Direito Tributário Disciplinar, Interdisciplinar, Multidisciplinar, Pluridisciplinar e Transdisciplinar

Discipinary, Interdisciplinary, Multidisciplinary, Pluridisciplinary and Transdisciplinary Tax Law

Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFBA. Advogado. E-mail: marcosavb@ig.com.br.

Resumo

Os autores do Direito Tributário no Brasil vêm discutindo a melhor forma de estudar essa disciplina há muitas décadas, tendo prevalecido por bastante tempo um entendimento de que ela não deveria se aproximar das demais. Recentemente, no entanto, tem crescido o interesse pela interdisciplinaridade, que vem sendo o centro das discussões nos últimos 10 a 15 anos. Este texto propõe uma visão complexa da disciplina, que busca delimitar adequadamente as suas fronteiras e, ao mesmo tempo, as faz desaparecer, para que uma visão transdisciplinar possa produzir novos e mais complexos conceitos, alimentando a disciplina de modo a fazê-la avançar com mais velocidade, sobretudo com olhos numa modificação da realidade econômico-social do País.

Palavras-chave: Direito Tributário, disciplinaridade, interdisciplinaridade, pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade.

Abstract

Tax scholars in Brazil have been discussing the best ways to study this discipline for several decades, having prevailed for a long time an understanding that it should not get mixed up with other disciplines. In the last 10 to 15 years, however, the interest on interdisciplinarity has seen a great increase in interest and has since been the core of the discussions. This paper proposes a complex view of the discipline, which seeks to properly delimitate its boundaries, while, at the same time, allow them to be blurred, aiming that a transdisciplinary view may produce new and more complex concepts, feeding the discipline to permit it to advance more quickly, with eyes especially on the modification of the economic and social reality of the country.

Keywords: Tax Law, disciplinarity, interdisciplinarity, pluridisciplinarity, multidisciplinarity, transdisciplinarity.

1. O Problema Prático: como modificar a Triste Realidade Econômico-social do País a partir do Direito Tributário Brasileiro?

O Brasil é um país repleto de riquezas naturais e tem um dos maiores PIBs do mundo, embora venha crescendo muito pouco nos últimos meses. Ao mesmo tempo, o Brasil revela uma das maiores desigualdades econômico-sociais do planeta1 e alguns dos piores indicadores de qualidade dos serviços públicos. Uma das principais causas dessa realidade triste e contraditória é o seu sistema tributário regressivo, complexo, tendencioso, confuso e conflituoso, que segue a contramão dos países desenvolvidos e nos leva à seguinte conclusão: modificá-lo é uma necessidade premente.

Como experts nos temas tributários, os estudiosos do Direito Tributário brasileiro têm em mãos o poder de alterar o País sensivelmente para melhor, desde que consigam encontrar as medidas adequadas para tanto e, em seguida, persuadir a classe política a tomá-las. Em uma democracia, onde a sociedade deve ter voz ativa, os experts são aqueles que não devem poupar esforços2 para alimentar essa sociedade com informações3 complexas capazes de convencer os agentes estatais sobre as mudanças institucionais necessárias a um novo rumo4.

Para isso, deveria haver um diálogo mais constante dos tributaristas com a classe política e um dos focos principais da doutrina tributária deveria ser o estudo da política tributária, âmbito ainda considerado extrajurídico por muitos autores do País e deixado de lado por outros, que preferem se concentrar em temas de interesse dos seus clientes efetivos e potenciais. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos e em muitos países da Europa, não se vê no Brasil a política tributária como uma disciplina de cursos jurídicos de graduação e pós-graduação, como também não se vê uma abordagem sua nos principais livros estudados no País.

Desde as décadas de 1960 e 1970, construiu-se uma tradição lógico-semântica no Direito Tributário brasileiro que afastou teoria e prática; normas, fatos e valores; legislação e jurisprudência etc. Apesar dos esforços de Ruy Barbosa Nogueira e dos seus seguidores da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - Universidade de São Paulo, prevaleceu no País, em geral, a atitude reducionista, formalista e dogmática de estudo da disciplina tributária, o que provocou, segundo defende Roberto Mangabeira Unger, um estudo excessivamente teórico do Direito, mas que, ao mesmo tempo, não consegue aprofundar teoricamente, pois representa um conjunto de taxonomizações e outras abstrações, que, por falta de base prática e cabedal filosófico mais aprofundado, se perde em suas próprias construções teóricas5.

Os cursos e manuais de Direito Tributário no Brasil, por mais que discordem uns dos outros em alguns pontos, invariavelmente se iniciam com as abstrações teóricas e se concluem com os tributos em espécie, muitas vezes estudados sob o ponto de vista da regra-matriz de incidência e com aplicação daqueles conceitos abstratos, construídos com pouco entrelaçamento prático6. Ainda que alguns autores venham produzindo trabalhos com maior inter-relacionamento entre teoria e prática, o seu foco, raramente, foi a política tributária, normalmente estudada pelos economistas.

O desinteresse pela política tributária e por cruzamentos entre o Direito Tributário e outras disciplinas ficou evidente para nós quando percebemos que a palavra “transdisciplinaridade” não aparecia em 2013 e continua não aparecendo em todos os textos jurídico-tributários que pudemos consultar até hoje7, e que a optimal taxation theory (teoria tributação ótima)8, tema estudado há aproximadamente 100 anos em outros países, não recebia qualquer menção dos juristas no Brasil e pouquíssima menção dos economistas.

Entendemos que essa situação está intimamente vinculada à perspectiva dogmática, legalista e isolacionista que se construiu do Direito Tributário brasileiro e ainda custa a cair até hoje. Mesmo os autores que vieram defendendo um inter-relacionamento entre a disciplina tributária e as demais, aparentemente ainda buscam compreender como esse entrelaçamento deve acontecer. O discurso antidogmático de hoje é o mesmo discurso dogmático, porém acompanhado de algumas considerações econômicas, financeiras ou contábeis.

Nos últimos anos, a palavra interdisciplinaridade surgiu como a novidade que poderia solucionar esse problema9, mas essa tática metodológica ainda parece mal definida e, do modo como vem sendo tratada pelos epistemólogos que estão em estágio mais avançado de análise do tema, deve ser compreendida como um método limitado de complexificação do conhecimento.

Este trabalho busca lidar com os conceitos de disciplinaridade, de interdisciplinaridade, de multidisciplinaridade, de pluridisciplinaridade e de transdisciplinaridade, algumas vezes confundidos uns com os outros, analisando-os com o objetivo de propor um conhecimento do Direito Tributário brasileiro que possa ser mais útil à solução dos graves problemas econômico-sociais do País, requerendo, portanto, um método que guie o estudioso numa análise capaz de partir de uma postura transdimensional, que caminhe não apenas de cima para baixo (dedutivamente), mas, concomitantemente, de baixo para cima (indutivamente), de dentro para fora e de fora para dentro (inter-relacionamento entre sistemas).

2. O Problema Teórico: como lidar com o Paradoxo da Disciplinaridade?

2.1. Antes de tudo um problema existencial, mas também científico

O mundo é complexo10, contraditório11 e paradoxal12. Essa é, segundo entendemos, uma das principais conclusões da corrente de pensadores que se autodenomina “transdisciplinar”. Muitas discussões ferrenhas existentes nas ciências ou mesmo no dia a dia dos seres humanos decorrem da dificuldade de compreendermos o fato de que cada interpretação que realizamos de todos os fenômenos em nossa volta é parcial e que cabe a nós acrescermos o máximo de dimensões possíveis a uma determinada conclusão que produzimos. Essas diferentes dimensões, ou perspectivas, se comunicam de forma autorreflexiva, gerando a possibilidade de conclusões mais complexas.

A absorção dessa noção de mundo complexo, contraditório e paradoxal permite que o indivíduo se mantenha mais aberto às novidades, às refutações de ideias, à aceitação daquilo que lhe parece inicialmente inadequado e tantas coisas mais. Absorvida essa noção, fica mais fácil colocar em prática, por exemplo, a resiliência, o amor ao próximo, a destituição de preconceitos e, quem sabe, até seria possível evitarmos algumas guerras.

No âmbito científico, a absorção dessa noção permite que o conhecimento evolua mais rápido, pois faz com que os pensadores estejam mais abertos a negociar as suas certezas, que aceitem as críticas sem se ofender, que sejam, em geral, mais humildes e afetivos. O âmbito jurídico está repleto de importantes discussões que poderiam ser resolvidas por concessões feitas pelos lados que conflitam.

Um exemplo desse problema existencial humano, e também científico, é a antiga discussão sobre a autonomia do Direito Tributário. Na década de 1960 já se discutia bastante sobre esse tema, que envolvia inúmeras outras subdiscussões, a exemplo da possibilidade da interpretação econômica sobre o Direito Tributário e do inter-relacionamento entre esse subsistema jurídico e os demais subsistemas, assim como entre ele e as demais ciências.

O entendimento que predomina até hoje é o de que o Direito Tributário é uma disciplina autônoma, mas há muitas divergências sobre como essa autonomia se manifesta. Pode parecer que todos os pontos de vista concordam, mas afirmar, simplesmente, que “há autonomia”, pode significar muitas visões distintas. Primeiro, é possível acrescentar termos qualitativos que direcionam o sentido do termo “autonomia”, como “relativa” e “absoluta”, por exemplo. Segundo, mesmo os autores que afirmam haver uma “autonomia relativa” do Direito Tributário, muitas vezes discordam acerca de como se dá essa relatividade.

Nota-se que, a partir de um problema aparentemente simples, podem surgir inúmeras teorias, pois é o sujeito que monta o sistema frente aos problemas, e esses têm, em regra, várias facetas, várias dimensões que podem ser percebidas isoladamente ou de um modo mais inter-relacional, complexo.

2.2. Histórico do problema

Quando o Direito se encontrou muito envolvido com outras disciplinas, como a Política e a Sociologia, Hans Kelsen se propôs a montar um sistema fechado e escalonado de normas sobre normas13, que permitisse uma visão do direito de modo a isolá-lo do objeto das demais disciplinas. O mesmo foi feito no Direito Tributário brasileiro por autores como Alfredo Augusto Becker; mais tarde, por Geraldo Ataliba; e, enfim, por Paulo de Barros Carvalho. Esses autores, ainda que com pensamentos não exatamente idênticos, procuraram conferir contornos mais definidos à disciplina, que se encontrava imersa na Ciência das Finanças e mesclada com o Direito Financeiro.

De outro lado, havia vozes que clamavam por um maior inter-relacionamento do Direito Tributário com outras subdisciplinas jurídicas e com outras disciplinas, como a Economia. Aplicando lições alemãs - em regra mais avançadas do que as nossas, temos que admitir -, Amílcar de Araújo Falcão e outros autores defendiam a possibilidade de uma interpretação econômica do Direito Tributário ainda na década de 1960, mas não foi essa a visão que prevaleceu na doutrina, como também nos órgãos julgadores administrativos e judiciais brasileiros.

Nos últimos anos, entretanto, as discussões sobre o tema da autonomia e da interpretação econômica cresceram muito. Por exemplo, o Carf começou a aplicar uma nova perspectiva sobre as discussões em torno de planejamentos tributários, na linha do que defendia Amílcar de Araújo Falcão, e muitos autores também passaram a falar no termo “interdisciplinaridade”.

Algumas escolas ainda isoladas, se considerarmos o tamanho do Brasil, vêm se dedicando a aproximações chamadas de “Direito e algo” (Law and something)14. É o caso de alguns professores, sobretudo, da GVLaw e do Rio Grande do Sul, a exemplo de Paulo Caliendo, que vêm realizando uma aproximação entre Direito e Economia (Law and Economics), muito comum nos Estados Unidos desde meados do século XX e, também, em países europeus.

Antes deles, autores como Ives Gandra da Silva Martins e Ricardo Lobo Torres também se dedicaram a aproximações entre Direito Tributário e Economia, como Roberto Quiroga Mosquera e outros autores vêm se dedicando mais recentemente a uma aproximação entre Direito Tributário e Contabilidade. Todas essas investidas vêm sendo importantes, porém pretendemos demonstrar neste trabalho que a visão transdisciplinar é, ainda, muito mais ampla e complexa do que elas.

José Souto Maior Borges tem escrito belos textos propondo uma visão mais zetética15 e complexa do Direito Tributário16, o que envolveria a utilização de recursos interdisciplinares. Marco Aurélio Greco segue uma linha semelhante, propondo uma desdogmatização, uma desformalização do Direito Tributário brasileiro, que ficou limitado à análise lógico-semântica dos textos legais nas últimas décadas, situação que teria sido motivada, dentre outras razões, pela ditadura militar17. Concordamos quando esses dois importantes autores dizem que o novo caminho da disciplina deve passar por um pensamento complexo, por um maior relacionamento das disciplinas, por um aprofundamento filosófico e pela obra de Tercio Sampazio Ferraz Jr.

Steven D. Smith explica que, nos Estados Unidos, já se questiona a forma de estudo jurídico construída no ocidente durante a Modernidade há, pelo menos, mais de um século e toma como base o jurista18 e pragmatista americano19 Oliver Wendell Holmes Jr., que, em texto publicado no ano de 1897, questionava o tradicionalismo do estudo e da prática jurídica, na época muito pautados na lógica formal20, sugerindo uma visão mais política do Direito21, dentro da qual uma das propostas era a sua aproximação com a Estatística e a Economia22.

Smith sustenta que vários diferentes modelos têm sido utilizados nos Estados Unidos, desde o início do século XX, para tentar desenvolver o novo estudo do Direito que se procura. Para tanto, criou-se os movimentos “Direito e” (Law and), como, por exemplo, Direito e Filosofia (Law and Philosophy) e Direito e Economia (Law and Economics). Segundo a proposta deste trabalho, como veremos, essas estratégias duais não são ainda soluções à altura da complexidade do fenômeno jurídico, que requer um discurso tão complexo quanto ele próprio.

Este texto tem, dentre outras, a intenção de provocar naqueles que operam com o Direito Tributário no Brasil o desejo de buscar visões mais complexas, que tentem enxergar diferentes dimensões do problemas e possam viabilizar uma compreensão de como as discussões sobre a autonomia da disciplina Direito Tributário surgiram, se desenvolveram e para onde talvez possam ser canalizadas.

3. Paradoxo da Disciplinaridade ou da Interdisciplinaridade?

Dois textos relativamente recentes serão aqui analisados e contrapostos como bases para as tomadas de conclusão. Eles têm títulos muito semelhantes, porém referenciais teóricos e conclusões muito distintos. O primeiro deles foi publicado em 2005 por Marcelo Neves, e o segundo por Paulo de Barros Carvalho, em 2007, e ambos contêm a expressão “o paradoxo da interdisciplinaridade” em seus títulos. Daí o título deste item, que sugere uma questão: estamos tratando aqui de um paradoxo da disciplinaridade, da interdisciplinaridade, de outra coisa, ou de todas elas?

Os adeptos da transdisciplinaridade realizaram um grande favor ao pensamento humano quando definiram o que seria disciplinaridade, interdisciplinaridade, pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade, e, por fim, a própria transdisciplinaridade23. Ficou de certo modo consolidado entre eles que as disciplinas precisam existir, e com contornos muito bem definidos. Assim, é possível organizar, por exemplo, as ciências e os cursos acadêmicos, que se voltam para a solução de problemas afetos a cada ramo do saber.

Por outro lado, a despeito de a disciplinaridade ser imprescindível a uma conferência de rigor científico e ao estabelecimento de normas próprias de cada tipo de conhecimento, os pensadores transdisciplinares também perceberam que as disciplinas precisam se comunicar e gerar um novo conhecimento para além delas. A complexidade dos problemas gera muitas vezes a necessidade de uma complexificação dos sistemas que são montados para resolvê-los, ao passo que o limite das ferramentas oferecidas pela disciplinaridade é muito curto para os desafiadores problemas da chamada Pós-Modernidade24-25.

A interdisciplinaridade e a pluridisciplinaridade passaram a ser, ainda em meados do século passado, recursos para que se pudesse ir mais longe do que o ponto até onde a disciplinaridade tinha sido capaz de levar os seres humanos. A já referida linha de pesquisa conhecida como Law and Economics, por exemplo, surgiu entre as décadas de 1940 e 1960 nos Estados Unidos, apesar de que já vinham sendo desenvolvidas pesquisas com essa toada há muito mais tempo26. Apesar disso, uma maior penetração dessa e de outras linhas mais complexas de estudo do Direito apenas se deu no Brasil há pouco tempo.

A interdisciplinaridade é uma forma de conhecimento que procura aplicar métodos ou conceitos de uma disciplina a outra27. Por exemplo, pode-se utilizar métodos econômicos, como a análise de custo versus benefício, para um estudo das tomadas de decisão em casos difíceis, como também é possível empregar noções de microeconomia para estudos sobre a incidência dos tributos em casos específicos. A interdisciplinaridade inter-relaciona duas disciplinas, mas não vai além disso. Ela pode chegar a novas ideias para cada disciplina, mas fica presa a elas.

É importante seguir essa visão, para que não se confundam diferentes formas cognoscitivas. Ao se tentar um conhecimento ainda mais complexo, inter-relacionando não apenas duas, porém três, quatro ou mais disciplinas, utiliza-se da pluridisciplinaridade. Muitos autores tratam a pluri e a multidisciplinaridade como sinônimos, porém aqueles mais especializados em Pedagogia e no tema da transdisciplinaridade preferem diferenciá-las, como faz Américo Sommerman, um dos brasileiros que mais conhece sobre o tema. A multidisciplinaridade recebe uma visão mais pedagógica, enquanto que a pluridisciplinaridade seria a palavra que procuramos aqui para nos referirmos à prática epistemológica de aproximação entre disciplinas28.

A transdisciplinaridade surgiu como uma consequência de esforços da mente brilhante de vários pensadores, apesar de o termo ter sido proferido primeiramente, pelo que se conta, por Jean Piaget, em 197029. Essa forma de montar o sistema cognoscitivo surgiu como um passo à frente perante a disciplinaridade, a interdisciplinaridade, a pluridisciplinaridade e a multidisciplinaridade, que decorreu de um longo processo histórico dentro qual houve inúmeros encontros internacionais30. A transdisciplinaridade procura reconhecer as fronteiras das disciplinas, mas também busca transgredi-las para permitir que o seu inter-relacionamento gere um pensamento mais complexo e ferramentas melhores para lidar com os problemas transdimensionais31.

Aqui voltamos à questão do paradoxo. Os seres humanos não conseguem desvelar muitas dúvidas e sair de discussões duras com os demais, pois têm dificuldade de compreender que as coisas podem ser, não ser e ser mais ou menos ao mesmo tempo. Essa dificuldade decorre de toda a nossa base cognoscitiva, sobretudo a ocidental, construída desde o início da Modernidade por René Descartes, Isaac Newton e outros.

A visão transdisciplinar que sugerimos para o Direito Tributário brasileiro toma como base autores que confrontaram esse pensamento moderno, como Hegel e Charles Peirce, mas que terminaram ficando em segundo plano no Brasil. Esses autores propunham uma visão mais histórica, evolucionista do conhecimento, sendo a falta dessa, exatamente, uma das críticas que a transdisciplinaridade realiza às aproximações que lhe são anteriores32. Dentro da transgressão das disciplinas, a História e a Filosofia aparecem como fontes de conhecimento imprescindíveis para uma compreensão profunda dos fenômenos e atenta ao fluir temporal.

A transdisciplinaridade não se resume, no entanto, à visão paradoxal das disciplinas e a um estudo histórico e filosófico. Ela também propõe a quebra da segregação entre pensamento científico, pensamento comum e formas artísticas de expressão. Deste modo, a aproximação entre ciência e sociedade, proposta por Boaventura de Souza Santos, é parte da transdisciplinaridade. Ainda, a aproximação entre Direito e Arte, que vem se tornando comum nos últimos anos, sobretudo pela influência de Tercio Sampaio Ferraz Jr., é também um elemento do pensamento transdisciplinar.

Como se nota, tendo em vista o seu profundo estudo, ao longo de décadas, por algumas das cabeças mais brilhantes do mundo, a transdisciplinaridade deixou de ser apenas uma perspectiva epistemológica para se tornar um conjunto de métodos, uma linha de pensamento e, até mesmo, uma filosofia de vida. Não há espaço para irmos tão a fundo neste texto, mas, aos interessados, a literatura sobre o tema em livros e na internet é vastíssima.

Com a visão mais complexa da transdisciplinaridade, é possível aceitar que as disciplinas podem ser bem delineadas numa ótica, mas, em outra ótica, em outro plano, ou em outra dimensão, elas precisam estar entrelaçadas. Deste modo, preferimos falar num paradoxo da disciplinaridade, e não da interdisciplinaridade, que, após as definições acima realizadas, surge como uma das formas limitadas de lidar com esse paradoxo. A interdisciplinaridade, a pluridisciplinaridade e a multidisciplinariedade são passos iniciais para aquela que é, até o momento, a mais complexa das formas de lidar com o paradoxo da disciplinaridade: a transdisciplinaridade.

Partindo dessas premissas, o problema passa a ser, então: como montar coerentememte o sistema para realizar esse conhecimento que é e não é, ou seja, como, ao mesmo tempo, reconhecer fronteiras rígidas das disciplinas e também não ver as fronteiras de modo a, por exemplo, valorizar mais aspectos práticos e valorativos do direito na interpretação dos textos, e conseguir lidar com problemas econômico-sociais a partir de ferramentas de política tributária?

4. Direito Tributário Disciplinar e Transdisciplinar

Para facilitar a compreensão dessa complexa visão, vale a pena nos servirmos de uma metáfora. O conhecimento disciplinar é denominado pela transdisciplinaridade de unidimensional, pois fica preso à dimensão da disciplina, àqueles conceitos já conhecidos pelos seus estudiosos, não tendo espaço para grandes evoluções, que não desdobramentos desses próprios conceitos. É como uma linha numa folha de papel, que pode ser alargada para os lados, pode até ser infinita, mas não ganha profundidade, porquanto só há uma dimensão, um conjunto de conceitos determinados por certas regras.

Essa é a visão que predominou no Direito Tributário nas últimas décadas, de modo que ele era visto como uma disciplina segmentada, que não deveria se relacionar com outras ciências e nem mesmo com subdisciplinas jurídicas a exemplo do Direito Financeiro. Ainda que tenha sido possível avançar no estudo dos conceitos do Direito Tributário, estendendo a linha unidimensional dessa disciplina, ela não ganhou profundidade, pois ficou presa em si mesma.

Ao adicionarmos uma linha para baixo à linha horizontal do Direito Tributário, a exemplo da Economia, ela ganha largura, além da extensão, deixando de ser uma disciplina unidimensional e passando a se relacionar com outra que lhe agrega tremendamente em conhecimento, pois o Direito Tributário estuda a tributação de fatos econômicos (microtributação) e é também ferramenta essencial da política econômica de um país (macrotributação)33. A visão antes unidimensional passou a ser bidimensional, interdisciplinar, hoje conhecida como Law and Economics.

Se, contudo, adicionarmos Sociologia à linha Law and Economics, além de extensão e largura, a figura ganha altura, tornando-se tridimensional. A Sociologia tem sido amplamente empregada para compreender a complexificação das relações sociais que servem de base aos estudos jurídicos e econômicos. Luhmann chegou a uma visão do Direito extremamente complexa, a partir de conceitos sociológicos desenvolvidos profundamente por ele com apoio em conceitos filosóficos, cibernéticos etc.

Enfim, queremos demonstrar que inúmeras dimensões podem ser adicionadas ao conhecimento do Direito Tributário, sem que ele perca as suas fronteiras. A título de ilustração, seguem abaixo representações de um mesmo objeto em uma, duas, três, quatro e cinco dimensões. Quanto mais dimensões são acrescidas, percebe-se o aumento de complexidade do objeto, metáfora que pode ser utilizada para a relação entre conhecimento e objeto:

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De acordo com os neurocientistas, as ilusões de óptica, como aquelas que temos quando olhamos para uma figura tridimensional, decorrem dos padrões aos quais o nosso corpo, inclusive o nosso cérebro, está adaptado. Essas noções são muito importantes para quem se interessa por epistemologia, pois nos lembra que o ser humano se acomoda nos padrões aos quais está submetido e é preciso sair da zona de conforto para que possa ter novas visões. Analisando de outro modo, é como se nós nos programássemos para uma determinada dimensão de mundo, porém, com muito esforço e aptidão para tanto, conseguiríamos ir percebendo novas dimensões, aquilo que fica potencializado, mas que, por não vermos em um primeiro momento, não significa que não esteja lá34.

Dentro dessa linha, podemos encontrar uma forma mais útil de montar o sistema do conhecimento do Direito Tributário, o que requer uma visão disciplinar e, conjuntamente, uma visão transdisciplinar do Direito e do Direito Tributário. O Direito é uma disciplina, uma ciência com limites próprios, assim como o Direito Tributário é uma subdisciplina, porém tanto a disciplina como a subdisciplina poderão se encontrar inter-relacionadas com outras disciplinas ou subdisciplinas para resolver problemas que exijam métodos ou conceitos típicos delas. Nesse caso, surge um novo conhecimento que vai além delas.

A tradição instalada no Direito Tributário brasileiro nas últimas décadas, que afastou o Direito dos fatos e dos valores, que afastou o Direito Tributário do Direito Financeiro e que renegava a possibilidade de interpretações econômicas em seu seio, nos parece limitada e geradora de uma disciplina superficial, fechada dentro de si e, por conseguinte, pouco capaz de produzir conclusões mais complexas, que tenha maiores condições de alterar a realidade e gerar benefícios concretos para a sociedade.

Apesar disso, é preciso ter cuidado, também, com a supervalorização das ferramentas interdisciplinares e pluridisciplinares, como bem chamou atenção Marcelo Neves. Essas formas de estudo podem provocar avanços interessantes para o Direito Tributário brasileiro, porém, como todo pensamento totalizador ou supervalorizador, pode cair no engano de não enxergar outros inter-relacionamentos necessários à solução dos problemas, assim como de manter a seletividade do subsistema jurídico-tributário perante o seu ambiente.

A análise econômica do Direito Tributário desvela possibilidades cognoscitivas interessantes para o estudo da extrafiscalidade, para estudos de política tributária e tantos outros. Não se deve, todavia, achar que a linha Law and Economics é a solução para todos os problemas e que basta aos tributaristas estudarem Economia e cruzarem os seus conceitos com os do Direito Tributário, como também não se pode realizar uma “economização do direito”35. Hoje, alguns autores procuram criar uma teoria da decisão baseada em critérios econômicos frios, como se fosse possível fixar um cálculo decisório sem análises de cunho filosófico moral, por exemplo.

Com frequência, os problemas tributários também requerem conhecimentos contábeis e financeiros. Para análises acerca do comportamento de Fisco e contribuintes na sua interação, podem ainda ser empregados conhecimentos sociológicos, psicológicos e matemáticos. O conhecimento é muito vasto e várias disciplinas podem contribuir para avanços no Direito Tributário brasileiro, não podendo nos esquecer da Filosofia e da História, que oferecem, como já dito, uma visão do passado, da evolução do mundo e do conhecimento, permitindo aprofundamento e antevisões do futuro.

Enfim, a transdisciplinarização do Direito Tributário abre uma infinidade de possibilidades, desde que se tenha o cuidado de não deixar desaparecem as fronteiras claras e bem delimitadas da disciplina, que estuda os tributos na outorga de competências pela Constituição, passando pela sua instituição legislativa até chegar à arrecadação de fundos para o Estado que acontece na complexa relação entre Fisco e cidadão, dentro da qual são realizadas inúmeras comunicações distintas, com naturezas variadas, as quais determinam aquilo que será previsto em toda legislação. Não existe propriamente início, meio e fim nesse objeto, pois tanto os fatos e seus problemas, como as leis e suas interpretações são dimensões inter-relacionadas do jurídico, que se autoinfluenciam numa causalidade espiral.

Essa seria uma hipótese de delimitação do Direito Tributário Disciplinar, mas o Direito Tributário Transdisciplinar termina por envolver, por exemplo, o gasto da arrecadação dos tributos, objeto típico do Direito Financeiro, porém dependente do Direito Tributário em vários aspectos. Enquanto poderosa ferramenta política, econômica e social que é a atividade tributária do Estado, o Direito Tributário Transdisciplinar termina envolvendo estudos sobre as políticas econômicas que os Estados devem adotar, como aquilo que deverá ser feito para reduzir as desigualdades sociais36.

Uma visão do Direito Tributário que o compreenda como disciplina autônoma e também como parte de sistemas (trans)disciplinares mais complexos permite aproveitar as vantagens do inter-relacionamento dessa disciplina com outras, que ocorria no Brasil com maior frequência até a década de 1960, sem perder de vista a sua delimitação científica, que foi foco dos tributaristas brasileiros nas últimas décadas, sobretudo após a publicação da obra Teoria geral do Direito Tributário por Alfredo Augusto Becker, em 1963.

5. A Comunicação entre o Direito Tributário Disciplinar e o Transdisciplinar

Voltemos aos textos de Marcelo Neves e de Paulo de Barros Carvalho antes mencionados. Este último autor reafirma em seu trabalho muito daquilo que sempre defendeu e que encontra aceitação por vastíssima quantidade de operadores do Direito Tributário no País, porém ele busca avançar com uma visão do Direito Tributário que denomina de “interdisciplinar”.

Logo no início, Paulo de Barros Carvalho sustenta que “o objetivo do presente texto é pôr em evidência, ainda que a breve trecho, a autonomia do direito em relação a outras matérias que lhe são próximas”37. Portanto, ainda que ele mencione um “paradoxo da interdisciplinaridade”, nota-se que a sua posição continua sendo por uma autonomia até certo ponto rígida do Direito Tributário. Essa nos parece ser a posição que prevalece até hoje não somente na doutrina, mas entre os operadores do Direito Tributário de um modo geral, e que propomos seja mais bem desenvolvida.

A posição de Paulo de Barros Carvalho fica clara em vários outros trechos do texto, nos quais ele delimita o objeto do Direito Tributário como o sistema “formado por unidades atômicas - as normas jurídicas - expressas verbalmente por meio de proposições prescritivas”38. Nota-se que a compreensão do Direito para esse autor continua com foco muito forte no texto do Direito positivo e a sua leitura da disciplina é a de um estudo desse texto no que toca à atividade de tributação.

A despeito de admitir que a disciplinaridade leva à interdisciplinaridade, Paulo de Barros Carvalho não chega a avançar naquilo que já defendia há algumas décadas e que repete no texto em análise:

“Ou seja, de um mesmo evento pode-se construir um fato jurídico ou um fato contábil; mas um e outro são sobremaneira diferentes, o que impede de inscrever o último como antecedente da norma individual e concreta, dado que representa unidade carente de significação jurídica.”

A ainda forte visão kelseniana de Paulo de Barros Carvalho faz com que, data venia, ele mencione a interdisciplinaridade, mas fique com a sua posição inicial. As conclusões que produzimos a partir do seu texto são: (a) o Direito Tributário é uma disciplina autônoma que estuda o texto do Direito positivo afeto à tributação; (b) a interdisciplinaridade parece ser algo importante, mas não se sabe ainda como usá-la; (c) um mesmo fato poderá ser jurídico, econômico, contábil etc., mas apenas interessa para a realidade do Direito o fato jurídico e apenas ele poderá ser o antecedente da norma jurídica individual e concreta; (d) tudo é uma questão de “corte” e cada fato deve ser estudado pela ciência própria, sendo as qualificações do fato jurídico como de conteúdo econômico “distrações” indesejosas39.

O texto de Marcelo Neves, segundo entendemos, contribui mais para uma visão complexa do Direito e suas subdisciplinas, pois esse autor também sustenta a existência de um paradoxo da interdisciplinaridade, mas procura explicar como lidar com ele, tentando produzir uma visão menos reducionista sobre o tema. Esse foi o primeiro passo dado por Marcelo Neves, depois desenvolvido e complementado na sua obra Transconstitucionalismo, ainda que essa última não se volte diretamente para um estudo do inter-relacionamento das disciplinas, porém das Constituições de diferentes países. Esse autor toma como base, em grande medida, textos de Wolfgang Welsch, pensador alemão ainda vivo e em plena produção de conhecimento, que vem há algum tempo sustentando a necessidade de visões mais complexas, que ele também decidiu denominar com a utilização do prefixo “trans”.

Welsch critica a racionalidade reducionista que prevaleceu na Modernidade e, a partir de uma distinção entre racionalidade e razão, propõe uma “razão transversal”40, que permita uma comunicação entre diferentes sistemas. Segundo ele, toda razão se dá em transições, não tendo a forma linear antes pensada. A visão de uma racionalidade cartesiana, ordenada, dá lugar a uma visão complexa, que precisa lidar com a desordem41.

Aplicando essa noção ao estudo das culturas, Welsch critica a clássica visão separatória das culturas, que as compreendia como decorrentes de povos específicos42, incomunicáveis, como se fossem “ilhas”. Em seguida, ele também critica as teorias interculturais e multiculturais43, que avançam com relação à posição tradicional, mas ainda não conseguem compreender devidamente todo o complexo cultural que se formou, sobretudo, nas últimas décadas com o processo de globalização, pois pressupõem o conceito tradicional para se desenvolver e não conseguem ir tão além dele.

Com uma linha muito semelhante à da transdisciplinaridade, que, de acordo com o próprio Welsch, é uma irmã gêmea da sua teoria, ele propõe, então, o transculturalismo. Muito pautado em Welsch44, mas também em Niklas Luhmann e outros autores, Marcelo Neves construiu o seu transconstitucionalismo e é mais ou menos nessa linha que pretendemos sugerir um Direito Tributário Transdisciplinar, que funciona como uma metanarrativa do Direito Tributário Disciplinar.

O Direito Tributário Transdisciplinar, uma parte da disciplina Direito Tributário, estuda os sistemas que se formam a partir de problemas que requerem o emprego de conceitos de diferentes disciplinas, o que é extremamente comum. Esse tipo de estudo do Direito Tributário alimenta aquele estudo clássico, fechado, da disciplina. Assim, ela não perde as suas fronteiras, continuando bem delimitada, porém, mantém comunicação com sistemas complexos (racionalidades transversais parciais45) que lhe alimentarão de informações. Esses inputs serão recebidos pelo sistema do Direito Tributário Disciplinar, que agirá com a seletividade característica do seu sistema e fará, quando necessário, uma adaptação dos conceitos vindos do ambiente às suas normas, noção que se manifesta no art. 109 do CTN46.

A interpretação sistemática do art. 109 do CTN com o art. 110 do CTN, frente à CF/1988, e considerando as ideias trazidas neste trabalho, leva ao entendimento de que os conceitos do Direito privado não devem ser distorcidos pelo Direito Tributário. Eles deverão ser respeitados, assim como os conceitos de outras ciências também precisam ser. Por outro lado, ao ingressar no sistema tributário brasileiro, esses conceitos deverão necessariamente sofrer adaptações quando firam as normas maiores desse próprio sistema, evitando contrassensos. Não se pode, por exemplo, utilizar um conceito de “receita” com base no Direito privado ou na Contabilidade que venha a ferir o visceral princípio da capacidade contributiva47 na tributação pelo PIS e pela Cofins.

Essa forma de lidar com os problemas tributários e de estudá-lo permite trabalharmos com coerência o paradoxo da disciplinaridade, que requer a transdisciplinaridade para funcionar bem. É como infinitos paradoxos que encontramos em nossas vidas. A autonomia do Direito Tributário é boa porque lhe dá cientificidade, permite criar bancas, ter estudiosos especializados etc., mas é ruim porque, se a noção for exagerada, o estudo se isola, fica recortado demais e não consegue perceber outras dimensões de um monte de problemas, ou seja, simplesmente não consegue resolvê-los adequadamente.

A transdisciplinarização do Direito Tributário, por sua vez, é boa porque permite uma visão inter-relacional que compreende as diferentes dimensões de um fenômeno, mas é ruim porque, se exagerada, pode levar aos tempos iniciais do Direito Tributário, em que ele se perdia no meio da Ciência das Finanças e era confundido com o Direito Financeiro.

Basta olharmos para os inúmeros problemas complexos que precisam ser solucionados hoje pelos órgãos julgadores, que envolvem conceitos econômicos, financeiros, contábeis e outros. Como lidar com o tema do ágio gerado em operações societárias se não compreendermos e cruzarmos conceitos de variadas disciplinas? A possibilidade de dedução do ágio é afetada pelo tipo de operação societária realizada, por exemplo. Pode interessar, portanto, para a tomada de decisão tributária se houve uma incorporação típica, se houve incorporação por subscrição de ações ou se houve incorporação às avessas. Sem compreender bem essas operações societárias, não se consegue lidar complexamente com o problema do ágio. Também não se consegue lidar com discussões em torno desse problema que digam respeito aos critérios econômicos utilizados no laudo técnico que comprova o ágio, caso não se tenha o mínimo conhecimento de Economia. E assim por diante. O que tem acontecido com frequência é uma má solução dos problemas por supostas aplicações da legalidade. Cada um aplica a legalidade que entende ser a cabível, sem compreender o problema sob uma forma mais complexa.

Deve-se deixar um pouco de lado essa afixação pela forma e pela legalidade que se instalou muitas décadas atrás, sendo ela uma ultrapassada herança do século XIX e de um modelo civil law atrasado. Quando essa tradição foi construída no Brasil há algumas décadas, vivíamos uma ditadura e o apego à lei era visto como uma saída para evitar arbítrios estatais, além de evitar complicadas discussões fáticas e valorativas com o Estado48. Evidente que o princípio da legalidade é importante e que funciona, por exemplo, como bloqueio de normas ilegais veiculadas por atos infralegais. No entanto, a noção de legalidade, por si só, não é apta a resolver os problemas do Direito Tributário brasileiro.

Há muito tempo os grandes filósofos do Direito preocupam-se em estudar temas como os limites interpretativos da legalidade (hermenêutica) e os procedimentos argumentativos passíveis de gerar tomadas de decisão mais adequadas à legalidade (argumentação jurídica). O Direito Tributário Transdisciplinar surge dentro dessas novas perspectivas hermenêuticas e argumentativas que devem ser utilizadas para promover avanços mais relevantes em nossa disciplina.

Com o intuito de efetivar o Direito Tributário Transdisciplinar, uma sugestão é criar disciplinas nos cursos de graduação e de pós-graduação, ou mesmo capítulos dos programas de Direito Tributário que tenham uma abordagem transdisciplinar. Isso poderia começar, por exemplo, com um estudo da optimal taxation theory (teoria da tributação ótima), que é um tema com vasta literatura e capaz de permitir aos alunos o desenvolvimento de uma visão da tributação muito além das disciplinas.

6. Conclusões

Para que possamos ficar mais perto de solucionar os gravíssimos problemas econômico-sociais brasileiros, o Direito Tributário precisa passar por uma contundente mudança de referenciais. É necessária uma modificação estrutural, como defendida por Roberto Mangabeira Unger, que transforme a disciplina em uma ferramenta criadora de alternativas para as instituições relacionadas aos tributos.

Com essa modificação estrutural, todos os temas tributários mereceriam revisitação, pois são hoje analisados sob uma perspectiva focada na lei, e não na lei em comunhão com os precedentes, com os fatos e, sobretudo, com os anseios sociais. Uma compreensão do Direito Tributário enquanto ferramenta política, enquanto uma tecnologia de tomada de decisão, leva ao estudo da política tributária como um dos cernes da disciplina Direito Tributário, permite compreender, por exemplo, imunidades e isenções como meios para o atingimento de fins, e não apenas como regras, permite estudar a relação tributária em sua interação entre Fisco, contribuinte, assessores fiscais, juiz etc., não a relegando a um desenho de sujeito passivo e sujeito ativo, aquele devendo uma prestação a este.

De um modo geral, a doutrina tributária dividia-se entre aqueles que ainda se recusavam a estudar outras disciplinas científicas e subdisciplinas do Direito, e aqueles que realizavam alguns comentários econômicos, contábeis ou financeiros ao tratarem de assuntos tributários. Felizmente, esse cenário vem se alterando, sendo um exemplo o Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas, que vem promovendo pesquisas e discussões com a participação de experts de diferentes áreas (Direito, Economia, Contabilidade, Finanças, Política e outras).

A despeito de isso vir mudando, entendemos que a transdisciplinaridade, se adotada em sua profundidade, pode causar uma reviravolta no Direito Tributário brasileiro. Voltando ao exemplo da política tributária, quantos textos acadêmicos profundos têm sido escritos para tratar do projeto de lei que tem como objeto realizar modificações no PIS e na Cofins, unificando-os e alargando a tomada de crédito? Quais as repercussões dessas mudanças? Elas são boas ou ruins? Outras modificações deveriam ser feitas?

A doutrina continua se dedicando muito mais às discussões atuais sobre tomadas de créditos de PIS e Cofins, que geram altos honorários para os advogados, do que propriamente a melhorias na realidade econômico-social brasileira por meio da política tributária. Análises desse tipo precisariam abordar os efeitos econômicos das mudanças no PIS e na Cofins, entender se haverá uma real desoneração do consumo, se, de fato, o contencioso sobre os créditos será extinto etc. Caberia aos estudiosos do Direito Tributário brasileiro participarem mais efetivamente das discussões, alimentando governo e sociedade com informações sobre o assunto.

Não seria melhor simplesmente extinguir o PIS e a Cofins, que não encontram semelhantes nos países desenvolvidos? Alguns estudiosos afirmam isso, mas quais seriam as consequências para o governo, que perderia a enorme arrecadação desses tributos? Essa perda de arrecadação deveria ser recuperada por um aumento da tributação progressiva pelo IRPF? Qual seria o impacto da desoneração do consumo sobre a inflação? Agindo dessa forma, desonerando o consumo e recuperando a arrecadação com uma maior tributação sobre a renda, o sistema se tornaria mais progressivo e facilitaria uma redistribuição da riqueza, caso também houvesse uma melhoria dos gastos da arrecadação? Como fazer essa melhoria do equilíbrio tributário (arrecadação tributária e investimentos em serviços públicos) sem integrar tributação, política, economia e finanças públicas?

O Direito Tributário brasileiro vinha relegando papel secundário a esses temas, ao contrário dos países desenvolvidos, nos quais o foco sobre eles é dado há várias décadas, o que se revela, por exemplo, no trabalho coordenado por James Meade, publicado em 1979, assim como no trabalho coordenado por James Mirrlees, publicado em 201049, ambos estudiosos que foram vencedores do Prêmio Nobel de Economia. Este último avançadíssimo trabalho envolveu especialmente economistas, mas também juristas e profissionais de outras áreas.

As conclusões do trabalho coordenado por James Mirrlees, que tem como objeto principal a tributação no Reino Unido, mas tem a proposta de servir a qualquer país do mundo, indicam que o sistema brasileiro não cumpre nenhum dos principais requisitos de um sistema tributário ideal, que deve ser bem progressivo em sua totalidade, deve ser o mais sintético possível e não deve fazer discriminações, a menos que estritamente necessárias à realização de algum fim importante.

Roberto Mangabeira Unger vem defendendo, há um bom tempo, que o Brasil necessita de drásticas mudanças institucionais e, para que isso aconteça, o Direito, como a ferramenta modificadora e estabilizadora dessas instituições, precisa atuar. Com esse objetivo, o papel da doutrina é fundamental para que governo e sociedade sejam alimentados de informações, de novas sugestões, de modo a se tornar viável a manifestação de “atitudes proféticas” que consigam ver à frente e propor modificações concretas estruturais em prol do bem da nação, sobretudo com foco na melhoria de vida daqueles que ainda se encontram em condições econômico-sociais pouco dignas.

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WELSCH, Wolfgang. Transculturality - the puzzling form of cultures today. Disponível em http://www2.uni-jena.de/welsch/Papers/transcultSociety.html. Acesso em 9 de agosto de 2014.

1 Em 2010, a ONU situava o Brasil como uma das dez maiores economias do planeta, mas, também, como um dos dez países mais desiguais. Em 2014, foram realizados ajustes à análise da capacidade econômica das nações tomando em consideração o aspecto “desigualdade” como um critério de medição. Nesse caso, a avaliação da economia brasileira sofre, obviamente, uma grande queda: “A country’s economic status and performance can look much less impressive when adjusted for income distribution. GNI per capita is higher in the United States than in Canada, but the reverse is true for inequality-adjusted GNI per capita. Botswana, Brazil and Chile also have large adjustments to GNI per capita due to high inequality (figure 2.5).” (United Nations Development Programme. Human development report 2014. Disponível em http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014.pdf. Acesso em 3 de novembro de 2014, p. 39)

2 O genial Roberto Mangabeira Unger vem, há vários anos, se dedicando a realizar diversas palestras e participações na mídia exatamente para sustentar, dentre outras bandeiras, uma atuação mais profética e prática do jurista brasileiro, que precisa agir ativamente para que as instituições sejam modificadas num sentido de gerar uma democracia mais efetiva, conferindo oportunidade aos mais necessitados e, consequentemente, fazendo o país crescer. Segundo ele, uma reforma tributária estrutural é uma das principais alterações institucionais que precisam ocorrer no Brasil.

3 “Mas eu proponho um terceiro papel: o jurista que não se coloca apenas como agente de interesses privados ou de interesses do Estado, mas que assiste e informa a cidadania na transformação estrutural. O jurista do exercício da vocação profética. A resposta à pergunta ‘quem é o profeta de uma democracia?’ é ‘todos!’ (...). E o papel do jurista não é alegar uma prerrogativa de poderes proféticos, mas assistir a todos na disseminação do poder profético. Ele se coloca ao lado de interesses coletivos.” (UNGER, Roberto Mangabeira. A alternativa nacional e o Direito brasileiro. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=r4yR1Wmg_gk. Acesso em 6 de novembro de 2014)

4 “É no direito que podemos começar a derrubar a ditadura de não-alternativas que existe no mundo.” (Idem)

5 Roberto Mangabeira Unger explanou bem essa posição em debates sobre “Estudos avançados do Direito” havidos no anexo ao prédio histórico da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco no dia 4 de novembro de 2014. Em seguida, em genial palestra realizada no salão nobre do prédio histórico, o professor de Harvard também abordou um pouco do tema: UNGER, Roberto Mangabeira. A alternativa nacional e o Direito brasileiro. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=r4yR1Wmg_gk. Acesso em 6 de novembro de 2014.

6 A recente obra de Eurico Marcos Diniz de Santi é interessante para a desformalização do Direito Tributário brasileiro, para um tipo de visão que parta dos problemas para a teoria: “Não mais tão somente hipóteses tributárias abstratas (HIx). Não meramente tão apenas a perspectiva dimensível do fato gerador: a base de cálculo (BCx). Não mais tão só um sujeito passivo anônimo, genérico e impessoal (SPx). Mas fatos concretos e autuações que revelam o distanciamento entre teoria e pratica jurídica exercida nos limites cinzentos entre o lícito e ilícito.” (SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Kafka: alienação e deformidades da legalidade, exercício do controle social rumo à cidadania fiscal. São Paulo: RT e Fiscosoft, 2014, p. 32)

7 Além de ter sido objeto da nossa tese de doutorado defendida perante a PUC/SP em dezembro de 2014, publicamos um texto sobre transdisciplinaridade e Direito Tributário, no ano de 2013, que fazia algumas considerações relacionadas com este trabalho: VILLAS-BÔAS, Marcos de Aguiar. Questões sobre o estudo do Direito Tributário no Brasil: uma proposta transdisciplinar. Disponível em http://direitopublico.com.br/revistas/13500209/questoes_estudo_direito_tributario_brasil_marcos_villas-boas.pdf. Acesso em 29 de março de 2015, passim.

8 Durante as nossas pesquisas na Harvard University e no MIT - Massachusetts Institute of Technology, criamos em fevereiro de 2015 o site “optimaltaxationtheory.com” para divulgação dessa teoria especialmente aos brasileiros.

9 Apesar de vir ganhando força na última década, a interdisciplinaridade é um tema do início e de meados do século XX. Tercio Sampaio Ferraz Jr. já tratava dela, aqui no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1970: “Nossa investigação pressupõe, neste sentido, a relevância do fator social nos processos de conhecimento. O que nós pretendemos é, justamente, precisar as relações existentes entre a sociedade - entendida como um sistema de interações múltiplas, em que a complexidade de expectativas interativas é reduzida e se torna controlada - e os próprios processos de conhecimento. Sem dúvida alguma, isto nos obriga a uma visão até certo ponto interdisciplinar do problema, onde entram elementos de natureza filosófica, sociológica, antropológica, psicológica etc.” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: RT, 1978, p. 19)

10 O termo “complexidade” é usado aqui na definição adotada pela transdisciplinaridade, que o absorveu da obra de Edgar Morin. Ele não quer significar necessariamente “dificuldade”, como costuma ser muito utilizado no dia a dia, mas uma visão de mundo como algo transdimensional, repleto de perspectivas e de sistemas compostos por emaranhados de relações, o que impede uma compreensão mais profunda e completa de acontecer por meio de métodos exclusivamente redutivos. A complexidade confronta, portanto, com o tradicional pensamento racionalista, lógico-dedutivo e reducionista da Modernidade. Trata-se de visão muito afeta ao caos, ao indeterminismo e ao paradoxo, do que às questionáveis visões de segurança, determinismo e certeza que ainda parecem prevalecer no Direito Tributário brasileiro.

11 “Contradição” é um termo que pode ser definido de vários modos distintos. Em regra, utilizaremos uma definição sob o ângulo da lógica clássica, que nos parece ser a mais conhecida, de modo que “contradição” é uma incompatibilidade lógica entre duas ou mais proposições. Entretanto, na linha da lógica do terceiro incluído adotada pela transdisciplinaridade, as contradições podem não ser incompatíveis.

12 “Paradoxo” é um termo essencial neste trabalho e será utilizado, em regra, para representar proposições, ideias etc. contraditórias em si. A contradição revela antagonismo entre dois elementos, duas proposições, enquanto o paradoxo revela um antagonismo interno, dentro de uma única proposição.

13 Como demonstra Mario Losano (Sistema e estrutura no Direito: volume III: do século XX à pós-modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2011, passim), o sistema jurídico já foi montado, por exemplo, como um conjunto escalonado, como pirâmide e, mais recentemente, como rede. Na proposta deste trabalho, o sistema, para que permita visões mais complexas, deve ser montado como conjuntos entrelaçados de redes transdimensionais dentro das quais não há uma perfeita coesão, mas infinitas contradições que não podem ser simplesmente eliminadas, devendo ser canalizadas, gerenciadas.

14 O professor americano, Steven D. Smith, explica que é uma tendência do século passado procurar acrescentar visões de outras disciplinas ao conhecimento jurídico, buscando chegar a novos caminhos, antes impossíveis por conta do olhar aprisionado dentro da disciplina: “So, by and large, twentieth-century thinkers adopted the different strategy of arguing that there is actually much more to law and legal discourse than meets the eye. This ‘something more’, however, is not ‘the law’, as in the classical account, but rather something slightly more down in earth: it is ‘policy’, perhaps (principally economics), or moral philosophy, or practical reason.” (SMITH, Steven D. Law’s quandary. Cambridge: Harvard, 2004, p. 74)

15 “Ingressamos na era do fim da dogmática do Direito Tributário” (BORGES, José Souto Maior. “Um ensaio interdisciplinar em Direito Tributário: superação da dogmática”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 211. São Paulo: Dialética, abril de 2013, pp. 106-121, p. 107).

16 “Neste tópico, abre-se espaço para a consideração de que a doutrina pragmática do Direito Tributário deve envolver e enfrentar a zetética, termo inusual, mas rico de significados. Caracteriza a zetética jurídica o questionamento de direito posto. O termo não esconde a sua vetusta origem na antiga filosofia céptica. A atitude zetética é dubidativa, por duvidar e indagar de todas as coisas e todas as conclusões sobre elas. A zetética fornece então um conjunto de preceitos para a resolução de problemas jurídicos, visualizados sob o ângulo da pragmática. É esse, ao cabo das contas, um método que assenta as suas bases na inconformação teórica. Meta sem fim, mas necessária: a busca incessante de novos conhecimentos e horizontes na área tributária é o que inspira e conceitualmente a abastece.” (BORGES, José Souto Maior. “Sobre novos rumos para o Direito Tributário no campo das obrigações”. Revista do Advogado nº 118. São Paulo, dezembro de 2012, pp. 82-90, p. 88)

17 “Neste momento, deu-se uma fusão que é importante referir para bem entender a evolução do debate: a variável política que não permitia o debate de questões substanciais levou a privilegiar as análises e discussões jurídicas que se concentrassem nos aspectos formais e linguísticos do texto legal (aspectos da hipótese de incidência), o que tornava a utilização do instrumental vindo da semiótica (na sintática e na semântica) politicamente ‘aceitável’. Debater com a Autoridade no plano sintático e semântico e suscitar questões ligadas à hierarquia (das normas) era um porto seguro onde o questionamento do exercício da autoridade estatal (via tributação) podia se dar sem maiores riscos.” (GRECO, Marco Aurélio. “Crise do formalismo no Direito Tributário brasileiro”. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo; COSTA, Carlos Eduardo Batalha da Silva; e BARBOSA, Samuel Rodrigues (coords.). Nas fronteiras do formalismo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 230)

18 “As características que deram origem ao pragmatismo cotidiano nos Estados Unidos por fim levaram pessoas reflexivas a filosofar sobre ele. Então vieram Emerson e, mais tarde, Peirce, Oliver Wendell Holmes Jr., William James, John Dewey, George Hebert Mead e outros. Seus escritos, mesmo os de Peirce (muitos deles, pelo menos), são acessíveis a uma plateia leiga, apesar de raramente lidos fora da academia hoje. Holmes é uma exceção, pois suas opiniões e, em menor proporção, seus outros textos ainda têm público entre juízes, advogados e estudantes de direito.” (POSNER, Richard. Direito, pragmatismo e democracia. Tradução de Teresa Dias Carneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 9)

19 “O pragmatismo surgiu nos Estados Unidos no final do século XIX e começo do século XX, mais precisamente em 1870 quando um grupo de intelectuais de Cambridge, Massachusetts, se reunia para discutir filosofia. Esse grupo, de maneira irônica se autodenominou The Metaphysical Club [Clube Metafísico] - uma alusão crítica à metafísica clássica e ao mesmo tempo uma tomada de posição em defesa de uma metafísica pragmática. O grupo incluía, entre outros pensadores, William James, Charles Sanders Peirce, Oliver Wendell Holmes Jr. e Nicholas Saint John Green.” (NASCIMENTO, Edna Maria Magalhães do. Pragmatismo: uma filosofia da ação. Disponível em http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/VI.encontro.2010/GT.20/GT_20_01_2010.pdf.Acesso em 2 de setembro de 2013, p. 2)

20 “The training of lawyers is a training in logic. The processes of analogy, discrimination, and deduction are those in which they are most at home. The language of judicial decision is mainly the language of logic. And the logical method and form flatter that longing for certainty and for repose which is in every human mind. But certainty generally is illusion, and repose is not the destiny of man. Behind the logical form lies a judgment as to the relative worth and importance of competing legislative grounds, often an inarticulate and unconscious judgment, it is true, and yet the very root and nerve of the whole proceeding. You can give any conclusion a logical form.” (HOLMES JR., Oliver Wendell. The path of the law. Disponível em http://www.constitution.org/lrev/owh/path_law.htm. Acesso em 21 de novembro de 2013, p. 1)

21 Ainda ao final do século XIX, Holmes Jr. criticava a forma de estudo do Direito enquanto explicações sobre dogmas, propondo um estudo focado nas suas finalidades e nas razões para elas existirem: “I look forward to a time when the part played by history in the explanation of dogma shall be very small, and instead of ingenious research we shall spend our energy on a study of the ends sought to be attained and the reasons for desiring them. As a step toward that ideal it seems to me that every lawyer ought to seek an understanding of economics. The present divorce between the schools of political economy and law seems to me an evidence of how much progress in philosophical study still remains to be made. In the present state of political economy, indeed, we come again upon history on a larger scale, but there we are called on to consider and weigh the ends of legislation, the means of attaining them, and the cost. We learn that for everything we have we give up something else, and we are taught to set the advantage we gain against the other advantage we lose, and to know what we are doing when we elect.” (Ibidem, p. 1)

22 “History must be a part of the study, because without it we cannot know the precise scope of rules which it is our business to know. It is a part of the rational study, because it is the first step toward an enlightened scepticism, that is, towards a deliberate reconsideration of the worth of those rules. When you get the dragon out of his cave on to the plain and in the daylight, you can count his teeth and claws, and see just what is his strength. But to get him out is only the first step. The next is either to kill him, or to tame him and make him a useful animal. For the rational study of the law the blackletter man may be the man of the present, but the man of the future is the man of statistics and the master of economics. It is revolting to have no better reason for a rule of law than that so it was laid down in the time of Henry IV. It is still more revolting if the grounds upon which it was laid down have vanished long since, and the rule simply persists from blind imitation of the past. I am thinking of the technical rule as to trespass ab initio, as it is called, which I attempted to explain in a recent Massachusetts case.” (Ibidem, p. 1.)

23 “Tendo surgido, há três décadas, quase simultaneamente, nos trabalhos de pesquisadores diferentes como Jean Piaget, Edgar Morin, Eric Jantsch e muitos outros, este termo foi inventado na época para traduzir a necessidade de uma jubilosa transgressão das fronteiras entre as disciplinas, sobretudo no campo do ensino de ir além da pluri e da inter-disciplinaridade.” (NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Tradução de Lucia Pereira de Souza. São Paulo: Triom, 1999, p. 11)

24 É preciso ficar claro que a transdisciplinaridade surgiu durante o século XX e com forte base no pensamento complexo, mas isso não quer dizer que ela passou a ser necessária apenas agora. O que aconteceu foi uma confluência de fatos geradores desse pensamento. Compreender esse ponto é importante, pois evita a inadequada visão de que antes os problemas estavam sendo bem resolvidos pela disciplinaridade e que a transdisciplinaridade apenas passou a ser útil com o surgimento de novos problemas. Segundo entendemos, com o surgimento de problemas mais complexos, a sua utilidade apenas foi se tornando cada vez mais evidente.

25 Há muitas discussões sobre estarmos, de fato, em um novo período denominado Pós-Modernidade, se continuamos na Modernidade, ou se estamos em uma nova fase da Modernidade, que poderia ser, como faz Zygmunt Bauman (Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, pp. 10-11), chamada de Modernidade Líquida, em contraposição à fase anterior, denominada de Modernidade Sólida. Para efeitos deste trabalho, interessa-nos, mais do que nomenclaturas e definições peremptórias, perceber como evoluíram as relações sociais e o conhecimento humano, especialmente o tributário, sobre elas.

26 Sobre a análise econômica do Direito Tributário, vale muito a pena a leitura de, por exemplo, alguns textos do gênio Frank Ramsey, de Peter Diamond, James Mirrlees, Joseph Stiglitz, Thomas Piketty e outros estudiosos da já referida optimal taxation theory. No Brasil, após longa pesquisa, a obra de Paulo Caliendo nos parece a mais próxima dessa teoria (CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, passim).

27 Américo Sommerman cria uma classificação com tipos de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade que podem confundir o indivíduo que está se iniciando no tema. Fiquemos aqui com os dois tipos principais que definem a interdisciplinaridade: “A interdisciplinaridade de tipo pluridisciplinar (que também poderia ser chamada de interdisciplinaridade centrífuga ou interdisciplinaridade fraca) aparecerá quando o predominante nas equipes multidisciplinares for a transferência de métodos de uma disciplina para a outra ou ‘uma série de monólogos justapostos’ (Gusdorf, citado por Machado, 2000, p. 195). A interdisciplinaridade forte (ou interdisciplinaridade centrípeta) aparecerá quando o predominante não for a transferência de métodos, mas sim de conceitos, e quando cada especialista não procurar apenas ‘instruir os outros, mas também receber instrução’ e ‘em vez de uma série de monólogos justapostos’, como acontece no caso da interdisciplinaridade de tipo pluridisciplinar, houver ‘um verdadeiro diálogo’ (ibid.), o que requer o favorecimento das trocas intersubjetivas dos diferentes especialistas, onde cada um reconheça em si mesmo e nos outros não só os saberes teóricos, mas os saberes práticos e os saberes existenciais.”

28 “A multidisciplinaridade, na prática pedagógica, é a organização mais comum do conhecimento, onde as matérias e as disciplinas se apresentam de maneira independente, sem explicitar as relações entre elas, e, na pesquisa e na resolução de problemas, ela aparece quando se recorre a várias disciplinas, mas sem que isso contribua para modificá-las ou enriquecê-las. A pluridisciplinaridade é o estabelecimento de relações entre disciplinas mais ou menos afins, com transferência de métodos entre elas, com o enriquecimento do objeto pesquisado, podendo levar à criação de novas disciplinas, mas sem a existência de um verdadeiro diálogo entre os saberes ou entre os especialistas, sem modificá-las internamente de maneira profunda.” (SOMMERMAN, Américo. Complexidade e transdisciplinaridade. Disponível em http://cetrans.com.br/textos/complexidade-e-transdisciplinaridade.pdf. Acesso em 30 de março de 2015, p. 5)

29 “Jean William Fritz Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, no dia 9 de agosto de 1896 e faleceu em Genebra, Suíça, no dia 16 de setembro de 1980. Epistemólogo, foi considerado o maior expoente do estudo do desenvolvimento cognitivo. Estudou biologia, e posteriormente se dedicou à área de Psicologia, Epistemologia e Educação, escreveu mais de cinqüenta livros e diversas centenas de artigos, que influenciaram várias gerações e várias correntes de pensamento. Jean Piaget utilizou o termo transdisciplinaridade pela primeira vez no I seminário Internacional sobre pluri e interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice - França, também conhecido como ‘Seminário de Nice’, em 1970. A proposta de Piaget era estimular a reflexão acerca da interação otimizada entre as diversas disciplinas, sem que estas perdessem suas especificidades, quando asseverou: ‘... esta etapa deverá posteriormente ser sucedida por uma etapa superior: transdisciplinar’.” (RIBEIRO, Arnaldo de Souza. Congressos de psicopatologia fundamental em Curitiba. Disponível em http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2531169. Acesso em 5 de fevereiro de 2013, p. 4)

30 “Em 1986 foi elaborado o primeiro documento internacional que faz referências explicitas à Transdisciplinaridade: A declaração de Veneza, comunicado final do Colóquio ‘A Ciência Diante das Fronteiras do Conhecimento’ organizado pela Unesco, em Veneza (vide anexo 1). Em 1991 realizou-se o primeiro congresso internacional que traz no título a palavra Transdisciplinaridade: Ciência e Tradição: Perspectivas Transdisciplinares para o Século XXI, organizado pela Unesco, em Paris, que deu origem a um comunicado final que indica explicitamente a necessidade de uma nova abordagem científica e cultural: a Transdisciplinaridade (anexo 2). Em 1994, no I Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, foi formulada a Carta da Transdisciplinaridade, com 14 artigos (anexo 3). Em 1996 foi publicado o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, elaborado por Jacques Delors, com a definição dos 4 pilares para a educação do século XXI (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser) que, acrescidos dos dois pilares complementares (aprender a participar e aprender a antecipar) formulados em documento elaborado por um grupo de participantes da conferência internacional de transdisciplinaridade: Joint Problem Solving among Science, Technology and Society, Zurique - 2000 (anexo 4), também se constituem em elementos norteadores para o exercício efetivo da Transdisciplinaridade.” (SOMMERMAN, Américo; MELLO, Maria F. de; e BARROS, Vitória M. de (coords.). Educação e transdisciplinaridade II. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129707por.pdf. Acesso em 20 de maio de 2013)

31 A transdisciplinaridade não se resume à visão paradoxal das disciplinas com fronteiras e sem fronteiras, porém vai muito além disso. Ela busca integrar o conhecimento científico com outros modos de expressão humana, como a arte, que tem o objetivo de desmecanizá-lo. A transdisciplinaridade se abre para considerações morais e até estudos sobre a espiritualidade. Para uma compreensão mais abrangente, vale a pena ler os inúmeros documentos produzidos em encontros internacionais, alguns dos quais mencionados na nota de rodapé anterior, sendo o principal deles a Carta da transdisciplinaridade (FREITAS, Lima de; MORIN, Edgar; e NICOLESCU, Basarab. Carta da transdisciplinaridade. Disponível em www.teses.usp.br/teses/.../ANEXOA_Carta_Transdisciplinaridade.pdf. Acesso em 29 de março de 2015, passim).

32 “Artigo 6

Com relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é multidimensional. Levando em conta as concepções do tempo e da história, a transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte trans-histórico.” (Ibidem, p. 2)

33 Na medida em que trazemos a política tributária de volta para dentro do Direito Tributário brasileiro, assim como acontece na Economia, podemos falar em dois tipos de estudo da disciplina. A microtributação está voltada para o estudo tradicional do Direito Tributário, aquele voltado para a análise de fatos tributáveis. Por outro lado, a macrotributação estuda o tributo enquanto ferramenta essencial de política econômica, olhando para uma visão dos fatos tributáveis em conjunto e seus efeitos num dado espaço e tempo.

34 “A potencialização não é uma aniquilação, um desaparecimento, mas simplesmente uma espécie de memorização do ainda não manifestado. O conceito de potencialização é uma tradução direta da situação quântica. Na teoria quântica, cada observável físico tem vários valores possíveis, cada valor tendo uma certa probabilidade. Então, uma medida poderia dar lugar a vários resultados. Mas, evidentemente, um desses resultados será obtido efetivamente, o que não significa que os outros valores do observável em questão sejam despidos de todo caráter de realidade.” (NICOLESCU, Basarab. Contradição, lógica do terceiro incluído e níveis de realidade. Disponível em http://cetrans.com.br/textos/contradicao-logica-do-terceiro-incluido-e-niveis-de-realidade.pdf. Acesso em 6 de junho de 2013, p. 2)

35 “Assim é que, por exemplo, muitas vezes, implicita ou explicitamente, sob o rótulo da interdisciplinaridade, superestima-se o papel da análise econômica do direito e, sobretudo sob a forma aparentememte interdisciplinar ‘Law and Economics’, pretende-se subordinar os critérios do direito a uma racionalidade puramente econômica.” (NEVES, Marcelo. “Pesquisa interdisciplinar no Brasil: o paradoxo da interdisciplinaridade”. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica v. 3. Belo Horizonte, janeiro/dezembro de 2005, pp. 207-214, p. 209.

36 “Can we imagine a twenty-first century in which capitalism will be transcended in a more peaceful and more lasting way, or must we simply await the next crisis or the next war (this time truly global)? (...) As I have already noted, the ideal policy for avoiding an endless inegalitarian spiral and regaining control over the dynamics of acumulation would be a progressive global tax on capital (...). But a truly global tax on capital is no doubt a utopian ideal. Short of that, a regional or a continental tax might be tried, in particular in Europe, starting with countries willing to accept such a tax.” (PIKETTY, Thomas. Capital in the twenty-first century. Tradução de Arthur Goldhammer. Cambridge: Harvard University Press, 2014, p. 471)

37 CARVALHO, Paulo de Barros. “O absurdo da interpretação econômica do ‘fato gerador’ - Direito e sua autonomia - o paradoxo da interdisciplinaridade”. Revista de Direito Tributário v. 97, 2007, pp. 7-17, p. 7.

38 Ibidem, p. 7.

39 “Assim o entende, Amílcar de Araújo Falcão, que o qualifica como fato jurídico de conteúdo econômico ou mesmo fato econômico de relevância jurídica. Distrações desse gênero conduziram o pensamento à idéia de que seja necessário ao direito tomar emprestado o fato econômico para cumprir com suas funções prescritivas de conduta.” (CARVALHO, Paulo de Barros. “O absurdo da interpretação econômica do ‘fato gerador’ - Direito e sua autonomia - o paradoxo da interdisciplinaridade”. Revista de Direito Tributário v. 97, 2007, pp. 7-17, p. 13)

40 “With the departure from the Archimedean conception of reason, the axis of reason rotates from verticality to horizontality. Reason becomes a faculty of transitions. It does not contemplate from a lofty viewpoint, but passes between the forms of rationality. This is a consequence of its status of purity, since it is just as pure reason that it cannot begin with the possession of contents, but must operate processually. All reason’s activities take place in transitions. These form the proprium and the central activity of reason. Reason is thus transformed from a static and principle-oriented faculty into a dynamic and intermediary faculty. In view of this transitional character, I designate the form of reason thus outlined ‘transversal reason’.” (WELSCH, Wolfgang. Rationality and reason today. Disponível em http://www2.uni-jena.de/welsch/Papers/ratReasToday.html. Acesso em 7 de agosto de 2014)

41 “Altogether, transversal reason aims at making transparent the new constitution of rationality, from paradigm pluralization through to rational disorderliness. In this sense, the explanation of rationality given before was already an explanation in the light of transversal reason. Moreover, transversal reason contributes to the correct procedures in the situation of rational disorderliness. It forms the foundation of competences in a world of complexity.” (Idem)

42 “As is well known, the traditional concept of single cultures was paradigmatically and most influentially developed in the late 18th century by Johann Gottfried Herder, especially in his Ideas on the Philosophy of the History of Mankind. Many among us still believe this concept to be valid. The concept is characterized by three elements: by social homogenization, ethnic consolidation and intercultural delimitation. Firstly, every culture is supposed to mould the whole life of the people concerned and of its individuals, making every act and every object an unmistakable instance of precisely this culture. The concept is unificatory. Secondly, culture is always to be the ‘culture of a folk’, representing, as Herder said, ‘the flower’ of a folk’’s existence (Herder, 1966: 394 [13, VII]). The concept is folk-bound. Thirdly, a decided delimitation towards the outside ensues: Every culture is, as the culture of one folk, to be distinguished and to remain separated from other folks’ cultures. The concept is separatory. All three elements of this traditional concept have become untenable today.” (WELSCH, Wolfgang. Transculturality - the puzzling form of cultures today. Disponível em http://www2.uni-jena.de/welsch/Papers/transcultSociety.html. Acesso em 9 de agosto de 2014)

43 “Criticism of the traditional conception of single cultures, as well as of the more recent concepts of interculturality and multiculturality can be summarized as follows: If cultures were in fact still - as these concepts suggest - constituted in the form of islands or spheres, then one could neither rid oneself of, nor solve the problem of their coexistence and cooperation. However, the description of today’s cultures as islands or spheres is factually incorrect and normatively deceptive. Cultures de facto no longer have the insinuated form of homogeneity and separateness. They have instead assumed a new form, which is to be called transcultural insofar that it passes through classical cultural boundaries. Cultural conditions today are largely characterized by mixes and permeations. The concept of transculturality - which I will now try to explain - seeks to articulate this altered cultural constitution.” (WELSCH, Wolfgang. Transculturality - the puzzling form of cultures today. Disponível em http://www2.uni-jena.de/welsch/Papers/transcultSociety.html. Acesso em 9 de agosto de 2014)

44 “Nessa perspectiva, Welsch propõe o conceito de ‘razão transversal’, que ‘não tem o status de um hiperintelecto, mas sim, precisamente, o status de razão - o status de uma faculdade não de impor decretos, senão de fazer transições’. Ou seja, trata-se de uma razão que não é outorgada aos jogos de linguagem particulares, mas, ao contrário, está envolvida com entrelaçamentos que lhe servem como ‘pontes de transição’ entre heterogêneos.” (NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 39)

45 “Todo âmbito de comunicações, ao pôr-se em conexão com um outro, pode desenvolver seus próprios mecanismos estáveis de aprendizado e influência mútuos. Então, cabe falar de racionalidades transversais parciais, que podem servir à relação construtiva entre as racionalidades particulares dos sistemas ou jogos de linguagem que se encontram em confronto. Cada racionalidade transversal parcial está vinculada estruturalmente às correspondentes racionalidades particulares, para atuar como uma ‘ponte de transição’ específica entre elas” (Ibidem, p. 42)

46 “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”

47 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

48 “Diversas foram as consequências que resultaram deste contexto político, teórico e jurídico. Uma delas foi a idolatria da lei em si, que transformou a legalidade tributária de uma legalidade da libertação - por ser instrumento de bloqueio da ação do poder estatal - numa legalidade dominação sobre o contribuinte.” (GRECO, Marco Aurélio. “Crise do formalismo no Direito Tributário brasileiro”. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo; COSTA, Carlos Eduardo Batalha da Silva; e BARBOSA, Samuel Rodrigues (coords.). Nas fronteiras do formalismo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 231)

49 MIRRLEES, James et alli. Tax by design. Disponível em http://www.ifs.org.uk/docs/taxbydesign.pdf. Acesso em: 20 de agosto de 2014, pp. v-vi.