Subcapitalização no Direito Tributário Brasileiro: repensando os seus Desafios no Direito Interno e Internacional

Roberto Codorniz Leite Pereira

Doutorando em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP. Mestre em Direito pela Direito GV. Advogado em São Paulo.

Resumo

O presente artigo tem como objetivo propor uma reflexão acerca das críticas que foram feitas até o presente momento sobre o regime jurídico-tributário aplicável à subcapitalização empresarial.

Do ponto de vista do Direito interno, a nosso sentir, a adoção de coeficientes fixos não é necessariamente uma opção criticável do legislador já que confere praticidade à Administração Tributária além de previsibilidade e segurança jurídica aos contribuintes. O ponto fraco do regime jurídico é, a nosso ver, a possibilidade de a utilização conjunta com a norma geral de dedutibilidade de despesas (artigo 47 da Lei nº 4.506/1964) vir a frustrar a aplicação das normas de subcapitalização previstas pela Lei nº 12.249/2009, tal como já foi admitido pela jurisprudência administrativa.

Do ponto de vista do Direito internacional, o regime brasileiro é muito criticado por ser incompatível com os artigos 9º e 24 da Convenção Modelo da OCDE justamente em razão dos coeficientes fixos de endividamento. Buscamos esclarecer que esta incompatibilidade não é necessária quando se pensa em medidas alternativas destinadas à sua compatibilização.

Palavras-chave: subcapitalização, Direito interno, OCDE, convenção modelo.

Abstract

This article proposes a reflection about the questions that have been raised about Brazilian thin capitalisation rules until this moment.

From the point of view of domestic law, we understand that the fixed ratio approach adopted is not necessarily a problem since it grants both practicability to Tax Administration and predictability to taxpayers. Its weak point is, however, its potential sabotage that can occur by its joint application with general rules related to expenses deductibility as the administrative jurisprudence has already shown to be possible.

From international tax law perspective, Brazilian thin capitalization rules are criticized not to comply with article 9 (associated enterprises clause) and article 24 (non-discrimination clause) of the OECD Model Tax Convention on Income and on Capital. We understand that if one consider alternative measures Brazilian thin capitalization rules are not necessarily incompatible with articles 9 and 24 from OECD Model Tax Convention.

Keywords: thin capitalisation, domestic law, OECD model tax convention.

1. Introdução

Diversas são as formas pelas quais as sociedades empresárias podem obter os recursos necessários para o desempenho das suas atividades econômicas inerentes à consecução do seu objeto social. São exemplos das referidas formas de financiamento: a obtenção de empréstimos, a emissão de ações, o aporte de capital social à empresa pelos seus sócios, a emissão de títulos da dívida privada (debêntures), entre outros. Todas essas formas que compõem a escolha empresarial quanto à sua estrutura de financiamento podem ser divididas basicamente em duas categorias distintas: (i) financiamento através de capital oneroso de terceiros; e (ii) financiamento mediante capital próprio.

A escolha quanto à estrutura de financiamento empresarial não está, por sua vez, imune a influências que vão além do domínio econômico-empresarial. As decisões quanto às formas de financiamento podem ser influenciadas por razões de ordem tributária e societária. Assim, de ambas as esferas do direito, haverá um incentivo à opção pelo capital oneroso de terceiros como estratégia de financiamento empresarial, por razões que lhes são próprias, em detrimento da escolha pelo capital próprio o que poderá levar a empresa à condição de subcapitalizada, momento em que o seu capital social e patrimônio se tornam irrisórios frente à sua dívida.

O presente artigo tem como objetivo tratar das repercussões geradas pelo fenômeno da subcapitalização tanto na esfera do Direito interno quanto do Direito Tributário Internacional.

No âmbito do Direito interno, após delimitarmos o regime jurídico-tributário aplicável à subcapitalização, pretendemos pontuar as suas possíveis fragilidades, mormente em vista da possibilidade da aplicação do artigo 299 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/1999 - Decreto nº 3.000/1999)1 vir a frustrar a previsibilidade e a segurança jurídica decorrentes da adoção de limites objetivos de endividamento para fins de dedução de despesas com juros do Lucro Real presentes nos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2009. Este é um ponto sensível do regime jurídico ora considerado que não vem recebendo a atenção que merece por parte da literatura especializada.

Na esfera do Direito Tributário Internacional, o que se pretende é, em verdade, colocar à prova algumas das críticas que vem sendo feitas ao regime jurídico-tributário brasileiro no tocante à sua adequação aos artigos 9º e 24 da Convenção Modelo da OCDE para evitar a dupla tributação, a qual serviu de inspiração para a celebração das convenções brasileiras. Colocaremos à prova a tese corrente de que a única forma de aproximação das regras brasileiras ao princípio arm’s length seria a relativização das ratio de endividamenos adotadas pela legislação brasileira.

Ademais, cumpre chamar atenção para alguns dos principais desafios futuros que deverão ser enfrentados na esfera internacional, quais sejam: (i) os instrumentos financeiros híbridos; e (ii) as medidas previstas no Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting da OCDE para adoção pelos países no combate à subcapitalização empresarial e relativas aos instrumentos híbridos.

Antes de passar a tratar de tais temas, é importante que sejam estabelecidas algumas premissas fundamentais, como será exposto a seguir.

2. A Relevância do Tema para o Direito Tributário

A noção de subcapitalização empresarial - ou thin capitalisation como convencionou chamar a literatura estrangeira - está ligada à noção de que o valor do capital social da empresa é irrisório ou manifestadamente insuficiente haja vista o seu porte e a atividade econômica desempenhada. Esta é a noção em sentido mais amplo do significado que se pode atribuir ao conceito de subcapitalização empresarial. Há, no entanto, duas acepções que podem lhe ser atribuídas.

Na primeira delas - denominada de subcapitalização formal - a sociedade dispõe dos meios necessários à consecução do seu objeto social, porém, a escolha da estrutura de financiamento da empresa resulta no escasso investimento em capital próprio e por privilegiar-se a escolha pelo capital oneroso de terceiros2. A OCDE denomina este fenômeno de hidden equity capitalisation3.

Na segunda acepção - denominada de subcapitalização material - a sociedade não dispõe de meio algum para financiar a sua atividade, nem mesmo sob a forma de endividamento, e, por isso, o seu capital social se torna irrisório em vista do seu objeto social4.

A acepção do conceito mais adequada para a análise dos problemas ensejados pelo direito societário é a material justamente porque a sua preocupação central refere-se à possibilidade de insolvência da empresa5. O direito societário está preocupado, portanto, com a possibilidade de o capital social irrisório da sociedade poder afetar os interesses legítimos dos seus credores, independentemente do fato de a subcapitalização resultar de uma estrutura de investimentos que privilegia o endividamento ou não.

Por outro lado, a mais adequada acepção do conceito para a análise das suas repercussões no plano do Direito Tributário é a formal, justamente porque a sua preocupação não diz respeito à possibilidade de insolvência da empresa, mas sim aos interesses arrecadatórios das autoridades fazendárias6.

Em ambas as acepções do conceito de subcapitalização tratadas acima haverá, em alguma medida, desproporção entre capital próprio e capital oneroso de terceiros. Contudo, haverá repercussões tributárias apenas quando a desproporção aludida decorrer de empréstimos contratados sob condições específicas, ao passo em que, para o direito societário, haverá repercussões em qualquer situação em que se haja subcapitalização, ou seja, independentemente de qualquer condição específica.

De fato, o tema da subcapitalização só se torna relevante para fins tributários quando inserido no que Bernard Castagnède convencionou denominar de estrutura fiscal internacional segundo a qual o grupo societário passa a estar sujeito a três referenciais normativos distintos: (i) a legislação fiscal do país de residência da sociedade investidora; (ii) a legislação fiscal do país onde se localiza os fatores de produção internacionalizados (país da fonte produtora de rendimentos); e (iii) a relação, formalizada ou não por meio de convenções internacionais, entre os países envolvidos7.

Outros elementos, além da inserção da operação na esfera internacional, são igualmente necessários para que o fenômeno enseje reações pelo direito. Assim, conforme aponta Alberto Xavier8, são três os requisitos necessários para que o tema da subcapitalização possua relevância na esfera tributária a ponto de ser objeto de um regime jurídico-tributário próprio: (i) estraneidade (necessária residência do credor no exterior, conforme mencionamos linhas acima); (ii) qualificação do credor (em geral, exige-se que o credor seja uma parte relacionada); e (iii) caracterização do excesso de endividamento.

3. Afinal, por que a Subcapitalização enseja Prejuízos à Arrecadação Nacional?

Os sistemas tributários nacionais são moldados de modo que haja um natural tratamento mais favorável às despesas incorridas com juros passivos pagos em decorrência da contratação de empréstimos do que dos lucros ou dividendos distribuídos. Ao inserirmos a realização de um empréstimo na esfera internacional, torna-se relativamente fácil compreender por que muitos grupos empresariais optam pelo financiamento mediante capital oneroso e não pelo capital próprio.

Vejamos, abaixo, em dois cenários hipotéticos de financiamento distintos (um deles de contratação de empréstimo e o outro de aporte direto de capital), envolvendo transações entre pessoas vinculadas que são residentes em dois Estados diferentes, o tratamento tributário normalmente conferido pela legislação interna de cada um dos referidos Estados, na ausência de convenções fiscais:

- Cenário 1 - Empréstimo

- Estado de residência da fonte pagadora (mutuária)

i. Dedução dos pagamentos de juros passivos: em regra, o Estado de residência da fonte pagadora poderá deduzir o montante dos juros passivos pagos na apuração do seu resultado fiscal uma vez que os mesmos são despesas operacionais9.

ii. Sujeição dos juros remetidos à incidência de IRRF: os juros passivos, quando disponibilizados (pagamento, crédito, emprego etc.) à mutuante residente no exterior, estarão sujeito à incidência do IRRF10.

- Estado de residência do mutuante

i. Tributação atenuada: a depender das disposições da legislação interna do Estado de residência do mutuante, pode haver um regime tributário que torne a carga tributária incidente sobre as receitas de juros inferior à carga incidente sobre dividendos decorrentes de participações societárias no exterior.

- Cenário 2 - Aporte de capital

- Estado de residência da fonte pagadora (sociedade investida)

i. Tributação do produto do capital na apuração do resultado fiscal: o produto do capital investido - qual seja, o lucro - será regularmente tributado pelo imposto de renda do Estado de residência da fonte pagadora na apuração do resultado fiscal da pessoa jurídica investida.

ii. Sujeição dos lucros/dividendos à incidência de IRRF: além de o produto do capital estar sujeito à incidência do imposto renda quando da apuração do resultado fiscal da pessoa jurídica, ele estará, também, sujeito à incidência de IRRF quando da sua disponibilização aos sócios na ausência de qualquer método destinado a aliviar a dupla tributação decorrente desta operação11.

- Estado de residência da investidora

i. Tributação dos lucros/dividendos recebidos: na ausência de qualquer isenção concedida às receitas decorrentes de participações societárias detidas, sobretudo, no exterior (e.g., participation exemption), os lucros/dividendos recebidos serão tributados pelo imposto de renda.

É clara, neste sentido, a vantagem tributária decorrente da opção pelo capital oneroso quando comparado com o capital próprio.

A consideração das convenções celebradas para evitar a dupla tributação na equação “capital oneroso versus capital próprio”, em geral, não é suficiente para mitigar os benefícios decorrentes da opção pelo capital oneroso a ponto de tornar o recurso ao capital próprio mais atrativo. Isto porque, tendo-se em vista o segundo cenário exposto, a Convenção Modelo da OCDE, prevê, no seu artigo 10, regra de competência concorrente de tributação de dividendos e não privativa, tal como ocorre com o artigo 7º. Assim, em regra, ambos os Estados podem tributar dividendos podendo o Estado de fonte estar sujeito a limitações de alíquota de IRRF.

O prejuízo causado à arrecadação nacional está, justamente, na redução do resultado fiscal a patamares ínfimos em decorrência da dedução em excesso de despesas com juros passivos remetidos para partes vinculadas residentes no exterior. Tais despesas, mesmo quando decorrem de taxas de juros at arm’s length (ou seja, taxas de juros fixadas de forma equivalente ao que seria pactuado entre partes independentes em relações normais de mercado), tornam-se excessivas haja vista a magnitude do empréstimo contratado.

4. Métodos de Combate à Subcapitalização Empresarial

Atenta à natural modelagem dos sistemas tributários nacionais de modo a favorecer o financiamento mediante capital oneroso e sensível à relevância que o tema assume quando inserido no contexto internacional, a OCDE houve por bem fazer a recomendação, através do relatório emitido após a reunião de 26 de novembro de 1986 - que foi posteriormente adotado como Anexo R dos Comentários à sua Convenção Modelo12 -, da adoção de uma das seguintes estratégias de combate:

i. General anti-abuse approach: esta estratégia consiste em verificar os termos, a natureza da operação em causa e as circunstâncias nas quais ela foi realizada e, em vista disso, verificar se a verdadeira natureza da operação é de capital oneroso ou capital próprio. A OCDE alerta que é comum muitos países adotarem normas gerais antielisivas, normas internas relativas a abuso de direito, regras que permitam a prevalência da substância sob a forma ou, ainda, que coíbam práticas de atos anormais de gestão.

ii. Fixed ratio approach: trata-se de técnica que, visando criar um critério objetivo de determinação da condição de subcapitalização, parte de uma razão (debt-equity ratio) - calculada tomando-se como numerador o valor do mútuo contratado e como denominador o valor do patrimônio líquido da mutuária - que, uma vez ultrapassada, indica a condição de subcapitalização. Os juros correspondentes ao valor do empréstimo que superar a ratio ou são reclassificados como sendo dividendos ou, simplesmente, são considerados indedutíveis a despeito de manterem natureza de juros.

Estas são, em suma, as duas principais técnicas adotadas pela maioria dos países que possuem regras destinadas a disciplinar os efeitos tributários decorrentes da subcapitalização empresarial. A primeira das técnicas elencadas acima corresponde à noção de cláusulas gerais antielisivas (general anti-avoidance rules), que, segundo Alberto Xavier, consistem em “normas que têm por objetivo comum a tributação, por analogia, de atos ou negócios jurídicos não subsumíveis ao tipo legal tributário, mas que produzem efeitos econômicos aos dos atos ou negócios jurídicos típicos sem, no entanto, produzirem a mesma consequência tributária”13, enquanto a segunda técnica corresponde à noção de cláusula especial antielisiva (special anti-avoidance rules) que, nos termos do referido autor, correspondem à “tipificação à posteriori por lei de certos atos ou negócios jurídicos que a experiência revelou serem utilizados como forma anteriormente não previstas em lei de obter resultados equivalentes aos dos atos tributados, socorrendo-se frequentemente de presunções ou ficções”.

Não obstante não concordarmos com a visão do autor de que o Direito Tributário seria orientado por tipos fechados, o que importa, para os fins do presente artigo, é a noção de que as normas gerais antielisivas partem da análise casuística de conduta, não anteriormente prevista na norma tributária, para que se possa identificar a ocorrência ou não de abuso por parte do contribuinte ao passo em que as normas especiais antielisivas têm como ponto de partida condutas que, uma vez praticadas, serão presumidas como abusivas. Este é o caso da adoção das ratio para a aferição de endividamentos em excesso.

As normas gerais têm como vantagem o fato de se aplicarem, em princípio, a qualquer situação permitindo, neste sentido, que as condutas passíveis de verificação por parte do Fisco nunca se esgotem. A amplitude da norma permite a sua aplicação a quaisquer contextos. Em contrapartida, a principal desvantagem das normas gerais é a ausência de segurança jurídica decorrente da inexistência de qualquer parâmetro legal do que seja considerado, em princípio, abusivo e, portanto, passível de repreensão pelo ordenamento jurídico.

As normas especiais, por sua vez, fecham-se na conduta por elas definidas como abusivas de modo que quaisquer outras operações que não se enquadrem na hipótese definida pela norma como abusiva não poderão ser repreendidas pelo ordenamento jurídico. A vantagem delas é, sem dúvida, alguma a segurança jurídica para o contribuinte e a praticabilidade na sua aplicação pelo Fisco. A desvantagem é o fato de que tais normas, ao partirem de presunções legais para a definição da hipótese de abuso, não se amoldam perfeitamente ao caso concreto podendo, por vezes, presumir como abusivas situações que nitidamente não são.

É importante destacar que a OCDE não considera nenhuma das técnicas elencadas acima como sendo a priori incompatível com a sua Convenção Modelo, sobretudo, no tocante ao princípio arm’s length sobre o qual dispõe o seu artigo 9º.

Isto porque, em primeiro lugar, o princípio at arm’s length prevê um ideal a ser alcançado que, muito embora seja objetivo e determinado, dificilmente será perfeitamente concretizado.

Neste sentido, quaisquer normas utilizadas - sejam normas gerais antielisivas, sejam normas especiais - são apenas técnicas de aproximação do seu objeto de modo que nenhuma delas será perfeita na concretização do ideal do at arm’s length. Em princípio, nenhuma das opções é melhor do que a outra.

Em segundo lugar, não é verdade que seria apenas a partir da adoção do general anti-abuse approach que seria possível chegar ao ideal de equiparar a transação realizada entre partes relacionadas a uma transação realizada entre partes independentes, primado do princípio at arm’s length. Esta finalidade pode ser igualmente alcançada mediante a adoção de ratio de endividamento, sendo esta técnica até mesmo desejável ante os inquestionáveis benefícios trazidos tanto para o contribuinte quanto para o Fisco. O desafio aqui é a criação de mecanismos capazes de garantir que as ratio de endividamento possam se adequar ao padrão at arm’s length no caso concreto.

Retomaremos esta discussão, à frente, quando formos confrontar as regras brasileiras com as convenções fiscais celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação da renda.

5. Perspectiva do Tema no Direito Interno

5.1. Breves considerações sobre a evolução da disciplina da subcapitalização no Direito brasileiro

5.1.1. Primeiro momento: isenção de dividendos e dedutibilidade de JCP

Até o ano de 1995, os dividendos e lucros distribuídos pela pessoa jurídica aos seus sócios, pessoas físicas ou jurídicas, sofriam incidência de IRRF à alíquota vigente à época, do imposto de renda na pessoa do seu beneficiário, além, é claro, da tributação incidente na apuração do resultado positivo da pessoa jurídica (lucro real, presumido ou arbitrado) que deu origem aos lucros ou dividendos distribuídos, fosse o sócio residente no Brasil ou no exterior.

No entanto, no ano de 1995, o Governo Federal, em vista de todas as alterações econômicas sofridas pelo Brasil à época - em especial, a abertura da economia nacional e o sucesso do Plano Real - houve por bem editar a Lei nº 9.249/1995 que, dentre as diversas alterações realizadas no sistema tributário nacional, previu, no seu artigo 10, a regra de isenção de lucros e dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas, tanto no ato da sua distribuição (isenção de IRRF), quanto na pessoa do sócio beneficiário (pessoa física ou jurídica).

Analisando-se a Exposição de Motivos da referida lei, observa-se que o objetivo visado pelo legislador era claramente estimular a capitalização das empresas nacionais mediante a concessão desta vantagem tributária bem como eliminar a dupla tributação advinda da sistemática anterior (na qual se tributava tanto a pessoa jurídica quanto o sócio)14.

Juntamente com a previsão de isenção sobre lucros e dividendos distribuídos, o legislador pátrio previu, também, no artigo 9º, a possibilidade de deduzir juros na apuração do seu resultado fiscal (Lucro Real) pagos ou creditados aos seus sócios a título de remuneração pelo seu capital próprio (disciplina de JCP).

A dedutibilidade de juros sofre, no entanto, dois limites cumulativos, a saber: (i) limite decorrente da aplicação da taxa TJLP sobre as contas do patrimônio líquido (artigo 9º caput); e (ii) existência de lucros apurados no período, ou lucros acumulados e reservas de lucros de períodos anteriores, em valor de no mínimo duas vezes o valor dos juros a serem pagos (artigo 9º, parágrafo 1º).

Esta medida foi criada para, a par da isenção de lucros e dividendos, estimular a capitalização das empresas brasileiras conforme se depreende da Exposição de Motivos15 da Lei nº 9.249/1995. A grande vantagem do JCP é, sem dúvida alguma, a distribuição de valores cuja natureza é de dividendo com o tratamento fiscal tipicamente atribuído aos juros, em especial, a dedutibilidade na apuração do Lucro Real.

Não é o nosso objetivo adentrar a controvérsia quanto à natureza jurídica do JCP, mas, a nosso ver, a natureza de dividendo é inafastável quando se tem em mente o disposto no parágrafo 7º do artigo 9º da Lei nº 9.249/1995 que prevê a possibilidade de o valor dos JCP ser imputado no cálculo dos dividendos obrigatórios de que trata o artigo 202 da Lei nº 6.404/1976. Ora, se a própria lei permite a imputação do JCP ao cálculo dos dividendos obrigatórios é porque adotou como premissa lógica que a sua natureza é equivalente. Diversamente, caso se tratasse de meros juros passivos, tal possibilidade jamais existiria. Apesar de os JCP pagos estarem sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 15%, a possibilidade de deduzi-lo na apuração do Lucro Real e da base de cálculo da CSLL (alíquota combinada de 34%) gerou um importante incentivo à capitalização já que a economia gerada corresponde a 19%.

Observa-se, portanto, que, neste primeiro momento, o legislador pátrio visou induzir à capitalização mediante a utilização de incentivos ou ao que Norberto Bobbio denomina de sanções positivas (ou sanções premiais) que consistem em normas de incentivo por meio das quais o legislador se vale de técnicas de encorajamento para que condutas desejadas sejam concretizadas16. Assim, o caminho seguido para combater a subcapitalização não foi a sua repressão, mas, antes disso, o estimulo à capitalização, tornando-a mais vantajosa e atrativa para os sócios.

Não obstante os esforços do legislador pátrio em estimular o financiamento através do recurso ao capital próprio, fato é que tais medidas não se revelaram suficientes para torná-lo mais atrativo do que o financiamento mediante capital oneroso. Isto porque, a figura do JCP, que atribui a rendimentos cuja natureza é dividendo tratamento fiscal tipicamente atribuído a juros, deve observar limites objetivos para que possa ser deduzido do resultado fiscal da sociedade que os paga, fato que limita o alcance da sua indução positiva à capitalização. Os juros passivos pagos, por outro lado, não encontravam, à época, qualquer limite de dedutibilidade.

5.1.2. Segundo momento: a disciplina do montante máximo de endividamento com partes vinculadas residentes no exterior para fins de dedutibilidade de juros (“normas de subcapitalização”)

Conforme mencionamos acima, apesar de a possibilidade de dedução dos JCP pagos a sócios e da isenção de lucros e dividendos distribuídos conferir nítidos incentivos à capitalização empresarial, tais medidas não foram suficientes para torná-la mais atrativa do que o recurso ao capital oneroso. Esta realidade, no entanto, não gerou qualquer reação por parte do legislador pátrio até o advento da Lei nº 12.249/2009 que houve por bem inserir no ordenamento jurídico brasileiro as mundialmente conhecidas thin capitalisation rules.

5.1.2.1. O caso “Kolynos-Colgate” e o escopo do artigo 299 do RIR/1999

Antes, no entanto, de passarmos à descrição da técnica específica de combate à qual recorreu o legislador brasileiro, é importante que tenhamos plena compreensão do contexto que antecedeu a sua inserção no ordenamento jurídico. Tal cenário é, também, indicativo da principal fragilidade do regime jurídico-tributário atual aplicável à disciplina da subcapitalização, conforme será demonstrado adiante no presente estudo, razão que justifica a breve análise que será realizada.

Trata-se do caso “Kolynos-Colgate”17 apreciado perante o antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - Carf) cujo aspecto mais interessante foi, justamente, que, não obstante inexistisse à época qualquer mecanismo específico que disciplinasse os efeitos fiscais da subcapitalização, a solução que foi dada, ao final, para este caso consistiu em descaracterizar as despesas com juros passivos como despesas operacionais, nos termos do artigo 299 do RIR/1999, para que, neste sentido, fosse coibido o suposto abuso cometido. Em outras palavras, desvirtuou-se a finalidade de uma norma para lhe atribuir finalidade outra e incompatível com a sua natureza justamente para suprir lacuna existente no ordenamento jurídico nacional. Passemos à breve exposição do caso.

É importante que se tenha em mente que a forma com que se deu a operação de compra da Kolynos pela Colgate foi estruturada para minimizar o ganho de capital que a vendedora obteria após a operação. Para tanto, a operação de compra e venda ocorreu no Uruguai através da criação de “empresas-veículo”. As etapas da operação são complexas. Portanto buscaremos simplificá-las nesta breve exposição. A compradora, que possuía sociedade constituída no Brasil desde 1994, constituiu empresa no Uruguai, país onde ocorreria a operação de aquisição societária, denominada Albala S.A. Após a constituição, a subsidiária brasileira tomou um empréstimo da sua controladora em elevado valor (US$ 760.000.000,00) tendo-o repassado à Albala. O empréstimo foi utilizado para adquirir a empresa Yonkers S.A. com sede no Uruguai que detinha a integralidade da participação societária da empresa Kolynos do Brasil S.A., empresa que a Colgate efetivamente pretendia adquirir. Ato contínuo à aquisição da participação societária da Yonkers, a Albala repassou as ações da empresa à sociedade brasileira como contraprestação ao valor do empréstimo. Ao final da operação, a subsidiária brasileira da Colgate possuia em seu ativo a integralidade da participação societária da Kolynos do Brasil S.A.

Posteriormente, houve alterações de controle, denominação social da subsidiária da Colgate no Brasil, mas o fato é que ela permaneceu com a obrigação assumida com a celebração do contrato de empréstimo com a sua controladora em valor equivalente, à época, a US$ 496.000.000,00, tendo que pagar juros fixados a uma taxa de 8% ao ano fato que ensejou impactos na apuração do seu lucro tributável devido às elevadas despesas com o pagamento de juros passivos.

A fiscalização, ao analisar a operação, houve por bem glosar o montante das despesas com juros passivos pagos à sociedade controladora no exterior com fundamento em duas acusações: (i) o contrato de mútuo não havia adimplido no caso concreto, pois, não chegou a haver a tradição do objeto contratual para a sociedade residente, requisito, segundo a fiscalização, imprescindível à caracterização do tipo contratual; e (ii) ausência de preenchimento dos requisitos de necessidade, usualidade e normalidade das despesas financeiras decorrentes da contratação do empréstimo fato que, nos termos do artigo 299 do RIR/1999, tornaria as despesas indedutíveis na apuração do resultado fiscal. A opção pelo financiamento através de capital oneroso e não de capital próprio teria sido orientada, segundo a fiscalização, por razões exclusivamente tributárias.

Ao apreciar o caso em segunda instância administrativa, o antigo Conselho de Contribuintes houve por bem cancelar a autuação fiscal sob o argumento de que toda a operação foi montada para reduzir o ganho de capital auferido pela parte vendedora sendo que, no caso, a parte autuada era a compradora. A ratio decidendi adotada pelo voto condutor do acórdão proferido foi, no entanto, a impossibilidade de se manter a glosa fiscal ante a inexistência das chamadas thin capitalisation rules no Direito brasileiro que permitissem qualquer juízo quanto ao montante do empréstimo contratado bem como ao tratamento que seria dado aos respectivos juros18.

A decisão a que chegou o Conselho de Contribuintes foi, no entanto, questionada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que interpôs Recurso Especial para que a questão fosse apreciada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, órgão responsável por dar a última palavra nas hipóteses processuais de divergência de entendimento quanto a questões estritamente de direito. A Conselheira Adriana Gomes Rêgo foi nomeada relatora do caso e, ao apreciá-lo, concordou com os argumentos do Fisco. Com efeito, a Conselheira Relatora entendeu que a opção pela transferência de recursos do exterior para a aquisição societária mediante a contratação de um empréstimo teria sido orientada, preponderantemente, por razões de ordem tributária.

O aspecto mais relevante do seu voto - e eis aqui o ponto que mais nos interessa - foi que, muito embora a Conselheira tenha admitido que o ordenamento jurídico brasileiro não estava devidamente aparelhado com normas específicas destinadas a disciplinar os efeitos tributários da subcapitalização, ela aplicou a norma geral de dedutibilidade de despesas (artigo 299 do RIR/1999) ao caso concreto com a finalidade de manter a autuação fiscal19.

A partir da leitura do trecho reproduzido acima, o que podemos perceber é que o voto condutor do caso na CSRF, ao encontrar na norma geral de dedutibilidade de despesas - normas que, em verdade, cuidam da definição do que é uma despesa operacional - a solução para o caso concreto, acabou desvirtuando a sua finalidade. A norma de dedutibilidade de despesas não é - e nem jamais poderia ser - considerada uma norma geral antielisiva para operações envolvendo empréstimos em montante excessivo.

Ora, a contratação de um empréstimo destinado à aquisição de empresa do mesmo segmento econômico cujo ganho de eficiência é notório certamente dá ensejo a despesas de juros que são operacionais, isto é, necessárias, usuais e normais. O que, no entanto, não está no escopo da norma geral de dedutibilidade de despesas é a imposição de que o contribuinte deve escolher a opção de financiamento que lhe seja mais onerosa.

Esta premissa se revela especialmente verdadeira quando se tem em mente que a finalidade visada pelo artigo 47 da Lei nº 4.506/1964 (dispositivo ao qual faz referência o artigo 299 do RIR/1999) é, apenas, definir despesa operacional com o objetivo de evitar que despesas alheias às atividades econômicas desempenhadas pela empresa sejam deduzidas na apuração do Lucro Real. Com feito, a partir da leitura do referido dispositivo, José Luiz Bulhões Pedreira já definia despesa operacional como sendo as “despesas relacionadas com as atividades principais e acessórias que constituem o objeto da pessoa jurídica” nas quais se incluem “a manutenção e exploração dos elementos do ativo”20.

Ainda que a leitura do artigo 299 do RIR/1999 não fosse suficiente para a definição do seu exato alcance, a leitura do trecho acima reproduzido demonstra claramente os objetivos pretendidos com o referido dispositivo. O objetivo essencial era definir o que seria despesa operacional para fins tributários. Na lógica do referido dispositivo, uma vez preenchidos os requisitos para a qualificação do dispêndio enquanto despesa operacional, já não cabe qualquer juízo de valor relativo ao montante qualificado como tal.

Assim, podemos concluir, validamente, que definir despesa operacional a fim de que se imponham limites mínimos a serem observados para a dedução de despesas na apuração do lucro real não se confunde com a técnica antielisiva que dá um passo além da mera qualificação da despesa como operacional. Este segundo passo não pode ser inferido do texto do artigo 299 do RIR/1999. Daí se dizer que, para lidar com a situação específica discutida no Caso “Kolynos-Colgate”, havia a necessidade da previsão de uma norma (antielisiva) especial no ordenamento, norma esta que, no entanto, inexistia.

Ademais, conforme demonstramos anteriormente, a estratégia de combate à subcapitalização empresarial que foi adotada até este momento da análise da sua trajetória normativa foi mediante a previsão de sanções premiais com o objetivo de induzir a capitalização. Não é incorreto afirmar que inexistiam, até então, mecanismos no ordenamento jurídico destinados a disciplinar, mediante sanções negativas - ou seja, regras que imputam sanções propriamente ou consequências jurídicas a determinadas práticas tidas por indesejadas21 -, os efeitos fiscais da subcapitalização.

Sendo assim, revela-se um verdadeiro absurdo querer dar uma leitura ao artigo 299 do RIR/1999 que permitisse impor ao contribuinte a adoção da via que fosse menos onerosa ao Fisco sob a justificativa de que a opção de financiamento adotada teria sido orientada por razões pura ou preponderantemente fiscais.

Neste sentido, cabe a seguinte indagação: qual seria então a decisão mais adequada, do ponto de vista da correta técnica jurídica, para o caso “Kolynos-Colgate”?

Teria sido exatamente aquela proferida pelo Conselheiro Mário Junqueira Franco Júnior no voto condutor do acórdão proferido pelo Conselho de Contribuintes cujas linhas mestras foram também adotadas na declaração de voto do Conselheiro Valmir Sandri. Ora, se inexistia norma específica que coibisse a conduta praticada, ela jamais poderia ensejar qualquer obrigação tributária.

A razão pela qual adentramos com relativa profundidade neste caso emblemático consistiu justamente em evidenciar este entendimento da jurisprudência do atual Carf que a nosso ver é perigoso. Isto porque, conforme demonstraremos adiante, tal comportamento pode colocar em risco a certeza, a previsibilidade e a segurança das regras atuais de thin capitalization.

5.1.2.2. Os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010

Curiosamente, foi logo após este julgado ter sido proferido pela CSRF que foi editada a MP nº 472/2009 posteriormente convertida na Lei nº 12.249/2010 e regulamentada pela IN RFB nº 1.154/2011. A referida lei passou a prever, em seus artigos 24 e 25, ratios de endividamento acima das quais os empréstimos celebrados com parte vinculada residente no exterior seriam considerados excessivos e, portanto, os respectivos juros seriam considerados indedutíveis na apuração do resultado fiscal. Tais normas passaram a ser vulgarmente denominadas de “normas de subcapitalização” sob a nítida influência da denominação dada pelo direito comparado - thin capitalisation rules - a normas de semelhante natureza e escopo22.

Observa-se que os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010 disciplinaram os efeitos fiscais da subcapitalização nas hipóteses, já demonstradas anteriormente, em que se fazem presentes os três requisitos fundamentais para que a subcapitalização se torne relevante do ponto de vista tributário. Recordando-se dos mesmos, são eles: (i) estraneidade; (ii) a qualificação do credor; e (iii) o caráter “excessivo” do endividamento.

O primeiro critério - estraneidade - pode ser constatado ao observarmos que os limites de endividamento previstos pelos dispositivos ora analisados somente se aplicam caso sejam pagos juros por pessoa jurídica residente no Brasil a pessoa física ou jurídica residente no exterior. As normas antielisivas especiais só se aplicam, portanto, às operações internacionais de remessas de juros devidos em virtude da contratação de crédito, devendo os juros serem pagos pela pessoa residente no Brasil para que nela sejam qualificados como despesa financeira.

O segundo requisito - qualificação do credor - também está presente na disciplina tributária brasileira na medida em que os limites de endividamento se aplicam quando: (i) a pessoa não residente possui relação de vinculação com a pessoa jurídica que reside no Brasil, conforme definido pelo artigo 4º da IN RFB nº 1.154/2011 que regulamentou os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010 (artigo 24); ou (ii) quando a pessoa residente no exterior não possua relação de vinculação com a pessoa residente no Brasil, mas seja residente em país ou dependência de tributação favorecida ou se beneficie de regime fiscal privilegiado (artigo 25).

Deve-se chamar atenção para o fato de que o critério de “pessoa vinculada”, conforme definido pelo referido dispositivo infralegal, vai muito além das hipóteses em que há mera participação societária direta (controlada ou coligada) ou indireta. De fato, o conceito abrange hipóteses em que há controle societário ou administrativo comum, participação conjunta em outras sociedades, relações econômicas comuns tais como associação, consórcio e condomínio, pessoas que gozem de relação de exclusividade, como seu agente, distribuidor ou concessionário, para a compra e venda de bens, serviços ou direitos, entre diversas outras hipóteses de vinculação, incluindo, sobretudo, pessoas físicas discriminadas no referido dispositivo. É de se notar que o conceito de pessoa vinculada utilizado na disciplina tributária dos efeitos fiscais da subcapitalização é muito semelhante ao conceito adotado pela legislação de preços de transferência.

Conforme já se destacou anteriormente, os dispositivos que disciplinam os países ou dependências com tributação favorecida e os regimes fiscais privilegiados, estabelecendo os critérios para a sua qualificação como tal, são os artigos 24 e 24-A da Lei nº 9.430/1996.

O terceiro requisito - o caráter “excessivo” do endividamento - está contemplado pelos dispositivos legais na medida em que ambos estabelecem proporções máximas que o endividamento pactuado com parte residente no exterior pode atingir em relação ao patrimônio líquido da mutuária residente no Brasil.

O artigo 24, que regula os limites de dedutibilidade de juros em relação a partes vinculadas residentes no exterior, estabelece que o limite máximo de endividamento para que as suas respectivas despesas com juros passivos sejam integralmente deduzidas na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL é, no máximo, duas vezes o valor da participação da sociedade vinculada no seu patrimônio líquido (artigo 24, I). Caso se trate de empréstimo contratado com pessoa vinculada sem participação societária na sociedade devedora, o limite que se aplica é duas vezes o valor do seu patrimônio líquido (artigo 24, II). Trata-se dos dois limites individuais aplicáveis à matéria.

Além dos limites individuais, aplica-se a regra segundo a qual o endividamento arcado pela sociedade residente no Brasil com pessoas vinculadas no exterior não pode ultrapassar o valor correspondente a duas vezes o valor da somatória da participação de todas as pessoas vinculadas no seu patrimônio líquido (artigo 24, III). Trata-se do limite global que deve ser atendido cumulativamente aos limites individuais aplicáveis.

O objetivo da imposição de um limite global foi evitar o endividamento excessivo que poderia ocorrer caso, atendidos os limites individuais de endividamento permitido, a pessoa jurídica residente no Brasil se endividasse com um número elevado de pessoas vinculadas sem participação societária no seu patrimônio líquido. A imposição de um limite global pautado na somatória das participações societárias de todas as vinculadas no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil vem a evitar tal estratégia que, certamente, colocaria em risco os objetivos pretendidos pelo regime jurídico ora analisado.

Nas hipóteses de endividamento com pessoas residentes em países ou dependências de tributação favorecida ou que gozem de qualquer regime fiscal privilegiado, o limite aplicável deixa de ser 2:1 e passa a ser 0,3:1. No entanto, é o somatório de todo o endividamento que a pessoa jurídica residente no Brasil tiver com tais sociedades que não poderá passar de 30% do valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil, fato que demonstra o nítido tratamento mais gravoso atribuído pelo legislador às operações realizadas com pessoas residentes em jurisdições fiscais que praticam concorrência fiscal danosa.

Vale ressaltar que as ratio de endividamento adotadas pelo Brasil, para fins de determinação do tratamento tributário aplicável aos juros pagos, são fixas. Ou seja, se aplicam a quaisquer casos, independentemente de a pessoa jurídica nacional poder produzir prova no sentido de que há propósito negocial no seu endividamento e que a escolha pelo capital oneroso de terceiros ao invés do capital próprio não decorre, tão somente, de uma estratégia voltada pura ou preponderantemente à economia tributária.

Tal característica, conforme será demonstrado mais adiante, gera questionamentos quanto à adequação das normas brasileiras de thin capitalisation ao padrão at arm’s length previsto nas convenções celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação.

Observa-se que, neste segundo momento, o legislador brasileiro deixou de lado a estratégia de induzir a capitalização mediante sanções premiais e passou a recorrer a sanções negativas como técnica destinada a disciplinar os efeitos fiscais da subcapitalização.

Chegaremos a esta questão no momento certo. Antes disso, para que possamos apontar as fragilidades do regime jurídico-tributário brasileiro de disciplina à subcapitalização, importa, justamente, defini-lo, ou seja, identificar o conjunto de normas que lhe são aplicáveis no ordenamento jurídico interno.

5.2. O regime jurídico-tributário atual aplicável aos juros passivos pagos a partes vinculadas no exterior

No atual cenário jurídico-legislativo, os juros passivos pagos por sociedades residentes no Brasil a pessoas vinculadas residentes no exterior estão submetidos à aplicação cumulativa das seguintes normas:

i. Norma geral de dedutibilidade de despesas: trata-se da aplicação do artigo 47 da Lei nº 4.506/1964 (dispositivo ao qual faz referência o artigo 299 do RIR/1999) cujo objetivo, já comentado anteriormente, consiste em definir os critérios para a caracterização de despesas operacionais (normalidade, necessidade e usualidade);

ii. Regras de determinação de preços de transferência: o caput dos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010 também não deixa dúvidas de que a aplicação das ratios ali definidas não exclui a aplicação das regras de preços de transferência com a finalidade de que seja atendido o padrão at arm’s length na fixação das taxas de juros em contratos de mútuo celebrados entre partes vinculadas ou com pessoa residente em países de tributação favorecida ou beneficiária de regime fiscal privilegiado. A teor do que estabelece o artigo 22 da Lei nº 9.430/1996, a taxa não poderá ser superior à taxa Libor (regra geral), acrescida de um percentual a título de spread a ser definido pelo Ministro da Fazenda;

iii. Normas destinadas a delimitar o montante máximo de endividamento para fins de dedutibilidade de juros (“normas de subcapitalização”): trata-se, conforme exposto no tópico anterior, das normas previstas nos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010 que partem de ratio para determinar o montante máximo de endividamento possível para que se permita a dedutibilidade de despesas com juros passivos. Nos casos de beneficiário residente em países com tributação regular, a ratio aplicável é de 2:1, ao passo em que, nos casos de beneficiário residente em país de tributação favorecida ou agraciado com regime fiscal privilegiado, a ratio passa a ser 0,3:1;

iv. Normas de comprovação do beneficiário efetivo: trata-se da disciplina, prevista no artigo 26 da Lei nº 12.249/2010, aplicável apenas nos casos de remessas para beneficiários residentes em países de tributação favorecida ou sujeitos a regime fiscal privilegiado. Neste caso, para que as despesas sejam dedutíveis na apuração do resultado fiscal, o contribuinte brasileiro deverá, cumulativamente: (i) identificar o efetivo beneficiário da entidade no exterior, destinatário dessas importâncias; (ii) comprovar a capacidade operacional da pessoa física ou entidade no exterior de realizar a operação; e (iii) comprovar documentalmente o pagamento do preço respectivo e o recebimento dos bens e direitos ou da utilização de serviço23.

v. Retenção de IRRF no pagamento de juros para beneficiário no exterior: por fim, embora não sejam estas normas destinadas a disciplinar o montante máximo de juros a serem deduzidos, cumpre chamar atenção para a incidência de IRRF à alíquota de 15% nas remessas de juros a beneficiário residente no exterior, nos termos do artigo 702 do RIR/1999. Caso o beneficiário seja residente em país de tributação favorecida ou esteja sujeito a regime fiscal privilegiado, ele estará sujeito à incidência de IRRF à alíquota majorada de 25% nos termos do artigo 685 do RIR/1999.

Como se vê, a disciplina jurídico-tributária atribuída aos casos envolvendo beneficiários residentes em países de tributação favorecida é nitidamente mais severa do que a disciplina atribuída aos países de tributação regular. No entanto, o ponto que enseja maiores dificuldades e controvérsias nos parece ser a forma como se dá a relação entre tais normas jurídicas no cálculo do montante de despesa dedutível.

Discute-se muito na literatura especializada a interação das normas de preços de transferência com as normas de subcapitalização. Com efeito, tanto as normas de preços de transferência quanto de subcapitalização servem a propósitos distintos na medida em que a primeira visa assegurar o cumprimento do princípio at arm’s length na estipulação da taxa de juros ao passo em que a segunda garante a observância do mesmo princípio não quanto à taxa de juros, mas sim quanto ao valor total do empréstimo contratado. São, portanto, complementares as referidas normas, muito embora ambas tenham a mesma consequência prática; determinar o montante máximo de juros passíveis de dedução na apuração do resultado fiscal.

Portanto, não nos parece correto o entendimento sustentado por parte da literatura especializada de que a finalidade de ambas as normas tratadas seria a mesma24. O fato de ambas as normas possuírem a mesma consequência prática - determinar o montante de despesas passível de dedução - não permite que se conclua pela identidade das suas finalidades haja vista que cada uma delas visa assegurar a correta observância ao princípio at arm’s length sobre dimensões distintas de uma mesma operação econômica, quais sejam, taxa de juros e valor do endividamento.

É dizer: para que a operação seja inteira e verdadeiramente at arm’s length, não basta a observância do princípio em relação a apenas uma das dimensões da operação, mas, sim, a toda a operação. A noção de complementaridade - e não de sobreposição - das normas de preços de transferência e de subcapitalização é, neste sentido, a visão mais adequada a ser adotada.

Há, entretanto, dúvidas que podem aparecer quando da aplicação das referidas normas ao caso concreto. Os problemas decorrentes da aplicação conjunta das normas de preços de transferência e de subcapitalização foram devidamente descritos por João Dácio Rolim e Fabrício Costa Resende de Campos que, em vista dos problemas gerados e partindo da premissa de que ambas as normas possuem a mesma finalidade, defenderam a necessária aplicação de apenas um referencial normativa ao caso concreto haja vista a existência, a seu ver, de conflito normativo (i.e., antinomia jurídica)25. Os autores defenderam, neste sentido, que a aplicação dos dois referenciais normativos poderia implicar dupla tributação haja vista o duplo ajuste no resultado fiscal26.

Na linha do quanto defendido acima, ousamos discordar do referido posicionamento. Como já foi dito, as normas ora tratadas possuem finalidades distintas e, neste sentido, corroboram, em uma relação de franca complementaridade, para assegurar o cumprimento integral do princípio at arm’s length. Não há, portanto, antinomia jurídica alguma.

Ademais, é equivocada a premissa de que a obediência a ambos os referenciais normativos levaria a um duplo ajuste. Neste contexto, parece ser muito feliz a solução achada pelo Professor Luís Eduardo Schoueri ao caso concreto que consiste em “apresentar o montante de juros, em sua integralidade, a ambas as regras, tomando-se, dos dois limites encontrados, aquele que indicar menor dedutibilidade” pois, segundo o autor, “ao se considerar o limite inferior, estar-se-á atendendo, por continência, à outra regra”27.

Esta é, a nosso ver, a correta interação que deve se dar entre as duas regras, pois somente assim o princípio at arm’s length estará sendo concretizado na operação vista em sua totalidade sem que haja dupla tributação em prejuízo ao contribuinte.

5.3. A (in)compatibilidade da regra geral de dedutibilidade de despesas com as normas de subcapitalização

O ponto, no entanto, que nos parece sensível diz respeito à aplicação conjunta do artigo 299 do RIR/1999 com as regras de subcapitalização, muito embora os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010, aparentemente, a admitam.

Conforme restou demonstrado no tópico 5.2.1., ocasião em que analisamos o comportamento das autoridades fiscais bem como dos julgadores (Carf) no caso “Kolynos-Colgate”, a decisão final proferida na esfera administrativa foi equivocada haja vista que não se poderia dar à norma geral de dedutibilidade de despesas - cujo escopo é tão somente definir despesa operacional - interpretação que lhe desse a função típica de norma geral antielisiva. Houve, neste sentido, uma deturpação do escopo do artigo 299 do RIR/1999 para que esta norma corrigisse o suposto “abuso” cometido no caso concreto.

Não estamos dizendo que a operação não se revelava abusiva do ponto de vista tributário. Sequer pretendemos entrar neste mérito. Defendemos apenas que inexistia, àquela época, norma que disciplinasse os efeitos fiscais decorrentes daquela operação específica, na ausência de conduta fraudulenta ou simulada.

Pois bem, uma questão que se revela essencial em todo o presente debate é a seguinte: é possível que despesas com juros passivos oriundas de empréstimo cujo objetivo é o financiamento da própria fonte produtora venham a ser consideradas não necessárias, usuais e normais? Como aferir, em outras palavras, a necessidade de uma estratégia de financiamento?

As questões propostas acima têm como origem a perplexidade causada pela constatação de que toda atividade de financiamento é necessária para a atividade da empresa e para a manutenção da respectiva fonte produtora. Ora, se a empresa requer recursos para o desempenho das suas atividades econômicas, deveremos forçosamente concluir pela necessidade da despesa dos correlatos juros passivos em todas as hipóteses de novo ingresso via endividamento. Lembre-se, neste ponto, do que já falamos linhas acima: o artigo 299 do RIR/1999 não permite que se imponha ao contribuinte a adoção da estratégia de financiamento menos onerosa ao Fisco sob pena de indedutibilidade de despesas de juros passivos.

Quando, afinal, é que o ingresso de novos recursos - que dará ensejo a despesas com juros - não será considerado necessário?

Caso consideremos que, de fato, há situações em que o empréstimo em si não seja necessário ao desempenho da atividade econômica e da manutenção da fonte de produção, o desafio passará a ser, então, como definir tais situações. Com efeito, muito se fala que as normas de subcapitalização se aplicam em etapa lógica posterior à aplicação do artigo 299 do RIR/1999. No entanto, até o presente momento, os questionamentos apresentados acima - mormente no tocante às hipóteses em que o Fisco estará autorizado a afirmar que determinado financiamento não é necessário à atividade da empresa - ainda não foram devidamente enfrentados pela literatura especializada.

Poder-se-ia dizer, no entanto, que a finalidade do empréstimo seria o elemento determinante para a conclusão de que a sua contratação se tornou alheia a qualquer finalidade social e, consequentemente, as respectivas despesas com juros seriam indedutíveis na determinação do resultado fiscal. Afinal, se uma empresa que firma um contrato de empréstimo com pessoa vinculada residente no exterior se prestar a adquirir um avião particular para o diretor da mutuária brasileira, estar-se-ia diante de nítida situação em que o empréstimo deixou de ter qualquer relevância para a empresa.

Este argumento, no entanto, é falacioso. Para que se chegue a esta conclusão, basta que se tenha em mente o correto tratamento tributário que deve ser conferido a esta situação.

Primeiramente, teríamos que segregar o empréstimo e o pagamento dos respectivos juros das despesas incorridas para a aquisição, no exemplo tratado, de um avião particular para o diretor brasileiro. Do ponto de vista da sociedade empresária, esta operação de empréstimo é uma operação de financiamento como qualquer outra destinada a obter recursos para o desempenho das suas atividades econômicas de modo que os juros passivos dariam ensejo a despesas totalmente dedutíveis.

Partindo-se agora para a outra parte da operação, a empresa incorreu em diversas despesas na aquisição de um avião particular para o diretor presidente. São estas despesas que irão ser fulminadas pelo artigo 299 do RIR/1999 na medida em que não poderão ser deduzidas na apuração do resultado fiscal. Observa-se, portanto, que a finalidade alheia à figura da empresa a que se dá ao mútuo contratado é devidamente repreendida pelo ordenamento jurídico quando a despesa é efetivamente incorrida (no exemplo acima, quando o avião é adquirido). As despesas com os juros pagos à parte vinculada residente no exterior não recebem o mesmo tratamento que tais despesas haja vista que com elas não se confundem e que o financiamento em si é sempre necessário à atividade e à manutenção da fonte produtiva.

Mas, neste ponto, ainda poder-se-ia dizer que o endividamento excessivo e sem causa desqualificaria a natureza operacional da despesa incorrida com juros. Seria esta a situação em que uma empresa brasileira contrai empréstimo com pessoa vinculada no exterior e não dá qualquer destinação a estes recursos em termos de investimento produtivo.

Este argumento seria, a nosso ver, igualmente equivocado, pois estaríamos, aqui, diante de estratégia que já não estaria mais no campo da definição da despesa como operacional, mas sim no campo do adequado tratamento tributário que deve ser dado às situações envolvendo a transferência indireta de recursos ao exterior ou mesmo a geração de excesso de despesas que, embora operacionais (necessárias, usuais e normais), seriam consideradas abusivas em virtude da ofensa ao princípio arm’s length. Neste ponto, como já se pode intuir, o adequado tratamento que deverá ser conferido à situação concreta não diz respeito à aplicação do artigo 299 do RIR/1999, mas sim às normas de preços de transferência e subcapitalização.

Dito isso, é importante também que chamemos atenção para o risco real, conforme demonstra a própria jurisprudência administrativa do emblemático caso “Kolynos-Colgate”, de que a utilização do artigo 299 do RIR/1999 nas hipóteses ora tratadas venha a esvaziar a previsibilidade e a segurança jurídica trazidas pelas ratio de endividamento previstas nos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010. Isto porque, se naquele contexto foi dada ao referido dispositivo finalidade de norma geral antielisiva, não há razões para não se acreditar que as autoridades fiscais e julgadoras poderão vir a invocar novamente o artigo 299 do RIR/1999 com vistas a evitar a aplicação dos limites de endividamento previstos pelas regras de subcapitalização. Caso isso viesse a ocorrer, não apenas a segurança trazida pelo safe harbour legal seria esvaziada, como também a eficácia da própria norma jurídica.

O que se vê é que, em vista do exposto no parágrafo acima, há clara antinomia jurídica entre a norma geral de dedutibilidade de despesas e as normas de subcapitalização. Tércio Sampaio Ferraz Jr. define antinomia jurídica como sendo a oposição entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes em um mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado28.

Na sequência, Tércio Sampaio Ferraz Jr. passa a expor a classificação quanto à extensão da contradição e, neste ponto da sua obra, define três formas de antinomia: (i) antinomia total-total (quando uma das normas não pode ser aplicada em nenhuma circunstância sem entrar em conflito com a outra); (ii) antinomia total-parcial (quando uma das normas não pode ser aplicada em nenhuma circunstância sem entrar em conflito com a outra enquanto a outra tem um campo de aplicação que entra em conflito com a anterior apenas em parte); e (iii) antinomia parcial-parcial (quando as duas normas têm um campo de aplicação que em parte entra em conflito com a outra, em parte não entra)29.

Considerando-se as categorias propostas, a antinomia jurídica tratada no presente caso - entre a norma geral de dedutibilidade de despesas e a norma de subcapitalização - é a parcial-parcial. Recorrendo-se à elucidativa ilustração do referido professor em sua obra para explicar o fenômeno da antinomia no presente caso concreto, teríamos:

3369.jpg
3440.png

Art. 299 do

RIR/1999

(enquanto mera

norma definidora

de despesa

operacional

3370.png

Art. 299 do

RIR/1999

(enquanto

“norma geral

antielisiva”)

Normas de

subcapitalização

 

Haverá, neste sentido, antinomia sempre que a norma geral de dedutibilidade de despesas for utilizada com finalidade antielisiva (como a jurisprudência administrativa já provou ser possível), pois, neste caso, teremos duas normas antielisivas a incidir sobre os mesmos fatos determinando soluções absolutamente contraditórias.

Ocorre que, conforme demonstramos acima, o financiamento é per se necessário - seja mediante capital oneroso, seja mediante capital próprio - de modo que, qualquer decisão que venha a ponderar outros elementos tais como a possibilidade de ter sido adotada estratégia de financiamento menos onerosa ao Fisco, estará desvirtuando a finalidade do artigo 299 do RIR/1999 de modo a lhe dar as vestes de norma geral antielisiva ensejando, portanto, a antinomia apontada.

Assim, tendo-se em vista que (i) o financiamento é per se fundamental para o desempenho de atividades empresárias, o que torna as respectivas despesas com juros passivos operacionais (necessárias, usuais e normais) e (ii) há o risco de esvaziamento da eficácia das normas de subcapitalização no caso concreto ante a antinomia jurídica apontada, propomos que ou bem se entenda que os requisitos previstos no artigo 299 do RIR/1999 sempre estarão preenchidos nas hipóteses em que ambos as normas sejam aplicáveis, ou bem que a antinomia jurídica apontada seja corrigida mediante o reconhecimento de que a norma mais específica derroga a geral na sua aplicação ao caso concreto (lex specialis derogat generali).

Em ambas as soluções apontadas, o que se busca é assegurar que a tarefa de coibir os abusos porventura existentes na estipulação da taxa de juros e do montante máximo de endividamento seja deixada às normas que possuem verdadeira aptidão para desempenhar tal tarefa, quais sejam, as normas de preços de transferência e subcapitalização. A primeira das soluções apontadas reconhece a aplicação de todos os dispositivos normativos (artigo 299 do RIR/1999 e regra de subcapitalização) tais como previstos em lei - ou seja, prestigiando-se a sua complementaridade - ao passo em que a segunda solução reconhece a existência de uma antinomia por identidade de objetos entre as normas ora consideradas sempre que ambas se aplicarem a um mesmo caso concreto.

Eis, aqui, a nosso ver, o principal desafio a ser enfrentado pelo regime jurídico-tributário aplicável ao direito interno.

6. Perspectiva do Tema no Direito Tributário Internacional

6.1. A adequação do regime à Convenção Modelo da OCDE

As principais questões relevantes do tema na esfera do Direito Tributário Internacional dizem respeito à adequação do regime brasileiro à Convenção Modelo da OCDE a qual, por sua vez, serviu de base para a maior parte das convenções celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação internacional da renda.

Conforme aponta boa parte da literatura que será detalhada adiante, os pontos mais sensíveis relativos ao confronto das normas brasileiras de subcapitalização, previstas nos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010, com a Convenção Modelo estão na adequação das normas brasileiras ao artigo 9º, que trata de operações realizadas entre empresas associadas, e ao artigo 24, que trata da regra de não discriminação.

Confrontaremos, adiante, o regime brasileiro com cada um dos dispositivos mencionados. Cabe aqui apenas uma ressalva: a discussão que será realizada abaixo relativa à adequação das normas brasileiras à Convenção Modelo refere-se, para fins didáticos, aos típicos casos em que não há previsão alguma nos protocolos das convenções celebradas quanto à adoção das normas de subcapitalização. Nos casos em que há ressalva expressa nos protocolos, a análise do intérprete deverá ser casuística.

6.1.1. O artigo 9º da Convenção Modelo (“pessoas associadas”)

Em 1986, com a publicação de um relatório específico sobre o tema (ao qual já se fez referência no presente trabalho), a OCDE defendeu a compatibilidade das normas destinadas a combater os efeitos fiscais da subcapitalização com os dispositivos da Convenção Modelo. Neste sentido, questionou-se se o artigo 9º da Convenção Modelo poderia dar suporte à aplicação das regras de subcapitalização previstas no direito interno dos países signatários.

O artigo 9º estabelece que, em transações realizadas entre partes vinculadas (“pessoas associadas”), o rendimento que deixar de ser tributado por um dos estados contratantes unicamente em virtude da existência da relação de vinculação entre as partes, ou seja, por não ser esta uma transação em consonância com o princípio at arm’s length, poderia ser incorporado à sua base de cálculo e tributado.

O posicionamento da OCDE, na ocasião, foi incorporado aos comentários feitos pela Organização à Convenção Modelo. Abaixo, transcrevemos, de forma objetiva, um trecho dos referidos comentários que expõe o posicionamento da OCDE a respeito da compatibilidade das normas internas de subcapitalização adotadas pelos países com o artigo 9º:

“Conforme discutido no relatório do Comitê de Assuntos Fiscais sobre a subcapitalização (adotado pelo Conselho da OCDE em 26 de novembro de 1986 e reproduzido no volume II do da versão completa dos comentários à convenção modelo da OCDE), há uma interação entre os tratados em matéria tributária e as regras internas que disciplinam os efeitos fiscais da subcapitalização relevante tendo-se em vista o escopo deste artigo. O Comitê considera que:

a) Este artigo não impede a aplicação das regras domésticas sobre subcapitalização na medida em que o seu efeito é considerar que os lucros do mutuário [devedor] correspondem, na verdade, a um valor que teria sido alcançado em uma transação at arm’s length;

b) O artigo é relevante não apenas na determinação de quando a taxa de juros aplicada ao contrato de empréstimo é uma alíquota at arm’s length, mas também se um empréstimo a prima facie pode ser visto como sendo efetivamente um empréstimo, ou deve ser visto como outro tipo de pagamento, em especial, como um investimento em capital próprio;

c) A aplicação de regras voltadas para disciplinar a subcapitalização não deve, normalmente, ter o efeito de aumentar a base de cálculo do imposto da empresa residente para além do lucro que se auferiria em uma transação que segue o critério arm’s length, devendo este princípio ser seguido ao aplicar os tratados celebrados.”30 (Tradução livre)

A partir da análise do trecho transcrito acima dos comentários da OCDE à sua Convenção Modelo, os quais estão em conformidade com o relatório da reunião do Comitê de Assuntos Fiscais ocorrida em 1986, podemos chegar a algumas conclusões.

Primeiramente, pode-se afirmar que o objetivo central do artigo 9º da Convenção Modelo é assegurar que, caso alguma operação celebrada entre partes vinculadas não seja feita em condições at arm’s length e disso resulte alguma distorção fiscal, sobretudo do ponto de vista da carga tributária que normalmente incidiria na operação, esta distorção possa ser prontamente corrigida pelo Estado prejudicado.

Observa-se que, em relação às normas adotadas pelos países para combater os efeitos fiscais da subcapitalização, o artigo 9º não impede a sua aplicação, muito embora a condicione. Com efeito, o artigo 9º impõe não apenas que a taxa de juros contratada pelas partes vinculadas siga o padrão at arm’s length, como também que o montante tomado de empréstimo, em si mesmo, siga esse mesmo padrão, consoante já apontamos anteriormente.

O artigo 9º condiciona a aplicação da legislação interna dos Estados na medida em que prevê que os países que tiverem celebrado convenções com aquela cláusula não poderão corrigir o valor da base de cálculo para além do padrão arm’s length, devendo-se ater ao que se considera como uma transação normal de mercado entre partes independentes para fixar a sua base de cálculo. Se a correção promovida pelo Estado contratante ultrapassar o critério arm’s length, haverá afronta ao artigo 9º das convenções celebradas por ele que possuam semelhante disposição. Trata-se de uma interpretação restritiva do dispositivo31. Tal limitação se imporia igualmente tanto à legislação interna de preços de transferência quanto à de subcapitalização.

No tocante às normas brasileiras de subcapitalização, diversos autores, entre os quais Alberto Xavier, sustentam que os artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010 afrontam o artigo 9º da Convenção Modelo em virtude das ratios fixas adotadas para a delimitação da condição de excesso de endividamento32. Este segmento doutrinário critica o fato de os referidos dispositivos legais terem recorrido à utilização de presunções absolutas de endividamento que, por sua vez, não permitiriam a produção de prova pelo contribuinte no sentido de que aquele empréstimo, a despeito de não estar ao abrigo do safe harbour legal, foi feito em estrita observância ao padrão at arm’s length, tal como a presunção relativa permitiria.

Outros autores, tais como Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, entendem que a inadequação das normas brasileiras frente ao artigo 9º da Convenção Modelo ocorreria unicamente na medida em que a restrição da dedutibilidade das despesas com juros afrontasse o princípio at arm’s length33. Ou seja, as normas brasileiras não seriam, per se, incompatíveis com as convenções fiscais, mas somente nas hipóteses em que o princípio at arm’s length fosse desrespeitado.

Há, ainda, defensores da linha de que a adoção de ratios de endividamento fixas não contrariam o princípio at arm’s length. Com efeito, a Procuradora da Fazenda Nacional Lívia da Silva Queiroz sustenta que o recurso às ratio fixas decorrem dos princípios da legalidade estrita (artigo 150, I, da CF/1988), tipicidade fechada (artigo 97 do CTN) e vedação à analogia (artigo 108, parágrafo 1º, do CTN), “que não permitiriam que o tratamento legal da matéria se esgotasse numa norma genérica antielisiva que deixasse amplo espaço para análise casuística” e que “ainda que fosse empregado princípio geral, como o arm’s length, seria imprescindível o uso de critérios objetivos para conferir-lhe concretude”34.

Concordamos com Lívia da Silva Queiroz no sentido de que a adoção de ratios de endividamento, enquanto norma antielisiva especial, é uma opção válida - inclusive acatada pela OCDE, conforme expusemos anteriormente - para a determinação de situações em que há excesso de endividamento. A nosso ver, a adoção das ratios, ao invés das normas gerais antielisivas, confere previsibilidade e segurança jurídica para o contribuinte sendo positiva a sua adoção no Direito brasileiro tal como as margens fixas de lucro adotadas pela legislação de preços de transferência. Do ponto de vista do Fisco, as ratio legais conferem praticabilidade à determinação do tributo devido e às fiscalizações fiscais sendo, neste sentido, igualmente positivas.

O “tendão de Aquiles” das ratio brasileiras é, no entanto, a sua potencial afronta ao princípio at arm’s length. Dizemos “potencial”, pois a mera condição de se utilizar presunções absolutas não necessariamente afrontará o referido princípio haja vista que eventuais inadequações da norma ao princípio deverão ser aferidas diante do caso concreto. Isso porque, se, por um lado, é verdade que a presunção legal poderá refletir, em alguns casos, o que partes independentes teriam negociado por vezes até beneficiando o contribuinte, também é verdade que, em outros casos, o safe harbour legal penalizará o contribuinte de boa-fé cujo empréstimo tomado não seria qualificado como “excessivo” acaso fosse aplicado à risca o padrão at arm’s length.

A partir do exposto, podemos concluir que as normas brasileiras de subcapitalização não são, de todo, incompatíveis com o princípio at arm’s length. Elas serão, no entanto, incompatíveis na medida em que não refletirem o que terceiros independentes pactuariam em condições normais de mercado.

Neste contexto, é interessante observar que a imensa maioria dos autores que entendem pela inadequação das normas brasileiras de subcapitalização ao artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE defende que a única forma de adequação da ratio approach ao princípio at arm’s length é a relativização das margens fixas. Em outras palavras, o que se defende é adoção, como técnica legislativa, das presunções relativas.

Há, no entanto, alternativas à relativização das ratio voltadas a, senão alcançar a compatibilização perfeita entre as ratio fixas e o princípio at arm’s length, reduzir drasticamente a distância entre a técnica e o princípio ora analisados. Trata-se, como demonstra a experiência francesa, da adoção da técnica do carry-forward que consiste na possibilidade de se levar para compensação em períodos de apuração futuros despesas com juros passivos não deduzidas no exercício corrente por força das normas de subcapitalização, observadas as limitações impostas pelas ratio de endividamento adotadas e as condições impostas pela legislação local35.

Na legislação fiscal francesa, onde há a chamada tributação consolidada dos resultados auferidos por um grupo societário, eventuais despesas com juros passivos não dedutíveis por uma sociedade membro do grupo podem ser transferidas para a sociedade mãe (societé mère) que poderá deduzi-los de outros resultados incorridos pelas empresas do grupo36. Observa-se, portanto, que a previsão da tributação consolidada - regime atualmente inexistente no Brasil - atenua eventuais efeitos decorrentes da postergação da dedução das despesas financeiras.

Assim, cremos que a solução para adequação das normas brasileiras ao princípio at arm’s length não se restringe à relativização das presunções legais. Deste modo, cremos que, mediante soluções alternativas, as ratio fixas podem se aproximar em muito do princípio at arm’s length.

Até que tais soluções sejam implementadas, é forçoso reconhecer que as normas brasileiras de subcapitalização afrontam o princípio at arm’s length previsto no parágrafo 1º do artigo 9º.

6.1.2. O artigo 24 da Convenção Modelo (“não discriminação”)

Por fim, em relação ao artigo 24 o qual estabelece o princípio da não discriminação, questiona-se: as normas internas de subcapitalização afrontam o parágrafo 4º do artigo 24 quando elas só se aplicam em relação aos empréstimos em que os credores residem no exterior?

A questão aqui é investigar até que ponto a aplicação de normas de subcapitalização apenas em relação a empréstimos celebrados com pessoas não residentes não constitui uma afronta ao princípio da não discriminação previsto na convenção modelo da OCDE.

Lembre-se, neste ponto, que a subcapitalização empresarial só se torna relevante para o Direito Tributário na medida em que o credor do empréstimo contratado é um não residente, pois, neste caso, o país de residência da sociedade devedora, além de aceitar a dedução da despesa de pagamento de juros, não poderá tributá-los na pessoa da sociedade credora. Em vista dessa constatação, seria lógico que os países criassem normas de subcapitalização aplicáveis apenas a empréstimos celebrados com credores não residentes e ilógico que tais normas fossem aplicadas internamente. Afinal, o bem jurídico tutelado só é ameaçado quando a operação de mútuo é realizada entre partes relacionadas no contexto de uma estrutura fiscal internacional.

A OCDE, por sua vez, adota o seguinte posicionamento acerca da presente problemática:

“O parágrafo 4º não proíbe que o país do devedor aplique as suas regras relativas à subcapitalização desde que elas sejam compatíveis com o parágrafo 1º do artigo 9º ou com o parágrafo 6º do artigo 11. No entanto, se tal tratamento resultar de regras que não sejam compatíveis com os referidos artigos e que apenas se aplicam a credores não residentes (com a exclusão de credores residentes), então tal tratamento será proibido pelo parágrafo 4º.”37 (Tradução livre)

Como se vê, a OCDE posiciona-se no sentido de que o parágrafo 4º do artigo 24 da Convenção Modelo não veda a utilização de normas de subcapitalização no direito interno desde que elas sejam compatíveis com o parágrafo 1º do seu artigo 9º. O referido comentário também prevê que a norma não poderá se aplicar apenas em relação a credores não residentes, mas cria tal previsão como um segundo requisito que, somado ao primeiro (aplicação das normas de subcapitalização em desrespeito ao parágrafo 1º do artigo 9º), enseja a incompatibilidade das normas de subcapitalização com o parágrafo 4º do artigo 24.

Os comentários acima, bem como os demais comentários à Convenção Modelo feitos pela OCDE, levam a crer que o parágrafo 4º do artigo 24 admite, como critério de discriminação legítimo, que os juros pagos a beneficiários residentes no exterior sofram tratamento tributário distinto daquele que seria atribuído aos juros pagos a residentes em razão de descumprimento ao princípio at arm’s length. É dizer: a OCDE reconhece que, quando há o descumprimento do princípio at arm’s length previsto no parágrafo 1º do artigo 9º, não está em causa a comparação de situações horizontalmente equivalentes, mas sim distintas em sua essência o que, por sua vez, requer tratamentos tributários distintos.

Assim, a discussão quanto à eventual afronta ao princípio da discriminação depende, em grande medida, da discussão quanto à adequação das normas de subcapitalização ao parágrafo 1º do artigo 9º38.

No Brasil, em razão da adoção de ratio fixas e, diante da inexistência de mecanismos que visem a aproximá-las do princípio at arm’s length (que não necessariamente se resumem à relativização da presunção de endividamento excessivo), conclui-se que, no cenário atual, as regras brasileiras contrariam o princípio da não discriminação, em especial, o parágrafo 4º do artigo 24.

6.2. Os instrumentos financeiros híbridos

Nem sempre a opção do contribuinte nacional pelo endividamento se mostra tão clara. Há situações em que o endividamento fica muito claro, por exemplo, com a celebração de um contrato de empréstimo ou de financiamento em geral. Em outras circunstâncias, torna-se difícil distinguir qual foi a opção de investimento feita pelas partes devido à sua natureza híbrida, ou seja, com aspectos de investimento em capital próprio e aspectos de endividamento.

A contratação de instrumentos financeiros híbridos se torna cada vez mais comum diante da complexidade dos instrumentos financeiros adotados atualmente no mercado. Tal fato pode ser justificado, em parte, pelas próprias exigências do mercado e, sobretudo, pela busca de alocação eficiente de riscos. Em outros casos, a justificativa poderá ser o acobertamento de operações de capitalização que, em sua aparência, serão vistas como empréstimos apenas para que se possa usufruir das vantagens de natureza tributária.

Seja lá qual for a justificativa dada à existência dos instrumentos financeiros híbridos, o fato é que eles representam um grande desafio ao formulador de políticas tributárias e, sobretudo, aos seus aplicadores. A OCDE coloca o problema dos instrumentos financeiros híbridos da seguinte forma:

“O ‘financiamento híbrido’ deriva do fato de que a distinção entre investimento em capital próprio e endividamento, mencionado anteriormente nos parágrafos 2 a 4, pode não estar muito clara uma vez que, por exemplo, os credores da empresa poderão, em algum momento, converter o seu direito creditório em participação societária ou os juros que eles devem receber podem estar condicionados aos lucros auferidos pela empresa.”39 (Tradução livre)

Na mesma linha do comentário presente no relatório da OCDE, Sérgio Papini de Mendonça Uchôa Filho e Leonardo Freitas de Moraes e Castro destacam as seguintes características comuns aos instrumentos financeiros híbridos: (i) inexistência de previsões fixas para o pagamento do empréstimo em uma data definida; (ii) convertibilidade em ações; (iii) participação em reservas de capital; e (iv) o repagamento é condicionado em caso de insolvência40. Os referidos autores apresentam como exemplos de instrumentos financeiros de natureza híbrida os empréstimos conversíveis, empréstimos com direito à participação societária e debêntures41.

Os países buscam identificar a verdadeira natureza dos instrumentos financeiros através de critérios jurídicos, contábeis e econômicos isoladamente ou mesmo de forma conjunta. Alguns se atêm a questões de natureza mais formal dos instrumentos financeiros (e.g., qualificações jurídico-contábeis) enquanto outros observam mais atentamente os seus aspectos substantivos, investigando, por exemplo, qual é a natureza econômica, até que ponto o credor assume os riscos do negócio, em que medida o pagamento dos juros está condicionado à lucratividade da empresa, entre outros critérios que possam ser possíveis indicadores de que os empréstimos feitos se figuram como verdadeiros investimentos em capital próprio.

Não obstante os esforços das jurisdições fiscais no sentido de desmistificar a real natureza dos instrumentos financeiros, o fato é que a criatividade dos contribuintes e a complexidade dos mercados financeiros têm lhes imposto desafios cada vez maiores.

Do ponto de vista das convenções fiscais celebradas, a questão que os instrumentos financeiros híbridos ensejam é: as autoridades fiscais devem ser guiadas, ao decidir a natureza de um pagamento, pelas definições de dividendos e juros nos artigos 10 e 11 dos tratados ou podem seguir definições da legislação interna, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º?

Em relação a este tema, a OCDE se posicionou no sentido de defender que os países não estão obrigados a seguir a definição prevista nos artigos 10 e 11 ao decidir se o montante de juros pode ou não ser dedutível em face do artigo 9º. Quanto às normas internas de subcapitalização, a OCDE sustenta que:

“Os artigos 10 e 11 não impedem o tratamento deste tipo de juros como dividendo sob a égide da legislação nacional referente à subcapitalização aplicada no país de residência do tomador do empréstimo. A questão de se o credor do empréstimo participa do risco corrido pela empresa deve ser determinado casuisticamente à luz de todas as circunstâncias, tais como as seguintes: (i) o empréstimo supera, em muito, qualquer outra contribuição para o capital da empresa (ou substitui uma proporção substancial do capital que tenha sido perdida) e é inigualável por outros ativos resgatáveis; (ii) o credor irá partilhar dos lucros da empresa; (iii) o adimplemento do valor dado em mútuo fica subordinado às reivindicações de outros credores ou, então, ao pagamento de dividendos; (iv) pagamento de juros condicionado aos lucros da empresa; (v) o contrato de empréstimo não contém um prazo fixo para o repagamento da dívida contraída.”42 (Tradução livre)

Fica claro, portanto, que os conceitos de juros e dividendos fixados pela Convenção Modelo não são de observância obrigatória pelos países nas suas legislações internas. A OCDE concorda com a interpretação segundo a qual os países podem dispor sobre o conceito de dividendos e juros para aplicar as suas regras de subcapitalização43. No trecho analisado acima, a OCDE chega a sugerir alguns critérios para que se possa identificar quando os juros têm, na verdade, natureza de dividendo. Trata-se justamente do problema dos instrumentos financeiros híbridos. Neste sentido, é notável como, na perspectiva da OCDE, um fator muito relevante para a caracterização da natureza de dividendos é a partilha dos riscos da atividade econômica desempenhada pela empresa devedora.

No tocante ao artigo 23 da Convenção Modelo da OCDE, que dispõe sobre os métodos destinados a evitar a dupla tributação (isenção e crédito), é importante destacar que, caso um dos países qualifique os rendimentos como dividendos e lhe atribua natureza de juros, poderá haver dupla tributação que, na ausência de uma coordenação maior entre os países, será de difícil solução no caso concreto. Uma das soluções que podem ser pensadas para este problema poderia ser a celebração de acordos entre as jurisdições fiscais, no âmbito do artigo 25 (procedimento amigável), destinados a estabelecer critérios comuns para a qualificação de um pagamento como juros ou dividendo.

Klaus Vogel, ao analisar o artigo 3º, parágrafo 2º, da Convenção Modelo da OCDE houve por bem concluir que ali se encontra insculpido o lex fori approach na medida em que as lacunas de qualificação eventualmente existentes na convenção fiscal devem ser preenchidas com a legislação interna do Estado que aplica a referida convenção44. O autor adverte, no entanto, que a consequência negativa da referência à legislação interna dos países é que cada um deles tende a aplicar a legislação como bem entende o que, inevitavelmente, resultará no fenômeno da dupla tributação - que, conforme apontado linhas acima, pode ser resolvido através da instauração de procedimento amigável - ou, pior, a dupla não tributação para a qual não há solução ex post.

Os instrumentos financeiros híbridos são, neste sentido, um grande desafio a ser enfrentado, sobretudo, em vista do risco de dupla não tributação.

6.3. Base Erosion and Profit Shifting (Beps)

No primeiro semestre do ano de 2013, a OCDE publicou um novo relatório denominado “Addressing Base Erosion and Profit Shifting” que recontextualizou a problemática do planejamento tributário abusivo no plano internacional em vista da elevada mobilidade de capital experimentada nos últimos anos em virtude, sobretudo, de avanços tecnológicos bem como do crescimento do comércio eletrônico e da importância de determinados bens intangíveis no comércio internacional atual.

Os prejuízos apontados pelas estratégias contemporâneas de planejamento tributário encontram-se estampados no próprio título do relatório; erosão das bases imponíveis (base erosion) e deslocamento de lucros de jurisdições fiscais com carga tributária mais elevada para jurisdições com menor carga tributária (profit shifting).

O relatório trata de diversos desafios que devem ser enfrentados para superar os problemas inerentes ao Beps e propõe um plano de ações a ser implementado no curto prazo. Dentre os diversos desafios previstos no relatório, pode-se identificar a questão dos financiamentos intragrupos com capital oneroso ao invés de capital próprio em vista do tratamento fiscal favorecido conferido aos juros (consoante já relatamos no decorrer do presente trabalho). Os prejuízos causados por uma estrutura de financiamento pautada em empréstimos foi objeto de considerações específicas pela OCDE.

Ao final do relatório, observa-se que a OCDE houve por bem incluir a problemática da subcapitalização entre as temáticas que seriam abrangidas pelo plano de ação proposto45. O plano de ação publicado pouco tempo depois da publicação do relatório Beps compreendeu 15 ações específicas a serem implementadas em um lapso temporal relativamente curto. No tocante ao tema da subcapitalização empresarial, revela-se importante a menção à ação nº 4 cuja diretriz é “limitar a erosão da base de cálculo através da dedução de despesas com juros e outros pagamentos financeiros”46.

O tema dos instrumentos financeiros híbridos também recebeu especial atenção da OCDE tendo ele sido objeto tanto do relatório Beps47 quanto do seu plano de ações. Neste sentido, é interessante observar que a ação nº 2 possui como diretriz “neutralizar os efeitos dos instrumentos híbridos”48.

Assim, o que se vê é que os temas da subcapitalização e dos instrumentos financeiros híbridos estão na pauta de discussão atual de políticas fiscais internacionais haja vista o seu potencial prejuízo às arrecadações nacionais.

7. Conclusões

Este breve estudo teve como intuito abordar o tema da subcapitalização, sob o ponto de vista do Direito Tributário, em seus mais relevantes aspectos. Assim, buscamos evidenciar, primeiramente, a relevância do tema para o Direito Tributário.

Ao abordarmos a evolução do regime jurídico-tributário brasileiro aplicável à subcapitalização empresarial, demonstramos que, em um primeiro momento, o legislador brasileiro optou, ao invés de combater a subcapitalização, em estimular a capitalização empresarial mediante a previsão de normas de sanções positivas ou premiais. Foi neste contexto que houve a previsão de isenção de dividendos e lucros distribuídos bem como a possibilidade de dedução de juros calculados sobre o capital próprio.

Não obstante os esforços do legislador, fato é que o financiamento através de empréstimos, com a consequente dedução dos juros correspondentes, ainda se revelou mais vantajoso. Assim, em 2010, foi publicada a Lei nº 12.249/2010 que inaugurou, no Direito Tributário brasileiro, a disciplina destinada a limitar o montante máximo de endividamento para fins de dedução dos correspondentes juros na apuração do resultado fiscal com nítida inspiração nas thin capitalisation rules do direito comparado. É nítida a alteração de estratégia do legislador que deixou de se utilizar de sanções premiais, com o objetivo de induzir positivamente à capitalização, para adotar sanções negativas propriamente.

O regime atual aplicável à subcapitalização empresarial compreende, com efeito, diversas normas com finalidades distintas. Na relação entre essas diversas normas, vislumbramos como problemática a interação da norma geral de dedutibilidade de despesas (artigo 299 do RIR/1999) com as normas de subcapitalização previstas nos artigos 24 e 25 da Lei nº 12.249/2010. Isto porque despesas financeiras incorridas com a tomada de empréstimos serão per se necessárias, normais e usuais já que o financiamento em si é condição para a realização da atividade econômica desempenhada pela empresa e para a sua manutenção enquanto fonte produtora. Ademais, a jurisprudência administrativa revela que a norma geral de dedutibilidade de despesas já foi utilizada de modo impróprio pelo Carf no sentido de que lhe fora dada finalidade antielisiva. Neste cenário, haveria, também forçosamente, clara antinomia jurídica com as normas de subcapitalização.

As soluções propostas para este problema têm como objetivo assegurar que o combate aos abusos porventura existentes na estipulação da taxa de juros e do montante máximo de endividamento seja desempenhado por normas específicas para tanto e não pelo artigo 299 do RIR/1999 cujo escopo é distinto.

Do ponto de vista internacional, embora tenha sido positiva, a nosso ver, a escolha do legislador por critérios objetivos de identificação de endividamento excessivo, haja vista a sua inevitável previsibilidade, segurança e praticabilidade fiscal, as normas brasileiras de subcapitalização, na sua feição atual, contrariam os artigos 9º e 24º da OCDE.

Entendemos, no entanto, que há alternativas à tese frequentemente defendida de que a única alternativa para a adequação das normas brasileiras ao padrão at arm’s length seria a relativização das ratio de endividamentos. A experiência francesa nos mostra, neste sentido, que a técnica do carry forward tem sido aplicada com relativo êxito.

Os instrumentos financeiros híbridos são especialmente problemáticos no contexto da subcapitalização, pois a sua natureza é uma incógnita o que pode ensejar dupla tributação da renda bem como o fenômeno da dupla não tributação da renda.

Esperamos, com isso, ter contribuído para a compreensão dos desafios presentes e futuros que deverão ser enfrentados quando da aplicação das normas de subcapitalização.

1 Trata-se do artigo 47 da Lei nº 4.506/1964.

2 HÜBERT, Ives Henrique. “Subcapitalização de empresas: delineamento e tratamento nos âmbitos societário e tributário”. Direito Tributário Internacional aplicado, vol. II. TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2004, pp. 568-569.

3 OECD. Thin capitalisation report adopted by the OECD Council on 26 november 1986 (Anexo R dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE), p. 7

4 HÜBERT, Ives Henrique. Op. cit., pp. 568-569.

5 Ibidem, p. 570.

6 Vejam-se, neste sentido: HÜBERT, Ives Henrique. Op. cit., p. 570; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. “Thin capitalization rules no direito comparado e as regras de subcapitalização brasileiras”. Revista de Direito Tributário Internacional (RDTI) nº 15. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 180.

7 CASTAGNÈDE, Bernard. Précis de fiscalité internationale. Paris: Presses Universitaires de France (PUF), 2010, p. 81.

8 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 346-354.

9 No Brasil, a legislação fiscal permite tal dedução desde que a despesa seja considerada operacional nos termos do artigo 299 do RIR/1999. Caso se trate de juros pagos a pessoa residente em país ou dependência com tributação favorecida ou que seja beneficiário de regime fiscal privilegiado, deve-se atentar para os requisitos de dedutibilidade previstos no artigo 26 da Lei nº 12.249/2009.

10 A alíquota regular aplicável é de 15% (cf. artigo 702 do RIR/1999), mas, caso o mutuante seja residente de país ou dependência com tributação favorecida ou que seja beneficiário de regime fiscal privilegiado, a alíquota aplicável passa a ser de 25% (cf. artigo 685, II, b, do RIR/1999).

11 O Brasil adotou, como método destinado a eliminar a dupla tributação que haveria caso o lucro da pessoa jurídica fosse tributado tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física do seu sócio, a regra de isenção de dividendos, prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249/1995, tanto por ocasião da sua distribuição quanto na apuração do imposto de renda devido pela pessoa física realizada mediante declaração de ajuste anual. Há, no entanto, países que não dispõem de métodos de eliminação integral da dupla tributação ou, quando muito, são métodos que eliminam a dupla imposição apenas parcialmente.

12 OECD. Thin capitalisation report adopted by the OECD Council on 26 november 1986 (Anexo R dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE), pp. 13-14.

13 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002, p. 85.

14 Veja-se o trecho da Exposição de Motivos em que tais objetivos ficam claros: “12. Com relação à tributação de lucros e dividendos, estabelece-se a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando-se esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-os quando do recebimento pelos beneficiários. Além de simplificar os controles e inibir a evasão, esse procedimento estimula, em razão da equiparação de tratamento e das alíquotas aplicáveis, o investimento nas atividades produtivas.”

15 Veja-se: “11. A permissão de dedução de juros pagos ao acionista, até o limite proposto, em especial, deverá provocar um incremento das aplicações produtivas nas empresas brasileiras, capacitando-as a elevar o nível de investimento, sem endividamento, com evidentes vantagens no que se refere à geração de empregos e ao crescimento sustentado da economia. Objetivo a ser atingido mediante a adoção de política tributária moderna e compatível com aquela praticada pelos demais países emergentes, que competem com o Brasil na captação de recursos internacionais para investimento.”

16 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. São Paulo: Manole, 2007, pp. 1-32.

17 Trata-se do Acórdão nº 101-95.014 julgado pela primeira câmara do primeiro Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - Carf) em sessão de 15.6.2005 de relatoria do Conselheiro Mário Junqueira Franco Júnior e do Acórdão nº 9101-00.287 julgado pela primeira turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF-Carf) em sessão de 24.8.2009 de relatoria da Conselheira Adriana Gomes Rêgo.

18 Confira-se, abaixo, trecho do voto condutor proferido: “No mais, as opções de financiamento utilizadas pela controlada no exterior não ferem em nada a legislação tributária, principalmente porque não temos no Brasil qualquer regra de limitação de dedutibilidade de encargos de financiamento pelo próprio sócio com relação à denominada ‘thin capitalization’ ou subcapitalização, como ocorre no Eeuu (no máximo 3 de financiamento do sócio para 1 de capital), ou no México (1,5 de financiamento para 1 de capital). Querer utilizar-se do conceito de subcapitalização para limitar a dedutibilidade de encargos com empréstimos contraído da controladora no exterior, seria o mesmo que, antes da legislação sobre preços de transferência, limitar-se a dedutibilidade de custos na importação, sem qualquer critério legal, ou pior, glosando-se integralmente o valor dos encargos.”

19 Veja-se, neste sentido, o emblemático trecho do seu voto: “Mas concordo com os doutrinadores já citados que o legislador pátrio não cuidou de modo específico da subcapitalização, pois inexistem no ordenamento jurídico nacional regras sobre o coeficiente de endividamento admissível ou safe haven. Portanto, está-se diante de uma situação cuja definição precisa carece de base legal. No entanto, outras regras específicas à legislação do Imposto de Renda existem e precisam ser trazidas ao presente contexto. Assim, ouso divergir do relator do voto condutor do acórdão recorrido quanto ao entendimento de que, como no Brasil não há regras de subcapitalização, tais juros e variações cambiais deveriam ser tratados como despesas dedutíveis. (...) Logo, faz-se necessário, sim, verificar se as despesas em comento atendem aos requisitos de necessidade, usualidade e normalidade, o que, como já dito, não se observa no presente caso, no tocante à necessidade, vez que, por liberalidade das partes envolvidas, adotou-se a forma de empréstimos, em detrimento da capitalização. (...) Reconheço que a compra da Kolynos representou para a Colgate um incremento de receitas, um aumento na sua produção, enfim, uma maior representatividade no mercado. Contudo, argumentos dessa natureza justificam a compra de uma empresa pela outra, mas não a forma adotada de empréstimos, ao invés de capitalização.”

20 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a Renda - pessoas jurídicas. Vol. I. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 369.

21 BOBBIO, Norberto. 2007. Op. cit., pp. 1-32.

22 Não pretendemos discutir, aqui, se as normas brasileiras correspondem, de fato, às thin capitalization rules adotadas no direito comparado.

23 Há autores que entendem que as exigências que devem ser rigorosa e cumulativamente observadas pelo contribuinte, consubstanciadas no artigo 26 da Lei nº 12.249/2010, são desproporcionais tornando quase impossível a dedução de despesas com juros pagos a beneficiários residentes no exterior. Dentre os aspectos mencionados, aponta a literatura especializada que apenas o requisito previsto no inciso III do artigo 26 (comprovação documental do pagamento e do recebimento dos bens, direito ou serviços contratados) estaria ao alcance da sociedade residente no Brasil (devedora). Os demais requisitos não estariam, jamais, ao alcance da sociedade residente no Brasil, sobretudo, quando se tem em mente que muitas das transações realizadas entre um residente brasileiro e um residente em um país de tributação favorecida ou beneficiário de regime fiscal privilegiado não envolvem partes relacionadas. Tal fato torna ainda menos provável que as despesas incorridas sejam efetivamente deduzidas o que somente se justifica em vista da função indutora da norma em desestimular transações com empresas beneficiadas por regimes fiscais favorecidos e em combater a concorrência fiscal lesiva. Confira-se, neste sentido: ROCHA, Sergio André. “Comentários sobre a restrição à dedutibilidade de despesas prevista no artigo 26 da Lei n. 12.249/2010”. Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT) nº 188. São Paulo: Dialética, 2011, pp. 121-122.

24 Veja-se, neste sentido: ROLIM, João Dácio; e CAMPOS, Fabrício Costa Resende de. “Juros, preço de transferência e regras de subcapitalização”. Tributos e preços de transferência. 4º vol. SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). São Paulo: Dialética, 2013.

25 ROLIM, João Dácio; e CAMPOS, Fabrício Costa Resende de. Op. cit., p. 140.

26 Idem.

27 SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2013, p. 357.

28 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 179.

29 Ibidem, p. 182.

30 OECD. Model tax convention on income and on capital: condensed version. 2010, pp. 181-182. No original: “As discussed in the Committee on Fiscal Affairs’ Report on ‘Thin Capitalisation’ (Adopted by the Council of the OECD on 26 November 1986 and reproduced in Volume II of the full-length version of the OECD Model Tax Convention at page R(4)-1.), there is an interplay between tax treaties and domestic rules on thin capitalization relevant to the scope of the Article. The Committee considers that: a) the Article does not prevent the application of national rules on thin capitalisation insofar as their effect is to assimilate the profits of the borrower to an amount corresponding to the profits which would have accrued in an arm’s length situation; b) the Article is relevant not only in determining whether the rate of interest provided for in a loan contract is an arm’s length rate, but also whether a prima facie loan can be regarded as a loan or should be regarded as some other kind of payment, in particular a contribution to equity capital; c) the application of rules designed to deal with thin capitalisation should normally not have the effect of increasing the taxable profits of the relevant domestic enterprise to more than the arm’s length profit, and that this principle should be followed in applying existing tax treaties.”

31 OECD. Thin capitalisation report adopted by the OECD Council on 26 november 1986, pp. 22-23.

32 XAVIER, Alberto. Op. cit., pp. 346-354.

33 MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. “As regras de subcapitalização adotadas pela Lei nº 12.249/10 e sua aplicação em situações abrangidas por acordos para evitar a dupla tributação celebrados pelo Brasil”. Revista Direito Tributário atual nº 24. São Paulo: Dialética, 2010.

34 QUEIROZ, Lívia da Silva. “O tratamento legal da subcapitalização e o princípio da não discriminação nas convenções para evitar bitributação”. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT n. 61, ano 11, 2013, p. 121.

35 CASTAGNÈDE, Bernard. Op. cit., p. 95.

36 Ibidem, p. 96.

37 OECD. Model tax convention on income and on capital: condensed version. 2010, p. 350. No original: “Paragraph 4 does not prohibit the country of the borrower from applying its domestic rules on thin capitalisation insofar as these are compatible with paragraph 1 of Article 9 or paragraph 6 of Article 11. However, if such treatment results from rules which are not compatible with the said Articles and which only apply to non-resident creditors (to the exclusion of resident creditors), then such treatment is prohibited by paragraph 4.”

38 No mesmo sentido: MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Op. cit.

39 OECD. Thin capitalisation report adopted by the OECD Council on 26 november 1986, p. 7. No original: “It derives from the fact that the broad distinction between debt financing and equity financing, may sometimes be blurred since, for example, creditors may at some stage be able to convert their debt into a participation in the equity of the company, or the interest which they are entitled to receive may be closely dependent on the profits made by the company.”

40 CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Op. cit., pp. 192-194.

41 Ibidem, p. 193.

42 OECD. Model tax convention on income and on capital: condensed version. 2010, p. 191. No original: “Articles 10 and 11 do not therefore prevent the treatment of this type of interest as dividends under the national rules on thin capitalisation applied in the borrower’s country. The question whether the contributor of the loan shares the risks run by the enterprise must be determined in each individual case in the light of all the circumstances, as for example the following: (i) the loan very heavily outweighs any other contribution to the enterprise’s capital (or was taken out to replace a substantial proportion of capital which has been lost) and is substantially unmatched by redeemable assets; (ii) the creditor will share in any profits of the company; (iii) repayment of the loan is subordinated to claims of other creditors or to the payment of dividends; (iv) the level or payment of interest would depend on the profits of the company; (v) the loan contract contains no fixed provisions for repayment by a definite date.”

43 OECD. Thin capitalisation report adopted by the OECD Council on 26 november 1986, p. 26.

44 VOGEL, Klaus. Double tax treaties and their interpretation. International Tax and Business Law, 1986, pp. 68-69.

45 OECD. Addressing base erosion and profit shifting. Paris: OCDE Publishing, 2013, pp. 52-53.

46 OECD. Action plan on base erosion and profit shifting. Paris: OCDE Publishing, 2013, p. 17.

47 OECD. Addressing base erosion and profit shifting. Paris: OCDE Publishing, 2013, pp. 52-53.

48 OECD. Action plan on base erosion and profit shifting. Paris: OCDE Publishing, 2013, p. 15.