Indisponibilidade Pré-executória e Averbação Pré-executória: Análise sobre a Legalidade e Constitucionalidade do Art. 20-B da Lei n. 10.522/2002

Pre-enforceability and Pre-executory Verbiage: Analysis of the Legality and Constitutionality of Article 20-B of Law 10.522/2002

Mateus Benato Pontalti

Juiz Federal lotado na cidade Uberlândia/MG. Especialista em Direito Tributário pelo IBET e Mestrando em Direito Tributário pelo IBET. E-mail: mateus_pontalti@hotmail.com.

Recebido em: 20-08-2019

Aprovado em: 07-10-2019

Resumo

O art. 20-B à Lei n. 10.522/2002 permite à Fazenda Nacional averbar e tornar indisponíveis bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, caso o devedor seja notificado da inscrição em dívida ativa e não realize o pagamento no prazo de cinco dias. Contra esse dispositivo foram ajuizadas seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade. O presente artigo tem como objetivo analisar a compatibilidade formal e material do art. 20-B com o direito positivo. Para tanto, assenta-se a premissa de que o dispositivo inseriu duas normas jurídicas ao ordenamento jurídico: a norma de averbação pré-executória e a norma de indisponibilidade pré-executória. Em seguida, analisa-se a compatibilidade de cada uma delas com o art. 146 da Constituição Federal. Ao final, constata-se que a norma de averbação pré-executória é com ele compatível e que a norma de indisponibilidade pré-executória o ofende indiretamente. Posteriormente, analisa-se a compatibilidade de ambas as normas com o princípio do devido processo legal, com o direito à propriedade e com o direito à livre iniciativa. Conclui-se que a norma de averbação pré-executória é compatível materialmente com a Constituição e que a norma de indisponibilidade pré-executória desrespeita o princípio do devido processo legal, além de restringir de maneira desproporcional o direito à propriedade e à livre iniciativa. Ao final, propõe-se o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial com redução do texto do inciso II do art. 20-B da Lei n. 10.522/2002, para que seja excluída do ordenamento jurídico a expressão “tornando-os indisponíveis”.

Palavras-chave: averbação pré-executória, pré-execução, indisponibilidade pré-executória.

Abstract

The article 20-B into Law 10.522/2002 allow the National Treasury to endorse and to make unavailable goods and rights bounds to arrest or seizure if the debtor is notified of the registration in active debt and does not make the payment in the within five days. Against this mechanism, Direct Actions of Unconstitutionality were filed. The purpose of this article is to analyze the formal and material compatibility of Article 20b with the legal framework. Therefore, it is based on the premise that the device inserted two legal norms to the legal order: the rule of pre-executory registration and the rule of pre-enforceability. Next, the compatibility of each one with article 146 of the Federal Constitution is analyzed. In the end, it is verified that the standard of pre-executory registration is compatible with it and that the norm of pre-executional unavailability indirectly offends him. Subsequently, the compatibility of both rules is analyzed with the principle of due legal process, the right to private ownership and the right to free business initiative. It is concluded that the pre-executory endorsement standard is materially compatible with the Constitution and that the rule of pre-executional unavailability violates the principle of due legal process, as well as disproportionately restricting the right to property and free initiative. At the end, it is proposed to the partial recognition unconstitutionality with a reduction of the text of item II of article 20-B of Law 10.522/2002, so that the expression “making them unavailable” is excluded from the legal system.

Keywords: pre-executory verbiage, pre-execution, pre-enforceability.

1. Introdução

A Lei n. 13.606/2018 inseriu o art. 20-B à Lei n. 10.522/2002 para permitir que a Fazenda Nacional possa averbar e tornar indisponíveis bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, caso o devedor seja notificado da inscrição em dívida ativa e não realize o pagamento no prazo de cinco dias.

Contra esse dispositivo foram ajuizadas seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tramitam sob os números 5.881, 5.886, 5.890, 5.925, 5.931 e 5.932.

O objetivo deste trabalho é averiguar se o art. 20-B da Lei n. 10.522/2002 é compatível com a ordem jurídica ou se padece de alguma invalidade formal ou material.

Para tanto, assenta-se inicialmente que o dispositivo permite a construção de duas, e não apenas de uma norma jurídica: trata-se da norma de averbação pré-executória e da norma de indisponibilidade pré-executória. A primeira permite à Fazenda Nacional averbar a inscrição em dívida ativa nos órgãos registrais de bens e direitos, caso o devedor não pague o valor inscrito no prazo de cinco dias após a notificação. A segunda determina que, uma vez averbada a inscrição, resta proibida a alienação do bem sobre o qual a anotação recai.

Em seguida, analisa-se se essas duas normas são formalmente compatíveis com a Constituição ou se há uma ofensa direta ao art. 146 do texto constitucional, que exige lei complementar para edição de normas gerais em matéria de legislação tributária. Na ocasião, defende-se que as normas gerais, editadas pela União Federal, aplicam-se a todas as entidades federativas, e que tanto a norma de averbação pré-executória quanto a norma de indisponibilidade pré-executória têm como objetivo regrar apenas os créditos tributários da União Federal. Logo, conclui-se que nenhuma das normas ofende diretamente o art. 146, porque ambas introduziram garantias aplicáveis apenas aos créditos inscritos pelo ente federal.

Logo depois, assenta-se a premissa de que há hierarquia entre lei ordinária e lei complementar nas hipóteses em que aquelas encontram fundamento de validade nestas últimas. É o que acontece com relação às matérias elencadas pelo art. 146 da Constituição Federal, dentre as quais se encontram o estabelecimento de garantias e privilégios do crédito tributário. Assim, passa-se a cotejar o conteúdo da norma de averbação pré-executória e da norma de indisponibilidade pré-executória com o capítulo do Código Tributário Nacional que trata do tema.

Ao fazê-lo, defende-se que o art. 183 do Código Tributário Nacional autoriza que outras garantias possam ser estabelecidas por meio de leis ordinárias a serem editadas por cada entidade federativa. No entanto, aduz-se que isso não significa que a lei ordinária possa contrariar as disposições previstas pelo Código Tributário Nacional. Quando há hierarquia entre lei ordinária e lei complementar, eventual antinomia se resolve pela nulidade daquela.

Com base nesse quadro, constata-se que a norma de averbação pré-executória é compatível com o Código Tributário Nacional, porque o art. 183 daquele diploma legislativo autoriza a criação de outras garantias que não aquelas expressamente enumeradas por ele.

O mesmo não ocorre com relação à norma de indisponibilidade pré-executória. O art. 185-A daquele diploma legal trata diretamente do assunto, exigindo, no seu antecedente, que haja prévia citação do devedor e a não localização de bens penhoráveis; e no seu consequente, que a indisponibilidade seja determinada pelo juiz. A norma de indisponibilidade pré-executória contraria tanto o descritor quanto o prescritor. O primeiro, por permitir a indisponibilidade antes da citação e sem que o credor demonstre que tenha diligenciado na busca de bens do devedor. O segundo, por permitir que o credor, sem a intervenção judicial, determine a indisponibilidade de bens. Assim, conclui-se que a norma de indisponibilidade pré-executória não é compatível com o Código Tributário Nacional e que ofende indiretamente o art. 146 da Constituição.

Posteriormente, passa-se a investigar se há compatibilidade material das duas normas jurídicas com a Constituição Federal.

Ao fazê-lo, constata-se que a norma de averbação pré-executória não ofende materialmente a Constituição. A medida é adequada, por proteger terceiros de boa-fé que intentam adquirir algum bem do devedor; é necessária, porque a averbação é o meio mais eficaz de salvaguardá-los; é proporcional em sentido estrito, porque representa uma restrição fraca ao livre exercício da atividade econômica.

Por outro lado, entende-se que a norma de indisponibilidade pré-executória aflige o princípio do devido processo legal, uma vez que impede a disposição dos bens sem que seja garantido ao sujeito passivo o prévio direito à defesa. Ademais, a medida não passa pelo teste da proporcionalidade, porque o ordenamento jurídico coloca à disposição do Fisco outros instrumentos jurídicos que são tão ou mais eficazes, e que importam numa restrição menor ao direito à propriedade e à livre iniciativa.

Diante disso, defende-se a inconstitucionalidade parcial com redução do texto do inciso II do art. 20-B da Lei n. 10.522/2002, para que seja excluída do ordenamento jurídico a expressão “tornando-os indisponíveis”, sem a qual não é possível ao intérprete construir a norma de indisponibilidade pré-executória.

2. Do dispositivo em análise: art. 20-B da Lei n. 10.522/2002: uma regra, duas normas

O art. 20-B da Lei n. 10.522/2002, inserido pela Lei n. 13.606/2018, permite à União Federal averbar e tornar indisponíveis bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, caso o devedor seja notificado da inscrição em dívida ativa e não realize o pagamento no prazo de cinco dias. Eis o dispositivo legal:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados. [...]

§ 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.”

Averbar é anotar ou registrar. É escrever algo à margem de um título ou registro. No contexto específico do dispositivo significa fazer constar a informação nos órgãos registrais de bens e direitos de que o proprietário possui débitos inscritos em dívida ativa da União.

Tornar um bem indisponível significa impedir a sua disposição, ou seja, a sua alienação a terceiro. Trata-se de situação jurídica que impede o exercício de uma das quatro faculdades que conformam o direito de propriedade.

Desse modo, a regra introduzida pelo art. 20-B permite a construção de duas normas jurídicas distintas. A primeira possui a seguinte estrutura: se o devedor não pagar o valor inscrito em dívida ativa no prazo de cinco dias após a notificação, deve ser averbada a inscrição nos órgãos de registros de bens e direitos. A segunda determina o seguinte: se for averbada a inscrição em dívida ativa nos órgãos de registros de bens e direitos, deve ser tornado indisponível o bem sobre o qual a averbação foi efetivada.

Ambas as normas têm como sujeito passivo não o detentor da dívida tributária, mas o cartório responsável pelo registro de bens. É ele quem deve proceder a averbação da inscrição em dívida ativa e se abster de registrar qualquer título que objetive alienar o bem que se tornara indisponível.

Para tornar o discurso mais claro, referir-se-á à primeira como “norma de averbação pré-executória” e à segunda como “norma de indisponibilidade pré-executória”.

3. Regulamentação do art. 20-B

A PGFN editou a Portaria n. 33/2018 para dar efetividade ao art. 20-B. De acordo com o art. 21 do ato infralegal:

“Art. 21. A averbação pré-executória é o ato pelo qual se anota nos órgãos de registros de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para o conhecimento de terceiros, a existência de débito inscrito em dívida ativa da União, visando prevenir a fraude à execução de que tratam os artigos 185 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996 (Código Tributário Nacional) e 792 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.”

Dentre as regras previstas pelo ato normativo, destacam-se as seguintes: (i) a portaria ampliou o rol de condutas possíveis do sujeito passivo da relação tributária ao ser notificado da inscrição em dívida ativa, permitindo-lhe também parcelar o valor integral do débito (art. 6º, inciso I); (ii) trouxe uma ordem de prioridade a ser observada na averbação do bens (§ 2º do art. 22); (iii) elencou bens não sujeitos à averbação (art. 23); (iv) previu a possibilidade de o sujeito passivo impugnar a averbação pré-executória no prazo 10 dias após a sua efetivação; (v) estabeleceu critérios para avaliação dos bens (§ 4º do art. 26); (vi) permitiu ao terceiro adquirente impugnar a averbação pré-executória (art. 27); (vii) fixou o prazo de 30 dias para que a execução fiscal seja encaminhada para ajuizamento, sob pena de levantamento da averbação pré-executória (art. 30).

4. Da (in)compatibilidade da norma de averbação pré-executória e da norma de indisponibilidade pré-executória com o direito positivo

4.1. Da ausência de violação direta ao art. 146 da Constituição Federal

A partir de agora se pretende investigar se essas duas normas são compatíveis com normas de hierarquia superior, seja sob a perspectiva formal ou material.

Quanto ao primeiro enfoque, esse trabalho comunga do entendimento de que as normas gerais sobre garantias e privilégios do crédito tributário devem ser veiculadas por meio de Lei Complementar, pelos seguintes motivos:

Primeiro, porque se adota como pressuposto a tese de que a Constituição consagrou a teoria tricotômica nos três primeiros incisos do art. 146 da Constituição Federal. Assim, cabe à lei complementar: (i) dispor sobre conflitos de competência; (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; (iii) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Ao contrário do que defende a tese rival – corrente dicotômica – essa conclusão não implica ofensa ao princípio federativo, uma vez que o grau de autonomia dos estados e dos municípios não existe de maneira prévia ao texto constitucional, sendo o resultado da incidência dos diversos dispositivos que disciplinam a competência e a interação entre eles.

Segundo, porque embora a Constituição Federal não tenha se referido de maneira expressa às garantias e aos privilégios, tais expressões não possuem sentido isoladamente. Garante-se alguém ou alguma coisa e se privilegia alguém ou alguma coisa. Quando a garantia ou o privilégio for do crédito tributário, há o enquadramento no art. 146, inciso III, alínea b, da Constituição Federal:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:[...]

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: [...]

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”

Portanto, adota-se a seguinte premissa: cabe à lei complementar estabelecer normas gerais sobre as garantias e os privilégios do crédito tributário.

Agora, cumpre dar um passo à frente para responder se a norma de averbação pré-executória e a norma de indisponibilidade pré-executória são normas gerais e se são normas que disciplinam garantias ou privilégios do crédito tributário.

Quanto ao primeiro ponto, esse trabalho firma posição no sentido negativo. Normas gerais são aquelas inseridas pela União Federal para disciplinar matérias aplicáveis a todas as entidades federativas, conforme defende Regina Helena Costa:

“Normas gerais, em nosso entender, são aquelas que abrigam princípios, diretrizes, preceitos fundamentais, aplicáveis a todas as pessoas políticas. Opõem-se às normas específicas, incumbidas da disciplina de questões peculiares, cuja natureza não autoriza o tratamento uniforme ensejado pelas normas gerais, e, por isso, compete a cada pessoa política estabelecê-las.”1

O objetivo é manter uma certa uniformidade na legislação, de modo a assegurar unidade e racionalidade do sistema tributário2.

Pois bem, tanto a norma de averbação pré-executória quanto a norma de indisponibilidade pré-executória são aplicáveis somente aos créditos tributários da União Federal. Logo, por regrarem os créditos de apenas um ente federativo, não podem ser qualificadas como normas gerais.

Quanto ao segundo aspecto, esse trabalho assume uma posição afirmativa. Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, garantias são “os meios jurídicos assecuratórios que cercam o direito subjetivo do Estado de receber a prestação do tributo”3. A norma de averbação pré-executória e a norma de indisponibilidade pré-executória têm essa finalidade, porque intentam evitar a dilapidação patrimonial para assegurar à Fazenda Pública a satisfação do crédito tributário.

Portanto, como a regra do art. 20-B dispõe sobre garantias do crédito tributário, mas não veiculou normas gerais, chega-se à seguinte conclusão: não houve uma ofensa formal direta ao disposto no art. 146 da Constituição Federal.

4.2. Da violação indireta ao art. 146 da Constituição Federal: incompatibilidade material da norma de indisponibilidade pré-executória com o Código Tributário Nacional

Uma norma é superior hierarquicamente à outra quando esta encontra naquela o seu fundamento de validade. Como regra geral, tanto a lei complementar quanto a lei ordinária encontram fundamento de validade imediato na Constituição Federal, razão pela qual não há hierarquia entre elas, conforme assentou o Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE n. 377.457:

“Contribuição social sobre o faturamento – COFINS (CF, art. 195, I). 2. Revogação pelo art. 56 da Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91. Legitimidade. 3. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar. Questão exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes.

4. A LC 70/91 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721. 5. Recurso extraordinário conhecido mas negado provimento.” (RE n. 377.457, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 17.09.2008, Repercussão Geral – Mérito DJe-241, divulg. 18.12.2008, public. 19.12.2008, ement. vol. 2346-08, p. 1774)

No entanto, a hierarquia existe nas situações em que a Constituição Federal condicionou a validade da lei ordinária à observância das regras contidas pela lei complementar, conforme explica Humberto Ávila:

“Isso não significa que as leis complementares não possam ser hierarquicamente superiores às leis ordinárias. As leis ordinárias situam-se, em dois casos, numa relação de hierarquia com as leis complementares: numa relação de hierarquia formal-procedimental, na hipótese de a lei complementar regular o modo de elaboração, redação, modificação e consolidação das leis ordinárias (art. 59); e numa relação de hierarquia material-conteudística, no caso de a lei complementar estabelecer normas gerais predeterminadoras do conteúdo das leis ordinárias instituidoras dos tributos (art. 146).”4

É o que acontece com as normas gerais introduzidas com base no inciso III do art. 146 da Constituição Federal, que preordenam o conteúdo das regras a serem editadas por cada pessoa política no âmbito das suas atribuições.

Essas normas gerais encontram-se precipuamente no Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição Federal como lei complementar.

Assim, o juízo de legalidade formal da norma de averbação pré-executória e da norma de indisponibilidade pré-executória passa pelo cotejo dessas normas com as normas gerais constantes do capítulo VI do Título III do Código Tributário Nacional, que disciplina as garantias e privilégios do Crédito Tributário.

Pois bem, ao introduzir os temas, o Código Tributário Nacional determina que:

“Art. 183. A enumeração das garantias atribuídas neste Capítulo ao crédito tributário não exclui outras que sejam expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo a que se refiram.”

A regra é clara: o rol das garantias constantes do Código Tributário Nacional não é exaustivo. Outras mais podem ser estabelecidas por meio de leis ordinárias federais, estaduais e municipais. É o que defende Paulo de Barros Carvalho5, Regina Helena Costa6, Luís Eduardo Schoeuri7 e Paulo Caliendo. Nas palavras desse último jurista, “Não há limitação do texto a criação de garantias por meio de lei ordinária, seja esta de natureza federal, estadual, distrital ou municipal.”8

Não fosse assim, haveria uma invalidade da Lei n. 9.532/1997 e da Lei n. 8.397/1992, que introduziram o arrolamento fiscal e a medida cautelar fiscal.

No entanto, isso não significa que a lei ordinária possa contrariar as disposições previstas pelo Código Tributário Nacional. Nos casos em que a legislação ordinária está subordinada não só às regras constitucionais, como também às limitações veiculadas por lei complementar, eventual antinomia entre os dispositivos veiculados por lei complementar e os dispositivos inseridos por lei ordinária importam na invalidade destes, por ofensa direta à lei complementar e ofensa reflexa ao texto constitucional9.

Com base nesse pressuposto, entende-se que a norma de averbação pré-executória não padece de vício material ou formal, porque não há dispositivo do Código Tributário Nacional que contrarie o seu conteúdo. A União nada mais fez do que exercer a faculdade prevista no art. 183 do CTN para criar outra garantia além daquelas enunciadas pelo dispositivo.

Contudo, o mesmo não acontece com a norma de indisponibilidade pré-executória, que desrespeita a determinação do art. 185-A do Código Tributário Nacional:

“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.”

Note-se: a norma do art. 185-A tem a seguinte estrutura: se a Fazenda Pública não encontrar bens penhoráveis do devedor que devidamente citado não realizar o pagamento, deve ser determinada pelo juiz a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor.

Diante da vagueza do antecedente – uma vez que o dispositivo não especifica quais as diligências prévias necessárias para que se considere que não foram localizados bens penhoráveis – a jurisprudência criou critérios interpretativos, exigindo como requisitos para configuração do fato jurídico que não tenham sido localizados ativos financeiros em conta corrente no nome do devedor e que tenham sido expedidos ofícios infrutíferos aos órgãos de registro público do domicílio do executado, assim como ao DETRAN ou DENATRAN. Esse entendimento resultou na Súmula n. 560 do Superior Tribunal de Justiça, que consolidou o sentido normativo que se deve atribuir ao art. 185-A do CTN.

O consequente, por outro lado, possibilita ao magistrado, e somente a ele, determinar a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor, até o limite do crédito tributário.

Pois bem, a norma de indisponibilidade pré-executória contraria tanto o antecedente quanto o consequente da regra: no antecedente, por permitir a indisponibilidade mesmo antes da citação do devedor na ação de execução fiscal e independentemente de qualquer diligência na busca de bens penhoráveis; no consequente, por autorizar que a indisponibilidade decorra de um ato de natureza não jurisdicional.

Portanto, a norma de indisponibilidade pré-executória não é compatível com o Código Tributário Nacional, pois viola materialmente o seu conteúdo.

Além disso, como a introdução da norma de indisponibilidade pré-executória dependeria de uma alteração do art. 185-A – o que só poderia ser realizado mediante lei complementar – também ofendeu indiretamente a Constituição Federal.

4.3. Da incompatibilidade material da norma de indisponibilidade
pré-executória e da compatibilidade material da norma de averbação
pré-executória com a Constituição Federal

4.3.1. Argumentos utilizados para infirmar a constitucionalidade do art. 20-B da
Lei n. 10.522/2002

Sob a perspectiva material, Grupenmacher e Grillo10 defendem a inconstitucionalidade do art. 20-B da Lei n. 10.522/2002 sob os seguintes argumentos: (i) ofensa ao devido processo legal, pelo fato de a lei não ter previsto o direito à ampla defesa e ao contraditório; (ii) desrespeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição; (iii) afronta ao direito à propriedade; (iv) configuração de uma sanção política. É o que também pensa Isfer11.

Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade de números 5.881, 5.886 e 5.890, as partes autoras sustentam ainda ofensa ao direito à livre iniciativa e ofensa ao direito à isonomia.

Do ponto de vista adotado nesse trabalho, há que se separar as duas normas jurídicas introduzidas pelo art. 20-B para então cotejar o conteúdo de cada uma delas com as normas constitucionais.

É o que se passará a fazer.

4.3.2. Normas e princípios constitucionais violados

4.3.2.1. Princípio do devido processo legal

O disposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, determina que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Esse dispositivo não assegura apenas a existência de um processo, mas impõe que esse processo seja justo. Do contrário, o processo não serviria para garantir direitos fundamentais, mas seria uma mera formalidade a ser superada.

Embora a justeza careça de indeterminação, a doutrina identifica um conteúdo essencial que não pode ser preterido. Segundo Daniel Mitidiero:

“O direito ao processo justo conta, pois, com um perfil mínimo. Em primeiro lugar, do ponto de vista da divisão do trabalho processual, o processo justo é pautado pela colaboração do juiz para com as partes. O juiz é paritário no diálogo e assimétrico apenas no momento da imposição das suas decisões [...]. Em segundo lugar, constitui processo capaz de prestar tutela jurisdicional adequada e efetiva, em que as partes participam em pé de igualdade e com paridade de armas, em contraditório, com ampla defesa, com direito à prova, perante juiz natural, em que todos os seus pronunciamentos são previsíveis, confiáveis e motivados, em procedimento público, com duração razoável e, em sendo o caso, com direito à assistência jurídica integral e formação de coisa julgada12.

A norma de indisponibilidade pré-executória não atende a esse conteúdo mínimo.

O poder de disposição dos bens do sujeito passivo é suprimido sem a intervenção de um terceiro imparcial e à revelia de qualquer procedimento que garanta a ampla defesa e o contraditório.

Quanto a este segundo aspecto, embora a Portaria n. 33/2018 tenha previsto uma fase contenciosa, as regras introduzidas são insuficientes para garantir a efetiva proteção do direito de propriedade. De acordo com o ato infralegal, o direito à defesa ocorre a posteriori, depois da indisponibilidade. Essa inversão da ordem natural exigiria um fundamento razoável, como a urgência da medida. No entanto, não existe urgência em tornar o bem indisponível, porque eventual alienação após a inscrição em dívida ativa pode caracterizar fraude à execução fiscal, nos termos do art. 185 do CTN. Assim, não há risco à satisfação do crédito que justificasse a postergação do direito à impugnação.

O mesmo não ocorre quanto à norma de averbação pré-executória. Ao tomar essa providência, a Fazenda Pública apenas torna pública a existência de um crédito que ou foi constituído pelo próprio sujeito passivo ou que foi constituído administrativamente após ele ter se defendido ou ter tido a oportunidade de fazê-lo. Não há, assim, a criação de um novo ônus ou de um novo dever que justificasse a instauração de um novo contencioso, mas apenas a anotação nos órgãos registrais da existência de um crédito não satisfeito. Ademais, a averbação não priva o sujeito passivo dos seus bens, porque não impede o poder de disposição.

Assim, conclui-se que a norma de indisponibilidade pré-executória ofende o princípio do devido processo legal e que a norma de averbação pré-executória é com ele compatível.

4.3.2.2. Restrições ao direito à propriedade e à livre iniciativa

Necessidade da verificação da proporcionalidade das medidas restritivas: o direito genérico à propriedade privada se encontra insculpido no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XXII – é garantido o direito de propriedade;”

O direito à livre iniciativa encontra supedâneo no art. 170 do texto constitucional:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”

Medidas coercitivas que tenham como objetivo compelir alguém a pagar uma obrigação podem restringir, em algum grau, o direito de propriedade. É o que acontece com a penhora deferida no curso de um processo de execução e com a indisponibilidade deferida no curso de um processo cautelar.

O mesmo se dá com relação ao princípio da livre iniciativa. Medidas como a inscrição do devedor no SPC/Serasa e protestos de títulos executivos estorvam a atividade econômica. As dificuldades na realização de compras a prazo aumentam, a confiança no empresário diminui e o custo de financiamento fica mais alto. O exercício da atividade empresarial passa a sofrer embaraços.

Portanto, nem toda restrição ofende a Constituição. Há casos em que elas são justificáveis. A penhora existe para garantir a satisfação de um crédito; o protesto e a inscrição em órgãos restritivos para proteger terceiros.

Uma restrição implica uma ofensa ao direito à propriedade e ao princípio da livre iniciativa apenas se ela for desproporcional. É o que acontece com as restrições enunciadas nas Súmulas n. 70, n. 323 e n. 547 do Supremo Tribunal Federal:

“Súmula 70

É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

“Súmula 323

É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”

“Súmula 547

Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

Quando a medida desproporcional tiver como objetivo compelir alguém a pagar um tributo, configura-se aquilo a que a doutrina e a jurisprudência denominam de sanção política. Portanto, sanção política é aquela medida restritiva que não passa pelo teste de constitucionalidade por implicar uma limitação desproporcional a algum direito fundamental do sujeito passivo. Nessa perspectiva, é o resultado do controle de constitucionalidade e não um parâmetro constitucional, conforme se extrai da tese aprovada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI n. 5.135:

“O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.” (ADI n. 5.135, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 09.11.2016, processo eletrônico, DJe-022, divulg. 06.02.2018, public. 07.02.2018)

Fez-se essas digressões para assentar o seguinte pressuposto: o fato de a norma de averbação pré-executória e da norma de indisponibilidade pré-executória eventualmente restringirem algum direito fundamental não é causa suficiente para acoimá-las como inconstitucionais. É necessário demonstrar que tais restrições são desproporcionais, ou seja, que não passam pelo teste da adequação, da necessidade e/ou da proporcionalidade em sentido estrito.

Uma medida restritiva é adequada quando tenha o condão de contribuir ainda que minimamente para a promoção do fim que objetiva. É necessária quando não existir um outro meio menos restritivo que promova igualmente o fim almejado; é proporcional em sentido estrito quando a importância da promoção da finalidade superar o grau de restrição ao direito fundamental13.

Norma de averbação pré-executória: restrições que são proporcionais: com relação à norma de averbação pré-executória não se vislumbra ofensa ao postulado da proporcionalidade.

A medida é adequada, porque leva ao conhecimento de terceiros a existência de um crédito inscrito em dívida ativa pela União Federal, prevenindo-os acerca de possível fraude à execução fiscal em caso de aquisição.

É também necessária, porque é o meio mais eficaz de atingir a esse objetivo. Com a averbação no órgão registral não há como o terceiro alegar o desconhecimento do débito. A emissão de uma certidão do bem que se quer adquirir é a primeira providência de qualquer comprador cauteloso.

É proporcional em sentido estrito, porque as vantagens da adoção dessa medida superam as desvantagens causadas pela averbação.

De fato, nos termos do art. 185 do Código Tributário Nacional, o marco temporal da fraude à execução fiscal é a inscrição do crédito em dívida ativa, e o Superior Tribunal de Justiça considerou, ao julgar o REsp n. 1.141.990/PR, em sede de recursos repetitivos, que a presunção a que aquele dispositivo faz referência é de natureza absoluta, dispensando o concilium fraudis. Portanto, quanto mais transparente e acessível for a informação sobre a existência de créditos inscritos em dívida ativa maior é a proteção aos terceiros de boa-fé.

Ademais, a norma de averbação pré-executória é a incorporação de uma regra que já existia na cobrança dos créditos privados e que foi adaptada para a seara tributária. O art. 799, inciso IX, do CPC, autoriza ao exequente “proceder à averbação em registro público do ato de propositura da execução e dos atos de constrição realizados, para conhecimento de terceiros”. O objetivo da norma é alertar os terceiros acerca da possibilidade de fraude à execução.

Por fim, a averbação pré-executória representa uma restrição “fraca” ao livre exercício da atividade econômica. Na prática, apenas aqueles que têm interesse em adquirir o bem ou que intentam utilizá-lo como garantia real é que tomam conhecimento da restrição. Trata-se de uma publicidade menor do que aquela que resulta do protesto da CDA ou da inscrição do devedor em cadastros restritivos de créditos.

Norma de indisponibilidade pré-executória: restrições que são desproporcionais: com relação à norma de indisponibilidade pré-executória, a restrição por ela prevista é adequada ao fim que se propõe. Ao tornar os bens do devedor indisponíveis a Fazenda Pública evita que o sujeito passivo aliene seus bens a terceiros, salvaguardando o crédito tributário.

No entanto, a medida não é necessária, porque há outros meios tão ou mais eficazes que importam uma restrição menor ao princípio da livre iniciativa e ao direito à propriedade privada. São eles:

Ajuizamento da ação de execução fiscal:

Uma vez inscrito o crédito em dívida ativa a Fazenda Pública pode ingressar com a ação de execução fiscal. No bojo desse processo o devedor é citado e pode pagar ou nomear bens à penhora. Caso não adote nenhuma das posturas, o juízo determina a constrição dos seus bens.

A medida é menos restritiva do que a indisponibilidade porque o risco de a constrição recair sobre um bem impenhorável é menor. Além disso, se alegada a impenhorabilidade pelo devedor, a questão é resolvida por um terceiro imparcial, e não por uma das partes envolvidas na disputa – como acontece com a impugnação à indisponibilidade pré-executória.

Ademais, a medida pode ser até mais eficaz do que a indisponibilidade. Com a penhora, deu-se o primeiro passo em direção à expropriação, e o bem constrito fica vinculado ao processo executivo.

Nesse contexto, a execução fiscal só perde em eficácia quando comparada com a indisponibilidade pré-executória se a Fazenda Pública retardar o seu ajuizamento. No entanto, esse ônus não pode ser transferido ao sujeito passivo.

Medida cautelar fiscal:

A medida cautelar fiscal é mais eficaz do que a indisponibilidade pré-executória porque tem cabimento antes mesmo da inscrição do crédito em dívida ativa, sendo lícito o seu ajuizamento com a constituição definitiva do crédito ou, em algumas hipóteses, até antes desse momento14.

É menos restritiva do que a indisponibilidade pré-executória porque depende de uma decisão judicial e porque pressupõe a demonstração da probabilidade do direito – prova literal da constituição do crédito fiscal, conforme art. 3º, inciso I, da Lei n. 8.397/1992 – e do periculum in mora – comprovação de alguma das situações elencadas pelo art. 2º daquele diploma legal.

Requerimento de reconhecimento de fraude à execução fiscal:

O art. 185 do Código Tributário Nacional possui a seguinte redação:

“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.”

O STJ, em sede de Recursos Repetitivos15, assentou que a presunção de fraude é absoluta, não comportando provas em sentido contrário.

Portanto, se o devedor alienar bens depois de inscrito o crédito em dívida ativa, e sem que tenham sido reservados bens suficientes para pagamento da dívida, há fraude à execução, e o bem alienado deve responder pela satisfação do crédito.

Pois bem, essa medida é tão eficaz quanto a indisponibilidade pré-executória, porque o resultado a que se chega é o mesmo: o patrimônio existente na época da inscrição do crédito e até o limite do valor inscrito responde pela sua satisfação. É, no entanto, menos restritiva, porque o devedor pode antes do reconhecimento da fraude dispor dos seus bens.

Por fim, o direito do terceiro adquirente resta suficientemente protegido com a averbação pré-executória. Com essa providência, não há como se alegar desconhecimento do débito e a prática de um negócio nessas condições importa na assunção consciente do risco de o bem ser expropriado para garantir uma dívida do alienante.

Síntese: dessa forma, entende-se que a norma de indisponibilidade pré-executória restringe de maneira desproporcional o direito à propriedade privada e o princípio da livre iniciativa, configurando-se numa sanção política.

5. Da inconstitucionalidade parcial com redução do texto do inciso II do § 3º do art. 20-B da Lei n. 10.522/2002

Portanto, defende-se nesse trabalho que seja reconhecida a inconstitucionalidade parcial com redução do texto do inciso II do § 3º do art. 20-B da Lei n. 10.522/2002, para que seja excluída do ordenamento jurídico a expressão “tornando-os indisponíveis”. O texto passaria a ter a seguinte redação:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados. [...]

§ 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora.”

Com isso, não haveria mais suporte material que permitisse a construção da norma de indisponibilidade pré-executória, mas se manteria o texto que autoriza a construção da norma de averbação pré-executória.

6. Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que a norma de averbação pré-executória é compatível formal e materialmente com o direito positivo, pelos seguintes motivos: (i) não viola o art. 146 da Constituição federal; (ii) é compatível com as normas gerais do Código Tributário Nacional; (iii) não ofende o princípio do devido processo legal; (iv) não importa numa restrição desproporcional ao direito à propriedade e à livre iniciativa; (v) não configura uma sanção política.

Por outro lado, constata-se que a norma de indisponibilidade pré-executória não é compatível com o ordenamento jurídico, pelas seguintes razões: (i) não é compatível com o art. 185-A do Código Tributário Nacional; (ii) viola de maneira indireta o art. 146 da CF; (iii) contraria o princípio do devido processo legal; (iv) importa numa restrição desproporcional ao direito à propriedade e à livre iniciativa; (v) configura uma sanção política.

Desse modo, entende-se que se deve reconhecer a inconstitucionalidade parcial com redução do texto do inciso II do art. 20-B da Lei n. 10.522/2002, expurgando do ordenamento jurídico a expressão “tornando-os indisponíveis”.

Referências bibliográficas

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SEHN, Solon. Lei complementar e normas gerais de direito tributário. Ensaios em homenagem ao Professor José Roberto Vieira. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2017.

1 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. E-book, p. 45.

2 CANAZARO, Fábio. Lei complementar tributária na Constituição de 1988. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 78-79.

3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 636.

4 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. E-book, posição 3294.

5 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 636.

6 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 373.

7 SCHOEURI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 878.

8 CALIENDO, Paulo. Curso de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 744.

9 SEHN, Solon. Lei complementar e normas gerais de direito tributário. Ensaios em homenagem ao Professor José Roberto Vieira. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2017, p. 1132.

10 GRUPENMACHER, Betina Treiger; e GRILLO, Fábio Artigas. Considerações acerca da averbação pré-executória da dívida ativa da União. Processo administrativo tributário. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018, p. 189-203.

11 ISFER, Edson; e ISFER, Henrique Roth. O novo bloqueio unilateral de bens pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional: breve análise. Revista Direito Tributário Atual v. 39. São Paulo: IBDT, 2018, p. 95-105.

12 MITIDIERO, Daniel. Direito fundamental ao processo justo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil v. 45, dez. 2011, p. 26/27.

13 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

14 Lei n. 8.397/1992:

“Art. 1º O procedimento cautelar fiscal poderá ser instaurado após a constituição do crédito, inclusive no curso da execução judicial da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)

Parágrafo único. O requerimento da medida cautelar, na hipótese dos incisos V, alínea ‘b’, e VII, do art. 2º, independe da prévia constituição do crédito tributário.”

15 REsp n. 1.141.990/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 10.11.2010, DJe 1.