O Supremo Tribunal Federal e a Limitação de Multas Tributárias. O Arbitramento Judicial dos Limites Objetivos da Vedação do Confisco

Brazilian Federal Supreme Court and the Tax Fines Limitation. The Judicial Arbitration of the Objective Limits of Non-confiscation

Rafael Quevedo Rosas de Ávila

Mestrando no Curso de Pós-graduação stricto sensu em Direito Tributário do IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco. Advogado em São Paulo. E-mail: rafael@rosasdeavila.adv.br.

Recebido em: 20-08-2019

Aprovado em: 11-11-2019

Resumo

Partindo do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação do conteúdo principiológico da vedação do confisco – ou não confisco – às multas tributárias, o artigo critica o arbitramento judicial dos limites objetivos do princípio referido por meio de juízos preestabelecidos pela Corte a respeito da valoração da gravidade de infrações tributárias e, correlatamente, dos propósitos – pedagógico e/ou punitivo – de aplicação das correspectivas multas, demonstrando que a maior gravidade da impontualidade enquanto infração tributária não é uma constante na legislação tributária e que a distinção das multas tributárias à luz do critério de suas respectivas finalidades é, além de imprecisa, insuficiente para justificar a graduação de multas tributárias.

Palavras-chave: infrações tributárias, classificação, impontualidade, gravidade, valoração.

Abstract

Based on the Federal Supreme Court´s understanding of the application of the principiological content of prohibition of confiscation of tax fines, the article criticizes the judicial arbitration of the objective limits of the principle referred through opinions pre-established by the Court regarding the assessment of the seriousness of tax infractions and, correspondingly, of the purposes – pedagogical and/or punitive – of the application of the corresponding fines, demonstrating that the greater severity of unpunctuality as a tax offense is not a constant in tax legislation and that the distinction between tax fines in the light of the criterion of its respective purposes is, in addition to being inaccurate, insufficient to justify the graduation of tax fines.

Keywords: tax penalties, classification, unpunctuality, gravity, valuation.

1. Introdução

Dentre as limitações ao poder de tributar situam-se os princípios jurídico-
-constitucionais, dos quais é espécie o princípio da vedação do confisco ou do não confisco, assentado sobre o dogma axiológico, de fácil enunciação, segundo o qual o tributo não deve ter o condão de esgotar a riqueza tributável do particular a fim de não a anular, porém de difícil aferição pragmática face à constante dificuldade de definição dos contornos do que venha a, efetivamente e em um caso concreto, constituir-se um efeito confiscatório.

Sem embargo do cada vez mais vivo óbice em se definir, com precisão, os lindes do aventado efeito confiscatório, a jurisprudência1 do Supremo Tribunal Federal tem valente e meritosamente se valido fundamentalmente desse princípio encartado de forma expressa na Constituição Federal de 1988, art. 150, inciso IV, para frear o intento fazendário de, ordinariamente atado pelo rigorismo legislativo, aplicar significativas multas tributárias ao sujeito passivo tributário incurso em infrações tributárias sob o pálio de que as mesmas tornar-se-iam hipoteticamente justificáveis face a, tão somente, violação de deveres jurídico-tributários estatuídos pela esparsa e farta legislação tributária; venerável, portanto, o excerto de sua jurisprudência quando o Pretório Excelso firma que: “Nos termos da jurisprudência da Corte, o princípio da vedação ao efeito de confisco aplica-se às multas”2.

Mas assim como certamente ocorre com o principiante violinista que, inspirado pela virtuose de dado compositor clássico, até executar com maestria os movimentos alegro e presto de sua obra, atravessa razoáveis e muitas vezes infindáveis óbices ao perfeccionismo da interpretação musical, nos parece que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não obstante motivada pelo estimado valor encartado no princípio alhures, ainda está a girar as cravelhas a fim de afinar, cada vez mais, a sua jurisprudência neste específico tema.

E aqui se situa a questão central ou o objeto imediato deste trabalho: sob o pálio do valor imbuído no princípio da vedação do confisco, e atuando o valor da obrigação tributária dita “principal” como parâmetro comparativo adotado pela Corte, é possível matematicamente objetivar a limitação de multas tributárias por meio de juízos objetivamente preestabelecidos pela Corte a respeito da valoração da gravidade de infrações tributárias e, correlatamente, dos propósitos – pedagógico e/ou punitivo – de aplicação das correspectivas multas?

E até a execução do movimento finale da resposta da questão supra, outras questões as quais se revestem dos contornos de objetos mediatos deste trabalho se revelam: o que se deve entender quando enuncia a Corte Superior que a impontualidade é uma falta menos grave que “a violação à legislação tributária”? Efetivamente, a impontualidade é uma infração menos grave do que outras modalidades de infrações tributárias? Aliás, a partir do referencial do direito positivo tributário sancionatório, como definirmos, com segurança e sob o pálio da gravidade, qual infração tributária vem a ser menos grave do que outra? O “desestímulo ao atraso” constitui-se em uma finalidade de imposição de multa a qual informaria sua graduação inferior se comparada com aqueloutra assentada cujo fim é evitar a “burla à atuação da Administração tributária” conforme afirmado pela Corte?

Mediante análise crítica da recente jurisprudência da Suprema Corte, este trabalho elucidará os aventados questionamentos, demonstrando que a maior gravidade da impontualidade enquanto infração tributária não é uma constante na legislação tributária e que a distinção das multas tributárias à luz do critério de suas respectivas finalidades é, além de imprecisa, insuficiente para justificar a graduação de multas tributárias. Assim, procura este artigo provocar uma melhor reflexão sobre essa sensível temática, a qual, inclusive, é agravada pela circunstância de que boa parte da legislação tributária neste específico tema atua, em razoável número das vezes, como uma partitura musicalmente mal notada.

2. Vedação do confisco enquanto limite à imposição de multas tributárias

Enquanto objeto do mundo cultural, o Direito é impregnado de valores. Esse substrato axiológico é caracterizado, dentre outros aspectos, pela variabilidade de sua intensidade, a qual é modulada de norma para norma, existindo normas mais fortemente carregadas de carga valorativa do que outras, o que lhes atribui as relevantíssimas finalidades de, dentre outras, exercer significativa influência hermenêutica sobre outras normas e áreas do ordenamento jurídico e prezar pela unidade do sistema do direito posto, o qual é caracterizado pela igualdade da estrutura sintática (homogeneidade sintática) e pela desigualdade semântica e pragmática (heterogeneidade semântica e pragmática) das normas que o compõem. Tais normas são denominadas de “princípios”, termo o qual, sem embargo de sua vultuosa amplitude semântica, é empregado para, na linguagem objeto do Direito Positivo e na metalinguagem da Ciência do Direito, designar essas espécies de normas jurídicas informadas por uma maior carga axiológica.

E dentre os princípios jurídicos – inclusive, especificamente, dentre aqueles princípios jurídicos constitucionais expressos –, figura o princípio da vedação do confisco ou do “não confisco”, cujo valor nele imbuído preceitua a vedação de que, a pretexto da imposição e cobrança de exações tributárias, seja justificável ao Estado o desapossamento de bens e/ou rendimentos dos sujeitos passivos. Tem-se por confiscatória a exação que, como precisa Roque Antônio Carrazza, “esgota (ou tem a potencialidade de esgotar) a riqueza tributável das pessoas, isto é, que não leva em conta suas capacidades contributivas”3. E o valor em voga conflui para a impossibilidade de que as relações jurídico-tributárias tenham esse condão de esgotar a riqueza tributável dos sujeitos passivos tributários; no dizer de Luciano Amaro, “se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada”4.

Muito embora o dogma tenha sido inicialmente idealizado para fins de impedir a instituição de tributos cuja carga seja demasiadamente aflitiva aos contribuintes, o respectivo valor, dado o significante primado de igualdade e justiça fiscal, teve a sua extensão ampliada no campo dogmático e pragmático para fins de, concomitantemente, impedir a aplicação de sanções tributárias pecuniárias demasiadamente fardas ao sujeito passivo, ainda que não pairem dúvidas acerca da materialidade e autoria da infração tributária, não prevalecendo, portanto, as teses de que o regime jurídico atinente a “tributo” seria inaplicável em sua inteireza às multas tributárias, nem mesmo aquelas teses mais extremadas em prol da possibilidade de a multa ser confiscatória ante o seu intento desestimulador, segundo advogava, dentre vários outros doutos, o eminente Hugo de Brito Machado5.

E a emanação do aventado valor enquanto um limite à aplicação de multas tributárias irrazoáveis e desproporcionais encontra guarida no Supremo Tribunal, conforme se verifica de sua remansosa jurisprudência. A síntese do entendimento da Corte é bem demonstrada, podendo-se elencar, do exame da farta jurisprudência a respeito de tal matéria, dentre vários outros excertos, o judicioso voto a cargo do Ilustre Ministro Celso de Mello na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1075/DF, o qual pedimos licença para reproduzir:

“A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do ‘quantum’ pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais”6.

A jurisprudência7 da mais alta Corte Judicial tem consolidado a aplicação do valor imbuído no princípio da vedação do confisco como freio à impulsividade fiscal das autoridades fazendárias quando da aplicação de sanções tributárias pecuniárias, firmando que o valor não confisco é de imperativa observância quando da aplicação de multas tributárias, solução esta digna de aplausos, tendo em vista que, ainda quando da prática de infrações tributárias e imposição das correlatas multas tributárias, não se legitima a apropriação estatal do patrimônio e/ou dos rendimentos dos sujeitos passivos tributários, sendo assente e inegável o desinteresse ao próprio Estado-administração e à comunidade em geral que uma unidade econômica produtiva venha a desaparecer por força impositiva da carga tributária, ainda que sancionatória.

3. Infrações tributárias. Impontualidade e outras infrações

Orienta-se o Pretório Excelso pela respectiva proposição jurisprudencial de que a impontualidade é falta menos grave do que a violação à legislação tributária; vide excerto do julgado a cargo da Primeira Turma, relatoria do Ministro Roberto Barroso, o qual fundará as considerações deste capítulo: “Não merece reparo o acórdão regional que mantém o valor da multa moratória ao patamar de 20%. Trata-se de montante que se coaduna com a ideia de que a impontualidade é uma falta menos grave que a violação à legislação tributária”8.

Primeira observação que se nos mostra impositiva face à proposição ora em voga é extrair uma potencial equívoca intelecção de pretender-se distinguir a espécie do respectivo gênero sem o manejo de sua diferenciação específica; como nos adverte Lucas Galvão de Britto: “todos os elementos que pertencem à espécie têm as notas comuns ao gênero, porém nem todos os elementos que integram o gênero denotam as características da espécie”9.

Cezar A. Mortari nos leciona que “conjuntos são formados por objetos, os quais são chamados de elementos”10. Embora a identidade ou o atributo comum não seja absolutamente exigido dos elementos de um conjunto, se pretendermos justamente o inverso, isto é, definir o conjunto por sua propriedade comum aos respectivos elementos, logo, nos valendo da descrição para fins de representar o conjunto aludido, firmaremos a assertiva de que é a propriedade “p” que determina o conjunto “C” e que, por conseguinte, torna identificáveis seus elementos “e”. Assim, mediante a definição da aventada propriedade “p”, a qual, justamente, definirá o conjunto “C” e, por conseguinte, tornará identificáveis os elementos “e”, mostrar-se-á possível entabular uma classificação, isto é, será possível proceder de maneira lógica em prol de uma distribuição dos termos em classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e determinadas em relação às classes.

Sendo a classe o produto puramente lógico da aplicação justamente desta “propriedade comum”, se mostra imprescindível a prévia fixação da extensão de sua definição para fins de precisar o respectivo alcance, e tal mister é relegado ao que Susanne K. Langer denomina de “defing-form”, “class-concept” ou “class in intension11. E a precisão do que venha a constituir essa propriedade comum – “p” – será efetivada em vista do que se entende por “infração tributária”, vale dizer: é a intenção da definição dogmático-jurídica de “infração tributária” que delimitará a extensão de aplicação da classe “infração tributária”, considerada aqui a classe universal (U ou V na simbologia da lógica clássica) do nosso corte metodológico. Oportuno então conotar o definiendum em questão mediante o elenco de suas características definitórias.

Infração tributária é, na lição de Paulo de Barros Carvalho, “toda ação ou omissão que, direta ou indiretamente, represente descumprimento dos deveres jurídicos estatuídos em leis fiscais”12. Portanto, se quisermos identificar “infração tributária” como justamente o referido conjunto ou classe universal “C”, o qual se particulariza de uma gama de condutas ilícitas prescritas em enunciados normativos diversos pela identidade “p” de seus elementos – no caso, a propriedade comum de caracterizarem-se os elementos como uma “ação ou omissão que venha a infringir dever estatuído em norma jurídica de natureza tributária” –, concluiremos que será elemento “e” desse conjunto, justamente, toda e qualquer ação direta ou indiretamente violadora de dever jurídico tributário. Estruturando formal e simbolicamente o que foi afirmado alhures, identificaríamos a seguinte fórmula, a qual transcrevemos: C = {e / e é toda e qualquer ação direta ou indiretamente violadora de dever jurídico tributário}.

E nesse particular se torna irrefutável a conclusão de que a impontualidade é elemento ou espécie da classe universal “infração tributária”; o sujeito passivo que deixa de pagar o tributo devido no prazo legalmente estatuído para tanto infringe esse específico dever jurídico tributário lhe prescrito em dada norma jurídica tributária dita primária (endonorma). Sob o pálio de que a espécie deve conotar mais do que o gênero, a sua particularidade consiste, justamente, em qualificar-se pelo “descumprimento de um dever jurídico de pagar tempestivamente”, tipificando-se a referida infração como toda e qualquer ação direta ou indiretamente violadora de dever jurídico tributário de pagar tempestivamente o tributo devido. Visando à representação formal e simbólica do que aventamos: “(E = G + De)”, ou seja, “(impontualidade = descumprimento de dever jurídico-tributário + descumprimento do dever jurídico de pagar pontualmente o tributo devido)”.

Se, considerando que se refere a locução “violação à legislação tributária” à classe universal aqui considerada – “infração tributária” – em especial, levando em consideração que conota justamente o aventado definiendum para fins de precisar o “class-concept”, a definirmos como “toda e qualquer ação direta ou indiretamente violadora de dever jurídico tributário” – e essa significação está muito próxima daquela da locução aqui analisada –, incidiremos no equívoco de pretender distinguir a espécie – “impontualidade” – do respectivo gênero, olvidando que aquela deve conotar mais que esta, já que sabidamente a espécie sempre é munida de um “plus” de significação a qual, justamente, consiste em sua diferença específica; ora, em dado conjunto e a título de exercer a operação lógica de classificação, é intransponível o óbice de se pretender a distinção da espécie levando em consideração, única e exclusivamente, a propriedade “p” a qual justamente idealiza o conjunto “C”.

Portanto, ao enunciar a Corte que “a impontualidade é uma falta menos grave que a violação à legislação tributária”, está se afirmando que, na realidade, a impontualidade é uma infração menos grave que as infrações tributárias que não se caracterizem nos moldes dessa específica infração tributária, ou seja, infrações que não constituam violação do dever jurídico de pagar pontualmente o tributo devido, tendo então, ao lado da classe unitária da impontualidade, a classe complementar (A ou A’) ou o contraconjunto de infrações tributárias que não configurem a impontualidade; trata-se aqui das infrações tributárias caracterizadas pelo descumprimento de deveres jurídicos instrumentais de fazer ou não fazer estatuídos pela legislação tributária no interesse da arrecadação.

Identificaríamos, assim, o critério distintivo manejado pelo Supremo Tribunal Federal para distinção das espécies de infração tributária, qual seja, o descumprimento do dever jurídico de pagar pontualmente tributo: ter-se-á então em vista a conduta comissiva ou omissiva que implique o descumprimento de deveres jurídico-tributários distintos – de um lado, o dever jurídico de tempestivamente pagar tributo e, do outro, os deveres jurídicos distintos ao referido dever jurídico tributário –, os quais se assemelham, contudo, pela propriedade comum antes referida do conjunto ou classe universal aqui considerado, vale dizer, o fato de consistirem em toda e qualquer ação direta ou indiretamente violadora de dever jurídico tributário, justamente o “defining-form” empregado para firmar a intenção do conceito “infração tributária”.

Realizada essa introita advertência, cumpre-nos a verificação da veracidade da reiterada proposição extraída da jurisprudência da Corte Superior, ou seja, se de fato a “impontualidade” é uma infração “menos grave” do que “outras” infrações tributárias.

4. Valoração da gravidade de infrações tributárias

A norma jurídica sancionatória – e aqui referida sob a sua feição de norma jurídica primária sancionatória conforme a classificação adotada por Eurico Marcos Diniz de Santi13 – possui a mesma estrutura lógico-formal das regras de conduta, vale dizer, caracteriza-se por uma proposição-hipótese a qual é vinculada por um conectivo interproposicional condicional deonticamente modalizada com uma proposição-consequente.

Mas particulariza-se a norma tributária sancionatória pelo respectivo antecedente, no qual se tem um fato ilícito qualificado pelo descumprimento de um dever jurídico estipulado no consequente de outra norma jurídica. Aqui se situa a infração tributária a qual, repousando sobre o plano fenomênico, individualiza-se por constituir-se em uma conduta, comissiva ou omissiva, a qual, direta ou indiretamente, representa o descumprimento de deveres jurídicos estatuídos pelo direito positivo fiscal. Em matéria tributária, o ilícito tributário poderá advir da não prestação do tributo ou do não cumprimento de deveres instrumentais, mas, em ambas as hipóteses, ter-se-á a mesma estrutura lógico-formal, em última análise, o não cumprimento do dever jurídico tributário; de acordo com Paulo de Barros Carvalho, “haverá um constante e invariável traço que identifica, prontamente, estarmos diante de uma hipótese de ilícito tributário: é a não prestação (não p), presente onde houver fórmula descritiva de infração”14.

Mas da proposição supra não inferimos que exista eventual óbice na valoração de infrações tributárias, em especial, no que atine a sua gravidade. E aqui imperativamente adentramos ao núcleo do conceito de valor. É sabido, pois, que o Direito está permeado de elementos axiológicos nos seus respectivos planos sintático, semântico e pragmático; aliás, a própria estrutura lógico-formal da regra de conduta é inseparável de sua base fática e seus objetivos axiológicos, como pontua Miguel Reale, visto que: “fato, valor e forma lógica compõem-se, em suma, de maneira complementar, dando-nos, em sua plenitude, a estrutura lógico-fático-axiológica da norma de direito”15. Admitindo-se então que uma infração possa ser mais ou menos grave do que outra infração tributária, cumpre-nos verificar a veracidade da proposição firmada pela Corte Superior, ou seja: será que, efetivamente, a impontualidade é uma infração menos grave do que outras modalidades de infrações tributárias?

E da aventada dúvida oriunda da relação uni-plurívoca estabelecida entre as espécies de infrações tributárias supracitadas as quais se encontram envoltas por um predicado relacional diádico – “ser menos grave do que” –, direta e imediatamente outra dúvida nos surge, inclusive, a qual firmamos como pressuposto para obtermos a resposta da dúvida precedente: a partir do referencial do direito positivo tributário sancionatório, como definir, com segurança e sob o pálio da gravidade, qual infração tributária vem a ser menos grave do que outra?

E visando precisar justamente a resposta ao questionamento elencado por nós como precedente, e sem embargo de não ser identificável o critério empregado pela Corte Superior para fins de concluir tal proposição, não nos parece que o critério para elucidação da questão ora aventada seja o de examinar o antecedente da norma jurídica sancionatória; conforme visto, embora o ilícito tributário advenha ou da não prestação do tributo, ou do não cumprimento de deveres instrumentais, em ambas as hipóteses se observa que no suposto tem-se a mesma constante, no caso, um fato ilícito qualificado pelo descumprimento de um dever jurídico-tributário estatuído pelas leis fiscais, vale dizer, a referida não prestação (não-p), a qual nos parece inábil para precisar a gravidade das infrações tributárias.

Critério que nos parece garantir razoável segurança para atingirmos o referido propósito é o de examinar as infrações tributárias conforme a respectiva sanção, a qual lhe é atrelada pela lei fiscal, em especial, quando as mesmas são de idêntica natureza – justamente objeto de nosso corte, as multas tributárias –, concluindo-se então que a infração tributária “A” será de maior ou menor gravidade do que a infração tributária “B” se a respectiva sanção – no caso, a multa tributária aplicável – for de maior ou menor monta.

Será justamente no consequente da norma jurídica sancionatória – precisamente, no respectivo critério quantificativo da multa tributária em tese aplicável, bipolarizado na base de cálculo e na respectiva alíquota aplicável nas ditas multas proporcionais ou mediante simples exame do valor monetário da multa aplicável quando das denominadas multas fixas – que concluiremos pela maior ou menor graduação de uma infração comparativamente com outra infração tributária; logo, ao concluir-se pela maior ou menor gravidade de uma dada infração tributária em relação a outra, estar-se-á, na realidade, firmando-se a maior ou menor gravidade da sanção tributária – multa tributária – a qual lhe é atrelada16.

Então precisada a forma pela qual se analisarão as infrações tributárias no que atine às respectivas graduações, cumpre-nos perquirir a resposta da questão a qual inaugurou o presente tópico, qual seja, a de verificar a veracidade da proposição firmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que a impontualidade é, de fato, uma infração menos grave do que outras modalidades de infrações tributárias.

E ainda que, examinando o direito positivo, seja possível firmar a veracidade de tal proposição em muitos exemplos, o próprio direito positivo nos traz outros exemplos os quais se situam em sentido diametralmente oposto ao que é afirmado pela jurisprudência do Pretório Excelso, o que equivale a dizer, portanto, que nem sempre a impontualidade é uma infração menos grave que outras modalidades de infrações tributárias17.

Exemplificativamente, comete infração tributária o proprietário de um imóvel rural que deixa de pagar o valor devido a título de ITR até o último dia do mês fixado para a entrega da respectiva declaração (Lei n. 9.393/1996, art. 12, caput, c.c. Decreto n. 4.382/2002, art. 58), como também comete infração tributária o proprietário desse mesmo imóvel rural que, embora eventualmente pague o tributo devido, deixe de apresentar anualmente o documento de informação e apuração – DITR – correspondente (Lei n. 9.393/1996, art. 8º, caput, c.c. Decreto n. 4.382/2002, art. 58). Diante do descumprimento dos deveres jurídicos tributários referidos, sujeitar-se-á o contribuinte ao pagamento de multa e juros de mora na primeira hipótese (Lei n. 9.393/1996, art. 13, incisos I e II) e ao pagamento de multa na segunda hipótese (Lei n. 9.393/1996, art. 9º, c.c. art. 7º).

Face ao critério então por nós explanado para fins de firmar a gravidade de infrações tributárias, concluir-se-ia que a assertiva do Pretório Excelso é dissonante do que se verifica no direito positivo; é que nos exemplos citados o não oportuno pagamento do tributo devido pelo respectivo contribuinte o sujeitaria à multa no percentual de 75% sobre a totalidade do valor não pago conjuntamente ao imposto não pago (Decreto n. 4.382/2002, art. 76, inciso I, c.c. § 1º, inciso I), ao passo que a não entrega da respectiva declaração o sujeitaria ao pagamento de multa no valor de 1% (um por cento) ao mês-calendário sobre o imposto devido (Decreto n. 4.382/2002, art. 75). Tem-se aqui exemplo no qual a impontualidade é, na realidade, infração de maior monta do que outra espécie de infração tributária a qual não repousa sobre o descumprimento do dever jurídico de pagar pontualmente o tributo devido.

Ainda é possível vislumbrarmos outro exemplo, agora de tributo não administrado pela Receita Federal, no caso, específico imposto estadual, a fim de reforçar o afirmado.

Suponha-se que, com o falecimento do pai, o único herdeiro, abasbacado pelo inesperado luto, demore exatos 61 (sessenta e um) dias para dar início ao respectivo inventário; no Estado de São Paulo, esse contribuinte que deixou de requerer o inventário ou arrolamento dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão sujeitar-se-á ao pagamento do valor devido a título de ITCMD com o acréscimo de 10% (dez por cento) do valor do imposto devido (Lei Estadual n. 10.705/2000, art. 21, inciso I, primeira parte).

Se em outra sucessão no mesmo Estado e também com só um herdeiro este venha a, tempestivamente, propor o inventário, mas deixar de recolher oportunamente o valor devido a título de ITCMD – exemplificativamente, porque não possuía de antemão recursos financeiros para tanto e encontrou dificuldades na expedição e cumprimento de alvarás para liberação de parte dos recursos financeiros do falecido –, vindo a pagar o tributo devido exatos 61 (sessenta e um) dias do vencimento, se sujeitará ao pagamento de multa no máximo de 20% (vinte por cento) do valor do imposto devido (Lei Estadual n. 10.705/2000, art. 19), sem embargo de outras sanções, a exemplo dos juros de mora (Lei Estadual n. 10.705/2000, art. 22).

Tem-se, no segundo exemplo ora citado, mais uma hipótese na qual, inequivocamente, a infração de não pagar o tributo devido no prazo oportuno é mais grave do que a infração tributária de cumprir dado dever instrumental em prol da arrecadação.

Outrossim, a proposição jurisprudencial da Corte Superior de que “a impontualidade é uma falta menos grave que a violação à legislação tributária”, produto da relação binária irreflexiva e assimétrica estabelecida entre as indigitadas subclasses de infrações tributárias, sem embargo das críticas do capítulo precedente, tão somente pode ser aceita com foro de veracidade se levantada a ressalva ora elencada, qual seja, a de que o direito positivo também prevê hipóteses nas quais a impontualidade é, na realidade, infração mais grave do que outras modalidades de infrações tributárias, razão pela qual a aferição da gravidade de infrações tributárias deve ser relegada circunstancialmente ao aplicador da lei no caso concreto a fim de não ser assentada de forma friamente preestabelecida, em face, tão somente, da designação da espécie de infração tributária e/ou diante da natureza do dever jurídico-tributário descumprido.

5. Multas moratórias e punitivas. Do insuficiente critério finalístico para a justificação da graduação de multas tributárias

Referendando a proposição de que o inadimplemento se constitui em infração de menor gravidade do que outras infrações tributárias ou, na letra do voto referido no introito, outras “ofensas à legislação tributária”, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também tem procedido à distinção da gravidade das multas tributárias, apregoando que as multas tributárias moratórias – face à respectiva finalidade de mero desestímulo à impontualidade – são de menor gravidade do que as multas punitivas – onde o caráter repressivo é mais acentuado –, concluindo então a Corte Superior pela irrazoabilidade de ambas figurarem em um mesmo patamar punitivo; vide, a respeito, excerto do voto de relatoria do Ministro Roberto Barroso:

“As multas moratórias possuem como aspecto pedagógico o desestímulo ao atraso. As multas punitivas, por sua vez, revelam um caráter mais gravoso, mostrando-se como verdadeiras reprimendas. Não é razoável punir em igual medida o desestímulo e a reprimenda”18.

E firmada a proposição supra da maior gravidade das multas tributárias “punitivas” face às multas “moratórias”, tem a Corte Superior afirmado a plena possibilidade da dosimetria distinta das multas tributárias em face do valor imbuído no princípio constitucional da vedação do não confisco; no voto do Ministro Roberto Barroso: “É possível realizar uma dosimetria do conteúdo da vedação ao confisco à luz da espécie de multa aplicada no caso concreto”19.

Mas a justificação adotada pelo Supremo Tribunal Federal para a possibilidade dessa dosimetria distinta das multas tributárias à luz do princípio constitucional ora examinado parece-nos, com a devida vênia, imprecisa.

Sabido que a tarefa de precisar o critério distintivo entre as multas tributárias ditas “moratórias” e as “punitivas” não é singela, em especial face à inexistência de seguras balizas do direito positivo, é que, como pontua Paulo de Barros Carvalho: “o legislador nacional não distinguiu as multas chamadas ‘punitivas’ das ‘moratórias’”20. Sem prejuízo de inexistirem seguros indicativos na legislação tributária para fins de precisar o critério distintivo entre essas subespécies de multas tributárias, critério de que parece se valer o Supremo Tribunal Federal para entabular tal distinção é o da finalidade da imposição da multa tributária. Então, examinando a jurisprudência nessa temática, identificam-se notas de que a imposição de multas punitivas visa “coibir a burla à atuação da Administração tributária”21, ao passo que nas multas moratórias ressalta-se o respectivo “aspecto pedagógico do desestímulo ao atraso”22.

Traçando um paralelo entre as infrações tributárias referidas no tópico anterior, se infere que a Corte se orienta pela ideia de que as multas moratórias visam o desestímulo ao descumprimento do dever jurídico de pagar pontualmente o tributo, ao passo que, diversamente, as multas punitivas tendem a apenar o desrespeito a outros deveres jurídicos estatuídos na legislação tributária, para então firmar que aquelas justificariam uma graduação inferior a estas.

Então precisado o critério distintivo empregado pela Corte para fins de separar as espécies de multas tributárias aqui analisadas – justamente, a finalidade da sua imposição –, cumpre-nos averiguar se, de fato, “o desestímulo ao atraso” constitui-se numa finalidade de imposição de multa tributária a qual informaria uma graduação inferior de multa tributária se comparada com a multa assentada sobre o escopo de evitar a “burla à atuação da Administração tributária”, conforme afirmado pelo Pretório Excelso.

A resposta é negativa e, primeiramente, pela própria insuficiência desse critério distintivo para estremar as espécies de multas tributárias; é que a grande problemática de distinguir multas tributárias tendo por referencial a respectiva finalidade de sua imposição é a de inexistir no plano do direito positivo tributário seguro norte para precisar o escopo das multas tributárias, ainda que seja possível definir o aventado conjunto ou classe por uma propriedade comum, qual seja, a de que toda e qualquer multa tributária é, já que específica modalidade de sanção tributária, reprimenda por excelência, inclusive as multas tributárias ditas “moratórias”, as quais justamente constituem subclasse em face da mencionada superclasse.

Ao passo que a norma jurídica sancionatória no respectivo antecedente descreve o ilícito tributário, no seu consequente precisa a providência desfavorável ao autor do ilícito (sanção propriamente dita). A relação jurídico-sancionatória é descrita no prescritor na norma jurídica sancionatória, onde se colhem todos os elementos necessários e suficientes para a sua identificação. Leciona Paulo de Barros Carvalho que “designa-se por sanção tributária à relação jurídica que se instala, por força do acontecimento de um fato ilícito, entre o titular do direito violado e o agente da infração”23.

Essa relação jurídico-sancionatória pode possuir natureza obrigacional – a exemplo das prestações pecuniárias, dentre as quais se insere o objeto deste ensaio, as multas tributárias – ou de prestações de fazer ou não fazer, isto é, prestações destituídas de caráter patrimonial. Independentemente de tal natureza obrigacional ou prestacional da relação jurídico-sancionatória, é nos critérios do consequente da sua norma que se identificam as prescrições dos sujeitos do vínculo e a forma de cálculo do montante da penalidade aplicável ou da quantia fixada prevista em lei, ou tratando-se das prestações despatrimonializadas, as específicas formas de cumprimento do dever jurídico.

É na relação jurídico-tributária de feitio obrigacional que se situam as denominadas “multas tributárias”, as quais, independentemente da adjetivação a qual venha a acompanhar a sua designação no direito positivo vigente – punitiva, moratória, de ofício, agravada, isolada, etc. – são sempre e em qualquer hipótese “sanção”; é o que nos leciona, dentre vários outros doutos, Paulo de Barros Carvalho: “qualquer que seja o nome que se lhe dê, toda multa tem, incontestavelmente, natureza de sanção, advinda da inobservância de um dever jurídico”24 e, ainda, para reforço de argumento, Leandro Paulsen: “Todas as multas constituem respostas a um ilícito tributário, revestindo-se, portanto, de caráter sancionatório, punitivo”25.

Trata-se da razão pela qual a costumeira assertiva de que a multa moratória não tem caráter punitivo deve ser entendida nos seus devidos termos. Toda e qualquer multa tributária é sanção jurídico-tributária, isto é, consequência do não cumprimento de um dever jurídico tributário e, por conseguinte, tem caráter aflito, expiatório, punitivo; aliás, como bem observa Paulo de Barros Carvalho: “toda multa exerce função de apenar o sujeito a ela submetido, tendo em vista o ilícito praticado”26. Sem embargo da incessante discussão a respeito da efetiva existência de caráter indenizatório nas multas fiscais, seja para aqueles que defendem a natureza indenizatória da multa moratória27 ou para aqueles que a neguem28, ambas as vertentes coadunam em prol da inequívoca natureza sancionatória das multas ditas “moratórias”.

A despeito de que toda multa tributária é sanção jurídico-tributária e, portanto, punição, toda multa tributária é desestimuladora da prática de atos descumpridores de deveres jurídico-tributários; aliás, criticando o manejo das multas como instrumento coativo ao pagamento de tributos, precisa tal escopo Schoueri, ao afirmar que a multa tributária “não é instrumento de cobrança, mas de desestímulo ao descumprimento da lei”29. Essa é a razão pela qual a aventada finalidade desestimuladora não é uma diferença específica apta a estremar as espécies de multa tributárias; em outras palavras, não é tão somente a multa “moratória” a qual tende ao desestímulo da prática do descumprimento de deveres tributários. Aliás, recuando-nos um passo, como bem observa Andréia F. Rodrigues Maricato, não exclusivamente as multas, mas, em geral, todas as sanções jurídico-tributárias revestem-se da finalidade “assecuratória do cumprimento das obrigações fiscais, a quem devem necessária subordinação”30.

Talvez fosse possível afirmar que se particularizam as multas moratórias ao desestímulo da impontualidade, ao passo que as multas punitivas são intentadas ao desencorajamento do não cumprimento de deveres outros que o de pagar pontualmente o tributo devido, a exemplo dos deveres jurídicos de fazer e não fazer, os quais constituem objeto prestacional dos mais diversos deveres instrumentais apregoados na legislação tributária. No entanto, em última análise, ambas as multas visariam, em suma, dissuadir o sujeito passivo a não descumprir um – determinado – dever jurídico tributário, atuando ambas, enquanto específicas espécies de sanção tributária, ao asseguramento do escorreito cumprimento de obrigações tributárias.

Tanto as multas moratórias são punitivas, como as multas punitivas são desestimuladoras, já que, em última análise, também visam a dissuadir o sujeito passivo do descumprimento de deveres jurídico-tributários, razão pela qual cremos que o critério finalístico ora em voga é inapto para fins de estremar as ditas espécies de multas tributárias, porque insuficiente e de restrita utilidade, no caso, e, em nosso juízo, mera retórica.

Por conseguinte, sem prejuízo do referido e explanado óbice, ainda entendemos que não são os específicos fins da multa tributária que justificam a maior ou menor dosimetria de sua imposição, tendo em vista que, conforme explicitado no capítulo anterior, ainda que se possa afirmar que se constitui em uma regra, nem sempre tendo por referencial o direito positivo fiscal, se extrai a conclusão de que a impontualidade é uma infração de menor gravidade do que outras infrações tributárias.

Dito em outras palavras, nem sempre as infrações tributárias as quais se assentam sobre o descumprimento de um dever jurídico distinto daquele de pagar oportunamente o tributo devido serão mais graduadas do ponto vista sancionatório do que, justamente, a infração tributária oriunda do descumprimento do dever jurídico de pagar oportunamente o tributo devido.

E tal enunciado nos permite dizer que, portanto, nem sempre a multa tributária informada pelo respectivo propósito pedagógico de “desestímulo ao atraso” será quantitativamente inferior àqueloutra multa tributária a qual tenda a “evitar a burla à atuação da Administração tributária”, assertiva esta a qual, derradeiramente, infirma a conclusão de que são os fins das multas tributárias que justificam a sua maior ou menor graduação sancionatória; podem ser, mas também podem não ser.

6. Vedação do confisco enquanto valor e limite objetivo. Dos limites das multas tributárias

Sabido que os limites objetivos não são valores e com eles não se confundem. Na realidade, são instrumentos ou mecanismos predestinados a, de forma mediata e indireta, realizar valores, ou seja, conferir eficácia a esses primados axiológicos, o que justamente constitui o seu respectivo objetivo teleológico. Enquanto os valores são subjetivos e, portanto, de certa forma imprecisos, os limites objetivos são direta e imediatamente identificáveis justamente dada a sua não subjetividade.

Enquanto específica modalidade de princípio constitucional-tributário expresso, predestina-se a vedação do confisco a atuar justamente como um limite-objetivo, isto é, como um ferramentário tendente a garantir a eficácia do valor da intangibilidade da propriedade privada em face da tributação imoderada e também – e aqui objeto de nosso corte e exame – da imposição de sanções tributárias pecuniárias irrazoáveis. Como bem pontua Fábio B. Goldschmidt a respeito do princípio da vedação do confisco: “Funciona ele não como um valor em si, mas como um instrumento de que se utilizou o constituinte para proteger um valor, consubstanciado no direito de propriedade”31.

Mas, ainda que a construção do núcleo significativo imbuído no princípio em voga não apresente maiores dificuldades, justamente a definição objetiva dos contornos de quando – mais uma vez, saliente-se, objeto de nosso corte – as multas tributárias são confiscatórias se mostra hercúlea. Como costumeiramente bem pontua Paulo de Barros Carvalho com relação ao efeito confiscatório: “O problema reside na definição do conceito, na delimitação da ideia, como limite a partir do qual incide a vedação do artigo 150, IV, da Constituição da República”32.

Enfrentando tal problemática e sem embargo de que os respectivos integrantes da Corte não descendem de Zeus e Alcmena, firmando que o inadimplemento se constitui em infração de menor gravidade, apregoando que as multas moratórias – dada a respectiva finalidade de desestímulo à impontualidade – são de menor gravidade do que as multas punitivas e admitindo a possibilidade da dosimetria distinta dos limites de imposição dessas modalidades de multas em vista do não confisco, conclui o Pretório Excelso que, atuando o valor da obrigação tributária principal como referencial para a limitação de imposição das multas tributárias, as multas punitivas, caracterizáveis por seu maior caráter punitivo, não podem situar-se em patamar acima da totalidade do valor da obrigação principal, ao passo que as multas moratórias, de escopo fundamentalmente pedagógico, possuem por teto máximo o percentual de 20% (vinte por cento)33 do valor da obrigação tributária dita principal:

“A multa punitiva é aplicada em situações nas quais se verifica o descumprimento voluntário da obrigação tributária prevista na legislação pertinente. É a sanção prevista para coibir a burla à atuação da Administração tributária. Nessas circunstâncias, conferindo especial destaque ao caráter pedagógico da sanção, deve ser reconhecida a possibilidade de aplicação da multa em percentuais mais rigorosos, respeitados os princípios constitucionais relativos à matéria. A Corte tem firmado entendimento no sentido de que o valor da obrigação principal deve funcionar como limitador da norma sancionatória, de modo que a abusividade revela-se nas multas arbitradas acima do montante de 100%. Entendimento que não se aplica às multas moratórias, que devem ficar circunscritas ao valor de 20%”34.

Primeira observação que nos mostra oportuna a esta altura da exposição é tocante ao referencial adotado pela Corte para fins de estabelecer o limite de imposição de multas tributárias; no caso, o valor do tributo hipoteticamente devido na espécie.

Inegavelmente, o valor do tributo devido na espécie é um, dentre outros, seguro referencial comparativo para verificação da correição da extensão do valor impositivo das multas tributárias sob o manto do princípio tantas vezes aqui referido. E reconhecemos que firmar limites quantitativos a fim de balizar a aplicação de multas tributárias, em especial, em vista das relações as quais se entabulam com o juízo supracitado, é medida de objetivação vocacionada ao primado da segurança jurídica, o qual ao lado da justiça são sobrevalores de mais incessante busca nas decisões da Corte. Mas o ponto nerval da questão, em nosso sentir, revela-se quando se observa que o Supremo Tribunal Federal, no gozo de sua respectiva competência e autoridade, mediante o emprego de juízos objetivamente preestabelecidos de valoração da gravidade de infrações tributárias e, correlatamente, dos propósitos – pedagógico e/ou punitivo – de aplicação das correspectivas multas tributárias, acaba por, ainda que de forma indireta, genericamente arbitrar limites de imposição de multas tributárias.

Sob o fundamento de que as sanções tributárias são eminentemente assecuratórias do cumprimento de obrigações tributárias, posiciona-se favoravelmente a tal limitação Andréia F. Rodrigues Maricato, averbando que a sanção tributária – o que inferimos de sua espécie ora em análise, a multa tributária – “não pode ultrapassar o valor do tributo, sob pena de sua conversão em instrumento de arrecadação mais efetivo que a própria norma primária dispositiva, mesmo no caso dos deveres instrumentais”35.

Mas, ainda que eventualmente não pairem discordâncias nas hipóteses teratológicas de quando uma multa venha a possuir efeito confiscatório – a exemplo da multa de 300% (trezentos por cento) sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado então instituída pela Lei n. 8.846, de 21 de janeiro de 1994, art. 3º, caput, e a qual fora objeto da já referida ADI n. 1.075/DF –, a precisão objetiva do efeito confiscatório nas hipóteses de multas que não se mostrem flagrantemente irrazoáveis, efetivada de forma quantificadora e geral enquanto produto de um ato eminentemente arbitrário de sua fixação, é, em nosso juízo, clarividentemente intuitiva e, portanto, mutável ao sabor ou dissabor do intérprete.

Em valiosa contribuição e opinando pela impossibilidade da fixação de maneira genérica (por um órgão judicante administrativo ou judicial) do montante máximo da multa – especificamente, da multa “isolada” – firma Marcelo F. Del Fiorentino36 que tal se dá em razão da diversidade da base de cálculo e dos percentuais – alíquotas – aplicáveis, concluindo o douto que a compatibilidade desta com a vedação do confisco deve ser aferida caso a caso.

Tendo em vista que as ditas multas isoladas são, pura e simplesmente, multas as quais são impostas de forma autônoma e independente à obrigação tributária principal, isto é, independentemente da cobrança do tributo devido, não vislumbramos óbice de monta para não estender o afirmado às ditas multas moratórias e multas punitivas, em especial, quando proporcionais, sem embargo de também não se revelarem idênticas às ditas multas fixas. A diversidade com que a legislação tributária trata os referidos critérios do consequente das normas jurídicas sancionatórias inegavelmente constitui-se em um empecilho – talvez por si só suficiente – para firmar-se a impossibilidade pragmática de estabelecer um limite genérico de imposição de multas tributárias; seria tratar com singeleza a demasiadamente complexa atividade de firmar com a devida clarividência os limites objetivos do não confisco quando da aplicação de multas tributárias.

E a despeito de discordarmos da conclusão de que, dada a complexa tarefa alhures, o princípio em exame revela-se ainda imaturo no direito pátrio, cingindo-se a um mero valor, basicamente, por entendermos que a infindável dificuldade do sujeito cognoscente em resolver a elucubrosa questão não possui o condão de ontologicamente cambiar o objeto cognoscível, comungamos com o que meritosamente afirma Fábio B. Goldschmidt, ou seja, que a determinação do efeito confiscatório “ainda está longe de ser objetiva, ingressando em um campo de análises turvas e brumosas conclusões, cambiantes ao sabor da ideologia do intérprete”37.

Esses são os argumentos pelos quais entendemos que, na temática dos limites de imposição de multas tributárias, a definição do que é ou não confiscatório deve ser firmado à luz da operacionalização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade38 a ser efetivada concreta e individualmente em vista das peculiaridades da hipótese sub judice, e não mediante juízos objetivamente preestabelecidos de valoração da gravidade de infrações tributárias e, correlatamente, dos propósitos pedagógico e/ou punitivo de aplicação das correspectivas multas tributárias, já que tais critérios podem se mostrar, circunstancialmente, insuficientes.

Aliás, como já bem pontuara Luciano Amaro, “O princípio da vedação de tributo confiscatório não é um preceito matemático”39, assim como já advertia Paulo de Barros Carvalho, nesta sensibilíssima matéria: “lidamos com índices que, além de tudo, eles mesmos – os índices –, não podem ser objetivamente aceitos”40. Melhor adentrarmos os caminhos que, como notara Luís Eduardo Schoueri, acabem “afastando discussões quanto à existência de um número mágico, a partir de quando haverá confisco”41.

7. Conclusões

São conclusões deste trabalho:

1) ao enunciar o Supremo Tribunal Federal que “a impontualidade é uma falta menos grave que a violação à legislação tributária”, está se afirmando que a impontualidade é uma infração menos grave do que as infrações tributárias que não se caracterizem nos moldes desse específico ilícito tributário, ou seja, infrações que não constituam violação do dever jurídico de pagar pontualmente o tributo devido;

2) a partir do referencial do direito positivo tributário sancionatório, é possível definirmos, com razoável segurança, qual infração tributária vem a ser mais ou menos grave do que outra mediante a análise do consequente da norma jurídica sancionatória, precisamente, no respectivo critério quantificativo da multa tributária em tese aplicável bipolarizado na base de cálculo e na respectiva alíquota aplicável nas ditas multas proporcionais ou mediante simples exame da multa aplicável quando das denominadas “multas fixas”, o que nos implica dizer que, ao concluir-se pela gravidade de uma dada infração tributária, estar-se-á, na realidade, firmando-se a gravidade da sanção tributária pecuniária a qual lhe é atrelada;

3) a impontualidade não constitui, em toda e qualquer hipótese, infração de menor gravidade do que outras infrações tributárias; o direito positivo também prevê hipóteses nas quais a impontualidade é, na realidade, infração mais grave do que outras modalidades de infrações tributárias;

4) “o desestímulo ao atraso” não se constitui em uma finalidade de imposição de multa tributária a qual informaria uma graduação inferior de multa tributária se comparada com a multa assentada sobre o escopo de evitar a “burla à atuação da Administração tributária”, conforme afirmado pelo Pretório Excelso; sem prejuízo da insuficiência do critério distintivo finalístico para estremar as espécies de multas tributárias, não são os específicos fins da multa tributária que justificam a maior ou menor dosimetria de sua imposição, razão pela qual nem sempre a multa tributária informada pelo respectivo propósito pedagógico de desestímulo ao atraso será quantitativamente inferior àqueloutra multa tributária a qual tenda a evitar a burla à atuação da Administração tributária;

5) finalmente, resolvendo a questão central deste trabalho, na temática da limitação de multas tributárias e sob os auspícios do valor imbuído no princípio constitucional da vedação do confisco, a definição do que é ou não confiscatório em matéria de imposição de multas tributárias deve ser firmado à luz da operacionalização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade a ser efetivada concreta e individualmente em vista das peculiaridades da hipótese sub judice, e não mediante juízos objetivamente preestabelecidos de valoração da gravidade de infrações tributárias e, correlatamente, dos propósitos – pedagógico e/ou punitivo – de aplicação das correspectivas multas tributárias, tendo em vista que tais critérios eventualmente podem se mostrar, circunstancialmente, insuficientes.

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SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

1 Pudemos identificar o seguinte precedente: “Surge inconstitucional multa cujo valor é superior ao do tributo devido. Precedentes: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551/RJ – Pleno, relator ministro Ilmar Galvão – e Recurso Extraordinário nº 582.461/SP – Pleno, relator ministro Gilmar Mendes, Repercussão Geral” (STF, Primeira Turma, RE n. 833.106 AgR/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.11.2014, publicado em DJe 244, de 11.12.2014).

2 STF, Primeira Turma, ARE n. 851.059 AgR/RN, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 01.03.2016, publicado em DJe 049, 15.03.2016.

3 CARRAZZA, Roque Antônio. Cadernos de Direito Tributário: Imposto de Renda Pessoa Física. São Paulo: Malheiros, 1999. v. 74. p. 41.

4 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 171.

5 De acordo com o douto: “a multa, para alcançar sua finalidade, deve representar um ônus significativamente pesado, de sorte a que as condutas que ensejam sua cobrança restem efetivamente desestimuladas. Por isto mesmo pode ser confiscatória” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 54).

6 STF, Pleno, ADI n. 1.075 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 17.06.1998, publicado em DJ 24.11.2006, p. 59.

7 STF, Segunda Turma, RE n. 632.315 AgR/PE, Ricardo Lewandowski, j. 14.08.2002, publicado em DJe 181, 13.09.2012.

8 STF, Primeira Turma, RE n. 777.574 AgR/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 28.04.2015, publicado em DJe 96, 21.05.2015.

9 BRITTO, Lucas Galvão de. Sobre o uso de definições e classificações na construção do conhecimento e na prescrição de condutas. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.); e BRITTO, Lucas Galvão de (org.). Lógica e direito. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2016. Lógica e direito. p. 337.

10 MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2016. p. 66.

12 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Editora Noeses, 2018. p. 874.

13 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 43.

14 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 873.

15 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25. ed., 22. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 95.

16 A distinção da gravidade de infrações à luz das sanções que lhe são atreladas é prática usual em outros ramos jurídicos e legislações. Para exemplificar, nos leciona Claus Roxin (ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Tomo I, Fundamentos. La estructura de la teoría del delito. Traducción de la 2ª edición por Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo y Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. p. 267-268) que o Código Penal Alemão (Strafgesetzbuch), em sua redação original, então inspirado pela legislação francesa, embora ressalte que tal critério seja ainda mais antigo, distinguia a gravidade dos ilícitos penais em 3 (três) modalidades distintas, quais sejam, os delitos graves (verbrechen), os delitos menos graves (vergehen) e as faltas (ubertretungen), em vista das sanções cominadas, no caso, infrações penais estas respectivamente apenadas com pena de morte ou pena prisional, prisão e penas de multas consideráveis e, finalmente, com multas leves ou arresto. Aliás, trata-se do mesmo critério o qual inspirara, entre nós, a Lei de Introdução ao Código Penal – Decreto-lei n. 3.914 de 09 de dezembro de 1941. Averba o douto que a reforma do Direito Penal Alemão, em vigor desde a data de 01 de janeiro de 1975, embora tenha substituído a referida tricotomia – logo, suprimindo-se as faltas – pela dicotomia dos delitos graves e delitos menos graves, ainda assim o fizera mediante o manejo do critério da sanção penal lhe atrelada, sendo os delitos graves cominados com pena de prisão de no mínimo 1 (um) ano, ao passo que os delitos menos graves foram somente apenados com, no mínimo, uma pena de prisão inferior a 1 (um) ano ou multa.

17 Aqui uma observação se mostra impositiva: o afirmado parte da premissa da prática pelo sujeito passivo tributário de infrações tributárias não agravadas, ou seja, recortamos da afirmação aquelas específicas hipóteses em que a infração tributária está permeada de agravantes (a exemplo do dolo, fraude ou conluio) oriundas da preordenação do contribuinte ao locupletamento indevido, as quais tendem, com inabalável razão, a uma maior e mais severa penalização por parte do legislador tributário.

18 STF, Primeira Turma, RE n. 777.574 AgR/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 28.04.2015, publicado em DJe 96, 21.05.2015.

19 Trata-se de excerto do mesmo julgado: STF, Primeira Turma, AI n. 727.872 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 28.04.2015, publicado em DJe 15.05.2015.

20 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 892.

21 STF, Primeira Turma, ARE n. 938.538 AgR/ES, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.09.2016, publicado em DJe 225, 20.10.2016.

22 STF, Primeira Turma, RE n. 777.574 AgR/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 28.04.2015, publicado em DJe 96, 21.05.2015.

23 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 888.

24 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 489.

25 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 229.

26 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 489.

27 Para Paulo de Barros Carvalho, as multas moratórias são “destituídas de nota punitiva em sentido estrito. Nelas predomina o intento indenizatório, pela contingência de o Poder Público receber a destempo, com as inconveniências a que isso normalmente acarreta, o tributo a que tem direito” (CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 493).

28 De acordo com Robson Maia Lins: “o exame mais atilado dos planos sintático, semântico e pragmático revela que tanto as denominadas estipulativamente, em nível legislativo, ‘multa punitiva’ quanto ‘multa de mora’ são espécies de ‘multas sancionatórias’. Uma elucidação se faz necessária: o termo ‘sancionatório’ aqui utilizado está em oposição ao ‘indenizatório’ ou ‘ressarcitório’” (LINS, Robson Maia. A mora no direito tributário. 2008. Tese (Doutoramento em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 244). Vide, ainda, precisas notas de Maria Ângela Lopes Paulino Padilha: “as multas fiscais (i) não são dimensionadas na exata proporção do dano causado, cumprindo este o papel de dosador da gravidade da infração, bem como (ii) não substituem a obrigação principal, pelo contrário são sempre exigidas junto com o tributo no caso de descumprimento da RMIT –, podemos concluir que as multas tributárias não cumprem a função de reparar/indenizar o dano, configurando verdadeira sanção repressiva, com a finalidade primordial de punir, reprimir e repreender o ilícito tributário” (PADILHA, Maria Ângela Lopes Paulino. As sanções no direito tributário. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2005. p. 266-267).

29 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 852.

30 MARICATO, Andréia Fogaça Rodrigues. A aplicação do princípio da vedação ao confisco às sanções (multas) tributárias, Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 23, n. 122, 2015. p. 329.

32 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses, 2018. p. 338.

33 Trata-se de construção jurisprudencial originada do limite estatuído à imposição de multa moratória no âmbito dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil apregoado na Lei n. 9.430/1996, art. 61, § 2º: “O percentual de multa a ser aplicado fica limitado a vinte por cento”.

34 STF, Primeira Turma, ARE n. 938.538 AgR/ES, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.09.2016, publicado em DJe 225, 20.10.2016.

35 MARICATO, Andréia Fogaça Rodrigues. A aplicação do princípio da vedação ao confisco às sanções (multas) tributárias, Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 23, n. 122, 2015, p. 339.

36 FIORENTINO, Marcelo Fróes Del. Fixação (pelo Poder Judiciário) dos montantes máximos das penas de multas punitivas, de mora e dos juros de mora sob o influxo do princípio da vedação do confisco em matéria tributária, Revista de Estudos Tributários v. 18, n. 106, 2015, p. 217.

37 GOLDSCHMIDT, Fábio Bruns. Op. cit., p. 184.

38 A razoabilidade da imposição de multas tributárias tem por escopo evitar o que Hely Lopes Meirelles denomina de “proibição do excesso” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 93), a ser concretizada mediante a aplicação de multas tributárias na exata extensão e intensidades proporcionais ao que realmente seja demandado para cumprimento da finalidade de interesse público que resulte de sua aplicação, como leciona, dentre outros, Celso Antônio Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 101). Inclusive, nesse exato sentido já apregoara o Pretório Excelso pela imprescindibilidade da realização de um juízo de proporcionalidade entre a infração tributária praticada e a multa tributária imposta: “É necessário um juízo de proporcionalidade entre o ilícito e a penalidade para constatação da violação do princípio do não confisco tributário (art. 150, IV, da CF/1988). Pressupõe, pois, a clara delimitação de cada um desses elementos” (STF, Primeira Turma, RE n. 760.783 AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, j. 25.02.2014, publicado em DJe 54, 18.03.2014).

39 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 171.

40 CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, Revista da Faculdade de Direito v. 98, Universidade de São Paulo, 2003. p. 172.

41 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit., p. 363.