Pressupostos de Criação de Novas Contribuições Sociais e a Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta

Felipe Jim Omori

Advogado em São Paulo/SP.

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de analisar os principais aspectos da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB), que substituiu a incidência da Contribuição Previdenciária sobre folha de salários em determinadas situações. Partindo de uma análise da repartição de competências impositivas feita pela Constituição de 1988, buscamos verificar a legitimidade de tal nova exação. Embora ela tenha sido criada com o intuito declaradamente nobre de desonerar a folha de salários e estimular o desenvolvimento e a recuperação de alguns setores de nossa economia, não pode escapar aos requisitos estabelecidos pelo texto constitucional para a criação de novos tributos. Neste sentido, o presente estudo está direcionado a identificar qual a verdadeira natureza jurídica da CPRB e se ela representa nova fonte de custeio da seguridade social. Na mesma esteira, pretende-se verificar se todos os requisitos para a instituição destas novas fontes de custeio foram observados pelo legislador ordinário.

Palavras-chave: contribuição social, fontes de custeio, seguridade social, contribuição previdenciária sobre receita bruta, competência tributária.

Abstract

The following article seeks to analyze the main aspects of the Social Contribution on Gross Revenue, which was created to substitute the Social Security Contribution on payroll in specific situations. Such analysis is based on the competence to crate taxes established by the Constitution of 1988, and is intended to verify the legitimacy of this new tax. Although such tax has been created with the noble intention of reducing the current tax burden on the payroll in order to foster the development and recover of certain sectors of our economy, it cannot escape from the requirements of our Constitution for the creation of new taxes. The present study, in this sense, aims to identify the real nature of the new Social Contribution on Gross Revenue and verify if it represents a new source of funding the social security, while analyzing if the legislator followed all the requirements for the creation of new sources of funding.

Keywords: social contribution, source of funding, social security, social contribution on gross revenue, tax competence.

I. Introdução

Em um contexto de crise econômica mundial e um cenário econômico interno frágil e complicado, verificamos medidas adotadas pelo Governo Federal, visando estimular a economia pela desoneração tributária pontual de alguns setores, em contrapartida à necessidade de se adotar outras medidas para garantir a manutenção ou resultar no aumento da arrecadação tributária, de forma a suportar e possibilitar tais benesses.

É nesse cenário que foi lançado pelo Governo Federal o Plano Brasil Maior, no âmbito do qual se incluem as disposições da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto de 2011, convertida na Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011.

Referida Medida instituiu a chamada Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB), que passaria a incidir sobre a receita bruta de empresas nos setores de tecnologia da informação, indústria moveleira, confecções e artefatos de couro, em substituição à Contribuição Previdenciária incidente sobre a folha de salários (incisos I e III do artigo 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991). O rol dos setores abrangidos por esta substituição foi ampliado por legislação posterior1.

O intuito inicial desta Contribuição Substitutiva seria o de evitar subcontratação de empresas constituídas com o único fim de evitar a tributação sobre a folha de salários, e também favorecer a recuperação econômica dos setores contemplados, incentivando-se a implantação de novas empresas e modernização das já existentes, com a redução dos custos de produção2.

Embora tenha sido criada com um intuito declaradamente nobre, a chamada CPRB representa exação tributária que, assim como todos os demais tributos, deve observar os parâmetros estabelecidos por nossa Constituição Federal de 1988, sob pena de ferir, por via indireta, direitos e garantias dos contribuintes.

Por este motivo, pretende-se neste estudo, sem a pretensão de esgotar o tema, analisar os principais aspectos desta chamada Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (também chamada Contribuição Previdenciária Substitutiva), à luz dos ditames constitucionais acerca da criação e alteração de tributos.

II. Seguridade Social e suas Fontes de Custeio

II.1. Competência impositiva e destino do produto da arrecadação

Nos termos do artigo 194 da Constituição Federal, a Seguridade Social “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Para manter, financiar e expandir as ações relativas à seguridade social, a mesma Constituição previu as suas fontes de custeio no artigo 195, quais sejam, (i) dotações orçamentárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e (ii) as contribuições sociais.

Além destas fontes, a Constituição também previu nos artigos 212, parágrafo 5º, 239 e 240 outras fontes adicionais, destinadas a fins sociais específicos (educação, programa do seguro-desemprego e o abono salarial, Sistema “S” e Sistema Sindical).

A competência impositiva para instituir e cobrar tais contribuições foi atribuída pelo artigo 1493 privativamente à União, ao lado da competência para instituir contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas.

É importante ter em mente, também, que, sendo a contribuição espécie tributária da categoria das não vinculadas, destinadas e não restituíveis4, a competência impositiva da União apenas poderá ser exercida, neste tocante, se houver a devida observância da destinação do produto da arrecadação de tais contribuições.

O tema foi esmiuçado com maestria por Paulo Ayres Barreto5, que, neste sentido, ensina:

“O exercício da competência impositiva para a instituição de contribuição é, por determinação constitucional, subordinado à afetação do tributo às despesas que lhe deram origem.”

O mesmo autor em sua obra conclui que a desvinculação do produto de sua arrecadação ao destino exigido pela Constituição torna inconstitucional a contribuição, pois “ao desvincular-se produto da arrecadação de contribuição, suprime-se a garantia individual do contribuinte de só se sujeitar ao pagamento de contribuição se, e somente se, o destino do montante exigido for integralmente utilizado nos fins que justificaram a criação do tributo”6.

Se a União cria a contribuição para atender a determinada necessidade, tem ela o dever de observar tal destinação, desde a sua instituição até a efetiva aplicação do produto, já que, do contrário, não terá ela instituído uma contribuição.

Também nesse tocante, Marco Aurélio Greco7 ensina:

“Esta singela constatação acarreta uma consequência seríssima, qual seja a de que alterada a finalidade da exigência altera-se a própria exigência e, por isso, ou ela deixa de ter fundamento constitucional, ou só poderá subsistir como nova contribuição se a nova finalidade for admitida constitucionalmente e, mesmo assim, com as restrições que eventualmente sejam aplicáveis a esta nova figura por força da Constituição.”

Assim, comprovada a alteração da destinação do produto da arrecadação, haverá consequências jurídicas, dentre as quais a eventual inconstitucionalidade da Contribuição.

A competência impositiva relativa às contribuições, assim, não é irrestrita, devendo a União se atentar para os pressupostos de instituição, e, por assim dizer, pressupostos de manutenção da constitucionalidade (pela observância da destinação efetiva do produto de sua arrecadação) de tais tributos.

II.2. Atuais fontes de custeio da seguridade social geral

Seguindo-se à análise das contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social8, as chamadas contribuições de seguridade social, verifica-se que o artigo 195 da Constituição Federal, em conjunto com o artigo 149 do mesmo Texto, atribuiu competência à União para instituir tais exações sobre os seguintes signos econômicos:

a) pagamento de folha de salários e demais rendimentos do trabalho, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro; e,

d) importação de bens ou serviços.

O mesmo artigo também atribuiu competência para instituição de contribuição devida pelos trabalhadores e segurados da previdência social (excluindo-se aposentadorias e pensões), bem como sobre a receita de concursos de prognósticos.

No tocante às contribuições devidas por pessoas jurídicas, portanto, até a instituição da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta ora analisada, a seguridade social de forma geral era financiada por contribuições sociais incidentes sobre as situações descritas nas letras “a” a “d” mencionadas acima.

Estas contribuições são as comumente conhecidas como Contribuição Previdenciária (Lei nº 8.212/1991), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins (Lei Complementar nº 70/1991 e Lei nº 10.833/2003), Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior - Cofins-importação (Lei nº 10.865/2004) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSLL (Lei nº 7.689/1988)9.

Vê-se, portanto, que no que se refere às contribuições de seguridade social devida pelas empresas, todas as hipóteses de sua instituição previstas pela Constituição Federal foram efetivamente exercidas pela União.

III. Novas Fontes de Custeio da Seguridade Social

III.1. Pressupostos de criação das novas fontes de custeio

Durante muito tempo houve discussão acerca da necessidade de lei complementar para a instituição das contribuições sociais. Em inúmeras ações judiciais os contribuintes defendiam a inconstitucionalidade de determinadas contribuições, em razão de sua instituição ter se dado por meio de lei ordinária.

O tema parece já ter sido pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, como se percebe do julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.010-210, de relatoria do Ministro Celso Mello, no qual, com fundamento na jurisprudência daquela Corte e ensinamentos da doutrina, decidiu-se:

“Isso significa, portanto - na linha da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 143/684 - RTJ 148/932, v.g.) - que a exigência de lei complementar só terá lugar nos casos em que o Poder Público ‘instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social...’ (CF, art. 195, § 4º), hipótese esta em que se imporá, então, a observância do que prescreve, no plano estritamente formal, o art. 154, I, da Constituição.”

Assim, para se instituírem contribuições sociais já previstas pela Constituição Federal prescinde-se de lei complementar, cuja exigência seria aplicável apenas aos impostos e “como estes não se confundem com as contribuições, não há, em relação a elas, cogitar-se do alcance do disposto na parte final da alínea ‘a’ do artigo 146 da Constituição Federal”11.

À mesma conclusão, contudo, não se chega quando se trata da instituição de novas contribuições, não previstas pela Constituição Federal, isto é, quando exercida a competência residual prevista no artigo 149, bem como no parágrafo 4º do artigo 195 da Constituição, os quais atribuem à União, a competência para instituir novas fontes destinadas à manutenção ou à expansão da seguridade social.

O parágrafo 4º do artigo 195 também remete ao inciso I do artigo 154 do Texto Maior, segundo o qual a União poderá instituir “mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior [referindo-se ao artigo 153, que define os impostos de competência da União], desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.

Da análise sistemática dos artigos 154 e 195, assim, verifica-se que a criação de uma nova contribuição social destinada ao custeio da seguridade social deve observar os seguintes pressupostos formais e materiais:

I - Pressupostos materiais:

a. Haver necessidade de nova fonte de custeio para manutenção ou expansão da seguridade social: é certo que a seguridade social constitui um imenso conjunto de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social e que, para tanto, uma grande fonte de recursos é necessária. No entanto, uma nova fonte de custeio, a nosso ver, apenas poderia ser criada se restar comprovado que as fontes já existentes não são suficientes para manter ou financiar a expansão de tais ações sociais. Como visto acima, a relação entre motivação da criação da contribuição e a observância da destinação de seu produto é fundamento de validade de tal tributo, motivo pelo qual as novas contribuições também devem observar tal critério, especialmente considerando que o constituinte atribuiu tal competência à União com uma expressa condição de que elas sejam criadas para o fim específico de custear a seguridade social.

b. Não possuir fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos já discriminados na Constituição: a rígida e detalhada discriminação de competências tributárias feita pela Constituição tem como um dos objetivos garantir a autonomia dos entes federados e também a de limitar positiva e negativamente os limites da competência de cada um deles12.

Nesse sentido, é esperado que a competência residual da União não pudesse desconsiderar toda esta repartição de competência, possibilitando que ela tributasse fatos econômicos atribuídos a outros entes.

Este tema será tratado mais especificamente nos itens seguintes, dada a sua importância.

c. Ser não cumulativo: nas palavras do professor Paulo de Barros Carvalho13 a não cumulatividade “se verte, mediatamente, à realização de certos valores, como o da justiça da tributação, o do respeito à capacidade contributiva do administrado, o da uniformidade na distribuição da carga tributária, etc.” e complementa: “apresenta-se como técnica que opera sobre o conjunto das operações econômicas entre os vários setores da vida social, para que o impacto da percussão tributária não provoque certas distorções já conhecidas pela experiência histórica, como a tributação em cascatas, com efeitos danosos na apuração dos preços e crescimento estimulado na aceleração inflacionária”. Tais palavras sintetizam com primazia a importância, conhecida e aceita por todos, de tal princípio. Neste sentido, pode-se depreender que a Constituição, ao determinar que uma nova contribuição deva ser não cumulativa (assim como um novo imposto residual), pretendeu que fossem observados todos os valores mencionados pelo jurista acima, isto é, garantir a observância da capacidade contributiva dos contribuintes e evitar uma tributação injustamente onerosa.

II - Pressupostos formais:

a. Ser instituído por lei complementar: o artigo 154, I, da Constituição reserva à União a competência de instituir novos impostos residuais, por meio de lei complementar. A referência feita pelo legislador constitucional a este dispositivo no texto do parágrafo 4º, do artigo 195, assim, determina que tal requisito seja também observado no caso de criação de nova contribuição destinada à seguridade social. O Supremo Tribunal Federal, aliás, em algumas oportunidades, já declarou a inconstitucionalidade de contribuições sociais residuais, criadas pela União por lei ordinária e não por lei complementar14.

b. Observar a anterioridade mitigada (ou nonagesimal, ou, ainda, noventena): o parágrafo 6º do artigo 195 menciona que “as contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado”. Sendo a nova contribuição “residual” decorrente da previsão do mesmo artigo, ainda que de um de seus parágrafos, entendemos cabível a ela a mesma exigência. Além disso, a anterioridade nonagesimal decorreria, de toda forma, da previsão geral da alínea “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição.

É importante notar que a obrigatoriedade da observância a tais critérios não é pacífica.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 228.321-0/RS15, o Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade da contribuição social a cargo das empresas e pessoas jurídicas incidente sobre a remuneração paga a segurados autônomos, avulsos e empresários, prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 84/1996. Na oportunidade deste julgamento o Plenário do Tribunal declarou tal contribuição constitucional, tendo entendido que a referência feita pelo inciso I do artigo 154 (fato gerador e base de cálculo próprios dos impostos previstos pela Constituição), em se tratando de contribuição, deveria ser lida, mutatis mutandis, como vedação à não instituição de uma nova contribuição cujo fato gerador e base de cálculo já tivessem sido previstas pela Constituição para outras contribuições.

Isto é, entendeu o Pretório Excelso naquela oportunidade que as novas contribuições sociais não poderiam ter o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo das contribuições previstas pelo artigo 195. O julgamento, tomado por considerações políticas e econômicas, resultou na declaração da constitucionalidade de tal exação.

Na oportunidade, o Ministro Moreira Alves ainda entendeu que a referência ao inciso I do artigo 154 pretendia apenas exigir a lei complementar para a instituição de nova contribuição, de modo que não seriam aplicáveis as demais limitações previstas na parte final deste dispositivo.

Este entendimento, contudo, é passível de críticas. Em que pese o relevo de tais entendimentos, fato é que a interpretação da Constituição, ainda que sistemática, não pode alterar a literalidade lá expressa. A interpretação tem o objetivo de extrair o sentido do texto da norma, mas não tem o poder de reescrevê-la16.

Desta forma, entender que as restrições previstas no inciso I do artigo 154 da Constituição seriam aplicáveis apenas em parte, ou precisariam ser lidas com adaptações, como se a contribuições se referisse, seria alterar a própria redação do texto normativo.

Com efeito, ler a referência feita pelo parágrafo 4º do artigo 195 no sentido de que ela pretenderia impedir a criação de novas contribuições com fato gerador e base de cálculo próprios das demais contribuições já previstas pelo próprio artigo 195, equivaleria a contrariar toda a lógica da repartição de competências feita pela Constituição.

Isto porque, fosse assim, a União, ao criar novas contribuições, poderia, então, invadir a competência reservada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, no tocante aos impostos. O intuito do legislador constitucional nesse sentido foi, justamente, impedir tal invasão, ressaltando, vez mais, que a União não poderia tributar fatos econômicos reservados a outros entes federados, ainda que por meio de contribuições.

Além disso, o próprio sentido do referido parágrafo 4º, ao mencionar que a “lei poderá instituir outras fontes”, já pressupõe que tais novas contribuições não terão as mesmas bases de cálculo ou fato gerador daqueles mencionados nos incisos de seu caput, do contrário não seriam elas “outras” fontes.

Assim, o presente trabalho adota a premissa lógica de que as novas contribuições criadas com base no parágrafo 4º do artigo 195 da Constituição devem observar o inciso I do artigo 154 em sua integralidade, não podendo ter base de cálculo dos impostos já previstos pela Constituição.

A adoção de tal premissa, contudo, também não autoriza que as novas contribuições criadas com base no mencionado parágrafo 4º possam incidir sobre os mesmos fatos econômicos das contribuições especificamente previstas no artigo 195, haja vista a impossibilidade de se incorrer em bis in idem, o que é vedado pela Constituição, como se verá adiante.

III.2. Fato gerador e base de cálculo próprios de impostos

É relativamente bem aceito que a própria Constituição Federal de 1988 elegeu como critério de identificação e individualização dos impostos o seu fato gerador e sua base de cálculo17. Este binômio é, assim, o critério a ser observado para diferenciar um imposto de outro e, de certa forma, uma espécie tributária de outra (embora neste caso a análise se mostre limitada).

Para se poder operar tal critério identificador é preciso estabelecer, primeiramente, qual o sentido da expressão “fato gerador e base de cálculo próprios”.

A redação do inciso I do artigo 154 da Constituição estabelece que a União poderá instituir “mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.

Tal dispositivo evidencia que o legislador constitucional pretendeu, na discriminação de competências, atribuir a cada um dos impostos mencionados por ele, um determinado fato gerador e uma base de cálculo que lhes seriam próprios.

Por outra interpretação, eventualmente se poderia alegar que tal dispositivo, na verdade, pretendeu expressar que determinado conjunto de materialidades, em razão de sua natureza, estaria sujeito exclusivamente à incidência de impostos, enquanto que outro conjunto estaria sujeito apenas à incidência de contribuições e assim por diante.

No entanto, da leitura das hipóteses de incidência trazidas pela Constituição Federal para os impostos, não é possível verificar qualquer tipo de lógica de pertinência entre elas (auferir renda é hipótese sem relação com industrializar produtos, ou ser proprietário de imóvel, ou importar bens). São hipóteses das mais diversas, eleitas historicamente pelo constituinte como signos presuntivos de riqueza que pudessem gerar tributação, com talvez uma única semelhança: todas elas não possuem vinculação com uma atividade estatal específica.

Ocorre que, não possuir vinculação com atividade estatal também não é um critério suficiente de diferenciação dos impostos dos demais tributos, haja vista que as contribuições sociais, por exemplo, também possuem hipóteses de incidência sem vinculação.

Com efeito, da leitura do artigo 195, II, da Constituição, verifica-se que as hipóteses de incidência elencadas pelo constituinte variam desde “pagar folha de salário”, até “importar bens e serviços do exterior”, hipóteses estas totalmente desvinculadas da atuação estatal.

O mesmo ocorre com outras contribuições, como a sindical e a de interesse das categorias profissionais ou econômicas, nas quais os pressupostos de incidência “ser vinculado a um sindicato” ou “pertencer a uma determinada categoria profissional” também não possuem vinculação com atividade estatal.

Também as contribuições de intervenção no domínio econômico hoje possuem hipóteses de incidência possíveis delimitadas pelo parágrafo 2º do artigo 149 da Constituição, podendo incidir sobre a importação de bens ou serviços, faturamento, receita bruta ou uma unidade de medida adotada. Tais signos também não possuem relação com uma atividade estatal, mas sim com atos praticados pelos contribuintes.

De uma análise de tais hipóteses de incidência apenas seria possível diferenciar os fatos geradores atribuídos aos impostos daqueles que seriam passíveis de tributação pelas taxas, haja vista que estas sim são vinculadas a uma atividade estatal18. O mesmo poderia ser dito das contribuições de melhoria, caso se entenda que a realização da obra pública é fator determinante de sua incidência19.

O que se pretende evidenciar é que, por uma consequência lógica da análise das hipóteses de incidência dos tributos, não se pode entender que a expressão “fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos” esteja se referindo a um grupo de fatos geradores e bases de cálculo que apenas sejam tributáveis por impostos em razão de sua natureza ou determinada peculiaridade.

Por outro lado, é possível afirmar que tal expressão se refere aos fatos geradores e bases de cálculos que já foram eleitos pela Constituição, nos impostos expressamente tratados por ela em seus artigos 153, 155 e 156 e, portanto, ser-lhes-iam próprios, na linha da primeira interpretação mencionada acima.

E isto porque a Constituição definiu, ao menos in abstracto, a regra-matriz de incidência de cada tributo, ou delimitou consideravelmente as possibilidades de sua instituição pelo legislador infraconstitucional, assim entendido como sendo o “conteúdo semântico mínimo” de cada tributo20.

A base de cálculo também será própria de cada imposto, haja vista que ela deve guardar estreita relação com seu fato gerador, medindo suas proporções econômicas. Embora haja elementos a serem especificados pela legislação complementar ou ordinária, eles nunca poderão alterar o sentido da regra-matriz implícita já presente na Constituição21.

Estes fatos gerados e base de cálculo já eleitos pela Constituição, como sendo próprios para os impostos por ela elencados, assim, não podem ser submetidos à incidência de impostos e contribuições sociais residuais.

IV. Bis in Idem na Repartição de Competências Constitucionais

A Constituição Federal atribuiu de forma expressa as competências tributárias a cada ente da Federação.

Ao assim fazer, não apenas delimitou qual o campo de atuação tributária de cada ente, mas também impôs limite negativo aos demais entes. Isto é, se por um lado trouxe a faculdade de um ente tributar determinado signo econômico, por outro, tal medida resultou na exclusão deste mesmo fato do campo de competência de outro ente.

Especificamente no caso das contribuições para a seguridade social, vimos acima que elas possuem suas próprias hipóteses de incidências, previstas no artigo 195, sendo que as contribuições novas residuais podem ser criadas, desde que atendidos os requisitos do inciso I do artigo 154 da Constituição, isto é, mediante lei complementar e sem utilizar fato gerador e base de cálculo que já pertençam aos impostos discriminados no mesmo Texto, devendo ainda ser não cumulativa e respeitar a anterioridade nonagesimal.

Com esta exigência, o Constituinte acertadamente pretendeu evitar que a União interferisse na competência tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a pretexto de tributar determinado fato por meio de contribuição.

Como já tratado anteriormente, entendemos que a restrição aplicada pelo mencionado inciso I do artigo 154 deve ser lida como sendo remissão aos impostos. Isto é, a União não pode tributar fatos geradores e base de cálculos de impostos já previstos pela própria Constituição, ainda que sejam de sua competência. Hugo de Brito Machado22, na mesma esteira deste entendimento, conclui em seu artigo que “a extensão diz respeito a todas as exigências, e não apenas à exigência de forma, vale dizer, de lei complementar”.

A restrição, assim, impede (ou deveria impedir) a bitributação, isto é, a tributação de um mesmo fato gerador por entes federados distintos23.

Quanto ao bis in idem, contudo, é preciso fazer outro esforço teórico.

Vittorio Cassone24 acerca deste instituto ensina que o bis in idem representa “uma segunda incidência tributária sobre a mesma base de cálculo e fato gerador, pela mesma pessoa política competente”.

O bis in idem, em atenção ao princípio da capacidade contributiva, não pode ser admitido em nosso sistema.

Com efeito, permitir mais de uma tributação sobre um mesmo signo econômico significa tributar mais do que ele evidencia em termos de capacidade contributiva. Ainda que a carga tributária não possa ser entendida como confiscatória, ela acaba por distorcer o sentido de toda a repartição das competências feita pela Constituição.

Poderia, assim, determinado ente criar diversas exações sobre um mesmo fato econômico, com alíquotas individuais baixas, mas que, somadas, mostrar-se-iam totalmente confiscatórias. Decerto que tal ente alegaria não haver afronta à não confiscatoriedade, haja vista que as exações, individualmente não se mostram desproporcionais à capacidade contributiva.

Não por outro motivo, o entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal é o de que o bis in idem (e mesmo a bitributação, a depender do caso), apenas é admitido no caso de a própria Constituição Federal assim o prever. Na esteira deste raciocínio foi declarada constitucional a Cofins, em julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 01/DF, que incide sobre um mesmo signo econômico que a Contribuição ao PIS, qual seja, o faturamento.

No mesmo sentido, entendeu o Supremo no julgamento do RE nº 363.852/MG, em que se discutiu a inconstitucionalidade da Contribuição Social sobre a Comercialização de Produtos Rurais, devida pela pessoa física. Do acórdão deste caso, é importante destacar trecho do voto do Ministro Marco Aurélio (relator), em que se ressalta que “somente a Constituição Federal é que, considerando o mesmo fenômeno jurídico, pode abrir exceção à unicidade de incidência de contribuição”.

No mesmo sentido, o Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto, fazendo referência a texto de Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo25, esclareceu que se teriam duas contribuições com o mesmo fato gerador e a mesma finalidade de custear a seguridade social, em um bis in idem que a Constituição não autoriza.

Estes citados autores26, em artigo que foi adotado como fundamentação pelo Supremo Tribunal Federal na ocasião deste julgamento, ainda ressaltam:

“O faturamento, por seu turno, é gravado pelas contribuições Cofins e PIS, mas isso, também, se deve a expressa disposição constitucional.

Isso nos leva à conclusão de que sempre que o legislador constituinte desejou utilizar as bases imponíveis do artigo 195, I, para outras contribuições, fez ressalvas expressas no texto da Constituição.”

Desta forma, a múltipla tributação sobre uma mesma grandeza econômica é admitida apenas quando assim previsto pela própria Constituição. Por este entendimento é que hoje os contribuintes suportam, por exemplo, o Imposto sobre a Renda cumulado com a Contribuição Social sobre Lucro Líquido, o Imposto sobre Produtos Industrializados cumulado com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, a chamada PIS/Cofins-importação com o IPI-importação e a própria Cofins cumulada com a Contribuição ao PIS.

Analisando-se especificamente a CPRB, verificamos que o seu fato gerador e base de cálculo, como entende a própria Receita Federal, é a receita bruta, no conceito aplicável à Contribuição ao PIS e à Cofins, havendo notório bis in idem.

Além disso, é possível ainda entender que tal contribuição incorre em bis in idem com o IPI, ICMS e ISS, haja vista que, como visto acima, a receita bruta é a receita da venda de bens e serviços, a qual, em visão oposta, é a mesma base de cálculo dos mencionados impostos. Trataremos mais adiante desta possibilidade de interpretação, que, embora teoricamente possível, não nos parece a mais acertada.

V. Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta - CPRB

V.1. Contexto de sua criação

Como mencionamos em nosso introito, a chamada Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta foi criada no contexto do Plano Brasil Maior, conjunto de medidas adotadas pelo Governo Federal, com o objetivo de estimular a economia nacional.

Conforme definição dada por seus próprios instituidores, “o Plano Brasil Maior é a política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo Dilma Rousseff. Surge num contexto conturbado da economia mundial. De um lado os países desenvolvidos mergulhados numa crise sem precedentes desde a Grande Depressão de 1929, podendo levar o mundo para uma crise sistêmica. De outro o vigor econômico dos países emergentes, liderados pelo crescimento chinês, tem garantido o crescimento mundial e evitado o ‘débâcle’. O desafio do Plano Brasil Maior é, portanto, colossal: 1) sustentar o crescimento econômico inclusivo num contexto econômico adverso; 2) sair da crise internacional em melhor posição do que entrou, o que resultaria numa mudança estrutural da inserção do país na economia mundial. Para tanto, o Plano tem como foco a inovação e o adensamento produtivo do parque industrial brasileiro, objetivando ganhos sustentados da produtividade do trabalho”27.

O motivo nobre da instituição desta nova Contribuição, assim, foi o de estimular e possibilitar o reestabelecimento econômico de alguns setores da economia, diante da crise mundial.

Este objetivo, contudo, nem sempre é atendido, haja vista que, a depender da situação fática de cada um, tal Contribuição poderá onerar ainda mais o contribuinte.

Independentemente disso, não pode ela escapar de um rígido controle de constitucionalidade, sob pena de, ao assim não se fazer, abrir oportunidade de outros instrumentos onerarem ainda mais os contribuintes brasileiros, sob a bandeira de um benefício econômico indireto.

Esta exação, assim, hoje é regida pelas Leis nº 12.546/2011 e nº 12.715/2012, as quais incluem no seu campo de incidências as pessoas jurídicas que:

i) Prestam serviço de Tecnologia da Informação e de tecnologia da informação e comunicação - TIC;

ii) Prestam serviços de hotelaria;

iii) Prestam serviços de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional;

iv) Empresas do setor de construção civil e obras de infraestrutura;

v) Empresas do setor ferroviário e metroviário; e

vi) Empresas fabricantes dos produtos listados no Anexo I da Lei nº 12.546/2011 (posteriormente ampliado pela Lei nº 12.715/2012).

Da leitura de tais diplomas legais, verifica-se que a base de cálculo foi definida como sendo a receita bruta da empresa. Este conceito há muito é conturbado em nosso Direito, havendo incontáveis discussões judiciais sobre o tema.

A própria Lei nº 12.546/2011 sofreu veto em seu artigo 9º, inciso VI, ao pretender conceituar receita bruta para fins da CPRB, sob o fundamento de que “ao instituir conceito próprio, cria-se insegurança sobre sua efetiva extensão, notadamente quando cotejado com a legislação aplicável a outros tributos federais”28.

Por este motivo, a própria Receita Federal do Brasil, por meio do Parecer Normativo Cosit nº 3, de 21 de novembro de 2012, adotou o entendimento de que o conceito de receita bruta a ser adotado deve ser exatamente o mesmo utilizado pela Contribuição ao PIS e Cofins cumulativos, concluindo que:

a) a receita bruta que constitui a base de cálculo da contribuição a que se referem os arts. 7º a 9º da Lei nº 12.546, de 2011, compreende: a receita decorrente da venda de bens nas operações de conta própria; a receita decorrente da prestação de serviços em geral; e o resultado auferido nas operações de conta alheia; e

b) podem ser excluídos da receita bruta a que se refere o item “a” os valores relativos: à receita bruta de exportações; às vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos; ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), quando incluído na receita bruta; e ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.

Verifica-se, portanto, verdadeira identidade da base de cálculo da CPRB e da Contribuição ao PIS e Cofins cumulativos. As implicações desta constatação serão analisadas à frente.

Também da leitura destes diplomas é possível constatar que a CPRB constitui uma contribuição social para a seguridade social.

Isto porque não apenas ela foi criada a pretexto de ser uma contribuição substitutiva da já existente Contribuição Previdenciária (instituída pela Lei nº 8.212/1991, com fulcro no inciso I do artigo 195), incidente sobre a folha de salário, destinada ao financiamento da seguridade social (previdência social, mais especificamente), como também pelo fato de a própria Lei fazer constantes remissões à legislação da Contribuição Previdenciária.

A própria Receita Federal entende ser o fundamento de validade de tal nova contribuição o artigo 195 da Constituição29 e o produto da arrecadação da CPRB é efetivamente destinado ao financiamento da seguridade social, mais especificamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social30.

Esta exação, assim, pode ser classificada como sendo um tributo não vinculado (pois o fato gerador auferir receita bruta não está vinculado a uma atividade estatal); destinado (pois seu produto é destinado à seguridade social); e não restituível (por ausência de previsão legal e constitucional nesse sentido), caracterizando-se como contribuição.

V.2. Previsão de sua criação

Como verificado acima, a existência de previsão constitucional de determinada contribuição é fator importante para a verificação dos critérios formais de sua instituição pela União.

A inexistência de sua previsão, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal mencionada anteriormente, demandaria o uso de lei complementar, conforme disposição do artigo 195, parágrafo 4º, de nossa Constituição.

Assim, passo importante na análise da CPRB é verificar se ela pode ser entendida como uma fonte de custeio da seguridade social previamente mencionada pelo texto constitucional, ou se ela representa uma nova fonte de custeio da seguridade social.

Da leitura das alíneas do inciso I do mencionado artigo 195, é de fato possível verificar a previsão de uma contribuição para seguridade social que tenha como materialidade auferir receita e faturamento (alínea b do inciso I).

No entanto, a contribuição social referente a esta materialidade, como se sabe, é a chamada Cofins. E, como também analisado no tópico anterior, o fato de já haver um tributo instituído que incida sobre uma determinada materialidade impede que esta mesma materialidade seja tributada por outro tributo, sem que a Constituição assim expressamente autorize.

Vejamos, assim, se tal autorização pode ser depreendida do texto constitucional.

A Receita Federal do Brasil entende que o fundamento de instituição da CPRB estaria presente nos parágrafos 12 e 13 do artigo 195 da Constituição31. Estes dispositivos possuem o seguinte texto:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.

§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.”

Como se lê do parágrafo 12, contudo, não há previsão de nova fonte de custeio da seguridade social. Pelo contrário, há previsão de que a lei definirá quais setores econômicos estariam sujeitos à não cumulatividade das contribuições sociais sobre faturamento ou receita e sobre importação de bens ou serviços do exterior.

Este parágrafo, assim, não traz materialidade de nenhuma contribuição social, não podendo justificar a instituição da CPRB.

Sustenta-se que este parágrafo autorizaria a criação de contribuições sobre receita ou faturamento que sejam não cumulativas, assim como autorizaria a criação de uma contribuição sobre importação desta natureza. A leitura que nos parece ser mais apropriada, no entanto, é a de que o legislador constitucional autorizou que a lei, em determinados casos, instituísse a não cumulatividade entre a contribuição sobre importação e a contribuição sobre receita ou faturamento32, já que ele não poderia estar se referindo a uma não cumulatividade a ser aplicada na importação, já que tal operação, por natureza, ocorre em apenas uma etapa, não havendo fases anteriores ou subsequentes com as quais “não se cumular” o tributo.

Isto é, a lei deveria prever em quais situações ou setores econômicos a contribuição paga na importação de bens ou serviços poderia ser descontada ou creditada, da contribuição sobre receita ou faturamento devida na operação subsequente com o bem ou serviço importado. Este entendimento foi brilhantemente exposto por Ricardo Mariz de Oliveira33:

“(...) mas não é isto o que ocorre com o parágrafo 12 [referindo-se à suposta prescrição da não cumulatividade da Contribuição ao PIS e da Cofins], pois o que ele prescreve é que as novas contribuições sobre importação de bens e serviços podem ou não ser cumulativas com as contribuições sobre receitas, nos setores de atividades econômicas para os quais a lei estipular este ou aquele regime.”

Mas ainda que assim não o fosse, não se poderia cogitar que tal parágrafo tivesse fundamentado a criação da CPRB, haja vista não ser ela, de toda forma, não cumulativa, como se verá adiante, de forma que se a União pretendeu atender aos ditames deste parágrafo 12, não o fez com sucesso.

O parágrafo 13, por sua vez, abre margem à discussão, mencionando que as disposições do parágrafo 12 seriam aplicáveis inclusive “na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento”.

Este parágrafo, assim como o parágrafo 12, mencionado acima, foi inserido em nossa Constituição pela Emenda Constitucional nº 42/2003, que “altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências”. Na justificação da proposta de emenda elaborada pelo Ministério da Fazenda verifica-se já existir o desejo de se desonerar a folha de pagamentos “e mudar a lógica de financiamento da seguridade social para estimular a formalização das relações de trabalho, incentivando os setores que empregam mais trabalhadores e contribuindo, até mesmo para torná-los mais competitivos”34.

O intuito de desonerar a folha de salários e estimular a recuperação e o desenvolvimento de setores econômicos, como se nota, não é novo e já era o intuito do legislador constituinte derivado com a reforma empreendida em 2003.

Em meio às discussões acerca da aprovação da Emenda Constitucional nº 42, é verdade que, no relatório do Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados35, elaborado pelo relator do projeto, chegou-se a mencionar que o intuito do então novo parágrafo 13 do artigo 195 seria o de possibilitar a instituição de nova contribuição, com o objetivo de substituir a contribuição sobre folha de salários, e teria a sua não cumulatividade descrita por esta mesma lei instituidora, nos termos do parágrafo 12.

Este intuito, contudo, não ficou claro da própria justificação do projeto que mencionamos acima e, a rigor, não foi efetivado, haja vista que, do contrário, teria sido incluído novo inciso no caput do artigo 195, ou mesmo nova alínea em seu inciso I, como foi feito, por exemplo, com a contribuição sobre a importação de bens e serviços (incluído no inciso IV do artigo 195), e como se pretendia fazer com a inclusão de “contribuição sobre movimentações ou transmissões de valores e créditos e direitos de natureza financeira” (similar à CPMF), o que foi rejeitado posteriormente nas discussões na Câmara.

Assim, se nova contribuição foi efetivamente incluída no rol do artigo 195, esta é apenas a incidente sobre a importação de bens e serviços, de forma que a previsão constante do parágrafo 13, apenas pode ser lida como uma referência à contribuição sobre receita ou faturamento já prevista no inciso I, alínea b.

Ocorre que, como visto acima, a contribuição fundada em tal permissivo já existe e é a chamada Cofins.

Embora uma interpretação exegética - que tome em consideração o intuito do legislador - seja importante meio de análise sistemática da legislação, ela não pode se contrapor ao texto posto, de forma que, não tendo sido expressamente autorizada a instituição de nova contribuição substitutiva (como o faz expressamente a Constituição em todas as outras atribuições de competência), não se pode aceitar que ela implicitamente teria autorizado a criação de uma nova exação.

A leitura que parece ser a que melhor compatibiliza este dispositivo com o restante do artigo, é a de que a receita da arrecadação da Cofins (que hoje compõe o orçamento da seguridade social, não necessariamente sendo destinada à previdência social) deveria ser direcionada à previdência social, originalmente financiada pela contribuição sobre a folha de salários e, neste caso, a lei também poderia determinar a sua não cumulatividade com a contribuição sobre a importação de bens e serviços (nos termos do parágrafo 12).

Não haveria inconstitucionalidade, assim, em uma eventual majoração da alíquota da Cofins para fazer frente a esta nova destinação, caso comprovado que sua arrecadação nos moldes atuais seria inferior à arrecadação que era obtida com a contribuição sobre folha de salários.

Ainda que se entenda que o parágrafo 13 contenha referência a uma outra fonte de custeio incidente sobre receita ou faturamento, tal medida não se reveste de técnica legislativa adequada, uma vez que não foi criada verdadeira nova previsão de incidência (que deveria ser incluída nos incisos do caput).

Em sendo assim, não havendo previsão de materialidade de contribuição no rol do caput do artigo 195, apenas é possível entender a CPRB como sendo uma nova fonte de custeio da seguridade social, que, para ser criada, deve observar os parágrafos 4º e 6º do mesmo artigo e os requisitos do artigo 154, I, também do texto constitucional.

Isso nos leva à conclusão de que a União, ao instituir nova contribuição incidente sobre uma materialidade já onerada por uma contribuição já existente, a Cofins, acabou por exercer sua competência residual, para a qual o instrumento da lei complementar é imprescindível. No entanto, a criação da CPRB se deu por meio de medida provisória, convertida em lei ordinária.

VI. Da Constitucionalidade da CPRB

Partindo-se do quadro conceitual exposto acima, passamos a analisar a constitucionalidade da CPRB.

Como verificado nos tópicos anteriores, a CPRB constituiu nova fonte de custeio da seguridade social, não prevista expressamente pelo artigo 195, de forma que a sua criação deve observar os requisitos previstos nos parágrafos 4º e 6º do mesmo artigo, quais sejam: (i) a justificação de sua necessidade; (ii) os requisitos do inciso I do artigo 154 da Constituição, isto é, (ii.a) observância de criação mediante lei complementar; (ii.b) vedação à utilização de fato gerador e base de cálculo que já pertença aos impostos discriminados no mesmo Texto; (ii.c) não cumulatividade; e (iii) o respeito à anterioridade nonagesimal.

VI.1. Verificação dos pressupostos de criação

- Necessidade da criação

Embora já tenhamos mencionado que a CPRB efetivamente seja uma contribuição social para seguridade social, vimos acima que a justificativa de sua criação não foi a necessidade de novas fontes de custeio da seguridade.

Pelo contrário, a sua criação teve intuito assumidamente extrafiscal, visando estimular e apoiar alguns setores da economia com redução da carga tributária para a maior parte dos contribuintes alcançados por esta nova contribuição.

Não obstante, tendo sido ela instituída em substituição à uma fonte já existente (a Contribuição Previdenciária sobre folha de salários), entendemos que, tendo ela a mesma finalidade social, este pressuposto estará atendido.

Isto porque se a seguridade social já incorporou a contribuição substituída como fonte de custeio, o seu afastamento necessariamente representará perda de arrecadação, que será em parte compensada pela CPRB36.

Assim, a menos que a CPRB venha a possuir arrecadação superior à da Contribuição Previdenciária substituída, o que não nos parece ser o caso, pois, se isso ocorresse, não teria havido verdadeira desoneração dos setores eleitos, entendemos não haver inconstitucionalidade de tal contribuição neste ponto.

O fato de a CPRB representar perda de arrecadação, a princípio, não resultaria em imediata inconstitucionalidade, por força do parágrafo 13 do artigo 195, mencionado acima, e também porque esta perda deveria ser compensada pelo Tesouro (por meio de dotações orçamentárias, nos termos do artigo 195, caput, e conforme o artigo 9º, IV, da Lei nº 12.546/2011), não implicando prejuízo à seguridade social37.

- Criação por lei complementar

Como visto acima, se a CPRB possuísse previsão expressa no rol de contribuições sociais para a seguridade social previstas pelo artigo 195, da Constituição, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não haveria necessidade de sua instituição por lei complementar.

No entanto, como também analisado anteriormente, a CPRB não possui previsão expressa naquele artigo, consubstanciando verdadeira contribuição residual e que, nos termos do inciso I do artigo 154 da Constituição Federal, deveria ser criada por lei complementar. Não foi o que ocorreu.

Tanto a Lei nº 12.546/2011 quanto a Lei nº 12.715/2012 são leis ordinárias, fruto da conversão das Medidas Provisórias nos 540/2011 e 563/2012, respectivamente.

Com efeito, a reserva de lei complementar não é mero requisito formal passível de convalidação pelo legislador ordinário. Ela representa verdadeira garantia dos contribuintes e requisito a ser observado para fins da integridade dos ditames constitucionais. Humberto Ávila38 a respeito do tema bem esclarece a importância de tal diploma normativo:

“O estabelecimento de uma regra de reserva para a edição de leis complementares sobre determinadas matérias e para a realização de determinadas finalidades leva, por conseguinte, à garantia da segurança jurídica como segurança do Direito e pelo Direito, não apenas para garantir uma relação de confiabilidade recíproca entre o cidadão e os entes federados, mas também dos entes federados entre si.”

É importante notar que mesmo com as ressalvas feitas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 228.321-0/RS analisado acima, em que se discutia o alcance dos requisitos do inciso I do artigo 154 aqui mencionado, nunca se afastou a necessidade de lei complementar para a criação de nova contribuição (cuja materialidade não estivesse já prevista no artigo 195). Aliás, a conclusão daquele julgamento se deu pela constitucionalidade da exação, justamente por ter sido atendido o requisito de criação por lei complementar.

Naquele caso estava se analisando a constitucionalidade também de uma nova fonte de custeio da seguridade social, instituída pela Lei Complementar nº 84/1996, com base no parágrafo 4º do artigo 195 da Constituição. No caso da CPRB, igualmente, estamos falando de uma nova fonte de custeio, já que, como verificado nos tópicos anteriores, não há previsão expressa desta contribuição no artigo 195, sendo que o signo de riqueza “receita” já possui contribuição própria (a Cofins), sendo vedado bis in idem sobre esta mesma materialidade.

Nesse sentido a lei complementar se mostra indispensável para a instituição desta nova exação, nos termos do parágrafo 4º do mesmo artigo, combinado com os requisitos do inciso I do artigo 154. Não tendo sido observado tal exigência, a CPRB se mostra inconstitucional.

- Fato gerador e base de cálculo próprios de impostos

Pela análise da regra-matriz de incidência da CPRB, verifica-se que o fato gerador da CPRB é “auferir receita bruta”, sendo a sua base de cálculo, como entende a própria Receita Federal, a mesma grandeza de receita bruta aplicável à Contribuição ao PIS e à Cofins.

Em princípio, não há impostos elencados pela Constituição, ou base de cálculo a eles atribuídos que sejam equivalentes a estes signos.

Seguindo o quanto exposto acima, se a restrição de similaridade de fato gerador e base de cálculo diz respeito a impostos e não às próprias contribuições já previstas no artigo 195, não haveria, neste sentido, vício de inconstitucionalidade da CPRB.

Isto é, adotando-se a premissa de que a vedação da parte final do inciso I do artigo 154 da Constituição impede que uma nova contribuição social tenha fato gerador e base de cálculo próprios dos impostos já mencionados pela Constituição (e não das contribuições elencadas no artigo 195, como entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 228.321-0/RS), a CPRB não teria incorrido em vedação deste artigo.

No entanto, esta não é a única vedação constitucional no que se refere à materialidade de novas exações, já que, como visto acima, a Constituição também veda que haja bis in idem na tributação de uma determinada materialidade já eleita por ela para algum tributo.

No caso da CPRB, é possível verificar a existência de bis in idem uma vez que tal contribuição passa a incidir sobre a mesma base de cálculo da Cofins (e da Contribuição ao PIS), o que não poderia ser admitido em nosso sistema, uma vez que implica em dupla oneração de um mesmo signo econômico, tornando a CPRB inconstitucional.

Além disso, a base de cálculo da CPRB poderia ser entendida como idêntica a do IPI, do ICMS e do ISS, haja vista que a receita bruta é a receita da venda de bens e serviços, a qual, em visão oposta, é a base de cálculo dos mencionados impostos.

Este tipo de entendimento chegou a ser considerado como fundamento de decidir pelo próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do já mencionado RE nº 228.321-0/RS, em que se discutiu a constitucionalidade da contribuição previdenciária sobre pagamentos feitos a trabalhadores autônomos, avulsos ou empresários, prevista pela Lei Complementar nº 84/1996.

Em seu voto, o Ministro Sepúlveda Pertence (cujo entendimento não prevaleceu por outras questões), mencionou, embora não tenha sido profundamente discutido, que os pagamentos feitos a estas pessoas físicas, representariam base de cálculo do imposto de renda retido na fonte e do imposto sobre serviços.

Embora seja de respeitável autoria, tal opinião ignora que, apesar de se tratar de uma mesma realidade econômica, o signo escolhido como base de cálculo recebe diferente classificação jurídica, tornando-se uma “realidade jurídica” distinta.

Por este motivo é que há conceitos já incorporados em nossa legislação que diferem a renda, da receita, do lucro, do preço do serviço ou mercadoria, que, ao final, representam um mesmo signo econômico, mas diferentes juridicamente.

Ademais, é possível verificar que este entendimento já se mostra superado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que entendeu, por exemplo, no julgamento sob repercussão geral do Recurso Extraordinário nº 564.413/SC, que o lucro não se confunde com a receita, para fins de aplicação da regra de imunidade prevista pelo artigo 149, I, parágrafo 2º, da Constituição.

Desta forma, tendo de se respeitar os conceitos técnicos trazidos pela Constituição, a receita bruta não pode ser confundida com o preço do serviço ou mercadoria, sendo que, embora o englobe, identifica um signo jurídico distinto deste.

Assim, embora a CPRB não tenha violado a parte final do inciso I do artigo 154 da Constituição, já que a sua base de cálculo e fato gerador não são os mesmos dos impostos previstos em tal Texto, ela incorre em bis in idem com a Cofins, o que evidencia a sua inconstitucionalidade.

- Não cumulatividade

Também pela análise da legislação instituidora e reguladora da CPRB, verificamos que ela se mostra cumulativa.

Por força das exigências do inciso I do artigo 154 da Constituição como já visto acima, seria a CPRB também inconstitucional neste sentido.

- Início da vigência - anterioridade nonagesimal

Tanto a Medida Provisória nº 540/2011, quanto a nº 563/2012, determinaram que a entrada em vigor dos artigos que tratavam da CPRB se daria no 1º dia do quarto mês subsequente ao de sua publicação.

Desta forma, neste tocante, entendemos não haver inconstitucionalidade da CPRB, com exceção, é claro, do fato de a CPRB ter sido instituída por medida provisória que tratou de matéria reservada à lei complementar, em ofensa ao artigo 62, parágrafo 1º, III, da Constituição.

VI.2. Inconstitucionalidade da CPRB por outra perspectiva

Entender que a CPRB representaria uma nova fonte de custeio da seguridade social pode eventualmente não ser a única possibilidade da análise sobre sua constitucionalidade.

Com efeito, seria possível defender que ela, na verdade, representaria variação da Contribuição Previdenciária sobre folha de salários, não constituindo nova exação, com base no parágrafo 9º do artigo 195 da Constituição39.

Este raciocínio, contudo, não resistiria ao fato de que isto implicaria uma autorização para que o legislador pudesse alterar a materialidade das contribuições previstas na Constituição, sendo que é possível construir uma regra-matriz de incidência própria para a CPRB, diferente daquela existente para a Contribuição Previdenciária.

A possibilidade de o legislador estabelecer alíquotas ou base de cálculo diferenciadas possui forte delimitação pelas demais regras de distribuição de competência.

Assim, uma base de cálculo diferenciada deve continuar a guardar relação com a materialidade já prevista originalmente.

Neste sentido, se a CPRB fosse mera variação da Contribuição Previdenciária, do inciso I, a, do artigo 195, ela teria que tomar em consideração, necessariamente, a folha de salários e os pagamentos feitos por pessoa jurídica a pessoa física.

Esta linha de abordagem é explicitada por Paulo Ayres Barreto40, que entendeu que, justamente em razão da ausência de referência da CPRB com a folha de salários, seria ela inconstitucional, caso não fosse opcional e se resultasse ela em maior gravosidade.

Ousando acrescentar outras considerações a este entendimento, é possível verificar, ainda, que a inconstitucionalidade se dará independentemente do resultado do ônus, ou de ser o regime obrigatório ou não. A CPRB, se mera variação da Contribuição Previdenciária fosse, não poderia nunca ter alterado a sua materialidade, para incidir sobre fato gerador totalmente diverso.

Eleger base de cálculo ou alíquota diferenciada pressupõe a eleição destes critérios dentro do espectro de possibilidades autorizadas pela Constituição.

Não fosse assim, teria sido inútil a eleição das hipóteses de incidência feitas pelos incisos I a IV do caput do artigo 195.

É importante mencionar, também, que a única hipótese em que a substituição total da Contribuição Previdenciária é autorizada é a prevista pelo parágrafo 8º do artigo 19541, o que não se verifica no caso de nosso estudo e, ainda assim, naquele caso a própria Constituição indica qual seria a base de cálculo que serviria como substituta.

A rígida atribuição de competência tributária feita pelo constituinte não pode ser simplesmente alterada pelo legislador ordinário.

VII. Conclusão

A CPRB foi instituída com intuito positivo, qual seja, o de desonerar a folha de salários e estimular o desenvolvimento e a recuperação de determinados setores de nossa economia.

Em princípio, não estaríamos diante de técnicas meramente arrecadatórias adotadas pelo Governo, com o único intuito de incrementar a arrecadação tributária, como tem sido praxe na história recente de tributação nacional.

Não obstante, não se pode deixar de sabatinar tal exação para verificar a sua constitucionalidade, sob pena de, ao não fazê-lo, indiretamente legitimar futuras instituições inconstitucionais nos mesmos moldes, que podem se mostrar prejudiciais aos contribuintes, como a própria CPBR pode ser em determinadas situações fáticas42.

Analisando-se a exação por uma visão sistemática e teleológica de nosso sistema tributário e atentando-se sempre à rígida distribuição de competência tributárias instituída pelo legislador constitucional, como visto acima, não seria possível defender a constitucionalidade desta nova Contribuição.

Em um primeiro passo, verifica-se que tal exação, possuindo uma regra-matriz de incidência própria, constitui verdadeira espécie autônoma de contribuição.

Além disso, verifica-se que, do texto do artigo 195 da Constituição não há previsão de sua materialidade previamente elencada, de forma que ela constitui nova fonte de custeio da Seguridade Social.

Ainda que o parágrafo 13 do mesmo artigo faça alusão a uma contribuição sobre receita ou faturamento, como visto acima, o que se verifica é que ele verdadeiramente não fundamenta a sua instituição (mas apenas garante a sua não cumulatividade com a contribuição social incidente sobre a importação de bens e serviços), que deve observar os requisitos já estabelecidos pela Constituição para que seja criada.

Desta forma, as exigências do parágrafo 4º do tão citado artigo 195 devem ser observadas em conjunto com os requisitos do inciso I do artigo 154 do Texto Constitucional.

Da análise específica de cada um destes requisitos feita acima, verifica-se que a CPRB se mostra inconstitucional por não ter sido instituída por lei complementar e por ser cumulativa.

Ademais, elegendo a CPRB o mesmo fato gerador e base de cálculo já pertencente à Cofins, incorre ela em bis in idem, o que também a torna inconstitucional, por onerar duplamente um mesmo fato econômico (receita bruta), sem a necessária previsão constitucional.

Não bastasse isso, a CPRB também foi instituída por medida provisória, o que, por força do artigo 62, parágrafo 1º, III, da Constituição, eiva de inconstitucionalidade tal contribuição, haja vista que sua instituição seria matéria reservada à lei complementar, sendo vedado que medida provisória verse sobre tais temas.

Tentar justificar a sua legitimidade pela autorização prevista no parágrafo 9º do artigo 195 também não se mostra suficiente, haja vista que a eleição de uma base de cálculo totalmente desvinculada da folha de salários representa, na verdade, uma descaracterização do tributo e equivale a uma nova exação, qualquer que seja o nome a ela atribuído.

Para que se mostrasse legítima, esta nova contribuição deveria tomar em conta a mesma base de cálculo da contribuição substituída, isto é, a folha de salários, autorizando, por exemplo, reduções ou descontos deste montante, ou mesmo alíquotas menores.

Conclui-se, portanto, que não há vedação em nossa Constituição para a criação de uma nova contribuição destinada à seguridade social, que substitua a Contribuição Previdenciária sobre folha de salários. No entanto, a sua criação não pode escapar às exigências estabelecidas pelo legislador constitucional para a instituição de novas fontes de custeio da seguridade social e criação de novos tributos de forma geral.

Desta forma, esta nova contribuição não poderia possuir a mesma materialidade hoje já adotada para as contribuições especificamente previstas pelo artigo 195 da Constituição, sob pena de incorrer no bis in idem vedado pelo nosso ordenamento. No mesmo sentido, esta nova contribuição deverá observar os requisitos dos parágrafos 4º e 6º do mesmo artigo.

Não tendo sido tais requisitos observados, a contribuição criada será inconstitucional, assim como parece ser a CPRB.

1 Brasil. Medida Provisória nº 563, de 3 de abril de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 4 de abril de 2012. Seção 1, p. 2. Convertida na Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012 e Medida Provisória nº 612, de 2 de abril de 2013 (não convertida em lei). Recentemente, foi editada a Medida Provisória nº 651, de 9 de julho de 2014, que tornou definitiva a Contribuição Substitutiva, que antes estava prevista para vigorar até dezembro de 2014.

2 Brasil. MF/MDIC/MP/MCT. Exposição de Motivos Interministerial nº 122, 2 de agosto de 2011. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Exm/EMI-123-MF-MDIC-MP-MCT-Mpv541.htm.

3 “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (...)”

4 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006.

5 Idem, pp. 53/60, p. 171.

6 Idem, p. 176.

7 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 150.

8 É importante mencionar que esta classificação não é unânime na doutrina e nem na jurisprudência, havendo casos, por exemplo, em que as contribuições são divididas em contribuições de seguridade social (artigo 195, I, II e II, da Constituição), outras de seguridade social (artigo 195, parágrafo 4º, da Constituição) e sociais gerais (Contribuição ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, salário educação etc.), cf. BARRETO, Paulo Ayres (Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. Ob. cit., p. 102), ou simplesmente em contribuições de seguridade social (voltadas à saúde, à assistência e à previdência social) e sociais gerais (outros âmbitos de atuação social, como educação, esporte etc.). No presente trabalho, por seguridade social geral está-se referindo ao âmbito de ações custeadas pelas fontes previstas no artigo 195 da Constituição, isto é, o que se chamaria de contribuições de seguridade social.

9 Como será mais bem tratado adiante, a chamada Contribuição ao Programa de Integração Social e ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/Pasep e a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços - PIS-importação, embora comumente associados à Cofins, não configuram contribuições de seguridade social, haja vista que o produto de sua arrecadação é destinado ao programa do seguro-desemprego, conforme determinação do artigo 239 da Constituição.

10 Assim como em outras ocasiões, a exemplo da ADC nº 01-1/DF.

11 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. Ob. cit., p. 139.

12 Cf. ATALIBA, Geraldo. Direito Constitucional Tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 2011, pp. 326/327; CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 637; e CARRAZ­ZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 47.

13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 3ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Noeses, 2009, pp. 318/319.

14 Como, por exemplo, no julgamento dos Recursos Extraordinários nos 166.772/RS e 177.296/RS, nos quais foi declarada a inconstitucionalidade da contribuição social criada pela Lei nº 7.787, de 30 de junho de 1989.

15 Idêntico tema foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1432/DF, a qual, contudo, foi julgada prejudicada em razão da revogação da Lei Complementar nº 84/1996, não tendo havido discussão de seu mérito.

16 MACHADO, Hugo de Brito. “Competência residual e contribuições de seguridade social”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Contribuições previdenciárias - questões atuais. São Paulo: Dialética, 1996, pp. 93/103.

17 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 178/179 e SCHOUERI, Luís Eduardo. “Discriminação de competências e competência residual”. Direito Tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 91.

18 Seria ainda possível diferenciá-los dos empréstimos compulsórios que tenham como hipótese de incidência um fato vinculado a uma atividade estatal. Esta possibilidade, contudo, dependeria da legislação complementar que elegesse tal hipótese de incidência.

19 O que apenas se expõe para fins de argumentação, haja vista que o presente trabalho compartilha do entendimento do professor Paulo de Barros Carvalhos (Curso de Direito Tributário. Ob. cit., pp. 41/42) sobre o tema, para quem apenas a realização da obra pública não seria suficiente para autorizar sua incidência, sendo necessário haver a comprovada valorização imobiliária.

20 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, pp. 35/55.

21 Registre-se, contudo, entendimento contrário a este, defendido por alguns doutrinadores no sentido de que a Constituição possuiria apenas tipos tributários, que devem ser conceituados pela legislação complementar (cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. “Discriminação de competências e competência residual”. Ob. cit., passim).

22 “Competência residual e contribuição de seguridade social”. Ob. cit., p. 102.

23 CASSONE, Vittorio. Interpretação no Direito Tributário, teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2004, pp. 117/122.

24 Idem.

25 MACHADO, Hugo de Brito; e MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. “Inconstitucionalidade da contribuição previdenciária dos produtos rurais, instituída pela Lei nº 8.870/94”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 72. São Paulo: Dialética, 2001, pp. 94/105.

26 Ibidem, p. 97.

28 Mensagem de veto nº 411, de 17 de setembro de 2012, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Msg/VEP-411.htm.

29 Parecer Normativo Cosit nº 3, de 21 de novembro de 2012.

30 Conforme Lei Orçamentária Anual de 2014 (Lei nº 12.952, de 20 de janeiro de 2014) e Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2015, disponíveis em http://www.planejamento.gov.br/ministerio.asp?index=8&ler=s1146.

31 Parecer Normativo Cosit nº 3, de 21 de novembro de 2012.

32 Seria mais apropriado que tivesse mencionado uma possibilidade de desconto ou dedução, haja vista que a contribuição incidente na importação e a contribuição incidente sobre receita ou faturamento são tributos distintos (embora ambas as contribuições sociais para a seguridade social) e, por isso, não podem ser não cumulativas entre si.

33 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. PIS - Cofins: questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 33/34.

34 Mensagem nº 157/2003. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaPec&pagina=principal.

35 Mensagem nº 157/2003 da Proposta de Emenda à Constituição nº 41-A, de 2003, disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaPec&pagina=principal.

36 Também foi criada a alíquota adicional de 1% da Cofins-importação, devida na importação dos mesmos produtos para os quais a CPRB é aplicável a fim de equilibrar a arrecadação e compensar a perda gerada pela introdução da CPRB.

37 Embora a oneração de outros setores da sociedade, em razão do benefício de outros setores poderia implicar na inconstitucionalidade da CPRB por ofensa ao princípio da isonomia e por não representar um critério adequado para o rateio dos custos da seguridade social.

38 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, entre permanência, mudança e realização do Direito Tributário. 2ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 244.

39 “§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.”

40 BARRETO, Paulo Ayres. “Contribuições previdenciárias: incidência sobre a receita”. In: PARISI, Fernanda Drummond; TÔRRES, Heleno Taveira; e MELO, José Eduardo Soares de (coords.). Estudos de Direito Tributário em homenagem ao professor Roque Antonio Carrazza. São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 216/232.

41 “§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.”

42 BARRETO, Paulo Ayres. “Contribuições previdenciárias: incidência sobre a receita”. Ob. cit., pp. 230/231.