A Caracterização do Crédito Presumido Outorgado pela Lei n. 12.973/2014 como Subsídio Proibido no Âmbito da OMC

The Characterization of the Deemed Tax Credit Granted by Law no. 12973/2014 as a Prohibited Subsidy in the Scope of WTO

Luna Salame Pantoja Schioser

Mestranda em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Pós-graduada em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. Advogada em São Paulo e no Rio de Janeiro. E-mail: luna.pantoja@mottafernandes.com.br.

Recebido em: 20-08-2019

Aprovado em: 22-11-2019

Resumo

Será analisado o direito de crédito (tax credit) outorgado às controladoras brasileiras com fundamento na neutralidade de exportação de capitais com a finalidade de evitar a dupla tributação da renda nas transações internacionais. Tratar-se-á do crédito presumido de 9% outorgado pelo art. 87 da Lei n. 12.973/2014 às pessoas jurídicas brasileiras, a ser deduzido do IRPJ e da CSLL incidentes sobre os lucros das coligadas e controladas no exterior que desenvolvam determinadas atividades. O crédito presumido de 9% representa uma isenção da CSLL em relação aos lucros auferidos no exterior. Assim, pretende-se analisar se esse benefício, quando conjugado com a norma de safe harbour na exportação, que pela legislação brasileira admite margem de divergência de até 5% na transação entre vinculadas, pode vir a caracterizar subsídio à exportação vedado pelo artigo 3.1(a) do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASCM) da OMC.

Palavras-chave: tributação internacional, neutralidade de capital, dupla tributação, direito de crédito do imposto pago no exterior, crédito presumido, preço de transferência, safe harbour, subsídio proibido, OMC.

Abstract

This paper analyses the tax credit granted to Brazilian companies investing outbound supported by capital export neutrality in order to avoid the double taxation of income in international transactions. It focusses in the deemed tax credit granted by article 87 of Law n. 12973/2014 to the Brazilian companies to be deducted to the amount of corporate income tax and social contribution due in Brazil levied on the income earned abroad by controlled or associated foreign companies that develop specific activities. This deemed tax credit of 9% is an exemption of social contribution levied on foreign income. Thus, the alm is to analyse whether this tax subsidy, when combined with safe harbour rule on exportation, which under Brazilian law allows margin of divergence of up to 5% on transactions between related parties, may characterize a prohibited subsidy barred by article 3.1(a) of the Agreement on Subsidies and Countervailing Measures (ASCM) of WTO.

Keywords: international taxation, capital neutrality, double taxation, tax credit, tax paid abroad, deemed tax credit, transfer pricing, safe harbour, prohibited subsidies, WTO.

1. Introdução

A dupla tributação internacional decorre da adoção pelos países de sistemas tributários distintos, que resultam na eleição de elementos de conexão díspares, concorrendo o estado da fonte com o estado da residência para tributação de determinado rendimento. No entanto, a adoção dos sistemas tributários deve ser guiada pelo princípio da neutralidade de capital (neutralidade de importação de capital ou neutralidade de exportação de capital)1 para se alcançar a otimização da tributação2.

Como métodos de eliminação da dupla tributação internacional, o país de residência pode conceder a isenção ou o direito de crédito do tributo pago no exterior sobre o rendimento, seja por meio da legislação doméstica, seja pela celebração de tratado bilateral.

O Brasil instituiu o direito de crédito em sua legislação doméstica por ocasião da edição da Lei n. 9.249/1995, que introduziu o regime tributário em bases universais para as pessoas jurídicas, até então tributadas com base na territorialidade.

Mais tarde, ao ajustar o regime de tributação pela universalidade ao entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADIN n. 2.5883, foi editada a Lei n. 12.973/2014, que passou a outorgar um crédito presumido de 9% a ser deduzido do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”) devidos no Brasil em relação aos lucros auferidos no exterior. Esse crédito presumido, porém, só pode ser aproveitado em relação aos lucros das controladas e coligadas que desenvolvam atividades de fabricação de bebidas e/ou produtos alimentícios, construção de edifícios e de obras de infraestrutura, indústrias em geral, extração de minérios e/ou exportação, sob concessão, de bem público localizado no país de domicílio da controlada.

Na prática, esse benefício resulta em verdadeira isenção de CSLL sobre os lucros auferidos no exterior em relação aos referidos setores da economia.

E justamente por ser setorial é que esse subsídio poderia violar o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) vinculado ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) celebrado pelos países-membro da Organização Mundial de Comércio – OMC4, na medida em que pode ser considerado um incentivo às exportações para a investida no exterior, a fim de efetuar a distribuição do produto no mercado estrangeiro. Seus lucros, porém, não serão tributados no Brasil pela CSLL.

Importa esclarecer que, embora se tenha discutido no passado acerca da aplicação do GATT aos tributos tidos como diretos (ex., IRPJ e CSLL), a questão já restou superada.

Com efeito, a confusão surgiu pela menção do art. III, § 1º, do GATT a tributos sobre produtos, donde se presumia que os tributos referidos seriam somente os indiretos. No entanto, como muito bem esclarecem Avi-Yonah e Slemrod5, o Acordo não possui qualquer restrição nesse sentido, já que sua finalidade é evitar a aplicação de políticas protecionistas prejudiciais ao comércio internacional de produtos, e os tributos diretos podem ser um veículo para tanto.

Assim, neste estudo será demonstrada a configuração do crédito presumido outorgado pela Lei n. 12.973/2014 como um subsídio proibido nos termos do ASCM da OMC.

2. Método do crédito para eliminar a dupla tributação

2.1. Neutralidade de capital

O método do crédito tem origem na neutralidade de capital, que visa alcançar a eficiência fiscal. A neutralidade de capital divide-se em neutralidade de importação de capital (Capital Import Neutrality – “CIN”) e neutralidade de exportação de capital (Capital Export Neutrality – “CEN”).

A CEN tem a finalidade de sujeitar o residente a uma mesma tributação independentemente do local em que opte por investir, de modo que a carga tributária não seja um elemento de influência na escolha do local de seus investimentos: se domesticamente ou no exterior. O racional é que a lei do estado de residência do investidor não deve interferir na sua decisão de investimento. A CEN defende a adoção de um sistema de tributação exclusivamente pela residência6 ou de bases universais com direito de crédito do imposto pago no exterior7.

De outro lado, a CIN pretende garantir que os investimentos estejam sujeitos a uma mesma tributação independentemente do local de residência do investidor. Para que haja a neutralidade de importação, o estado da residência deve limitar-se a tributar os rendimentos obtidos em seu território, isentando os rendimentos de fonte estrangeira8. A isenção dos rendimentos de fonte estrangeira permite aos investidores a competição em pé de igualdade com os competidores locais. A CIN fundamenta, pois, a tributação pelo estado de fonte ou em bases territoriais.

Dessa forma, o método do crédito analisado por este estudo é fundamentado na neutralidade da exportação de capital.

2.2. Método do crédito (tax credit)

A adoção do método do crédito pode se dar por meio de instrumento convencional, via de regra, bilateral, ou de forma unilateral, por meio de sua introdução nas normas domésticas.

O método do crédito é suscetível de três modalidades: método de imputação, matching credit e tax sparing.

O método da imputação toma por base o imposto real e efetivamente pago no exterior9, garantindo ao residente o direito de abater, do montante devido ao seu estado de residência, os valores correspondentes ao tributo pago no estado de fonte sobre tais rendimentos.

O crédito pode ser concedido na sua integralidade – método de imputação integral –, sem qualquer limitação quantitativa em relação ao imposto devido no estado de residência sobre os rendimentos estrangeiros. Nessa modalidade, na hipótese de o montante do imposto pago no exterior ser superior ao tributo devido no estado de residência, o estado da residência deverá reembolsar o contribuinte ou conceder o direito de compensação do montante excedente com tributo incidente sobre outro rendimento10.

De outro lado, o crédito de imposto poderá ser limitado ao montante devido a título de imposto sobre os mesmos rendimentos estrangeiros no estado da residência – método de imputação ordinário. O valor residual que não puder ser utilizado para abatimento do tributo devido no estado da residência será desconsiderado, não sendo passível de qualquer outro tipo de utilização ou compensação.

O crédito de imposto ordinário, por sua vez, divide-se em duas modalidades. Na primeira, o direito de crédito do imposto é calculado em relação aos rendimentos tributados no estado de fonte, denominado por Xavier de imputação ordinária efetiva. Na segunda, o montante do crédito do imposto pago no exterior deverá ser proporcional à participação desse rendimento no total dos rendimentos tributáveis no estado da residência, denominado de imputação ordinária proporcional11.

A modalidade do matching credit é o método que concede um crédito presumido ao contribuinte do estado da residência em montante superior ao imposto que teria sido devido no país fonte (dos rendimentos), na hipótese de não ter se beneficiado de incentivos fiscais no país fonte12.

Finalmente, o tax sparing (crédito de imposto fictício) é o método que garante ao contribuinte o direito de creditar-se, em seu país de residência, do montante do imposto que teria sido devido no país fonte (dos rendimentos), na hipótese de esses rendimentos não terem sido isentos de tributação no estado da fonte13, sendo em regra concedido aos países em desenvolvimento14.

Essas duas últimas modalidades (matching credit e tax sparing) costumam ser previstas apenas nos regimes convencionais, não sendo outorgadas unilateralmente pelos países como forma de eliminar a dupla tributação, razão pela qual não serão analisadas no presente estudo.

3. A legislação brasileira

3.1. A evolução legislativa do regime de tributação em bases universais

Anteriormente à Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, vigorava no Brasil, em matéria de imposto de renda das pessoas jurídicas, o princípio da territorialidade, que, em resumo, não tributava os rendimentos e ganhos de capital decorrentes de atividade jurídica e funcional obtidos no exterior, ou seja, imputáveis a fontes pagadoras domiciliadas no exterior.

Inovando radicalmente na matéria e rompendo uma antiga tradição no sistema tributário brasileiro, a Lei n. 9.249/1995 aboliu o princípio da territorialidade no que toca ao IRPJ, consagrando o regime de tributação em bases universais.

A partir da edição da Lei n. 9.249/1995, que reconhece que o Brasil deixou de ser eminentemente um país importador de capital, passando a ser também um país exportador de capital, surge a necessidade de observância à neutralidade de exportação de capital, da qual resulta o dever de concessão do direito de crédito, em caráter unilateral, do imposto pago pelas investidas no exterior.

Assim, a Lei n. 9.249/1995 passou a prever em seu art. 26 o método da imputação ordinária (tax credit) para as pessoas jurídicas residentes no Brasil.

O regime do citado art. 25 da Lei n. 9.249/1995 vigorou até 31 de dezembro de 1997, quando foi substituído pelo regime de tributação dos lucros no exterior previsto na Lei n. 9.532/1997, a qual passou a tributar somente os lucros efetivamente distribuídos pelas sociedades controladas e coligadas.

Mais tarde, em 24 de agosto de 2001, foi editada a Medida Provisória n. 2.158-34 (“MP n. 2.158/2001”), que, em seu art. 74, instituiu novo regime de tributação automática dos lucros auferidos no exterior por controladas e coligadas15.

Na prática, o regime do art. 74 representou um retorno ao regime anterior, previsto no art. 25 da Lei n. 9.249/1995, sendo o objetivo de ambos a tributação no Brasil do próprio lucro da empresa estrangeira.

Justamente por visar à tributação dos lucros auferidos no exterior antes de sua disponibilização para a investidora brasileira é que a constitucionalidade do art. 74 da MP n. 2.158/2001 foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 2.588.

Ao julgar a referida ação, em julgamento que levou mais de uma década16 para ser concluído, o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu: (i) a inconstitucionalidade da tributação retroativa dos lucros de controladas e coligadas no exterior, apurados no período de 1996 a 2001, ao abrigo do parágrafo único do art. 74 da Medida Provisória n. 2.158-35/2001; (ii) a inconstitucionalidade da tributação dos lucros de coligadas, domiciliadas em países não qualificados como “paraísos fiscais”; e (iii) a constitucionalidade da tributação dos lucros de controladas, domiciliadas em “paraísos fiscais”.

Assim, para adequar o regime de tributação dos lucros auferidos no exterior ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, foi editada a Lei n. 12.973/2014, que instituiu o regime de tributação automática somente para os lucros auferidos por meio de controladas, excluindo as coligadas de tal regime, salvo se domiciliadas em país considerado “paraíso fiscal” nos termos da legislação brasileira, e demais situações excepcionadas17.

Esse novo regime instituído pela Lei n. 12.973/2014 estabeleceu regras específicas em relação às controladas e coligadas para aproveitamento dos créditos relativos aos tributos pagos no exterior sobre os lucros oferecidos à tributação no Brasil, como se passará a analisar.

3.2. A Lei n. 12.973/2014

3.2.1. Regras gerais para compensação do crédito do imposto de renda estrangeiro

A Lei n. 12.973/2014 prevê, em seu art. 87, a possibilidade de deduzir do montante devido no Brasil pela controladora brasileira o imposto de renda pago no exterior pela controlada direta ou indireta, na proporção de sua participação, em relação às parcelas positivas computadas na determinação do seu lucro real.

O montante que poderá ser deduzido no Brasil a esse título está limitado ao montante do IRPJ (25%) e da CSLL (9%) incidentes sobre as parcelas dos lucros auferidos no exterior a serem adicionados ao lucro real da controladora brasileira.

Verifica-se que a Lei n. 12.973/2014 consagrou o método de imputação ordinária, em que o direito de crédito é limitado ao montante devido a título de imposto sobre os mesmos rendimentos estrangeiros no estado da residência, não podendo haver aproveitamento do crédito em períodos posteriores. No entanto, na hipótese de a controladora brasileira não apurar resultado positivo, inviabilizando a dedução do referido crédito, este poderá ser utilizado em exercícios subsequentes ao abrigo do disposto no art. 14, § 15, da Instrução Normativa SRF n. 213/2002, que ainda permanece em vigor18. A mesma disposição foi reproduzida na IN RFB n. 1.520/2014, que regulamenta a Lei n. 12.973/2014.

Ainda nesse sentido, o direito de crédito no Brasil, tal como estabelece o art. 26 Lei n. 9.249/1995, apenas se revela quando há o efetivo pagamento do tributo no exterior, não se estendendo a situações hipotéticas19.

A Lei n. 12.973/2014 também concedeu a opção de apuração consolidada dos resultados das controladas20 estrangeiras até o ano-calendário de 2022, em que há a possibilidade de compensação de prejuízos fiscais entre elas, cujo resultado positivo deverá ser adicionado ao lucro da controladora brasileira ao final do exercício21. A opção pela apuração consolidada é irretratável para todo o exercício.

Não havendo opção pela apuração consolidada, ou caso o resultado de determinada controlada não possa ser considerado na consolidação por vedação legal, assim como o lucro, o crédito a ser utilizado na dedução deverá ser apurado de forma individualizada por controlada, direta ou indireta.

3.2.2. O crédito presumido

A inovação da matéria em relação à Lei n. 12.973/2014 consubstancia-se na concessão de um crédito presumido de até 9% (nove por cento), que poderá ser deduzido, até o ano de 2022, do IRPJ e da CSLL incidentes sobre a parcela positiva computada no lucro real relativo aos lucros das investidas no exterior.

Inicialmente, a lei restringiu o seu aproveitamento aos lucros oriundos de sociedades estrangeiras que desenvolvam atividades de fabricação de bebidas, de fabricação de produtos alimentícios e de construção de edifícios e de obras de infraestrutura.

A lei outorgou ao Executivo a possibilidade de estender o direito ao crédito presumido a outros setores da indústria. E assim o fez o Ministério da Fazenda, ao editar a Portaria MF n. 427, de 25 de setembro de 2014, poucos meses após a publicação da Lei n. 12.973/2014, concedendo o direito de dedução do crédito presumido em relação aos lucros de controladas estrangeiras que realizem as seguintes atividades: (i) indústria de transformação; (ii) extração de minérios; e (iii) de exportação, sob concessão, de bem público localizado no país de domicílio da controlada.

Meses depois, tendo em vista o caráter discriminatório da norma, a redação do dispositivo foi alterada pela Lei n. 13.043, de 13 de novembro de 2014, para estender o benefício às demais indústrias em geral.

A possibilidade de utilização do crédito presumido não está atrelada ao recolhimento de qualquer imposto no exterior sobre a renda, de modo que poderá haver aproveitamento do crédito presumido de 9% pela controladora brasileira, desde que tenha apurado resultado positivo a ser adicionado ao lucro real no Brasil, ainda que a investida estrangeira não tenha sofrido tributação.

No entanto, o direito ao crédito presumido não se aplica às investidas no exterior que: (i) estejam sujeitas a regime de subtributação22; (ii) estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida, ou beneficiária de regime fiscal privilegiado; (iii) sejam controladas, direta ou indiretamente, por pessoa jurídica submetida ao tratamento tributário mencionado no item (ii); e (iv) não tenha renda ativa própria igual ou superior a 80% (oitenta por cento) da sua renda total, conforme definido no art. 84 da Lei n. 12.973/2014.

Verifica-se que somente setores específicos (construção civil, indústria, fabricação de bebidas e alimentos, extração de minérios, dentre outros) podem se beneficiar do referido crédito presumido.

Esse crédito presumido representa um subsídio exclusivo para o setor industrial (e demais setores previstos na legislação de regência) no que concerne à tributação no Brasil de seus lucros auferidos no exterior. De acordo com o referido benefício, os lucros das controladas serão tributados à uma alíquota efetiva de 25%, contra a alíquota nominal de 34% (considerando IRPJ e CSLL juntos). Pode-se afirmar que há, na prática, uma isenção da CSLL incidente sobre esses rendimentos, cuja alíquota é de 9%.

O fato de o crédito presumido ser restrito a determinados setores da economia parece representar uma forte violação ao princípio constitucional da isonomia, já que os demais setores não podem se beneficiar desse crédito, ou melhor, dessa isenção da CSLL.

Além disso, esse direito de crédito também pode contrariar o artigo 3.1(a) do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), como se verá a seguir.

4. O conceito de subsídio no âmbito da OMC

4.1. O conceito de subvenção fiscal

4.1.1. O conceito de tax expenditure

As subvenções ou incentivos fiscais integram o conceito de tax expenditures, embora não haja na doutrina um consenso quanto a sua definição. O termo é inclusive de difícil tradução para o português, podendo ser adotados alguns dos seguintes termos, como mencionado por Gustavo Vettori: gastos fiscais, subvenções fiscais, incentivos fiscais, benefícios fiscais23.

O conceito surgiu por ocasião de um estudo elaborado por Stanley S. Surrey, secretário-assistente do tesouro norte-americano, entre 1967 e 1968, no âmbito da reforma tributária em voga à época, afirmando que gastos tributários incorridos pelo governo poderiam se dar de diversas formas: isenções, deduções, créditos presumidos, diferimentos, alíquotas reduzidas, desvios do conceito de renda líquida. As tax expenditures seriam, assim, desvios às práticas tributárias tidas por “normais”24. A partir daí, esses gastos tributários passaram a ser considerados no plano orçamentário de diversos países.

Por ser difícil a determinação do parâmetro de normalidade do qual as tax expenditures se desviavam, esse conceito passou por uma reformulação no âmbito do Congresso Americano, em 2009, ocasião em que se definiu que as tax expenditures configuram exceções ao IRC (código de imposto de renda americano)25.

De outro lado, estudiosos holandeses, a partir do levantamento de cinco elementos característicos das tax expenditures (redução da receita tributária; desvio do padrão; objetivo não arrecadatório; conversibilidade em gastos diretos e grupo limitado de contribuintes beneficiados), definiram seu conceito, nas palavras de Vettori, como um “gasto governamental na forma de perda ou diferimento de receita que decorre de uma norma tributária que não está de acordo com a estrutura parâmetro da lei tributária”26.

Nesse sentido, é possível concluir que a concessão de crédito presumido em caráter de exceção à regra geral de incidência tributária, que resulte em redução da carga tributária, é um gasto tributário e enquadra-se no conceito de tax expenditure.

4.1.2. O conceito de subvenção fiscal na legislação brasileira

A Constituição Federal exige em seu art. 165, § 6º, que o plano orçamentário seja “acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”.

O conceito de benefício de natureza tributária só veio a ser definido por ocasião da edição da Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), segundo a qual a subvenção fiscal da qual decorra renúncia de receita compreende “anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado27”.

Diante do disposto nos citados dispositivos, verifica-se que, nos termos da legislação brasileira, a concessão de crédito presumido que resulte em renúncia de receita tributária representa uma subvenção fiscal.

4.1.3. O conceito de subsídio no âmbito da OMC

No âmbito da OMC, o conceito de subsídio está previsto no Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) vinculado ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) celebrado pelos países-membro da Organização Mundial de Comércio – OMC.

O ASMC, em seu artigo 1º, estabelece que se caracterizam como subsídio: (i) a contribuição financeira pelo governo ou órgão público; (ii) a transferência ou potenciais transferências diretas de verbas ou obrigações a qualquer título; (iii) o perdão de receitas públicas ou a possibilidade de estas deixarem de ser recolhidas; (iv) o fornecimento de bens ou serviços além daqueles destinados a infraestrutura geral ou aquisição de bens; (v) os pagamentos a um sistema de fundos ou a confiança ou instrução a órgão privado para realizar uma ou mais das referidas funções descritas nos itens (i) a (iv); ou (vi) qualquer forma de receita ou sustentação de preços no sentido do artigo XVI do GATT 1994. Para que haja a configuração de um subsídio no âmbito do ASMC, sempre deverá haver uma vantagem econômica.

A concessão de crédito presumido a determinado contribuinte é, pois, uma vantagem que reduz a arrecadação tributária do país, traduzindo-se em uma renúncia de receita fiscal pelo Estado.

4.2. O subsídio proibido conforme o artigo 3.1(a) do ASCM

Como visto, nos termos do artigo 1º do ASMC da OMC, considera-se subsídio a medida concedida pelo Estado-membro que resulte em contribuição financeira por um governo ou órgão público deste e que, com isso, confira uma vantagem.

Os subsídios podem ser não acionáveis, acionáveis ou proibidos, sendo os primeiros qualificados por exclusão, isto é, se não forem nem proibidos, nem não acionáveis, serão acionáveis.

Os subsídios acionáveis estão previstos no artigo 2º do ASCM, segundo o qual será considerado subsídio, no âmbito da OMC, aquele: (i) destinado “especificamente a uma empresa ou produção, ou a um grupo de empresas ou produções”; ou (ii) “limitado a determinadas empresas localizadas dentro de uma região geográfica situada no interior da jurisdição” e que possua efeito danoso em relação aos demais países-membros, prejudicando a competição nas relações comerciais.

Já em relação ao subsídio proibido, a especificidade é presumida. O artigo 3º do ASMC estabelece serem proibidos: (i) os “subsídios vinculados de fato ou de direito ao desempenho exportador, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições, inclusive aqueles indicados a título de exemplo no Anexo I”; e (ii) os “subsídios vinculados de fato ou de direito ao uso preferencial de produtos nacionais em detrimento de produtos estrangeiros, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições”.

Verifica-se, pois, que para ser qualificado como proibido, o subsídio deverá incentivar a exportação ou ser vinculado de fato ou de direito ao uso preferencial de produtos nacionais em detrimento de produtos estrangeiros.

A análise neste estudo restringe-se ao subsídio proibido que incentive a exportação, tendo em vista que, por óbvio, não haverá a caracterização de subsídio que exija a utilização de conteúdo nacional na análise que ora se propõe.

Assim, no que concerne aos subsídios proibidos relativos ao incentivo à exportação, o artigo 3.1(a) do ASMC faz menção ao Anexo I – Lista Ilustrativa de Subsídios a Exportação, o qual, em seu item (e), dispõe que dentre os subsídios proibidos inclui-se: “isenção, remissão ou diferimento total ou parcial, concedido especificamente em função de exportações, de impostos diretos ou impostos sociais pagos ou pagáveis por empresas industriais ou comerciais” (grifou-se).

Assim, uma vantagem econômica destinada a determinados setores da economia que resulte em renúncia fiscal é um subsídio nos termos das normas da OMC. Se esse subsídio for vinculado, de direito ou de fato, ao desempenho na exportação, podendo se dar por meio de isenção, total ou parcial, de impostos diretos, haverá a caracterização de subsídio proibido previsto no artigo 3.1 do ASMC.

Nesse sentido, o crédito presumido de 9% a ser deduzido do IRPJ e da CSLL devidos no Brasil sobre os lucros auferidos no exterior é um benefício específico concedido a setores específicos, na medida em que confere uma vantagem às controladoras brasileiras que possuam investimento em sociedades controladas ou coligadas que desenvolvam tão somente as atividades elencadas na Lei n. 12.973/2014 ou na Portaria MF n. 427/2014, como, por exemplo, atividades industriais em geral ou de construção civil. Não pode ser usufruído por controladoras brasileiras que possuam investidas no exterior que desenvolvem atividade de instituições financeiras, por exemplo.

Se não fosse um benefício específico, isto é, concedido apenas a determinados setores da economia, o crédito presumido outorgado pela Lei n. 12.973/2014 equivaleria ao matching credit concedido em sede de tratado para evitar a dupla tributação.

5. O preço de transferência na exportação e o caso FSC

5.1. As regras de preço de transferência e safe harbour na exportação

O item (e) do Anexo I ao ASMC acima mencionado faz referência à nota de rodapé 59, segundo a qual:

“Os Membros reafirmam o princípio segundo o qual os preços de bens praticados em transações entre empresas exportadoras e compradoras estrangeiras controlados pelas primeiras, ou ambos sob o mesmo controle, devem, para fins tributários, ser os mesmos que se praticariam entre empresas independentes umas das outras em condições de livre concorrência. Qualquer Membro pode chamar a atenção de outro para práticas administrativas ou outras que contradigam esse princípio e que resultem em expressiva economia em impostos diretos aplicáveis a transações de exportação”. (grifo nosso)

A referida nota consagra o dever de observância ao padrão arm’s length no âmbito das transações comerciais realizadas pelos países-membro da OMC com a finalidade de evitar a economia de tributos diretos pelas suas empresas residentes em suas transações de exportação28.

As regras de preço de transferência, criadas sob o manto do arm’s length, surgiram no cenário da economia globalizada, em que houve uma ruptura das fronteiras dos países (mercado local) para dar lugar ao mercado global, com a finalidade precípua de redução dos custos de produção e a maximização dos lucros. Houve, assim, um incremento significativo das transações internacionais, em especial entre partes relacionadas.

Por meio das regras de preço de transferência, pretende-se garantir uma tributação equitativa da renda das partes dependentes como se independentes fossem, com o intuito de evitar a evasão fiscal por alocação de lucros em outra jurisdição nas transações internacionais entre partes relacionadas.

Nesse contexto, questiona-se se a aplicação de uma regra de preço de transferência mais flexível, especialmente nas exportações, ocasionaria a alocação de recursos para subsidiárias estrangeiras, com o intuito de reduzir a tributação da renda no país de residência.

É exatamente o que ocorre quando, ao abrigo de uma norma safe harbour, o contribuinte pode deixar de aplicar as regras de preço de transferência a determinadas transações, sem sofrer nenhum ajuste pela autoridade tributária.

De acordo com o Relatório de Preço de Transferência da OCDE29, a norma safe harbour permite que determinadas transações não sejam submetidas às regras de preço de transferência ou que a estas sejam aplicadas regras simplificadas a fim de reduzir o dever de conformidade dos contribuintes e da fiscalização.

No Brasil, há a previsão de normas safe harbour aplicáveis somente às empresas exportadoras30, segundo as quais o preço de exportação adotado pelo contribuinte é considerado aceitável se: (i) o preço de exportação representar pelo menos 90% do preço do mercado interno; (ii) as exportações para partes relacionadas tiverem gerado uma margem de lucro líquido mínima de 10%; ou (iii) a margem de divergência entre o preço praticado e o preço parâmetro for de até 5%31.

Para esta análise, consideremos a regra de dispensa do ajuste na apuração do imposto sobre a renda e na base de cálculo da CSLL, mediante a aplicação das regras de preço de transferência, em operações com entidades vinculadas, quando o preço praticado médio ponderado divergir em até 5% (cinco por cento), para mais ou para menos, do preço parâmetro médio ponderado. Tal regra está disciplinada no art. 51-A da IN RFB n. 1.312/201232.

É essa margem de divergência de 5% do preço parâmetro que permitirá a erosão da base tributável no Brasil33, mediante a alocação de recursos à investida no exterior pela empresa exportadora, utilizando-se a norma safe harbour.

Como bem afirma Vettori, tanto na hipótese de isenção da tributação do lucro auferido pela investida no exterior (tal como ocorre no regime de territorialidade), como na de diferimento da tributação desses lucros, “as regras benéficas de preços de transferência, ao viabilizarem alocação dos lucros de exportação nas subsidiárias estrangeiras, efetivamente permitem um benefício fiscal, pois os lucros das subsidiárias não são tributados”34.

Portanto, a não aplicação das regras de preço de transferência em virtude do safe harbour em uma jurisdição que isente os lucros auferidos por investidas no exterior – ainda que sua legislação doméstica tribute a renda em bases universais – pode resultar em redução da base tributária no país de residência da investidora. Ou seja, parte dos lucros não será tributada pelo regime de bases universais (profit shifting).

Essa seria justamente a hipótese de exportação de produtos por uma controladora brasileira, ao amparo da norma safe harbour (margem de 5%), a uma subsidiária que desenvolva atividade industrial ou de construção civil, por exemplo. Nessa hipótese, a controladora brasileira fará jus ao crédito presumido de 9% previsto no art. 87, § 10, da Lei n. 12.973/2014. Por ser beneficiária do crédito presumido de 9%, parte dos seus lucros auferidos no exterior não será tributada no Brasil pela CSLL, eis que esse benefício equivale a uma isenção da CSLL.

E mais, ainda que os lucros auferidos no exterior estejam sujeitos à tributação pelo regime de caixa, isto é, à tributação somente quando da sua distribuição à controladora brasileira, tais lucros também não serão tributados pela CSLL.

Na hipótese descrita, haverá a erosão da base tributável no Brasil em virtude da aplicação da norma safe harbour, que permite a alocação de lucros no exterior (profit shifting) quando observada a margem de 5% do preço parâmetro, afastando a necessidade de ajuste de preço de transferência no Brasil. Esses lucros alocados no exterior também não serão tributados pela CSLL, conforme o regime previsto na Lei n. 12.973/2014, de modo que quanto maior forem as exportações realizadas pela controladora brasileira, maior o volume de renda isenta de CSLL.

Pode-se afirmar, então, que há um incentivo à exportação para as sociedades brasileiras que possuam controladas ou coligadas no exterior que desenvolvam atividade industrial ou de construção civil (tal como previsto na Lei n. 12.973/2014 ou na Portaria MF n. 427/2014), em virtude da concessão do subsídio específico do crédito presumido de 9%, cuja fruição está, exclusivamente, atrelada à natureza da atividade desenvolvida no exterior.

Essa situação muito se assemelha ao caso FSC analisado pelo Painel do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, como se verá a seguir.

5.2. O caso FSC analisado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC

A Comunidade Europeia apresentou ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, em novembro de 1997, pedido para a instauração de um painel de solução de controvérsias, contestando o regime de Foreign Sales Corporations (“FSC”) adotado pelos Estados Unidos da América (“EUA”)35.

O regime de FSC, instituído em 1984, baseado no conceito de neutralidade de exportação de capital, foi criado para compensar as desvantagens tributárias dos exportadores americanos decorrentes do regime de tributação em bases universais a que as sociedades norte-americanas estavam sujeitas nos termos da legislação americana. Isso porque a maior parte das sociedades europeias estavam sujeitas ao regime de tributação em bases territoriais.

As empresas qualificadas como FSC exportavam produtos de origem norte-americana para subsidiárias, via de regra estabelecidas em paraísos fiscais, e estas, por sua vez, eram responsáveis pelas exportações das controladoras americanas, de forma a destinar os referidos produtos ao mercado consumidor.

Sucede que, exclusivamente em virtude das regras brandas de preço de transferência adotadas pelos EUA para as operações de exportação, as controladoras residentes nos EUA alocavam parte dos seus lucros nas investidas no exterior (profit shifting).

O lucro alocado nas subsidiárias não era tributado nos EUA e, também, não era alcançado pelas normas americanas denominadas Controlled Foreign Corporation (“CFC”), cuja finalidade é impedir o diferimento da tributação no país de residência dos lucros auferidos no exterior por partes relacionadas36. E mais, os lucros também não eram tributados quando distribuídos às controladoras americanas, pois os dividendos dessas subsidiárias (FSC) eram isentos nos EUA.

Para que pudessem se valer desse regime, os lucros das subsidiárias estrangeiras deveriam ser oriundos da venda em outra jurisdição de bens produzidos nos EUA, e ao menos 50% do seu valor de mercado deveria ser atribuível a bens de origem americana. Esses lucros eram denominados foreign trade income e não estavam sujeitos à tributação em bases universais nos EUA37.

Em sua defesa, os EUA alegaram que não tributar os lucros auferidos no exterior equivaleria ao regime territorial previsto na legislação da maior parte dos países europeus. Além disso, a alocação de recursos nas subsidiárias no exterior observava o preceito do arm’s length, conforme previsto na nota 59 do ASCM.

Ao analisar o caso, o Painel da OMC concluiu que um contribuinte em mesmas condições, mas que não se beneficiasse do regime FSC, teria seus lucros tributados, ao menos quando estes fossem distribuídos. Tal tributação só não ocorria exclusivamente em virtude da isenção de dividendos, de modo que, se não houvesse concessão do benefício fiscal pela norma americana, haveria maior arrecadação de receita pelos EUA.

Assim, a OMC entendeu que a isenção dos lucros das FSC era um subsídio inconsistente com o ASCM, eis que os lucros (foreign trade income) somente seriam isentos se decorressem de atividades de exportação, o que é vedado pelo art. 3.1(a) do ASCM. Esse entendimento do Painel foi mantido pelo Órgão de Apelação da OMC.

6. Conclusão

A concessão do direito de crédito unilateralmente pelos países está fundamentada na neutralidade de exportação de capitais (CEN), cujo objetivo é assegurar que a tributação não seja o elemento decisivo do local em que o seu residente investirá no exterior. Assim, na hipótese de o país adotar como política fiscal a tributação em bases universais, deverá conceder ao seu residente o direito de crédito do imposto pago no exterior pelas suas investidas.

O Brasil mudou seu regime de tributação das pessoas jurídicas de bases territoriais para bases universais em 1995, por meio da edição da Lei n. 9.249, ocasião em que também passou a prever o direito de crédito do imposto pago no exterior. Para tanto, foi adotado o método de imputação ordinário, segundo o qual o crédito de imposto é limitado ao montante devido a título de imposto sobre os mesmos rendimentos estrangeiros no estado da residência, não sendo possível a utilização do valor residual em outros exercícios, nem para compensação com outros tributos.

Com a alteração do regime de tributação em bases universais pela Lei n. 12.973/2014, manteve-se a adoção do método de imputação, tratando especificamente do direito de crédito no Brasil em relação às controladas, diretas ou indiretas, sujeitas ao regime de competência, e às coligadas, sujeitas em regra ao regime de caixa.

A Lei n. 12.973/2014 também concedeu um crédito presumido de 9% a ser compensado com o IRPJ e a CSLL incidentes sobre os lucros das controladas e coligadas no exterior que desenvolvam uma das atividades listadas na Lei n. 12.973/2014 ou na Portaria MF n. 427/2014, como, por exemplo, atividades industriais em geral ou de construção civil. Referido crédito presumido configura, na verdade, uma isenção da CSLL.

Além de violar o princípio da igualdade, já que não se estende aos outros setores da economia, a concessão do referido crédito presumido consiste em um verdadeiro subsídio à exportação, vedado pelo artigo 3.1(a) do ASMC.

A sua caracterização decorre de duas razões. A primeira é o fato de ser um benefício específico concedido a setores determinados da economia, não se permitindo, por exemplo, o seu gozo por controladoras brasileiras de instituições financeiras no exterior. Se não fosse um benefício específico, isto é, concedido apenas a determinados setores da economia, o crédito presumido outorgado pela Lei n. 12.973/2014 equivaleria ao matching credit concedido em sede de tratado para evitar a dupla tributação. O segundo motivo é a possibilidade de exportação de produtos ao abrigo da regra safe harbour, permitindo, assim, uma alocação dos lucros no exterior, já que a transação poderá ser efetuada dentro da margem de 5% e, ainda assim, permitir que haja transferência de lucros para a investida no exterior.

Esses lucros alocados no exterior, por sua vez, não serão tributados no Brasil pela CSLL sob o regime de tributação em bases universais instituído pela Lei n. 12.973/2014, justamente em virtude da fruição do crédito presumido de 9% concedido pela mesma lei.

Assim, conclui-se que o referido crédito presumido de 9% é um incentivo à exportação, exclusivamente, para as sociedades brasileiras que possuam controladas ou coligadas no exterior que desenvolvam atividades de fabricação de bebidas e/ou alimentos, construção de edifícios e de obras de infraestrutura, indústrias em geral, extração de minérios e/ou de exportação, sob concessão, de bem público localizado no país de domicílio da controlada.

Por ser um benefício fiscal específico que incentiva a exportação, resta caracterizada sua natureza de subsídio proibido nos termos do artigo 3.1(a) do ASMC vinculado ao GATT, celebrado pelos países-membro da OMC.

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1 DEVEREUX, Michael P. Taxation of outbound direct investment: economic principles and tax policy considerations. Oxford University Centre for Business Taxation. 2008, p. 5.

2 Ainda que outros princípios sejam apresentados na doutrina, como o de capital ownership neutrality, a doutrina preponderantemente defende a neutralidade de capital. Nesse sentido, confira-se DEVEREUX, op. cit., e WEISBACH, David A. The use of neutralities in international tax policy. Disponível em: <https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2383&context=law_and_economics>. Acesso em: 19 nov. 2018.

3 A ADI n. 2.588 foi ajuizada em 21.12.2001 pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, com o objetivo de ver declarada a inconstitucionalidade do regime tributário previsto no art. 74, caput e parágrafo único, da Medida Provisória n. 2.158-35/2001. Após mais de dez anos, o julgamento da referida ação foi concluído em 10 de abril de 2013 pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, do qual resultaram três declarações com efeitos erga omnis: (i) a declaração de inconstitucionalidade da tributação retroativa dos lucros de controladas e coligadas no exterior, apurados no período de 1996 a 2001, ao abrigo do parágrafo único do art. 74 da Medida Provisória n. 2.158-35/2001; (ii) a declaração de inconstitucionalidade da tributação dos lucros de coligadas, domiciliadas em países não qualificados como “paraísos fiscais”; e (iii) a constitucionalidade da tributação dos lucros de controladas, domiciliadas em “paraísos fiscais”.

4 O Brasil é membro da OMC e, portanto, signatário do GATT e do ASMC. Para maiores informações, consultar: <http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/1885-omc-acordos-da-omc>. Acesso em: 8 dez. 2018.

5 Cf. AVI-YONAH, Reuven; e SLEMROD, Joel. (How) should trade agreements deal with income tax issues. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=285345>. Acesso em: 8 dez. 2018.

6 WEISBACH, David A. Op. cit.

7 BLUM, Daniel W. Controlled foreign companies: selected policy issues – or the missing elements of BEPS action 3 and the anti-tax avoidance directive. Intertax n. 46, issue 4, p. 296-312, 2018.

8 SCHOUERI, Luis Eduardo. Las limitaciones decurrentes de la tributación mundial de la renta y la adopción de la territorialid. In: MAZZ, Addy; e PISTONE, Pasquale (coord.). Reflexiones en torno a un modelo latino-americano de convenio de doble imposición. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 2010. p. 281-298.

9 XAVIER, Alberto. Direito Tributário internacional do Brasil. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 756.

10 TORRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas das empresas. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p. 443.

11 XAVIER, Alberto. Op. cit., 2015, p. 755.

12 FOLTYN, Olga. The exemption method and fictitious tax credit as a prohibited subsidy under WTO Law. In: HERDIM-WINTER, Judith; e HOFBAUER, Ines. The relevance of WTO Law for tax matters. Linde, 2006. p. 375-390.

13 SCHOUERI, Luis Eduardo. Tax sparing: uma reconsideração da reconsideração. Revista de Direito Tributário Atual v. 26. São Paulo: Dialética-IBDT, 2011. p. 108.

14 A OCDE já se posicionou contrariamente às cláusulas de tax sparing em virtude das distorções que geram e o pouco efeito que produzem em relação aos países em desenvolvimento, que são os beneficiários dessa modalidade. Nesse sentido: MALHERBE, Jacques et al. La prevención en América Latina de la doble imposición internacional en la perspectiva de la redacción de un tratado modelado. In: MAZZ, Addy; e PISTONE, Pasquale (coord.). Reflexiones en torno a un modelo latino-americano de convenio de doble imposición. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 2010. p. 178.

15 O regime do art. 74 da MP n. 2.158/2001 foi regulamentado pela IN SRF n. 213/2002, sendo a compensação do imposto pago no exterior com o imposto de renda devido no Brasil prevista no art. 14 do referido ato, o qual ainda está em vigor.

16 A ADI n. 2.588 foi ajuizada em 21 de dezembro de 2001, mas seu julgamento só foi concluído em 10 de abril de 2013.

17 Cf. arts. 81 e 82 da Lei n. 12.973/2014.

18 XAVIER, Alberto. Op. cit., 2015, p. 468. A redação da IN n. 213 foi reproduzida no art. 30 da IN RFB n. 1.520/2014.

19 Nesse sentido, nos casos em que a controlada ou coligada faz jus a regime especial que reduz a carga tributária, a controladora brasileira não poderá deduzir o montante que seria recolhido no exterior caso a investida estivesse sujeita à carga tributária regular, isto é, sem os benefícios do regime especial.

20 Ou equiparadas às controladas nos termos dos arts. 81 e 82 da Lei n. 12.973/2014.

21 No entanto, não poderão ser consideradas na consolidação as parcelas referentes às controladas que: (i) estejam situadas em país com tributação favorecida, regime fiscal privilegiado ou subtributação (alíquota nominal inferior a 20%), ou ainda com o qual o Brasil não mantenha tratado ou ato com cláusula específica para troca de informações para fins tributários; (ii) sejam controladas, direta ou indiretamente, por pessoa jurídica situada em país enquadrado em uma das hipóteses do item (i); (iii) tenham renda ativa própria inferior a 80% (oitenta por cento) da renda total.

22 A lei brasileira considera regime de subtributação aquele que possua alíquota nominal do imposto de renda inferior a 20%.

23 VETTORI, Gustavo Gonçalves. Contribuição ao estudo sobre as influências recíprocas entre a tributação da renda e o comércio internacional. 2011. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo, 2011. p. 10.

24 BURKE, Karen C.; CARON, Paul L.; e McCOUCH, Grayson M. P. Federal income tax anthology. Cincinati: Anderson Publishing Co., 1997. p. 296 e 307.

25 VETTORI, Gustavo Gonçalves. Op. cit., p. 15.

26 Ibidem, p. 15-16.

27 Este conceito está previsto no art. 14, § 1º, da LC n. 101/2000.

28 A inclusão da nota 59 resultou do Painel do GATT de 1976, que analisou o regime das Domestic International Sales Corporation (DISC), o qual precedeu o regime da FSC, tratado no item 5.2. O referido Painel entendeu que se tratava de um subsídio contrário ao GATT. Sobre o Painel, confira: HEPBERGER, Rainer. Direct tax cases in WTO dispute settlement. In: HERDIM-WINTER, Judith; e HOFBAUER, Ines. Op. cit., 125 a 131.

29 Disponível em: <https://www.oecd.org/ctp/transfer-pricing/Revised-Section-E-Safe-Harbours-TP-Guidelines.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2018.

30 SCHOUERI, Luis Eduardo. Op. cit., 2006, p. 236.

31 As normas safe harbour estão previstas nos arts. 48, 49 e 51-A da IN RFB n. 1.312/2012. O art. 45 da Lei n. 10.833/2003 autoriza que a Receita Federal estabeleça normas de simplificação da apuração dos métodos de preço de transferência previstos no art. 19 da Lei n. 9.430/1996, tendo em vista condições especiais de rentabilidade e representatividade de operações da pessoa jurídica.

32 “Art. 51-A. A partir de 1º de janeiro de 2019, será considerada satisfatória a comprovação, nas operações com pessoas jurídicas vinculadas, quando o preço praticado médio ponderado divirja em até 5% (cinco por cento), para mais ou para menos, do preço parâmetro médio ponderado.”

33 A empresa brasileira exportadora só poderá se valer do safe harbour se a transação não for realizada com entidade residente em país considerado “paraíso fiscal” de acordo com a legislação brasileira.

34 VETTORI, Gustavo Gonçalves. Op. cit., p. 148.

35 HEPBERGER, Rainer. Op. cit., p. 498-499.

36 Nos EUA as normas CFC ou antidiferimento são as chamadas Subpart F rules. Sobre o tema, confira: SICULAR, David R. The new look-through rule: W(h)ither Subpart F? Tax Notes International, p. 589-623, 2007.

37 VETTORI, Gustavo Gonçalves. Op. cit., p. 132.