-001.472, Relator Cons. Carlos Pelá, j. 09.10.2013; Acórdão n. 1401-002.835, Relator Cons. Daniel Ribeiro Silva, j. 15.08.2018; Acórdão n. 1302-003.286, Voto vencedor da Cons. Maria Lúcia Miceli, j. 12.12.2018; Acórdão n. 1301-003.728, Relatora Cons. Giovana Leite, j. 20.02.2019; e Acórdão n. 1401-002.196, Relator Cons. Abel Nunes de Oliveira Neto, j. 21.02.2019).

11 Nos mesmos termos é a Solução de Consulta n. 10.014, da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 10ª Região Fiscal (“SRRF10/Disit”).

12 Como formas de avaliação alternativas ao custo histórico, cita Sérgio Iudícibus o custo corrente, o valor de realização, o custo de reposição, o custo corrente e/ou de reposição corrigido pelas variações de poder aquisitivo da moda e o custo histórico corrigido pelas variações de poder aquisitivo da moda, que teve seu apogeu, no Brasil, com a Correção Monetária Integral (IUDÍCIBUS, Sérgio de. Essência sobre a forma e o valor justo: duas faces da mesma moeda. In: LOPES, Alexsandro Broedel; e MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coord.). Controvérsias jurídico-contábeis: aproximações e distanciamentos. São Paulo: Dialética, 2010, p. 469).

13 IUDÍCIBUS, Sérgio de; e MARTINS, Eliseu. Uma investigação e uma proposição sobre o conceito e o uso do valor justo. Revista Contabilidade & Finanças v. 18, p. 9-18, 1 jun. 2007. p. 10.

14 MARTINS, Eliseu; e LOPES, Alexsandro Broedel. Teoria da contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo: Atlas, 2014. p. 144.

15 IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu. Op. cit., p. 11.

16 Exceto plantas portadoras, assim entendidas aquelas utilizadas na produção ou no fornecimento de produtos agrícolas; cultivadas para produzir frutos por mais de um período; e que têm uma probabilidade remota de ser vendida como produto agrícola, exceto para eventual venda como sucata.

17 Há previsão, no CPC 27, da valoração dos ativos imobilizados, quando permitido por lei, pelo método da reavaliação, assim entendido como o valor justo da data da reavaliação, menos qualquer depreciação e perda por redução no valor recuperável acumuladas subsequentemente. No entanto, atualmente, a legislação não permite a reavaliação de ativos.

18 Nesse sentido é o ICPC 10 – Interpretação sobre a Aplicação Inicial ao Ativo Imobilizado e à Propriedade para Investimento dos Pronunciamentos Técnicos CPCs 27, 28, 37 e 43:

“Incentiva-se, fortemente, que, no caso do item 21 desta Interpretação, na adoção do Pronunciamento Técnico CPC 27 seja adotado, como custo atribuído (deemedcost), esse valor justo. Essa opção é aplicável apenas e tão somente na adoção inicial, não sendo admitida revisão da opção em períodos subsequentes ao da adoção inicial. Consequentemente, esse procedimento específico não significa a adoção da prática contábil da reavaliação de bens apresentada no próprio Pronunciamento Técnico CPC 27”.

19 Exceto no caso de arrendatário que utiliza imóvel como propriedade para investimento, hipótese em que não apenas esse ativo deverá ser mensurado pelo valor justo, mas também todas as demais propriedades para investimento (IUDÍCIBUS, Sérgio de et al. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades. São Paulo: Atlas, 2010. p. 165).

20 Sobre o tema é o item 60 do CPC 28:

“Para a transferência de propriedade para investimento contabilizada pelo valor justo para propriedade ocupada pelo proprietário ou para estoque, o custo considerado da propriedade para subsequente contabilização, de acordo com o CPC 27, o CPC 06 ou o CPC 16, deve ser o seu valor justo na data da alteração de uso”.

21 Confira-se o teor do CPC 28:

“63. Para uma transferência de estoque para propriedade para investimento que seja escriturada pelo valor justo, qualquer diferença entre o valor justo da propriedade nessa data e o seu valor contábil anterior deve ser reconhecida no resultado.

64. O tratamento de transferência de estoque para propriedade para investimento que é escriturada pelo valor justo é consistente com o tratamento de venda de estoque”.

23 “Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;”

24 “Art. 13. O ganho decorrente de avaliação de ativo ou passivo com base no valor justo não será computado na determinação do lucro real desde que o respectivo aumento no valor do ativo ou a redução no valor do passivo seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo.”

25 “Art. 13 (...) § 1º O ganho evidenciado por meio da subconta de que trata o caput será computado na determinação do lucro real à medida que o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou quando o passivo for liquidado ou baixado.”

26 “Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: I – para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;”

27 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. p. 462.

28 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 404.

29 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 44.

30 DANIEL NETO, Carlos Augusto. Tolerância fiscal. São Paulo: Editora Cedes, 2018. p. 187.

31 “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”

32 Para uma competente catalogação das principais opiniões existentes, veja-se ABE, Cesar Henrique Shogi. Disponibilidade econômica da renda. Revista Direito Tributário Atual v. 21, São Paulo: Dialética, 2007, p. 191-210; e LEMKE, Gisele. Imposto de Renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998.

33 Nesse sentido, e.g. SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres 1: Imposto de Renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1976, p. 70; e CANTO, Gilberto U. et al. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. In: MARTINS, Ives G. S. (coord.). O fato gerador do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. São Paulo: Resenha Tributária: CEEU, 1986. p. 5-6.

34 POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da realização da renda: reconhecimento de receitas e despesas para fins do IRPJ. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 177.

35 Ensina Tipke que o princípio da universalidade exige que toda e qualquer manifestação de capacidade econômico-contributiva deva ser tributada (TIPKE, Klaus; e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 76).

36 Nesse sentido, SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário internacional. Acordos de bitributação. Imposto de renda: lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior. Disponibilidade. Efeitos do artigo 74 da Medida Provisória n. 2.158-35 – parecer. Revista Direito Tributário Atual v. 16, São Paulo: Dialética, 2001. p. 178.

37 BULHÕES PEDREIRA, José Luís. Imposto sobre a Renda: pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec. 1979. v. 1. p. 120.

38 MACHADO, Brandão. Imposto de Renda: ganhos de capital. Promessa de venda de ações. Decreto-lei n. 1.510, de 1976. Revista Direito Tributário Atual n. 11-12. São Paulo: Dialética, 1992. p. 3201.

39 BULHÕES PEDREIRA, José Luís. Op. cit., p. 279.

40 Ibid., p. 296.

41 V. nota 4.

42 EDcl no Recurso Especial n. 1.027.799/CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, j. 11.11.2008.

43 FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Imposto sobre a Renda: uma proposta de diálogo com a contabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 149.

44 PINTO, Alexandre Evaristo. A avaliação a valor justo e a disponibilidade econômica de renda. In: LOPES, Alexsandro Broedel; e MOSQUERA, Roberto Quiroga (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis: aproximações e distanciamentos. São Paulo: Dialética, 2015. v. 6. p. 43.

45 “Art. 30. A partir de 1º de janeiro de 2000, as variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio, serão consideradas, para efeito de determinação da base de cálculo do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS, bem assim da determinação do lucro da exploração, quando da liquidação da correspondente operação.

§ 1º À opção da pessoa jurídica, as variações monetárias poderão ser consideradas na determinação da base de cálculo de todos os tributos e contribuições referidos no caput deste artigo, segundo o regime de competência.”

46 PINTO, Alexandre Evaristo. Op. cit., p. 42-43.