Pagamento Antecipado do ICMS: um Novo Tempo para o Imposto?

Anticipated Payment of ICMS: a New Era for the Tax?

Eduardo Kowarick Halperin

Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pelo IET/PUCRS. Advogado em São Paulo. E-mail: eduardo.halperin@humbertoavila.com.br.

Recebido em: 20-08-2019

Aprovado em: 03-02-2020

Resumo

Este artigo analisará a figura da exigência antecipada do ICMS, por meio da qual os Estados demandam do contribuinte o pagamento do imposto relativo à saída das mercadorias do seu estabelecimento no momento da aquisição dos seus insumos e/ou das mercadorias para revenda. A primeira parte do artigo será dedicada à conceituação da “antecipação do ICMS”, por meio da análise dos enunciados normativos que a introduziram nas legislações estaduais e da identificação das suas diferentes espécies. Já a segunda parte deste artigo fará uma análise da compatibilidade da “antecipação do ICMS” com a Constituição Federal, bem como com a legislação nacional, em especial o Código Tributário Nacional, a Lei Kandir e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Palavras-chave: ICMS, pagamento, antecipado, aspecto temporal.

Abstract

This article will analyze the anticipated payment of ICMS, whereby States demand from the taxpayer the payment of the tax on the exit of goods from their establishment at the time of purchase of their inputs and/ or goods for resale. The first part of the article will be dedicated to the conceptualization of the “anticipation of ICMS”, by analyzing the normative statements that introduced it in state legislations and identifying their different species. The second part of this article will analyze the compatibility of the “anticipation of ICMS” with the Constitution, as well as with the Tax Code, the Kandir Law and the Fiscal Responsibility Law.

Keywords: ICMS, payment, anticipated, temporal aspect.

Introdução

No filme Você vai conhecer o homem dos seus sonhos, lançado em 2010, Woody Allen conta a história de um escritor que rouba um manuscrito de um livro elaborado por um amigo, que está em coma, à beira da morte, e lança-o como se fosse uma obra sua. No final do filme, com o escritor já desfrutando do sucesso do livro, surge a surpreendente notícia de que o amigo em coma está se recuperando.

O filme, em verdade, em toda a sua trama ironiza vidências e previsões, deixando claro que a única previsão que podemos fazer é que, um dia, vamos encontrar um “estranho alto e escuro”, ou seja, a morte (daí o título original do filme, You Will Meet a Tall Dark Stranger). A essa única previsão possível de que fala Woody Allen, Benjamin Franklin adiciona outra, por meio de sua famosa carta para Jean-Baptiste Leroy, na qual afirma que nada no mundo seria certo, exceto a morte e os tributos.

Ocorre que, consoante descobriu o escritor que roubou o manuscrito do amigo moribundo, se por um lado nosso encontro com a morte é certo, por outro lado, nunca temos certeza de quando ele ocorrerá. Em outras palavras, contemplando também a outra previsão de Benjamin Franklin: ainda que o aspecto material seja inevitável, o aspecto temporal faz toda a diferença.

Por isso, este artigo analisará a figura da exigência antecipada do ICMS, por meio da qual os Estados demandam do contribuinte o pagamento do imposto relativo à saída das mercadorias do seu estabelecimento no momento da aquisição dos seus insumos e/ou das mercadorias para revenda. A justificativa para a exigência antecipada é que, tal como a morte, a saída subsequente (e, com isso, o fato gerador) certamente ocorrerá.

A primeira parte do artigo será dedicada à conceituação da “antecipação do ICMS”, por meio da análise dos enunciados normativos que a introduziram nas legislações estaduais e da identificação das suas diferentes espécies. Com isso, será possível proceder à diferenciação entre a “antecipação do ICMS” e outras situações que podem com ela ser confundidas, notadamente a antecipação do prazo de recolhimento do imposto, a substituição tributária para a frente e o diferencial de alíquotas.

Já a segunda parte deste artigo fará uma análise da compatibilidade da “antecipação do ICMS” com a Constituição Federal, bem como com a legislação nacional, em especial o Código Tributário Nacional, a Lei Kandir e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

1. O que é a antecipação tributária no ICMS?

1.1. Instituição da antecipação do recolhimento do ICMS pelos Estados

O Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Lei Estadual n. 8.820 de 1989, passou a exigir que o ICMS fosse “pago antecipadamente, total ou parcialmente, no momento da entrada no território deste Estado, nos recebimentos de mercadorias de outra unidade da Federação” (art. 24, § 8º, da Lei Estadual n. 8.820/1989). Isso se deu sob a justificativa de “equiparar a carga tributária das mercadorias oriundas de outras unidades da Federação, que são fornecidas com a alíquota interestadual de 12%, com a carga das adquiridas neste Estado, que são fornecidas com as alíquotas internas de 17% e 25%. Evita-se, assim, que o fornecedor local, que contribui para a receita, bem como para a geração de empregos e riqueza neste Estado, fique em situação de clara desvantagem competitiva devido ao acréscimo no preço representado pela diferença na carga tributária” (conforme exposição de motivos da Lei n. 14.178/2012, que alterou a Lei n. 8.820).

Da mesma forma, o Estado de São Paulo, sob a justificativa de permitir “maior eficácia na fiscalização e arrecadação do tributo, especialmente quando envolver operações interestaduais” (consoante exposição de motivos da Lei n. 12.785/2007), passou a exigir o recolhimento antecipado (no momento da entrada da mercadoria no território paulista) “do imposto devido pela própria operação de saída da mercadoria; e em sendo o caso, do imposto devido pelas operações subsequentes, na condição de sujeito passivo por substituição” (art. 426-A do RICMS/SP).

O Estado de Minas Gerais, por sua vez, estabeleceu por meio do § 14 do art. 42 do RICMS/MG que “o contribuinte enquadrado como microempresa ou empresa de pequeno porte que adquirir em operação interestadual mercadoria para industrialização, beneficiamento ou acondicionamento não industriais complementares à produção primária, comercialização ou utilização na prestação de serviço, fica obrigado a recolher, a título de antecipação do imposto, o valor correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual (...)”.

Já o Estado do Pernambuco prescreveu, no art. 28 da Lei Estadual n. 15.730/2017, que “decreto do Poder Executivo pode exigir o pagamento antecipado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da base de cálculo da operação ou da prestação subsequente efetuada pelo contribuinte, inclusive na entrada de mercadoria procedente de outra UF”, tendo o § 1º do referido dispositivo determinado que “o imposto antecipado pode ser relativo à operação subsequente, às operações subsequentes até a última, destinada a consumidor final, ou a uma parcela do imposto da operação subsequente”.

Em pese haver diferenças entre esses casos, há um aspecto comum em todos eles: os Estados determinaram o pagamento do ICMS, que seria devido pela operação mercantil subsequente, no momento da aquisição interestadual das mercadorias que seriam posteriormente revendidas ou integradas em um processo de industrialização. Ou seja, anteciparam o pagamento do imposto para a entrada das mercadorias no estabelecimento do contribuinte, excepcionando a regra segundo a qual o imposto é devido no momento da saída das mercadorias.

Essa antecipação pode se referir a três situações distintas:

a) exigência da diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna nas aquisições interestaduais feitas por empresas do Simples Nacional (sem encerramento de tributação);

b) exigência (parcial ou integral) do imposto relativo à operação própria subsequente (inclusive por meio da exigência da diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna nas aquisições interestaduais);

c) exigência do imposto relativo à operação própria subsequente e às operações subsequentes (por substituição tributária).

Essas primeiras observações já evidenciam o equívoco de Marco Aurélio Greco quando afirma que “podem ser identificadas duas espécies de antecipação: antecipação sem substituição (se é o caso de mera exigência feita ao próprio contribuinte) e a antecipação com substituição (se a exigência, além de antecipadamente feita, atingir um outro sujeito de direito)”1, equívoco, este, de enorme influência na doutrina e na jurisprudência. Ora, os termos induzem à confusão, na medida em que a “antecipação com substituição” pode se referir, na verdade, tanto à antecipação do fato gerador do tributo próprio, cumulada com a antecipação do ICMS devido por substituição tributária (hipótese “c”), quanto apenas à antecipação dos fatos geradores relativos às operações posteriores (substituição tributária para frente).

1.1.1. Conceituação preliminar de antecipação tributária

Feitas tais constatações, faz-se uma conceituação preliminar da “antecipação tributária”, sem prejuízo de posterior aperfeiçoamento do conceito: antecipação tributária do ICMS é a exigência do imposto relativo à saída subsequente que será promovida pelo contribuinte no momento da aquisição interestadual da mercadoria por esse mesmo contribuinte.

1.2. O que a antecipação tributária não é?

1.2.1. Antecipação tributária não é substituição tributária “para frente”

Na substituição tributária “para frente” do ICMS é atribuída ao contribuinte substituto a responsabilidade pelo recolhimento do imposto relativo aos fatos geradores que serão praticados por outros contribuintes (substituídos), cumulada à exigência do pagamento antecipado desse imposto. Assim, em vez de o ICMS ser recolhido por cada contribuinte substituído, à medida que tais contribuintes forem promovendo a saída de mercadorias dos seus estabelecimentos, o contribuinte substituto paga o ICMS-ST (soma de todo o ICMS das operações dos contribuintes substituídos) concomitantemente com o ICMS da sua operação própria de venda, no momento da saída da mercadoria do seu estabelecimento.

Já na antecipação tributária do ICMS, não há, em regra, a assunção de responsabilidade pelos fatos geradores de outros contribuintes (embora os institutos possam ser cumulados, tal como na hipótese “c” do tópico anterior). O que ocorre é a exigência do ICMS relativo à operação própria (e até mesmo do ICMS-ST) no momento da entrada da mercadoria no estabelecimento do contribuinte, ou seja, antes da ocorrência do fato gerador relativo à operação própria (saída do estabelecimento).

Dessa diferenciação resulta claro que o § 7º do art. 150 da Constituição Federal trata, tão somente, da substituição tributária “para frente”, uma vez que esse dispositivo diz respeito à possibilidade de atribuição de responsabilidade pelo pagamento de fatos geradores futuros: “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Como na antecipação tributária não há qualquer alteração da responsabilidade pelo pagamento do imposto antecipado, que permanece com o mesmo contribuinte, não há que se falar na incidência do referido dispositivo constitucional2.

Não há, vale dizer, relação de gênero e espécie entre substituição tributária e antecipação tributária: pode haver antecipação sem substituição (hipóteses “a” e “b” do tópico anterior), substituição sem antecipação (substituição tributária “para trás”), antecipação com substituição (hipótese “c” do capítulo anterior) e substituição com antecipação (substituição tributária “para frente”), sendo certa a diferença existente entre essas figuras.

A inexistência de uma relação de gênero e espécie entre as duas figuras, contudo, não vem sendo assimilada pela jurisprudência, pois, se de um lado o STF entende que “a exigência antecipada do diferencial de alíquotas constitui espécie de substituição tributária e, dessa forma, está sujeita aos requisitos para a adoção desse instituto, entre eles, a previsão em lei”3, por outro lado, a jurisprudência atual do STJ, acompanhada da doutrina de Marco Aurelio Greco4, é tranquila em afirmar que “o instituto da antecipação tributária, prevista no artigo 150, § 7º, da CF, encerra duas modalidades: com substituição e sem substituição”5.

A substituição tributária “para frente”, reforça-se, até pode ser cumulada com a antecipação tributária, mas enquanto a primeira está mais ligada à responsabilidade tributária, a segunda vincula-se com o momento da ocorrência do fato gerador.

1.2.2. Antecipação tributária não é antecipação do prazo de recolhimento do imposto

Outra figura com a qual a antecipação tributária é confundida é a antecipação do prazo de recolhimento do imposto. Essa confusão fica evidente em julgados recentes do STJ, os quais afirmam que “as Turmas que compõem a Primeira Seção dessa Corte firmaram o entendimento de que é legítima a cobrança antecipada do ICMS através do regime normal de tributação, vale dizer, sem substituição tributária, na forma preconizada pela Lei Estadual 8.820⁄89 e pelo Decreto Estadual 39.820⁄99, porquanto a antecipação do prazo de recolhimento do tributo não modifica o fato gerador do imposto”6.

Uma consequência desse entendimento é que a antecipação do ICMS poderia ser feita por simples decreto, uma vez que o STF entende que “é de todo descabido o entendimento de ser ilegítimo o decreto estadual como instrumento hábil para alterar prazo de vencimento de tributo”7.

Ocorre que, consoante prescreve o § 1º do art. 113 do CTN, “a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”, de forma que não há como simplesmente antecipar o prazo de pagamento do tributo para antes da ocorrência do fato gerador, pois é só a partir desse momento que surgirá a obrigação tributária e, consequentemente, a obrigação de pagar o tributo. Mais correto, portanto, é relacionar a exigência do pagamento antecipado do ICMS com a alteração do aspecto temporal da hipótese tributária, a qual indica o momento em que se reputa ocorrido o fato imponível8 – nas palavras de Alcides Jorge Costa: “o aspecto temporal diz respeito ao momento em que ocorre o fato gerador, pois é neste exato instante que a obrigação tributária nasce”9.

Assim, se o normal é que o legislador fixe o critério temporal da obrigação para momento posterior à ocorrência de todos os elementos que compõem o critério material da hipótese tributária10, no caso do pagamento antecipado do ICMS há a fixação, pelos legisladores estaduais (e, por vezes, pelos Poderes Executivos estaduais), do critério temporal para momento anterior às circunstâncias materiais da hipótese tributária.

Nesse sentido, por meio do Recurso Extraordinário n. 598.67711, o STF já reconheceu repercussão geral da discussão envolvendo a constitucionalidade da tributação antecipada por decreto, isto é, se a exigência do pagamento antecipado do ICMS pode ser considerada uma simples antecipação do prazo de recolhimento do tributo.

1.2.3. Antecipação tributária não é diferencial de alíquotas

Diversos estados instituíram a antecipação do ICMS por meio da exigência do pagamento, pelo adquirente, da diferença entre a alíquota interestadual (7% ou 12%) e a alíquota interna do respectivo estado. Assim, o adquirente já anteciparia o pagamento de parcela do ICMS devido pela saída subsequente (por ele promovida), uma vez que o montante antecipado poderia ser escriturado como crédito.

O STF, ao analisar a constitucionalidade de lei baiana que instituiu a antecipação parcial do ICMS nesses termos, entendeu que “a própria Constituição é explícita ao afirmar que, sendo o destinatário contribuinte – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado –, caberá ao Estado em que este se localiza o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual”12.

Há que se diferenciar, contudo, essas duas figuras: consoante afirmado pelo próprio acórdão, a exigência constitucional de pagamento do diferencial de alíquotas (DIFAL) dirige-se, unicamente, às hipóteses de venda para consumidor final13, situação muito distinta à da antecipação do ICMS, que pressupõe uma saída subsequente. Enquanto na aquisição interestadual por consumidor final há encerramento de tributação, razão pela qual o DIFAL equaliza a carga tributária das aquisições internas e interestaduais, na aquisição interestadual intermediária (em relação à qual é exigida a antecipação do ICMS) há prosseguimento da cadeia econômica, de forma que a aquisição interestadual, mesmo submetida a uma alíquota menor (7% ou 12%), gerará menos créditos de ICMS do que a aquisição interna.

2. Inconstitucionalidades e ilegalidades da antecipação tributária do ICMS

2.1. Inconstitucionalidades da antecipação tributária

2.1.1. A antecipação tributária não está prevista em lei complementar

Como se sabe, a Constituição Federal, por meio do art. 146, inciso III, definiu que caberia a lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre “definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” (alínea “a”) e sobre “obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários” (alínea “b”).

Sacha Calmon bem observa que a função das normas gerais é articular o sistema tributário da Constituição às legislações fiscais das pessoas políticas, podendo ser definidas como “normas sobre como fazer normas em sede de tributação”14. Nesse sentido, tendo em vista que o ICMS é um tributo nacional, mas de competência estadual15, a adoção de normas gerais uniformes é fundamental para a adaptação do imposto ao sistema federal de governo16 – não por acaso, o art. 155, § 2º, inciso XII, da Constituição Federal estabelece uma série de matérias específicas envolvendo o ICMS que devem ser tratadas por lei complementar.

Não restam dúvidas de que o aspecto temporal da hipótese de incidência, o qual é alterado por meio da exigência do pagamento antecipado do ICMS, é matéria cujo tratamento caberia exclusivamente a lei complementar, nos termos do art. 146, inciso III, “a”, da Constituição Federal, uma vez que a indicação do aspecto temporal é elemento essencial para a definição do fato gerador (art. 146, inciso III, “a”, CF). Nas palavras de Amílcar de Araújo Falcão, “a perfeita identificação da natureza do fato gerador, em cada caso, depende, além do mais, de uma consideração dos seus elementos integrantes ou constitutivos em relação ao tempo”17.

Da mesma forma, como a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador, o aspecto temporal deste marcará o nascimento daquela, sendo certo que cabe apenas a lei complementar o estabelecimento de normas gerais sobre obrigação tributária (art. 146, inciso III, “b”, da Constituição Federal).

Inobstante a clareza do texto constitucional, não há qualquer lei complementar permitindo a antecipação do ICMS, a qual tem sido exigida pelos Estados por meio de lei estadual, quando não por simples decreto, com o beneplácito de parcela da doutrina18 e da jurisprudência do STJ19 (ainda que se trate de matéria constitucional, o fato é que é o STJ, e não o STF, quem tem farta jurisprudência sobre o tema).

Nesse sentido, existem diversas decisões do STJ afastando a necessidade de lei complementar para a instituição da antecipação do ICMS, todas elas fundamentadas na suposta jurisprudência pacífica da própria Corte. Ocorre que, se formos investigar a gênese dessa suposta “jurisprudência pacífica”, veremos que o atual entendimento do STJ é resultado de um verdadeiro “telefone sem fio”, uma vez que se baseia em três precedentes que jamais analisaram a questão à luz do art. 146, III, da Constituição Federal, todos referentes à legislação sergipana: o Recurso em Mandado de Segurança (RMS) n. 14.618/SE, de relatoria do Ministro Garcia Vieira, julgado em 200220, o RMS n. 15.095/SE, de relatoria do Ministro Castro Meira, julgado em 200321, e o RMS n. 17.303/SE, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, julgado em 200422.

No tocante ao RMS n. 14.618/SE, de relatoria do Ministro Garcia Vieira, a fundamentação integral do acórdão foi a seguinte: “está completamente pacificado em ambas as Turmas da Colenda Primeira Seção da C. Corte o entendimento de que é legítima a cobrança antecipada do ICMS. Ela encontra apoio na Constituição Federal (art. l46, III, b), na Lei Complementar n. 26⁄87 (art. 26, II), na Lei Estadual n. 3.796⁄96 (arts. 28, I, b e 8º). Neste sentido existem dezenas de precedentes, inclusive no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 90.785-PR (RSTJ n. 90⁄55), nos Recursos Especiais ns 112.321-SP, (RSTJ 105⁄177), 82.279-SP (RSTJ 81⁄122) e 59.077-9-SP (RSTJ 76⁄263)”.

Ocorre que, se verificarmos os precedentes invocados por esse acórdão, os quais exemplificariam o entendimento “completamente pacificado” do STJ, veremos que o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 90.785/PR23, o Recurso Especial n. 112.321/SP24 e o n. 82.279/SP25 tratam de substituição tributária, ao passo que o Recurso Especial n. 59.077/SP26 trata de antecipação do prazo de recolhimento do ICMS por decreto (para data ainda posterior à ocorrência do fato gerador), tendo sido transcrita neste último acórdão decisão que afirmava expressamente que “em se tratando de recolhimento mediante apuração em períodos (do ICMS), só poderia haver ilegalidade com a antecipação do pagamento do tributo para data anterior ao do fato gerador”. A verificação do conteúdo dos precedentes citados no acórdão, bem como a observação dos dispositivos nele invocados, leva a crer que a questão foi mal colocada para os senhores ministros do STJ, que pensaram estar julgando fatos distintos dos que efetivamente ocorreram naqueles autos.

O outro leading case que fundamenta o atual entendimento do STJ é o RMS n. 15.095/SE, de relatoria do Ministro Castro Meira. Nesse caso, entendeu-se (equivocadamente, como já se viu) que “o instituto da antecipação tributária, que encontra previsão constitucional no art. 150, § 7º, da Carta da República, admite duas modalidades distintas, inclusive com regimes jurídicos próprios, vale dizer, a antecipação com substituição e a antecipação sem substituição tributária”.

A Lei Complementar, segundo essa decisão, seria exigida apenas nos casos de “antecipação com substituição”, uma vez que o art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “b”27, abrangeria apenas esses casos. A decisão chega a referir a exigência de lei complementar para o estabelecimento de normas gerais de direito tributário, imposta pelo art. 146, inciso III, “a”, mas a afasta sem uma justificativa mínima: “a Lei Estadual n. 3.796⁄96, como visto, estabeleceu, em seu art. 8º, inciso XV, a possibilidade de cobrança antecipada do ICMS quando da entrada da mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente. Cumprida a exigência de lei, não há que se falar em lesão às disposições contidas no art. 146, III, alínea ‘a’ e 155, § 2º, inciso XII, alíneas ‘a’ e ‘b’ da Carta da República, que exigem lei complementar para dispor sobre substituição tributária e sobre contribuintes”.

O mais surpreendente é que a decisão admite, acertadamente, que a “antecipação tributária do ICMS” altera o aspecto temporal da obrigação tributária, não sendo mera mudança do prazo de recolhimento: “A antecipação encontra-se relacionada com o elemento temporal da obrigação tributária, vale dizer, com o momento de concretização da hipótese de incidência fiscal. (...) não apresentando a questão debatida nos autos qualquer relação com prazo de apuração, mas, tão somente, com o elemento temporal da obrigação tributária de pagar o ICMS, é de se considerar impertinente o terceiro argumento veiculado pela Recorrente”. A compatibilidade dessa constatação com o afastamento da incidência do art. 146, inciso III, da Constituição Federal, infelizmente, não mereceu maior atenção da decisão.

Por fim, há o precedente do RMS n. 17.303/SE, relatado pela Ministra Eliana Calmon, o qual, para além de expressamente basear-se nos dois julgados acima referidos (um totalmente inaplicável, e o outro com fundamentação incoerente), repisando os argumentos deste último, deixa claro que o caso concreto envolvia uma circunstância particular: “a antecipação tributária imposta à recorrente como forma de sanção pela sua contumaz inadimplência não tem foro de ilegalidade, porque prevista na lei estadual e devidamente regulamentada pelo Decreto Estadual 20.741⁄2002”.

Em suma, a atual jurisprudência do STJ, a qual considera legítima a exigência antecipada do ICMS sem qualquer lei complementar que a preveja, foi construída com base em precedentes que jamais analisaram devidamente a necessidade de lei complementar imposta pelo art. 146, inciso III, “a” e “b”, da Constituição Federal, uma vez que se limitaram a enfrentar o obviamente inaplicável art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “b”, dirigido apenas às hipóteses de substituição tributária. Além disso, partem da equivocada premissa de que o § 7º do art. 150 da Constituição Federal teria permitido que lei ordinária tratasse da antecipação tributária quando, em verdade, tal dispositivo sequer aborda essa situação.

2.1.2. A exigência do pagamento antecipado do ICMS viola a capacidade contributiva?

O § 1º do art. 145 da Constituição Federal dispõe que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Daí se reconstrói a capacidade contributiva, tanto em sua acepção subjetiva, quanto em sua acepção objetiva, que para Luís Eduardo Schoueri equivale à “verdadeira regra do ordenamento, já que proíbe que o legislador preveja hipóteses tributárias que não revelem, objetivamente, capacidade contributiva”28.

Nesse sentido, é de se perguntar: a aquisição interestadual de mercadoria, fato que enseja a exigência antecipada do ICMS, revela capacidade contributiva (em sua acepção objetiva)?

Em primeiro lugar, ressalte-se que não há qualquer impedimento constitucional à edição de lei complementar exigindo o ICMS quando da aquisição de mercadorias. O art. 155, inciso II, da Constituição Federal não atribuiu poder aos Estados para instituir um imposto apenas sobre vendas, mas sim sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”.

Em segundo lugar, a aquisição (e não apenas a venda) pode ser considerada um ato que revela capacidade contributiva. Nesse sentido, basta tomarmos como exemplo o ITBI, cuja responsabilidade pelo recolhimento é habitualmente atribuída pelos Municípios ao adquirente do imóvel, não tendo tal atribuição de responsabilidade ensejado qualquer declaração de inconstitucionalidade.

Feitas essas considerações, tem-se que a exigência do pagamento antecipado do ICMS viola a capacidade contributiva nas hipóteses em que envolve tanto o ICMS próprio quanto o ICMS-ST (hipótese “c”), uma vez que nesses casos se exige do contribuinte a antecipação de recursos em relação aos quais ele não tem como se ressarcir em prazo razoável. Trata-se de situação muito distinta da substituição tributária “para frente”, na qual o contribuinte substituto se ressarce do imposto pago antecipadamente por meio do preço29, uma vez que o ICMS próprio e o ICMS-ST serão exigidos apenas quando da saída da mercadoria do seu estabelecimento.

Já no caso do pagamento antecipado da parcela do ICMS equivalente à diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna (hipótese “b”), o qual será escriturado como crédito, não há violação à capacidade contributiva. Se é certo, por um lado, que essa situação gera um impacto no fluxo de caixa do contribuinte, que deverá antecipar um montante maior para depois utilizá-lo como crédito, também é certo, por outro lado, que a exigência do pagamento antecipado da diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna do ICMS faz com que as aquisições interestaduais tenham a mesma carga tributária das aquisições internas, promovendo a isonomia e a neutralidade tributária.

2.1.3. Inconstitucionalidades decorrentes da exigência do recolhimento antecipado do ICMS em relação aos contribuintes inscritos no Simples Nacional?

Em alguns estados, exige-se o pagamento antecipado do ICMS por meio da cobrança da diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna do ICMS em relação aos contribuintes inscritos no Simples Nacional que adquirem mercadorias de fornecedores localizados em outros estados.

A possibilidade dessa exigência, no tocante aos contribuintes inscritos no Simples, está prevista no art. 13, § 1º, inciso XIII, “g”, item 2, da Lei Complementar n. 123/200330. Por outro lado, diversos dispositivos constitucionais, tais como o art. 170, inciso IX31, e o art. 17932, prescrevem um tratamento tributário mais benéfico às empresas de pequeno porte, o que poderia ensejar o questionamento em relação à constitucionalidade da exigência do pagamento antecipado do ICMS em relação aos contribuintes inscritos no Simples.

Consoante afirmado por Luís Eduardo Schoueri, há uma relação entre o Princípio do Tratamento Favorecido para as Empresas de Pequeno Porte e o Princípio da Livre Concorrência, uma vez que o livre mercado pressupõe a existência de um número elevado de participantes, sendo certo que o tratamento favorecido não pode ir “além do necessário para o delicado equilíbrio entre os agentes do mercado”33.

Dessa ótica, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na antecipação prevista no art. 13, § 1º, inciso XIII, “g”, item 2, da Lei Complementar n. 123/2003, visto que sem tal exigência as aquisições interestaduais (alíquota de 7% ou 12% de ICMS) seriam mais baratas do que as aquisições internas das mesmas mercadorias, o que violaria o princípio da livre concorrência e a igualdade, em especial o art. 152 da Constituição Federal34, resultando em uma tributação não neutra. Vale salientar, ainda, que no caso dos contribuintes inscritos no Simples Nacional o pagamento antecipado do ICMS foi autorizado por meio de Lei Complementar, o que afasta eventuais alegações de violação ao art. 146, III, da Constituição Federal.

Importante referir que o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE n. 632.783/RO, posteriormente substituído pelo RE n. 970.821/RS, já reconheceu a Repercussão Geral da questão envolvendo a constitucionalidade do pagamento antecipado do ICMS para contribuintes inscritos no Simples.

Por fim, saliente-se que a exigência do diferencial de alíquotas em relação às aquisições interestaduais que o contribuinte inscrito no Simples realiza na condição de consumidor final, tal como autorizado pelo art. 13, § 1o, inciso XIII, “g”, item 1, da Lei Complementar n. 123/200335, não é hipótese de exigência de pagamento antecipado do ICMS. Nesses casos há, tão somente, observância ao art. 155, § 2º, inciso VII, da Constituição Federal36, o qual determina o pagamento do diferencial de alíquotas ao Estado do consumidor final.

Em outras palavras, nesses casos não há antecipação do ICMS porque simplesmente não há qualquer débito futuro a ser antecipado.

2.2. Ilegalidades da antecipação tributária

2.2.1. A Lei Kandir estabelece que o fato gerador do ICMS ocorre no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do vendedor

Ainda que se entenda que a eleição do aspecto temporal da hipótese de incidência não seja matéria reservada exclusivamente a lei complementar, não se pode negar que, no caso do ICMS, a Lei Complementar n. 87/1996 definiu expressamente o aspecto temporal do imposto. Nas palavras de Hugo de Brito Machado, “a lei complementar poderia ter deixado essa indicação casuística a cargo da lei estadual. Não o fez certamente com o propósito de padronizar a legislação do ICMS, evitando discrepâncias entre as leis desse imposto nos vários Estados”37.

Nesse sentido, o art. 12, inciso I, da Lei Complementar n. 87/199638 estabeleceu que, em regra, o aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS deve ser a “saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte”. Não por acaso, ao decidir o caso no qual se definiu de forma definitiva a constitucionalidade da substituição tributária, o Supremo deixou claro que “a lei complementar, por igual definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação tributária como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”39.

Dentre as exceções estabelecidas nos incisos seguintes do art. 12 da Lei Complementar n. 87/1996, todas relativas a situações específicas, a única na qual há previsão da incidência do ICMS quando da entrada das mercadorias no território do estado do adquirente é a constante no inciso XII40, exclusiva para as operações envolvendo lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica (desde que não destinados à comercialização ou à industrialização).

Com isso se quer dizer que, para além de existir Lei Complementar dispondo expressamente que o aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS deve ser a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, a excepcional antecipação do aspecto temporal para o momento da entrada das mercadorias no estado do adquirente foi restringida a uma situação específica. Assim, as regras de antecipação instituídas pelas legislações estaduais são todas ilegais, por violação ao art. 12, inciso I, da Lei Complementar n. 87/1996.

2.2.2. A Lei de Responsabilidade Fiscal veda a antecipação do recolhimento do ICMS

Finalmente, mesmo que se supere a necessidade de lei complementar para a antecipação do ICMS, bem como se ignore que a matéria já foi devidamente abordada pela Lei Complementar n. 87/1996, ainda assim a exigência antecipada do imposto estaria vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por ser equiparada a operação de crédito. É que o art. 37, inciso I, da referida lei dispõe expressamente que “equiparam-se a operações de crédito e estão vedados: captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto no § 7º do art. 150 da Constituição”.

A esse respeito, em parecer referente a decreto estadual que encurtou o período de apuração do ICMS e, consequentemente, antecipou o seu prazo de recolhimento, Humberto Ávila afirmou que “a antecipação do prazo de recolhimento e a modificação de período de apuração podem, em tese, vir a violar a vedação de captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido (art. 37, inciso I, da LRF)”41. Naquele caso, contudo, o prazo de recolhimento foi antecipado para data ainda posterior à ocorrência do fato gerador, de forma que o autor não vislumbrou violação à Lei de Responsabilidade Fiscal: “a vedação se refere a tributos cujo fato gerador ainda não ocorreu, o que inviabiliza a aplicação do referido dispositivo, pois, ocorrendo o fato gerador do ICMS no momento da saída da mercadoria do estabelecimento ou da prestação do serviço, a antecipação do prazo de recolhimento e a modificação do período de apuração se referiam a fatos geradores já ocorridos”42.

No caso da exigência antecipada do ICMS, entretanto, a situação é distinta: o imposto é exigido antes da ocorrência do fato gerador, de forma a ensejar a tranquila aplicação do art. 37, inciso I, da Lei da Responsabilidade Fiscal. A exigência antecipada do ICMS, portanto, equivale a uma operação de crédito em termos financeiros, estando expressamente vedada.

Quanto à exceção feita pelo art. 37, inciso I, da LRF, às antecipações previstas no § 7º do art. 150 da Constituição, cabem duas constatações: primeiro, argumentos semânticos conduzem à segura conclusão de que o dispositivo constitucional não é aplicável à exigência antecipada do ICMS (conforme capítulo 1.2.1). Segundo, o simples fato de a LRF admitir a existência de outras modalidades de antecipação para além daquela prevista no § 7º do art. 150 da Constituição Federal (substituição tributária “para frente”) já rechaça a interpretação do STJ desse dispositivo, segundo a qual o dispositivo constitucional estaria tratando do gênero “antecipação”, o qual possuiria diferentes espécies43.

Conclusão

Aperfeiçoando o conceito preliminar de “antecipação tributária do ICMS” estipulado no início deste trabalho, podemos agora concluir que a antecipação tributária do ICMS equivale à alteração do aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS, o qual resta antecipado para o momento da aquisição interestadual das mercadorias que serão posteriormente revendidas ou integradas em processo de industrialização.

Da constatação de que a exigência do pagamento antecipado do ICMS envolve uma alteração do aspecto temporal da hipótese de incidência do imposto decorre a inconstitucionalidade das leis estaduais que instituíram o referido pagamento antecipado, uma vez que o art. 146, inciso III, da Constituição Federal exige lei complementar para tratar sobre a matéria (norma geral sobre fato gerador e obrigação tributária). Nesse sentido, a Lei Complementar n. 87/1996 estabeleceu como aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, tornando ilegais, portanto, os dispositivos das leis estaduais que determinam o pagamento do ICMS por ocasião da entrada das mercadorias no estado do adquirente.

Para os contribuintes inscritos no Simples, contudo, tal óbice já foi superado, uma vez que o pagamento antecipado do ICMS está previsto em lei complementar, mais precisamente no art. 13, § 1º, inciso XIII, “g”, item 2, da Lei Complementar n. 123/2003. A antecipação do ICMS nesses casos (hipótese “a”), muito antes de violar o tratamento tributário favorável que deve ser dispensado às pequenas empresas, promove a neutralidade na tributação e o Princípio da Livre Concorrência, por equiparar a carga tributária das aquisições efetuadas internamente e em outros estados.

Já no tocante aos contribuintes do regime normal de tributação, uma vez sanado o vício decorrente da inexistência de lei complementar que autorize a antecipação do aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS, inexistirão quaisquer óbices constitucionais à instituição do pagamento do ICMS próprio no momento da aquisição interestadual da mercadoria (hipótese “b”). O pagamento antecipado, em verdade, pode ter uma consequência econômica benéfica em termos de neutralidade tributária, uma vez que não haverá qualquer diferença em termos de fluxo de caixa nas aquisições internas e nas aquisições interestaduais.

Por fim, no tocante à exigência do pagamento antecipado do ICMS próprio cumulado com o pagamento do ICMS-ST (hipótese “c”), nem mesmo eventual Lei Complementar que a permita poderá torná-la constitucional. É que, nesse caso, inexiste capacidade contributiva por parte do contribuinte para o pagamento do imposto relativo à toda cadeia subsequente, uma vez que ele não poderá se ressarcir no preço, em um prazo razoável, pelo imposto pago antecipadamente na condição de responsável.

Atualmente, contudo, toda e qualquer forma de pagamento antecipado de tributo (exceção feita à substituição tributária “para frente”, prevista no § 7º do art. 150 da Constituição Federal) encontra vedação no inciso I do art. 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal, por ser equiparada a uma operação de crédito. Assim, mesmo existindo lei complementar permitindo a antecipação do ICMS no caso dos contribuintes inscritos no Simples Nacional (hipótese “a”), e ainda que haja a edição de lei complementar prevendo a possibilidade da antecipação do pagamento do ICMS relativo à operação própria (hipótese “b”), a instituição do pagamento antecipado do ICMS ainda encontraria óbice na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Referências bibliográficas

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1 GRECO, Marco Aurelio. Substituição tributária (antecipação do fato gerador). 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 14.

2 No mesmo sentido, BARROS, Maurício. Ilegitimidade da cobrança antecipada do ICMS sem substituição – violação ao artigo 150, parágrafo 7º, da CF/88 e à Lei de Responsabilidade Fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 159, dez./2008, São Paulo, p. 68.

3 BRASIL. STF. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 499.608, Relator Ministro. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 28.06.2011.

4 GRECO, Marco Aurelio. Op. cit., p. 14.

5 BRASIL. STJ. Recurso em Mandado de Segurança n. 17.303/SE, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 17.06.2004.

6 BRASIL. STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.225.663/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 10.06.2014.

7 BRASIL. STF. Recurso Extraordinário n. 195.218, Relator Ministro Ilmar Galvão, Primeira Turma, j. 28.05.2002.

8 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 94.

9 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1978. p. 79.

10 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 530.

11 BRASIL. STF. Recurso Extraordinário n. 598.677 (Repercussão Geral), Relator Ministro Dias Toffoli, j. 05.08.2011.

12 BRASIL. STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.426, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 22.03.2007.

13 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;”

14 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 80.

15 FUNARO, Hugo. Antecipação do ICMS na entrada de mercadorias no território do Estado – Invasão de competência reservada à lei complementar – Necessidade de assegurar a restituição imediata e preferencial do indébito – Impossibilidade de delegação da disciplina normativa ao executivo. Revista Dialética de Direito Tributário n. 166, jul./2009, p. 117.

16 BORGES, José Souto Maior. Normas Gerais de Direito Tributário. In: ATALIBA, Geraldo (coord.). Elementos de Direito Tributário. São Paulo: RT, 1978. p. 128.

17 FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1964, p. 140.

18 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. A antecipação da cobrança do ICMS sem substituição tributária. Revista da AJURIS v. 37, n. 120, dez./2010, p. 186.

19 “O STJ firmou sua compreensão no sentido de ser legítima a cobrança antecipada do ICMS através do regime normal de tributação, desde que exista previsão legal local, o que se verifica no caso em apreço” (BRASIL. STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.273.501/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 21.09.2017); “O instituto da antecipação tributária, prevista no artigo 150, § 7º, da CF, encerra duas modalidades: com substituição e sem substituição. A antecipação com substituição exige previsão em lei complementar, como determinado no art. 155, § 2º, ‘b’, da Carta da República. A antecipação sem substituição, espécie de que tratam os autos, não exige lei complementar, podendo estar prevista em lei ordinária como na hipótese pela Lei Estadual 8.820/89” (BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 1.160.372/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 27.04.2010).

20 BRASIL. STJ. Recurso em Mandado de Segurança n. 14.618/SE, Relator Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, j. 13.08.2002.

21 BRASIL. STJ. Recurso em Mandado de Segurança n. 15.095/SE, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, j. 07.08.2003.

22 BRASIL. STJ. Recurso em Mandado de Segurança n. 17.303/SE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 17.06.2004.

23 BRASIL. STJ. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 90.785/PR, Relator Ministro José de Jesus Filho, Primeira Turma, j. 18.06.1996.

24 BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 112.321/SP, Relator Ministro Helio Mosimann, Segunda Turma, j. 03.02.1998.

25 BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 82.279/SP, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, j. 08.02.1996.

26 BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 59.077/SP, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, j. 17.05.1995.

27 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

XII – cabe à lei complementar:

(...)

b) dispor sobre substituição tributária;”

28 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit., p. 347.

29 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit., p. 583.

30 “Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

(...)

XIII – ICMS devido:

(...)

g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:

2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor;”

31 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”

32 “Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”

33 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit., p. 385.

34 “Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”

35 “Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

(...)

XIII – ICMS devido:

(...)

g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:

1. com encerramento da tributação, observado o disposto no inciso IV do § 4º do art. 18 desta Lei Complementar;”

36 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;”

37 MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos fundamentais do ICMS. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1999. p. 42.

38 “Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;”

39 BRASIL. STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.851, Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, j. 08.05.2002.

40 “XII – da entrada no território do Estado de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização;”

41 ÁVILA, Humberto. Antecipação de receita de ICMS. Alteração reiterada e momentânea do prazo de recolhimento e do período de apuração já iniciado por meio de Decreto Estadual. Análise da constitucionalidade e da legalidade. Revista Dialética de Direito Tributário n. 94, 2003, p. 154.

42 Ibid., p. 154.

43 No mesmo sentido, BARROS, Maurício. Op. cit., p. 76.