A Qualificação dos Rendimentos de Assistência Técnica e Serviços Técnicos no Âmbito dos Acordos contra a Dupla Tributação Assinados pelo Brasil
Andreza Ribeiro Fonseca
Mestranda em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Advogada em São Paulo.
Resumo
O presente artigo analisa a qualificação dos rendimentos de assistência técnica e serviços técnicos nos acordos internacionais de bitributação assinados pelo Brasil que incluem esses rendimentos no âmbito do artigo que versa sobre o tratamento aplicável aos royalties. O objetivo é verificar em quais hipóteses as remessas efetuadas ao exterior relativas à assistência técnica e aos serviços técnicos se sujeitariam à incidência do imposto de renda na fonte no Brasil. A discussão envolve a distinção existente entre os contratos de know-how, de prestação de serviços em geral e de assistência técnica e serviços técnicos para identificar em quais hipóteses os rendimentos de assistência técnica e serviços técnicos se submetem ao regime do artigo que versa sobre royalties. Conforme se verá, a equiparação prevista em alguns acordos assinados pelo Brasil não deve abranger os rendimentos de prestação de serviços em geral, mas apenas a assistência técnica e serviços técnicos complementares a um contrato de transferência de tecnologia.
Palavras-chave: tributação internacional, qualificação, royalties, assistência técnica, serviços técnicos e acordos internacionais de bitributação.
Abstract
This paper discusses the qualification of Brazilian source income earned by foreign recipients in consideration for the rendition of technical assistance and technical services as royalties for purposes of determining in which cases such consideration are subject to the Brazilian withholding tax. The discussion involves establishing the distinction among know-how, contracts for the rendition of services in general and technical assistance and technical services agreements to identify the requirements that have to be fulfilled so consideration for technical assistance and technical services falls within the definition of royalty for treaty purposes. It is our opinion that technical assistance and technical services should be rendered as royalties to the extent it is connected with an agreement which aims to transfer technology, only.
Keywords: international taxation, qualification, royalties, technical assistance, technical services, double taxation conventions.
1. Introdução
Por meio do Parecer PGFN/CAT nº 2.363/2013, a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) recentemente se manifestou acerca da incidência do imposto de renda na fonte sobre os valores remetidos ao exterior a título de pagamento pela prestação de serviços, sem transferência de tecnologia.
A emissão do Parecer se deu em face de um ofício encaminhado pelo Ministério das Finanças da Finlândia, que manifestou a intenção do Governo desse país de denunciar o Acordo para evitar a dupla tributação Brasil-Finlândia, caso se confirmasse o entendimento da Receita Federal do Brasil pela tributação no Brasil das remessas relativas à prestação de serviços técnicos realizados na Finlândia.
A questão versa sobre a qualificação dos pagamentos de serviços efetuados ao exterior, nos casos em que o beneficiário é residente ou domiciliado em país com o qual o Brasil tenha celebrado acordo para evitar a dupla tributação. Discute-se se esses rendimentos, para fins de aplicação do acordo, seriam qualificados no âmbito do artigo 7º ou do artigo 21 da Convenção Modelo da OCDE.1
O artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE estabelece que cabe ao Estado de residência o direito de tributar os lucros das empresas, exceto nos casos em que a sociedade em questão exerce atividade econômica no outro Estado (de fonte) por meio de um estabelecimento permanente.
O artigo 7º é, portanto, uma regra geral, que exerce uma função “guarda-chuva”, de forma a incluir todos os rendimentos das atividades empresariais não contidos nas demais regras de distribuição dos tratados, reservando o direito de tributar esses rendimentos empresariais ao Estado de residência. A exceção refere-se ao desenvolvimento de atividades no Estado da fonte por meio de um estabelecimento permanente, hipótese em que esse Estado poderá tributar os lucros atribuíveis às atividades desenvolvidas por esse estabelecimento. Nessa última hipótese, portanto, o Estado da fonte teria competência cumulativa com o Estado de residência para a tributação desses lucros. Vale mencionar ainda que se excluem do âmbito da aplicação do artigo 7º os rendimentos sujeitos a tratamento diferenciado no próprio acordo, tais como os rendimentos de dividendos, juros e royalties.
O artigo 212 versa sobre os “rendimentos não expressamente mencionados” que abarca rendimentos que não estejam qualificados nas cláusulas convencionais dos acordos.
O artigo 21 deve ser invocado apenas em caráter residual, depois de esgotada a possibilidade de enquadramento dos rendimentos em outros dispositivos específicos. Contudo, vale ressaltar que esse artigo não se aplica aos casos de dúvida ou incerteza quanto à qualificação do rendimento, mas tão somente aos rendimentos que não possuam características suficientes para se enquadrarem em outros dispositivos.
Demonstrando a excepcionalidade dessa qualificação, Vogel exemplifica os rendimentos que podem ser enquadrados no âmbito do artigo 21: anuidades de previdência social, pagamentos de manutenção a parentes, indenizações, resgate de plano de pensão, pagamentos de seguridade social, heranças, pensão por invalidez, prêmios artísticos e acadêmicos, donativos de fundações, ganhos de jogos de azar, prêmios de loteria, dentre outros.3
O artigo 21 dos acordos assinados pelo Brasil difere do Modelo adotado pela OCDE. O Modelo da OCDE, a exemplo do artigo 7º, estabelece a competência exclusiva do Estado de residência para tributar os rendimentos não expressamente mencionados. Já os acordos internacionais celebrados pelo Brasil preveem a competência cumulativa do Estado de fonte e do Estado de residência para tributar os rendimentos que não estejam qualificados em outros artigos dos acordos.
A Receita Federal se manifestava no sentido de que os rendimentos decorrentes de contratos de prestação de serviços de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia se qualificavam, para fins de aplicação dos acordos assinados pelo Brasil, como “rendimentos não expressamente mencionados” contidos no artigo 21 dos acordos. Tendo em vista que esse artigo permite a tributação tanto pelo Estado da fonte dos rendimentos, quanto pelo Estado de residência do beneficiário da renda, a Receita Federal entendia que as remessas efetuadas pela prestação dos serviços de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia estavam sujeitas à incidência do imposto de renda na fonte. Esse entendimento foi consolidado no Ato Declatório Cosit nº 1/2000.
Os contribuintes, todavia, nunca se conformaram com esse entendimento sob o argumento de que os rendimentos decorrentes da prestação de serviços compõem o lucro das empresas e, portanto, se qualificariam no artigo 7º dos acordos, que permite a tributação apenas pelo Estado da residência. A questão foi levada para ser decidida no âmbito judicial e decisões favoráveis aos contribuintes foram proferidas pelos Tribunais Regionais Federais4 até chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao analisar a matéria, o STJ, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.161.467/RS, proferiu decisão no sentido de que os rendimentos relativos à prestação de serviços técnicos e de assistência técnica sem transferência de tecnologia, auferidos por sociedade estrangeira sediada em país com o qual o Brasil tenha celebrado acordo internacional para evitar a dupla tributação, devem ser qualificados no âmbito do artigo 7º, dentro do conceito de lucro das empresas.
A PGFN optou por não interpor recurso em face da decisão proferida pelo STJ. Na Nota-justificativa da não interposição do recurso, foi reconhecida a robustez da construção jurídica externada pelo STJ e a coerência das conclusões com a finalidade dos acordos para evitar a dupla tributação e com o próprio conceito do artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE. Assim, a PGFN se manifestou pelo enquadramento das remessas efetuadas ao exterior decorrentes dos contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia no artigo 7º dos acordos e não no artigo 21, de forma que os respectivos valores não se sujeitariam ao imposto de renda na fonte, sendo cabível a tributação apenas no Estado de residência do beneficiário.
Ressalvou-se, no entanto, que a conclusão acima não se aplicaria aos casos em que a empresa não residente exerça sua atividade no Brasil por meio de um estabelecimento permanente ou quando houver disposição expressa em sentido contrário nos acordos que permita a tributação no Brasil.
Também foi ressalvada a hipótese de os acordos internacionais ou os protocolos submeterem os serviços de assistência técnica e serviços técnicos ao regime do artigo 12 dos acordos, que versa sobre royalties. Nesse caso, segundo a PGFN, os serviços se sujeitariam ao regime do artigo 12 e não do artigo 7º, independentemente do caráter em que a prestação de serviços foi efetuada (em caráter principal ou acessório). Segundo a PGFN, portanto, em relação aos acordos internacionais cujo protocolo equipara os contratos de “assistência técnica e os serviços técnicos” ao regime dos royalties, todo e qualquer serviço de conteúdo técnico se submeteria ao regime previsto no artigo 12 dos acordos, independentemente da transferência de tecnologia.
Esse é o objeto central deste trabalho, no qual discutiremos a abrangência da equiparação efetuada por alguns acordos para evitar a dupla tributação assinados pelo Brasil, que incluem os rendimentos decorrentes de assistência técnica e de serviços técnicos no âmbito do artigo 12, que versa sobre o tratamento aplicável aos royalties. Conforme se verá, a conclusão da PGFN em relação a esse ponto foi equivocada.
Essa equiparação está prevista nos acordos firmados pelo Brasil com os seguintes países: África do Sul, Alemanha,5 Argentina, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coreia, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Holanda, Hungria, Índia, Israel, Itália, Luxemburgo, México, Noruega, Peru, Portugal, República Tcheca, Turquia e Ucrânia.6
2. Conceito e Definição dos Royalties
A definição dos royalties é uma questão bastante controversa, dado que não existe um significado usual ou universal do termo. Não por outra razão, a denominação acaba sendo utilizada para conceituar diversos tipos de rendimentos, sem uma diferenciação adequada, gerando problemas de qualificação. A qualificação errônea de um rendimento pode gerar disparidades na localização de sua fonte de produção e sujeitar o rendimento a tratamentos fiscais não desejados (sujeitando, eventualmente, o contribuinte a alíquotas agravadas ou restrições indevidas como a indedutibilidade dos pagamentos efetuados). Em relação aos rendimentos produzidos em bases internacionais, qualificações divergentes por parte dos Estados envolvidos podem levar à bitributação ou à ausência de tributação da renda.
Analisando a questão, Charl P. du Toit apresenta um aprofundado estudo acerca da matéria e destaca a dificuldade na conceituação dos royalties, mencionando que até mesmo os estudiosos acerca do assunto não chegaram a um entendimento acerca do significado do vocábulo.7
Etimologicamente, a palavra royalty origina-se do adjetivo royal, sendo inicialmente usada para se referir à remuneração que a Coroa Inglesa auferia em virtude das concessões outorgadas a quem desejasse explorar minas de ouro e de prata.8
Por sua natureza, os royalties configuram-se na reserva do lucro, o qual seria auferido pelo proprietário, caso o direito fosse diretamente usufruído por ele. Todavia, como há cessão do uso do direito, o proprietário reserva para si parte dos lucros que serão auferidos pelo cessionário. A essa reserva é que damos o nome de royalties. Nesse contexto, os royalties também podem se referir aos pagamentos efetuados a autores ou a detentores do direito por cada cópia do trabalho vendido, ou cada produto vendido em relação a uma patente.
Os royalties se caracterizam como uma renda passiva, que se aufere pela permissão do uso da propriedade. O cedente dos direitos não empreende qualquer atividade para que o cedido possa utilizar-se do direito objeto da cessão, bem como não intervém na aplicação ou exploração do direito cedido, nem garante qualquer resultado. Ao contrário, o cedente apenas cede o direito para que o cessionário o utilize por sua conta e risco. O rendimento é auferido com a mera detenção do direito, sem exigir qualquer ação ativa por parte do beneficiário da renda.
Em sua obra, Charl P. du Toit analisa o conceito de royalties por meio de julgados de países da commom-law. A título de exemplo, pode-se citar o entendimento da Receita Federal Americana (Internal Revenue Office), manifestado em diversos casos que tratavam do problema de qualificação de determinados rendimentos auferidos por organizações sem fins lucrativos, isentas de imposto. A partir desses casos, chegou-se ao entendimento segundo o qual os royalties caracterizam-se, fundamentalmente, como renda passiva tendo em vista que somente estaremos diante de rendimentos denominados royalties quando se tratar de renda auferida em contrapartida ao uso de determinado bem intangível.9
No Direito brasileiro, o conceito de royalties está previsto na Lei nº 4.506/1964, que, em seu artigo 22, dispôs que os royalties abrangem os rendimentos auferidos: (i) pela exploração de recursos minerais e vegetais; (ii) pela exploração de direitos de propriedade industrial e (iii) pela exploração de direitos autorais. Ficam excluídos do conceito os pagamentos efetuados pela prestação de serviços e os pagamentos relativos à aquisição dos direitos mencionados. Além disso, cite-se que estão excluídos os pagamentos relativos à exploração de direitos autorais quando pagos ao próprio autor da obra.
Já na esfera internacional, o conceito de royalties pode ser estudado a partir da Convenção Modelo da OCDE, já que os acordos contra bitributação assinados pelo Brasil seguem, em linhas gerais, o referido Modelo. O artigo 12 do Modelo designa que:
“O termo royalties empregado neste artigo designa pagamentos de qualquer natureza, recebidos em contrapartida pelo uso ou direito de uso de quaisquer direitos autorais de obras literárias, artísticas ou científicas, inclusive filmes cinematográficos, de qualquer patente, marca de indústria e comércio, desenho ou modelo, plano, fórmula secreta ou processo secreto, e por informações relativas a experiências industriais, comerciais ou científicas.”
O Modelo OCDE atribui a competência de tributar os royalties ao Estado de residência do beneficiário do pagamento. Todavia, o Brasil, em seus acordos, tem adotado posição divergente, no sentido de permitir a tributação tanto pelo Estado de fonte, quanto pelo Estado de residência dos beneficiários dos rendimentos, estabelecendo um limite para essa tributação.
Partindo da definição acima, Vogel explica que o termo royalties, em linhas gerais, se refere a direitos ou a propriedades e às informações relativas à experiência industrial, comercial e científica. O autor ressalta ainda que o conceito aplica-se a pagamentos pelo uso ou direito de uso de direitos que tenham sido registrados ou não, inclusive nos casos que envolvam infração relativa ao direito licenciado.10
De acordo com a definição apresentada acima, pode-se concluir que a concepção de royalties adotada pelo direito interno difere do conceito adotado pela Convenção Modelo da OCDE, pois a definição de royalties proposta pela OCDE tende a ser mais abrangente do que a definição da legislação brasileira,11 embora a legislação brasileira também tenha incluído em seu conceito determinados rendimentos que foram excluídos do conceito da Convenção Modelo, a exemplo do que ocorre com os rendimentos devidos a título de exploração de recursos naturais.
A principal diferença que queremos destacar neste trabalho entre o Modelo OCDE e a legislação brasileira é a inclusão, pela OCDE, dos pagamentos efetuados a título de know-how, o que não foi efetuado pela legislação brasileira.
Surgem então as controvérsias doutrinárias que confundem os rendimentos relativos aos contratos de know-how cujo objeto envolve a prestação de informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, com os contratos de prestação de serviços e os contratos de assistência técnica e serviços técnicos.
3. O Contrato de Know-how
O contrato de know-how se caracteriza por transmitir, na forma de cessão de direitos, informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público para que o cessionário as utilize por sua conta e risco. As informações cedidas se caracterizam por sua utilidade e são obtidas a partir de estudos, pesquisas e experiências.
Segundo o conceito apresentado pela Association des Bureaux pour la Protection de la Propriété Industrielle, know-how “é o conjunto não divulgado das informações técnicas, patenteáveis ou não, necessárias à reprodução industrial de imediato e nas mesmas condições, de um produto ou processo; derivado da experiência, o know-how é o complemento do que um industrial não pode saber através do simples exame do produto e do conhecimento apenas dos progressos da técnica”.12
Os Comentários da OCDE de 2005 adotavam justamente a definição da Association des Bureaux pour la Protection de la Propriété Industrielle para conceituar o contrato de know-how. Mas em 2008, os comentários foram revistos para incluir uma definição mais “alinhada à prática geral”. Assim, segundo essa nova definição, “o know-how corresponde, normalmente, às informações não divulgadas de natureza industrial, comercial ou científica, originadas de experiência prévia, que são utilizadas na operacionalização de um empreendimento, e de cuja divulgação podem decorrer benefícios econômicos”.13
O elemento central que envolve o contrato de know-how é a transferência de tecnologia. Trata-se de dados ou conhecimentos específicos e delimitáveis, obtidos pelo desenvolvimento de uma experiência técnica, comercial ou industrial, que tem aplicação no setor de negócios. Nesse aspecto, João Marcelo de Lima Assafim comenta que a tese mais solidamente aceita pela doutrina é no sentido de que como portador da tecnologia, o know-how só pode ter como conteúdo a transferência de conhecimento de caráter técnico-industrial.14
Nesse tipo de contrato, o fornecedor da informação técnica não intervém na aplicação da tecnologia, nem garante seu resultado, mas o contrato se resolve com a mera cessão da informação ou experiência para que o cessionário a utilize por sua conta e risco.
Em outras palavras, o cedente da tecnologia não tem qualquer obrigação de aplicar o saber-fazer em favor do cessionário, mas sua obrigação considera-se cumprida no momento em que a informação é transferida. Por essa razão, para fins tributários, a remuneração auferida em contrapartida ao know-how é um rendimento de capital, pois visa retribuir o capital aplicado previamente no desenvolvimento da tecnologia.15
Essa característica também é mencionada por Vogel, que ao manifestar seu entendimento sobre o conceito de know-how destaca o termo imparting, que pode ser traduzido por entrega. O know-how seria assim o contrato pelo qual uma das partes concorda em entregar o conhecimento para outra parte para que essa última use, por conta própria, o conhecimento especial ou a experiência que permanece não revelada ao público em geral. O autor alemão explica que é reconhecido que o ofertante não está obrigado a aplicar às fórmulas cedidas ao licenciante e também não garante o resultado.16 Esse mesmo entendimento foi adotado pela OCDE, conforme se denota pelos comentários ao artigo 12 da Convenção Modelo.
Heleno Tôrres delimita o conceito de know-how a partir dos elementos apresentados pelo Direito Comunitário, segundo o qual o know-how deve ser definido como um saber-fazer, um conjunto de informações técnicas. Essas informações técnicas têm como características: (i) a natureza secreta: o conjunto de informações não é conhecido ou de fácil obtenção; (ii) substancial: o know-how abrange informações que são úteis, suscetíveis de agregar competitividade ao licenciado; (iii) identificado: o know-how deve ser descrito num suporte material, com o objetivo de comprovar o preenchimento dos critérios de segredo e substância. A identificação pode constar do acordo de licença ou em um documento distinto, desde que o documento esteja disponível em caso de necessidade.17
A questão do segredo, todavia, é polêmica. Para parte da doutrina, o segredo seria um dos aspectos do know-how, mas sua ausência não o descaracteriza. Já para a segunda corrente, o segredo seria um aspecto essencial.
Os autores que defendem a prescindibilidade do segredo alegam que a técnica ou experiência não necessariamente está protegida como um segredo. Claro que se o conhecimento for notório, não terá qualquer valor a ponto de alguém efetuar um pagamento por esse conhecimento, mas o fato de o know-how não ser secreto não o torna imprestável do ponto de vista econômico.
Já os autores da segunda corrente alegam que na ausência de segredo, o know-how perderia sua importância concorrencial e econômica, pois a remuneração ficaria descaracterizada. Nesse sentido, Newton Silveira menciona que o knowhow não secreto perde seu valor competitivo.18
Denis Borges Barbosa apresenta um entendimento intermediário sobre a questão, afirmando que o know-how não é acessível a todos, mas não se trata de algo que ninguém sabe e sim um conhecimento que determinadas pessoas não possuem. Assim o autor diz que se o know-how não for secreto, ao menos é escasso, que permite uma posição privilegiada para aquele que o detém. O valor do know-how leva em conta a oportunidade comercial que a informação traz ao cessionário. O know-how seria modelo de produção e o receptor da informação reproduz, com certos limites, esse modelo.19
Segundo pensamos, o segredo, assim entendido como uma informação inacessível para todos, de fato é um elemento essencial do contrato de know-how, pois a ausência dessa característica pode resultar na perda do apelo econômico existente. Adicionalmente, a confidencialidade do contrato é um elemento importante na diferenciação entre o know-how e os contratos de prestação de serviços e os contratos de assistência técnica e serviços técnicos.
Todavia, vale ressaltar que a expressão segredo não está sendo adotada no sentido de ignorância absoluta do mercado quanto à informação em questão. O caráter secreto quer dizer que a informação é escassa a ponto de um determinado agente do mercado se dispor a adquirir, mediante remuneração, a tecnologia, ainda que outros agentes já detenham a respectiva informação.
Outro elemento essencial do contrato de know-how refere-se à substancialidade da informação. A experiência técnica, comercial ou industrial deve ser suscetível de agregar valor ao titular da informação, propiciando uma vantagem competitiva ou uma posição de mercado mais vantajosa. Como destaca o Direito Comunitário acima mencionado, o know-how deve agregar competitividade ao licenciado. Para o Direito europeu, também não basta o know-how ser declarado em um contrato, mas ele deve estar perfeitamente descrito e caso o contrato não cumpra com os critérios de segredo e substância, sua forma jurídica poderá ser desconsiderada.20
No tocante à remuneração, como regra, a contraprestação do licenciamento de know-how pode ser pactuada como uma quantia fixa, ou em relação a um percentual do resultado da exploração da tecnologia, isto é, com base no lucro, na receita de vendas, nas unidades vendidas. Sobre a questão, Alberto Xavier entende que um contrato de remuneração em razão do tempo de execução, das horas consumidas, não é, em princípio, um contrato de know-how, pois o tempo não tem relação com o benefício que será gerado a partir da tecnologia adquirida.21
Em breve síntese, portanto, podemos sublinhar que o contrato de know-how possui as seguintes características: (i) o objeto do contrato consiste na transmissão de informações, conhecimento ou experiências, isto é, tecnologia. Essa tecnologia é secreta, não divulgada ao público; (ii) ausência de participação na aplicação da tecnologia por parte do transmitente; o cessionário aplica a tecnologia por conta própria; (iii) ausência de garantia de resultado; e (iv) remuneração fixada com base em faturamento, produção ou lucro.
Tendo em vista as características acima, nota-se que o contrato de know-how enquadra-se dentro do conceito de royalties, ao mesmo tempo em que difere do contrato de prestação de serviços, conforme se verá a seguir.
4. O Contrato de Prestação de Serviços
O contrato de prestação de serviços tem por objeto a execução de um determinado serviço, que presume a aplicação da tecnologia pelo prestador, que não será apenas transmitida, mas aplicada na consecução da prestação dos serviços. Enquanto no contrato de know-how transfere-se tecnologia, no contrato de prestação de serviços aplica-se tecnologia. Conforme sublinha Philip Baker, no contrato de know-how, o objeto do contrato é o fornecimento do know-how (supplying know-how), ao passo que no contrato de prestação de serviços, o objeto do contrato é a aplicação da tecnologia por meio da execução de serviços (applying know-how to guide the company).22
No mesmo sentido, Vogel se pronuncia no sentido de que o critério para distinguir o contrato de know-how de um contrato de prestação de serviços refere-se ao conceito de entrega. No caso da prestação de serviços, não há entrega da experiência, mas apena o uso da informação. Vogel cita como exemplo um consultor, que ao invés de entregar sua experiência, utiliza-a ele mesmo. No caso do know-how, todavia, o transmitente do know-how entrega a tecnologia, para que o beneficiário use por conta própria, sem qualquer obrigação adicional por parte do cedente.23
Alberto Xavier cita um exemplo bastante pertinente para explicitar a diferença entre os tipos contratuais: quando uma instituição financeira solicita para uma empresa de informática que estudem e preparem um programa customizado, a instituição não quer adquirir o conhecimento técnico necessário para produzir o programa (know-how), dado que sua atividade é claramente outra. Ao contrário, a instituição apenas contratou o programa customizado (prestação de serviço).24
Ainda acerca da distinção entre os dois tipos de contratos mencionados acima, Luciana Galhardo explica que o know-how se caracteriza pela confidencialidade, e pela implantação da tecnologia pelo próprio beneficiário/cessionário. Enquanto no contrato de know-how, o cedente ou o autor da transferência de tecnologia não garante qualquer resultado ao beneficiário, no caso da prestação de serviços técnicos não há qualquer transferência de tecnologia, mas apenas a utilização dos conhecimentos usuais da profissão, que se consubstanciam em técnicas conhecidas por todos os especialistas, sem qualquer confidencialidade.25
De fato, a informação técnica utilizada pelo prestador nem sempre constitui uma informação secreta, ao contrário do que ocorre com os contratos de know-how. Nos contratos de prestação de serviços, como regra, são utilizados a experiência e o conhecimento usuais da profissão.
Bruno Gouthière, citado por Alberto Xavier, explica que um dos elementos para distinguir os contatos de know-how dos contratos de prestação de serviços é justamente a natureza das informações objeto do contrato. Caso a informação fornecida seja secreta, existe, em princípio, transferência de savoir-faire. Todavia, caso o contratado utilize experiência e conhecimentos usuais, o contrato, em princípio, tem por objeto uma prestação de serviços.26
Embora os serviços tenham conteúdo técnico, no sentido de que dependem de conteúdo técnico especializado, esse contrato não tem por objetivo servir como um veículo de transferência de tecnologia. Ademais, em determinados casos, o contrato de prestação de serviços sequer envolve a transferência de uma tecnologia prévia. Heleno Tôrres cita como exemplo os casos de serviços técnicos que envolvem a prestação de um serviço de execução de um programa que utiliza tecnologia alheia, adquirida de outro sujeito; ou os serviços que não envolvam um “saber fazer”; ou quando o serviço técnico é parte integrante de um projeto maior e a tecnologia está associada a esse projeto e não à prestação do serviço.27
Ainda no que se refere às distinções entre os contratos de know-how e os contratos de prestação de serviços, pode-se mencionar a questão da remuneração. Regra geral, os primeiros são remunerados por meio de uma quantia fixa (lump sum) ou de uma determinada percentagem do faturamento, da produção ou do lucro. Já o contrato de prestação de serviços é, em regra, remunerado por meio de contraprestação fixada no custo relativo ao trabalho desenvolvido.
Adicionalmente, a remuneração decorrente da prestação de informações é um rendimento de capital, em retribuição a um capital tecnológico, um fator de produção. Já os rendimentos referentes à prestação de serviços qualificam-se como preço pela venda dos serviços, geralmente fixados de acordo com os custos incorridos e com as horas gastas para a execução do serviço acordado.
A diferença entre o contrato de know-how e o contrato de prestação de serviços foi sublinhada nos próprios comentários à convenção Modelo OCDE, nos termos dos itens 11.1 e 11.2 dos Comentários ao artigo 12:
“No contrato de know-how, uma das partes acorda transmitir à outra, de forma que possa usá-las por sua própria conta, seu conhecimento e experiência especiais não divulgados ao público. Reconhece-se que o cedente não é obrigado a desempenhar ele próprio qualquer papel na aplicação das fórmulas concedidas ao licenciado e que ele não garante o respectivo resultado. Esse tipo de contrato difere, portanto, dos contratos de prestação de serviços, nos quais uma das partes se compromete a utilizar as capacidades técnicas inerentes à sua atividade na execução de trabalhos para a outra parte. Os pagamentos efetuados nos termos destes últimos contratos são geralmente tratados no artigo 7.”28
O parágrafo 11.3 delimita então os critérios relevantes para distinguir os contratos de know-how dos contratos de prestação de serviços: (i) os contratos de know-how consistem na transferência de informações que já existem ou transferência de informação após o seu desenvolvimento e incluem provisões específicas sobre a confidencialidade de tais informações; (ii) no caso de contratos de prestação de serviços, o prestador executa serviços que podem requerer conhecimento ou habilidades especiais mas não envolvem a transferência desses conhecimentos ou habilidades especiais para a outra parte; (iii) na maioria dos casos envolvendo o fornecimento de know-how, o cedente tem pouco a fazer além de fornecer a informação existente ou reproduzir o material existente. Por outro lado, um contrato de prestação de serviços, na maioria dos casos, envolve um grau de envolvimento maior para que o prestador cumpra suas obrigações contratuais. Por exemplo, o prestador, dependendo da natureza dos serviços a serem prestados, pode ter que incorrer em custos correspondentes aos salários de empregados contratados para os serviços de pesquisa, desenvolvimento, teste, desenhos ou qualquer outra atividade associadas ou de subcontratados que prestem os serviços em questão.29
Em face do que se expôs, conclui-se que os rendimentos relativos à prestação de serviços não se qualificam, para fins de aplicação da Convenção Modelo, como royalties visto que o contrato de prestação de serviços não envolve a transmissão de tecnologia, mas a aplicação dessa. Adicionalmente, ao contrário do contrato de know-how, que consiste na transferência de informações relativas à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, o contrato de prestação de serviços envolve conhecimentos próprios da área de aplicação e a remuneração auferida se baseia no custo demonstrado em função de horas de trabalho. Nesse sentido, regra geral, os rendimentos decorrentes dos contratos de prestação de serviços não se sujeitam ao regime jurídico dos royalties, tratados no artigo 12 da Convenção Modelo OCDE, mas qualificam-se como lucro de empresa, regulado pelo artigo 7 da Convenção Modelo.
5. Conceito e Características dos Contratos de Assistência Técnica e Serviços Técnicos
Uma vez definidos os principais contornos e diferenças entre os contratos de know-how e os contratos de prestação de serviços, cabe agora conceituarmos os contratos de “assistência técnica e serviços técnicos” para então definir em quais hipóteses a equiparação pretendida por alguns acordos assinados pelo Brasil desses rendimentos aos royalties é cabível.30
Parte da doutrina considera que especificamente em relação a esses acordos, toda e qualquer assistência técnica ou serviços técnicos incluir-se-iam no conceito de royalties, pela equiparação efetuada. O professor Gerd Rothmann parece caminhar nesse sentido, afirmando que em algumas convenções celebradas pelo Brasil, o Protocolo estabelece que o artigo 12 aplica-se aos rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos sem fazer qualquer referência de tecnologia, dispensando a difícil delimitação entre remuneração por know-how e remuneração por serviços técnicos e assistência técnica.31
Essa também foi a posição adotada pela Receita Federal no Parecer PGFN/CAT nº 2.363/2013: “ou seja, nesse último caso, nas hipóteses em que os acordos internacionais ou dispositivo de protocolo autorizem a tributação no Brasil, a exemplo dos tratados e protocolos que caracterizem os valores pagos como royalties, tais serviços poderão ser submetidos ao tratamento previsto no art. 12 da Convenção Modelo - pagamento de royalties, independentemente do caráter em que a prestação do serviço foi efetuada (em caráter principal ou acessório), não incidindo, portanto, o art. 7º”. Todavia, segundo entendemos, essa conclusão não parece ser a mais acertada.
O conceito de assistência técnica não é de fácil definição. Analisando a questão, Vogel sublinha que o termo “assistência técnica” não está claramente definido. O autor ressalta que a inclusão desses rendimentos no conceito de royalties tem sido efetuada, regra geral, por países em desenvolvimento.32
A despeito da dificuldade de conceituação desses contratos, como o próprio nome indica, o contrato de assistência consiste em um contrato complementar. Trata-se de um contrato que não possuir caráter autônomo e independente, mas sim acessório a outra operação.
Cite-se, a título de exemplo, o caso de uma venda de equipamentos cujos contratos prevejam determinada assessoria na montagem e manutenção dos equipamentos. Pode-se mencionar ainda os contratos que envolvam a prestação de informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, que não se complementem com a mera cessão da informação, mas que exijam determinada assistência técnica, colocada à disposição do cessionário, para auxiliar a utilização da informação adquirida.
No mesmo sentido, Heleno Tôrres comenta que todo contrato de assistência é acessório em relação a um contrato principal, que pode ser um contrato de compra e venda de equipamentos, contratos de instalação, dentre outros. O contrato de assistência não é um contrato de prestação de serviços principal. Em muitos casos, a assistência é uma exigência do adquirente, colocada à sua disposição pelo vendedor do bem ou da prestação do serviço.33
Os contratos de assistência técnica e serviços técnicos diferem do contrato de prestação de serviços técnicos em geral uma vez que nesses últimos, a prestação é o objeto principal do contrato, no qual o contratante busca a execução de um serviço propriamente dito, e não uma mera assistência relativa à aplicação da tecnologia adquirida. Já nos contratos de assistência técnica, as partes buscam uma determinada tecnologia e, tendo em vista a complexidade em sua implementação, torna-se necessária a assistência correspondente. O objeto principal do contrato é a transmissão da tecnologia (know-how), mas o contratante também deseja um serviço de assistência ou serviço técnico complementar ou instrumental.
Essa característica também é notada por Vogel, que explica que o contrato de assistência se verifica nos casos em que, além da cessão do direito de uso de algo ou do compartilhamento da experiência, o transmitente da tecnologia sai de sua posição passiva (remunerada por know-how) para se tornar ativo e então solucionar os problemas do adquirente, por meio de soluções preparadas especialmente para aquele adquirente.34 Verifica-se, portanto, que o autor destaca que a assistência difere da remuneração efetuada por meio de royalties, cuja característica típica, conforme mencionamos acima, é se configurar em uma renda passiva, i.e., que não exige uma prestação específica por parte de quem cede um direito, um conhecimento específico ou uma certa tecnologia.
Carmona Fernández, mencionado por Alberto Xavier, cita a conceituação da assistência técnica na terminologia da lei brasileira, dada em parecer pela Administração fiscal espanhola. Segundo o Fisco espanhol, a assistência técnica se caracteriza pela colocação à disposição do cliente de pessoal qualificado, sempre que necessário para o contrato de transferência de conhecimentos ou experiência e desde que a obrigação de fazer não constitua objeto principal do contrato.35
No mesmo sentido, a Receita Federal, por meio da Instrução Normativa nº 1.455/2014, conceitua a assistência técnica como “a assessoria permanente prestada pela cedente de processo ou fórmula secreta à concessionária, mediante técnicos, desenhos, estudos, instruções enviadas ao País e outros serviços semelhantes, os quais possibilitem a efetiva utilização do processo ou fórmula cedido”. Nota-se, portanto, que a conceituação da Receita Federal leva em conta o fato de a assistência técnica ter um caráter de complementaridade à cessão da tecnologia.
Alberto Xavier sublinha que o fato de a assistência técnica e serviços técnicos possuírem um caráter de complementaridade relativamente à transmissão do know-how é justamente o que levou os Protocolos de certos acordos submeterem a remuneração ao mesmo regime da transmissão de know-how. Os Protolocos equipararam a remuneração acessória (assistência técnica e serviços técnicos) ao principal (transferência da tecnologia).36
Concordamos inteiramente com a opinião de Alberto Xavier. Segundo entendemos, pela própria natureza do contrato, as remunerações decorrentes dos contratos de assistência técnica ou serviços técnicos só serão equiparados aos royalties, sujeitos ao regime do artigo 12 da Convenção Modelo OCDE, nos casos em que a assistência técnica ou os serviços técnicos possuam um caráter de complementaridade à transferência da tecnologia adquirida, mas nunca para abranger os contratos cujo objeto principal seja apenas e tão somente a prestação de serviços.
Assim, mesmo nos casos em que o acordo equipare os pagamentos decorrentes de serviços técnicos e assistência técnica ao regime tributário dos royalties, a equiparação deve ser interpretada restritivamente, de forma que os serviços técnicos e a assistência técnica só serão considerados como royalties nos casos em que os contratos que prevejam determinada remuneração possuam um caráter subsidiário em relação ao objeto do contrato principal, que envolva a transmissão de know-how.
E nem se diga que interpretar a equiparação nesse sentido seria esvaziar o sentido da vontade subjetiva dos Estados contratantes. Ainda que a inclusão dessa cláusula seja fruto de uma negociação entre os dois Estados, a equiparação deve ser analisada no contexto que foi inserida: a maioria dos textos dos protocolos possui a redação no sentido de que a expressão “por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico” mencionada no artigo 12, inclui os rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos.
Quer nos parecer, portanto, que a negociação se deu em função da aproximação dos dois contratos e não teve por objetivo dar um tratamento equivalente a um contrato de prestação de serviços autônomo, que não envolva qualquer transferência de tecnologia. A equiparação é efetuada em razão da existência de um contrato principal e acessório: dado que houve a transferência de tecnologia (objeto principal), a assistência técnica (acessório) seguiria o principal e, portanto, deverá receber o mesmo tratamento.
Também não concordamos com o entendimento no sentido de que a redação do protocolo não faz qualquer referência à necessidade de a assistência técnica ou os serviços implicarem transferência de tecnologia e, portanto, seria aplicável a qualquer remuneração por prestação de serviços de conteúdo técnico. Tendo em vista a equiparação efetuada, enquadrando esses rendimentos no regime dos royalties, a existência da transferência de tecnologia é evidente, não havendo necessidade de referência expressa.
A interpretação no sentido de que todo e qualquer serviço, independentemente da transferência da tecnologia, estaria no âmbito do artigo 12, esvaziaria a abrangência do artigo 7º, contrariando os objetivos almejados pelas partes quando assinaram o acordo contra a dupla tributação.
Assim, ainda que o protocolo esclareça que os rendimentos provenientes de assistência técnica e da prestação de serviços técnicos enquadram-se no âmbito do artigo 12, entendemos que esse dispositivo não é suficiente para abranger os rendimentos decorrentes de quaisquer serviços técnicos, que não envolvam transferência de tecnologia. Segundo entendemos, o dispositivo só abrange a prestação de serviços que pressuponham a transferência de tecnologia.
A questão só difere no tocante à aplicação do Acordo Brasil-Espanha, no qual em razão de negociação concluída em 2004, chegou-se a uma conclusão no sentido de que a assistência técnica e os serviços técnicos, independentemente da transferência de tecnologia, seriam qualificados como royalties, no âmbito do artigo 12 do Acordo. Essa questão ficou expressa no Ato Declaratório Normativo SRF nº 27/2004.
A existência do Ato Declaratório, que expressa a negociação entre os países, segundo pensamos, não só não infirma nossa conclusão acima, como a reforça, no sentido de que para todos os demais casos, a assistência técnica e os serviços técnicos apenas qualificam-se no artigo 12 uma vez presente a característica de complementaridade em relação à transferência de tecnologia, dado que nesses acordos, não houve negociação em sentido contrário. Conforme destaca Ricardo Pereira Ribeiro e Roberto França Vasconcellos, a despeito da inconsistência técnica existente, Brasil e Espanha chegaram a um meio termo na negociação do acordo: o Brasil, como regra Estado da fonte, acorda a possibilidade de tributar os rendimentos na fonte, ao passo que a Espanha, Estado de residência, concorda com a tributação na fonte, mas limita a tributação desses valores à alíquota aplicável aos royalties.37
Em relação a todos os demais acordos, somente nos casos em que, uma vez celebrado um contrato de know-how haja a necessidade de uma assistência técnica ou um serviço técnico complementar à transferência da tecnologia contratada, é que poderemos equiparar os rendimentos auferidos com relação à prestação da assistência com o regime tributário dos royalties. Já os contratos cujo objeto principal seja a prestação de serviços, ainda que de conteúdo técnico, não podem ter a correspondente remuneração qualificada como royalty no âmbito do artigo 12 dos acordos.
6. Conclusões
A partir do exposto acima, é possível concluir que:
O termo royalties, em linhas gerais, tem sido utilizado para identificar as remunerações pagas em retribuição ao uso de direitos, i.e., a remuneração cobrada pelo proprietário de um direito relativo à propriedade intelectual, por permitir o uso desse direito. A concepção de royalties adotada pelo direito interno difere do conceito adotado pela Convenção Modelo da OCDE, pois a definição de royalties proposta pela OCDE tende a ser mais abrangente do que a definição da legislação brasileira, tendo em vista que seu conceito abrange os rendimentos auferidos pela prestação de informações e experiência adquirida (know-how), objeto do presente trabalho.
O contrato de know-how pode ser definido como aquele cujo objeto se consubstancia na transmissão do conjunto de informações tecnológicas acerca de um modelo de produção ou que envolva uma determinada técnica. As informações cedidas se caracterizam por sua utilidade e são obtidas a partir de diversas pesquisas e experiências. Nesse tipo de contrato, o fornecedor da informação técnica não intervém na aplicação da tecnologia, nem garante seu resultado, mas o contrato se resolve com a mera cessão da tecnologia para que o cessionário a utilize por sua conta e risco. Por sua vez, o contrato de prestação de serviços tem por objeto a execução de um determinado serviço, que presume a aplicação da tecnologia pelo prestador, que não será apenas transmitida e sim aplicada na consecução da prestação dos serviços. Enquanto no contrato de know-how transfere-se tecnologia, no contrato de prestação de serviços aplica-se tecnologia. Assim, os rendimentos relativos à prestação de serviços não se qualificam como royalties tratados no artigo 12 da Convenção Modelo OCDE, mas qualificam-se como lucro de empresa, regulado pelo artigo 7º da Convenção Modelo.
Alguns acordos para evitar a dupla tributação assinados pelo Brasil submetem a assistência técnica e os serviços técnicos ao regime tributário dos royalties. Os contratos de assistência técnica possuem um caráter complementar e não autônomo e, portanto, diferem do contrato de prestação de serviços técnicos em geral uma vez que nesses últimos, a execução de um serviço propriamente dito é o objeto principal do contrato. Já nos contratos de assistência técnica, as partes buscam uma determinada tecnologia e, tendo em vista a complexidade em sua implementação, torna-se necessária a assistência técnica correspondente. O objeto principal do contrato é a transmissão da tecnologia (know-how), mas o contratante também deseja um serviço de assistência ou serviço técnico complementar ou instrumental.
Assim, o Parecer PGFN/CAT nº 2.363/2013, embora favorável aos contribuintes em relação ao enquadramento das remessas efetuadas ao exterior decorrentes dos contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia no artigo 7º dos acordos e não no artigo 21, andou mal ao ressalvar que, nos casos dos acordos internacionais ou os protocolos que submetem os serviços de assistência técnica e serviços técnicos ao regime do artigo 12, os serviços se sujeitariam ao regime dos royalties, independentemente do caráter em que a prestação de serviços foi efetuada em caráter principal ou acessório. Segundo pensamos, a equiparação prevista nesses acordos não abrange os rendimentos de prestação de serviços em geral, mas apenas a assistência técnica e serviços técnicos complementares a um contrato de transferência de tecnologia.
1 Artigo 7º: “Profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein. If the enterprise carries on business as aforesaid, the profits that are attributable to the permanent establishment in accordance with the provisions of paragraph 2 may be taxed in that other State.”
Artigo 21: “Items of income of a resident of a Contracting State, wherever arising, not dealt with in the foregoing Articles of this Convention shall be taxable only in that State.” Model Tax Convention on Income and on Capital 2010 (updated 2010), OECD Publishing. Disponível em http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/taxation/model-tax-convention-on-income-and-on-capital-2010_9789264175181-en#page1. Acesso em 17 de outubro de 2014, pp. 45; 72.
2 Em diversos casos, o Brasil qualifica os rendimentos não expressamente mencionados no âmbito do artigo 22 dos acordos. Todavia, no presente trabalho, adotaremos a numeração dada pela OCDE, que qualifica tais rendimentos no artigo 21.
3 VOGEL, Klaus. On double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice. 3ª ed. Alemanha: Kluwer Law International, 1997, pp. 1.072-1.073.
4 Decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: AMS nº 934720044013301, e-DJF1 de 26.7.2013; AMS nº 00029057420054013900, e-DJF1 de 21.1.2011.
Decisões do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: AI nº 00346806920124030000, e-DJF3 de 30.8.2013; AMS nº 00068033420114036130, e-DJF3 de 24.5.2013; AMS nº 00003618920044036100, e-DJF3 de 14.11.2012; APELREEX 00244617420054036100, e-DJF3 de 3.2.2012.
Decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: AC nº 50098053120104047100, DE de 2.5.2014; APELREEX nº 50037176420124047113, DE de 14.8.2013; EINF nº 200271000065305, DE de 26.6.2009.
5 Acordo sem efeito desde 1º de janeiro de 2006.
6 África do Sul: Decreto nº 5.922/2006; Alemanha: Decreto nº 76.988/1976; Argentina: Decreto nº 87.976/1982; Bélgica: Decreto nº 6.332/2007; Canadá: Decreto nº 92.318/1986; Chile: Decreto nº 4.852/2003; China: Decreto nº 762/1993; Coreia: Decreto nº 354/1991; Dinamarca: Decreto nº 75.106/1974; Equador: Decreto nº 95.717/1988; Espanha: Decreto nº 76.975/1976; Filipinas: Decreto nº 241/1991; Holanda: Decreto nº 355/1991; Hungria: Decreto nº 53/1991; Índia: Decreto nº 510/1992; Israel: Decreto nº 5.576/2005; Itália: Decreto nº 85.985/1981; Luxemburgo: Decreto nº 85.051/1980; México: Decreto nº 6.000/2006; Noruega: Decreto nº 86.710/1981; Peru: Decreto nº 7.020/2009; Portugal: Decreto nº 4.012/2001; República Tcheca: Decreto nº 43/1991; Turquia: Decreto nº 8.140/2013 e Ucrânia: Decreto nº 5.779/2006.
7 Cf. TOIT, Charl P. du. Beneficial ownership of royalties in bilateral tax treaties. Holanda: IBFD Publications, 1999, p. 90.
8 CALDERARO, Francisco R. S. “Regime legal dos royalties referentes a patentes de invenção, marcas de indústria e comércio, assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes”. Tecnologia, importação - exportação (obra coletiva). São Paulo: CTE, 1976, p. 87.
9 TOIT, Charl P. du. Beneficial ownership of royalties in bilateral tax treaties. Ob. cit., pp. 30-31.
10 VOGEL, Klaus. On double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice. Ob. cit., p. 782.
11 Charl P. du Toit observa essa questão e afirma que, regra geral, a definição da Convenção Modelo OCDE é arbitrária e tende a ser muito diferente das leis internas dos países (cf. TOIT, Charl P. du. Beneficial ownership of royalties in bilateral tax treaties. Ob. cit., p. 57).
12 Cf. PIRES, Manuel. Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento. 1ª ed. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1984, p. 657.
13 RUSSO, Raffaele. “O modelo da OCDE de 2008: uma visão geral”. Revista de Direito Tributário Internacional nº 10. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 279.
14 ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A transferência de tecnologia no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 199.
15 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 623.
16 VOGEL, Klaus. On double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice. Ob. cit., pp. 782-783.
17 TÔRRES, Heleno Taveira. “Propriedade industrial e transferência de tecnologia no Direito Tributário brasileiro”. Revista de Direito Mercantil industrial, econômico e financeiro nº 134. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 113.
18 SILVEIRA, Newton. Curso de propriedade industrial. 2ª ed. São Paulo: RT, 1987, p. 91.
19 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 335-648 apud TÔRRES, Heleno Taveira, “Propriedade industrial e transferência de tecnologia no Direito Tributário brasileiro”. Ob. cit., p. 114.
20 TÔRRES, Heleno Taveira. “Propriedade industrial e transferência de tecnologia no Direito Tributário brasileiro”. Ob. cit., p. 114.
21 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Ob. cit., p. 623.
22 BAKER, Philip. Double taxation conventions and international Tax Law. 2ª ed. Londres: Sweet & Maxwell, 1994, p. 270.
23 VOGEL, Klaus. On double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice. Ob. cit., pp. 782-783.
24 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Ob. cit., p. 622.
25 GALHARDO, Luciana Rosanova. “Serviços técnicos prestados por empresa francesa e imposto de renda na fonte”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 31. São Paulo: Dialética, 1998, p. 41.
26 GOUTHIÈRE, Bruno. Les impôts dans les affaires internationales. Paris, 1991 apud Xavier, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Ob. cit., p. 622.
27 TÔRRES, Heleno Taveira. “Propriedade industrial e transferência de tecnologia no Direito Tributário brasileiro”. Ob. cit., p. 118.
28 No original: “In the know-how contract, one of the parties agrees to impart to the other, so that he can use them for his own account, his special knowledge and experience which remain unrevealed to the public. It is recognised that the grantor is not required to play any part himself in the application of the formulas granted to the licensee and that he does not guarantee the result thereof. This type of contract thus differs from contracts for the provision of services, in which one of the parties undertakes to use the customary skills of his calling to execute work himself for the other party. Payments made under the latter contracts generally fall under Article 7.” (Model Tax Convention on Income and on Capital 2010 (updated 2010), OECD Publishing. Disponível em http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/taxation/model-tax-convention-on-income-and-on-capital-2010_9789264175181-en#page1. Acesso em 17 de outubro de 2014. Tradução livre)
29 Model Tax Convention on Income and on Capital 2010 (updated 2010), OECD Publishing. Disponível em http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/taxation/model-tax-convention-on-income-and-on-capital-2010_9789264175181-en#page1. Acesso em 17 de outubro de 2014. Tradução livre.
30 Vale salientar que no item 3 acima, estabelecemos o conceito e características dos ditos contratos de serviços técnicos em geral ou serviços “puro”, justamente porque a prestação desse serviço não tem como objeto transferência de informações ou conhecimentos (tecnologia). Agora, resta-nos definir o termo “serviço técnico e de assistência técnica”, ou apenas “assistência técnica”, no sentido que o termo foi adotado nos protocolos de determinados acordos assinados pelo Brasil.
31 ROTHMANN, Gerd W. “Problemas de qualificação na aplicação das convenções contra a bitributação internacional”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 76. São Paulo: Dialética, 2002, p. 38.
32 VOGEL, Klaus. On double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice. Ob. cit., pp. 800 e 801.
33 TÔRRES, Heleno Taveira. “Propriedade industrial e transferência de tecnologia no Direito Tributário brasileiro”. Ob. cit., p. 118.
34 VOGEL, Klaus. On double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice. Ob. cit., p. 801.
35 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Ob. cit., p. 627.
36 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Ob. cit., p. 627.
37 RIBEIRO, Ricardo Pereira; e VASCONCELLOS, Roberto França de. “A transferência internacional de tecnologia e sua tributação”. Revista de Direito Tributário Internacional nº 6. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 153.