Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica e a sua Aplicabilidade na Execução Fiscal à Luz da Teoria do Diálogo das Fontes
Disregard the Legal Entity and its Applicability at Brazilian Enforcement Proceedings Tax Act – LEF in the Light of the Dialogue of Source Theory
Juciléia Lima
Doutora e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Estágio doutoral na modalidade sanduíche na Universidade de Münster, Alemanha. Especialista em Tributação Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Leciona Direito Tributário e Processo Tributário na Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas (UPM). Advogada em Campinas. E-mail: jucileialima@usp.br.
Recebido em: 05-02-2020
Aprovado em: 04-03-2020
Resumo
Este artigo pretende analisar a inovação trazida pela Lei n. 13.105/2015, o atual Código de Processo Civil (CPC/2015), que ao regulamentar a intervenção de terceiros, por meio do uso do novel Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), trouxe muitas dúvidas quanto a sua compatibilidade com a Lei de Execução Fiscal (LEF). Inicialmente, pretendemos analisar a aplicação subsidiária do CPC/2015 à execução fiscal, para, então, verificar os aspectos específicos atinentes ao próprio instituto do IDPJ e as possíveis antinomias existentes entre o instituto e a LEF. E finalmente, após a identificação dessas possíveis antinomias, apresentar uma nova ferramenta para interpretação unitária do sistema jurídico, de modo a não desconsiderar o espírito inovador e garantista do CPC/2015, bem como a dar a ótica unitária do sistema jurídico por meio da tese apresentada pelo Prof. Erik Jayme, da Universidade de Heidelberg, Alemanha – O Diálogo das Fontes (Der Dialog der Quellen).
Palavras-chave: Lei de Execução Fiscal, Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, CPC/2015, incidente, Diálogo das Fontes.
Abstract
This article intends to analyze the innovation brought by Law n. 13.105/2015, the current Civil Procedure Code (CPC/2015), which, by regulating the third parties proceedings through the use of the novel Disregard the Legal Entity (IDPJ), raised many doubts regarding its compatibility with the Enforcement Proceedings Tax Act (LEF). First, we intend to analyze the subsidiary application of the CPC/2015 to tax enforcement, to then verify the specific aspects pertaining to the IDPJ itself and the possible antinomies existing between the IDPJ and the LEF. And finally, after identifying these possible antinomies, present a new tool for unitary interpretation of the legal system, so as not to disregard the innovative and guarantor spirit of the CPC/2015, as well as to give the unitary perspective of the legal system through the Prof. Erik Jayme’s thesis of University of Heidelberg, Germany – The Source Dialogue (Der Dialog der Quellen).
Keywords: Enforcement Proceedings Tax Act – LEF, Disregard the Legal Entity – IDPJ, current Civil Procedure Code (CPC/2015), incident proceedings, German Source’s Dialogue.
1. Introdução
Este artigo pretende analisar a aplicabilidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), previsto nos arts. 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015 – Lei n. 13.105, de 16.03.2015)1, na Lei de Execução Fiscal (LEF – Lei n. 6.830, de 22.09.1980).
Muito se tem analisado quanto à aplicabilidade ou não do IDPJ na execução fiscal. O debate é candente porque trata sobre interesses tensionados entre o fisco e os contribuintes. De um lado, o fisco busca caminhos que garantam a celeridade e a efetividade na cobrança de seus créditos, sendo que, nesse cenário, o novo incidente não atender aos seus interesses2; de outro, os contribuintes desejam exercer o seu direto à ampla defesa em um cenário de ampla contrariedade dado o risco e os efeitos do eventual levantamento do véu protetivo da personalidade jurídica (lifting the corporate veil) para atingir o patrimônio dos sócios a possibilitar a satisfação do crédito fiscal.
Até o momento, o tema ainda não está pacificado no STJ, tendo por duas vezes sido enfrentado e decidido de formas diversas em ambas as ocasiões em que se submeteu ao crivo do STJ.
Em recentíssimos julgados, a 2ª Turma do STJ decidiu ser incabível a incidência do incidente na execução fiscal por entender ser incompatível com a LEF3. No entanto, dois meses antes, a 1ª Turma somente afastou o Incidente nos casos de redirecionamento da Execução Fiscal (arts. 134 e 135 do CTN), mas manteve a necessidade do Incidente para os casos em que a desconsideração é baseada no art. 50 do Código Civil, ou seja, comprovado o abuso de personalidade jurídica por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, seria necessário a instauração do IDPJ4.
Nesse sentido, notamos ainda ser tormentosa a aceitação da aplicação do IDPJ na execução fiscal tanto pelos tribunais pátrios quanto pela doutrina, como oportunamente será tratado.
Entretanto, é importante registrar que sendo o temário tão relevante, as posições por ora adotadas pelos tribunais podem, até o reexame do tema em sede de recursos repetitivos ou até sua sumulação, em razão de eventuais novos contornos doutrinários a serem dados, sofrer modificações.
É disso que este artigo tratará e, ao final, colaborará, ainda que minimamente, com a compreensão do tema à luz da Teoria do Diálogo das Fontes – Der Dialog der Quellen, do respeitável Prof. alemão Dr. Erik Jayme.
Sendo assim, partimos a investigar a compatibilidade do IDPJ como incidente trazido pelo CPC/2015 com a LEF.
2. Desconsideração da personalidade jurídica no CPC/2015
A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é o véu protetivo da personalidade jurídica que encontra previsão legal no art. 1.024 do CC: “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. Entretanto, é inegável que o seu uso inadequado pode trazer prejuízos à sociedade, pontualmente, quando sócios ou administradores, propositalmente, sob o véu protetivo da personalidade jurídica, tentam se esquivar de quaisquer responsabilidades com base na autonomia patrimonial.
Koury define que a “disregard doctrine” consiste em subestimar os efeitos da personificação jurídica, em casos concretos, e adentrar na sua estrutura formal a verificar-lhe o substrato com o objetivo de impedir que os sócios façam uso dela para prática de simulações e fraudes, bem como em qualquer caso em que o respeito à forma societária leve a soluções contrárias à função da personalidade jurídica e aos princípios consagrados pelo ordenamento jurídico5.
Todavia, é importante ressaltar que se trata de uma despersonalização momentânea, episódica e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, dado que incide isoladamente sobre determinado fato jurídico, com a consequente extensão da responsabilidade da pessoa dos sócios sobre os atos praticados pela pessoa jurídica. A regra é a autonomia patrimonial, a exceção é a sua desconsideração que somente pode ocorrer após a comprovação de abuso da personalidade jurídica.
Como é sabido, a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica tem origem anglo-saxônica (disregard of legal entity doctrine)6, lifting the veil doctrine ou piercing the veil doctrine7. No Brasil, a doutrina já encontrava previsão legal, quanto a sua aplicabilidade, desde os anos 1940. Entretanto, ganhou os primeiros traços doutrinários em 1969, com o estudo precursor do Prof. Rubens Requião – “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”8.
Todavia, antes disso, nosso direito positivo já guardava duas regras que tratavam da extensão da responsabilidade da sociedade a sócios e administradores e empresas terceiras integrantes de seus grupos econômicos.
Quando se fala em desconsideração da personalidade jurídica, toma-se como ponto de partida a previsão legal contida no art. 50 do CC – Lei n. 10.406/20029. Como se pode notar, as condições ali previstas tratam do abuso da personalidade jurídica caracterizado por desvio da finalidade da empresa e por confusão patrimonial. Entretanto, é oportuno relembrar que o CC/1916 não trazia nenhuma norma sobre a desconsideração da personalidade jurídica, tendo sido esta positivada, somente, recentemente, no CC/2002. Entretanto, antes disso, a extensão da responsabilidade da sociedade empresarial a sócios e administradores, em detrimento do princípio da autonomia patrimonial, já encontrava previsão em outros textos normativos, tal como no Direito do Trabalho, que já fornecia os primeiros critérios materiais do instituto e que serviram de base para os demais diplomas normativos quando igualmente regulamentaram o tema.
O art. 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto-lei n. 5.452, de 01.05.1943) já previa o instituto ao atribuir a extensão da responsabilidade para pessoa jurídica terceira integrante do mesmo grupo econômico da pessoa jurídica responsável nas relações de trabalho, quando verificada a ocorrência de grupo econômico de fato caracterizado por direção, controle ou administração comum daquela para com esta. A reforma trabalhista, com redação dada pela Lei n. 13.467, de 13.07.2017, alterou a redação do dispositivo, entretanto, nenhuma mudança foi trazida ao instituto10.
Por sua vez, podemos citar o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990), que em um amplo espectro de aplicação previu que, quando ocorresse, em detrimento do consumidor, abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, poderia ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica11.
Ainda, notamos que o instituto também está previsto no art. 4º da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, ao tratar da responsabilidade ambiental da pessoa jurídica ao prever sanções penais e administrativas derivadas de suas condutas e atividades lesivas contra o meio ambiente12.
Além disso, no art. 34 da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, a desconsideração da personalidade jurídica também é regulamentada em defesa da concorrência e da ordem econômica13.
O CTN (Lei n. 5.172, de 25.10.1966), a partir do art. 135, ao tratar da responsabilidade de terceiros, disciplinou situações nas quais sócios, mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas podem ser responsabilizados pelas obrigações tributárias destas, desde que reste configurado a prática de atos com excesso de poderes ou violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto.
É relevante expor que o mero inadimplemento das dívidas tributárias, por si só, não responsabiliza o sócio da pessoa jurídica devedora, mas somente a prática dos atos com excesso de poderes ou violação à lei, desde que, dolosamente, possa ocasionar a responsabilização das pessoas elencadas no art. 135 do CTN.
O dolo tem que ser “manifesto” a causar prejuízo a terceiro mediante o uso da forma ou tipo societário a poder qualificá-lo como desvio de finalidade ou confusão patrimonial entre bens dos sócios e bens da pessoa jurídica14. Cabe à Fazenda provar o evento doloso a responsabilizar o sócio pelos débitos fiscais da pessoa jurídica, não podendo dar-se por mera presunção, sob pena de violação ao princípio da autonomia patrimonial.
Entretanto, é mister ressaltar que existem situações excepcionais, em que a jurisprudência admite a inversão do ônus da prova. O STJ já uniformizou o entendimento de que, quando constar o nome do sócio na CDA, existe a presunção iuris tantum da liquidez e da certeza da CDA e da infração, dada a prévia apuração da conduta da pessoa em processo administrativo ulterior, o que, por consequência, legitimaria o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio, cabendo a ele afastar tal presunção15. Ainda, existe no STJ o entendimento exposto na Súmula 435 que afirma que se presume dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.
Há também o entendimento do STF afastando a aplicação de presunções que não revelem o esforço do aparato fiscal para identificar as circunstâncias legais que permitem a extensão da relação jurídica tributária16.
Todavia, Torres traz importante lição ao afirmar que a responsabilidade do sócio-gerente por atos de má gestão, inserida no art. 135 do CTN, seria uma forma particularizada de responsabilização, mas que não se confunde com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Embora, seja comum a confusão entre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com as disposições contidas no art. 134 e 135 do CTN – Responsabilidade Tributária, entendemos serem coisas totalmente diversas, ou seja, as condutas e as pessoas descritas nesses artigos tão somente tratam da questão da imputação da responsabilidade na relação jurídico-tributária, que nada tem a ver com a desconsideração da personalidade jurídica.
Torres expõe as lições mais coerentes sobre o tema ao defender que, em nenhuma circunstância, os arts. 134 e 135 têm o condão de permitir formas de desconsideração da personalidade jurídica, como muitos entendem, por tratarem, unicamente, da relação jurídico-tributária formada entre as pessoas ali elencadas e os que sofrem qualquer consequência patrimonial decorrente dos atos práticos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social e/ou estatutos. Repetimos, nada tem a ver com a desconsideração da personalidade jurídica17.
Por isso, parece-nos equivocado afirmar que exista no CTN uma regra que permita à desconsideração da personalidade jurídica superar e alcançar o patrimônio da pessoa física, mormente de sócios e gerentes pelas dívidas tributárias devidas pela pessoa jurídica, dado que os critérios materiais contidos no art. 135 do CTN, além de serem diversos do art. 50 do CC, tratam da imputação da responsabilidade tributária que nada tem a ver com a desconsideração da personalidade jurídica.
Porém, no mundo real e prático, com base no art. 135 do CTN, o Poder Judiciário tem admitido e denominado o “redirecionamento da execução fiscal” do débito societário à pessoa física do sócio ou do gerente na execução fiscal, o que, por seus efeitos similares ou idênticos, nada mais é do que a pura e simples “desconsideração da personalidade jurídica18”.
No mesmo sentido, Silva vai além ao defender ser irrelevante a diferença conceitual entre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução fiscal, pois, para o autor, o que importa para a adoção de um instrumento processual não são as construções acadêmicas produzidas pelo direito material, mas, sim, os efeitos práticos do instrumento processual pretendido pelas partes19.
Mais recentemente, têm-se se admitido a inclusão de terceiros no polo passivo da execução fiscal já ajuizada para solidarizar empresas integrantes do mesmo grupo econômico da sociedade devedora original pelos débitos tributários20.
Havia um rito pretoriano, em violação ao devido processo legal, que não previa o procedimento para o atingimento dos bens particulares de sócios, terceira pessoa ou empresa, bem como não existia qualquer garantia do exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório pelas partes, mas, tão somente, após a inserção do sócio ou da terceira empresa no polo passivo com a citação para pagar ou para opor embargos executivos, passava a ser o momento processual no qual a parte tinha a oportunidade de exercer o seu direito de defesa e de argumentar contra a sua legitimidade passiva para figurar como responsável tributário. O contraditório ficava diferido para quando já havia se dado o ato deferitório para constrição dos bens particulares dos sócios, da terceira pessoa ou da empresa, e não havia mais tempo para impedir as medidas constritivas unilateralmente solicitadas pelo fisco e em sede de juízo de verossimilhança ou probabilidade deferida pelo magistrado.
Todavia, com o advento do CPC/2015, esse panorama mudou. Agora, tem-se o IDPJ, que veio garantir o exercício ao direito da ampla defesa e ao contraditório.
3. Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica em matéria tributária
O IDPJ está previsto no CPC/2015, como intervenção de terceiros no processo, tratando-se de um instituto processual inédito cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial21.
Anteriormente, de forma pretoriana, a inclusão de terceiro no polo passivo da lide era realizada sem o efetivo direito ao contraditório das partes, o que só acontecia depois de sua citação para pagar, sob pena de bloqueios de bens. Ante a inexistência de um rito que demonstrasse os critérios materiais para o procedimento, a inclusão dos sócios no polo passivo da ação dependia da ação principal, da análise do caso concreto pelo juiz, entre outras variáveis, o que acabava permitindo que cada juiz, de forma monocrática, conduzisse a inclusão dos sócios no polo passivo do processo executivo da forma que entendesse ser cabível.
Acontece que o CPC/2015 regulamentou o rito da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, algo até então inexistente, determinando que o IDPJ será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, nas ocasiões em que seja a sua atuação no processo obrigatória. É relevante ressaltar que não está autorizado ao juiz a instauração de ofício do incidente, ou seja, depende, sempre, de requerimento das partes.
O IDPJ pode ser requerido na petição inicial da ação principal ou pode a pretensão ser trazida ao juízo por meio de instrumento próprio incidental, a qual ocasionará a suspensão do processo principal, e será determinada a citação das partes para, querendo, apresentarem defesa. O incidente será resolvido por decisão interlocutória, que é passível de ser atacada por agravo de instrumento.
As execuções fiscais, em trâmite, representam em números 74% do total dos casos pendentes e têm taxa de congestionamento de 91,7% no Poder Judiciário22. Daí, em preservação à efetividade da tutela jurisdicional, as Fazendas Públicas têm defendido a inaplicabilidade no IDPJ na Execução Fiscal.
Embora o art. 50 do CC forneça os critérios materiais para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e o art. 135 do CTN, igualmente, forneça os critérios balizadores para a imputação da responsabilidade tributária, a vida prática demonstra que mediante requerimento das Fazendas Públicas, sem qualquer produção de provas cabais dos requisitos exigidos em lei, de forma automática e monocrática, juízes proferem decisões baseadas em presunções as quais admitem a inclusão de sócios e gerentes no polo da ação de execução fiscal, o que pode ferir o princípio da autonomia patrimonial e o direito de propriedade23. É nesse contexto que, embora seja árduo, o tema merece a nossa reflexão.
Ainda é tormentosa a aceitação da aplicação do IDPJ na execução fiscal tanto pelos tribunais pátrios quanto pela doutrina. A doutrina que advoga pela inaplicabilidade do incidente processual, embora reconheça os efeitos práticos da inserção dos sócios no polo passivo da execução fiscal, entende que o art. 135 do CTN versa sobre a responsabilidade de terceiro e não sobre a desconsideração da personalidade jurídica, sendo que o incidente ficaria restrito apenas aos critérios materiais (desvio de finalidade ou confusão patrimonial) estabelecidos no art. 50 do CC24-25.
Na defesa pela inaplicabilidade do IDPJ na execução fiscal, outros argumentos vêm à tona. Primeiro, o atendimento ao contraditório fragilizaria o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, além de comprometer a simplicidade e a celeridade processual, dado que o incidente suspenderia a tramitação do processo executivo.
Segundo, ante a aplicação do critério da especialidade, os argumentos defendem a prevalência da LEF sobre o CPC/2015, já que a Lei n. 6.830/1980 estabelece um procedimento próprio para cobrança do crédito fiscal e, embora o CPC/2015, expressamente, estabeleça a sua aplicação subsidiária à LEF, não estabelece expressamente a aplicação do IDPJ ao processo executivo e, por isso, não teria o condão de afastar o procedimento específico para o redirecionamento da execução fiscal.
Nesse sentido, os argumentos trazidos pela tese da inaplicabilidade do IDPJ revela uma antinomia real provocada pela exclusão de normas (macrossistema processual – o CPC/2015 vs. microssistema processual fiscal – a LEF), o que, indubitavelmente, pode comprometer a visão unitária do direito, merecendo, para o amadurecimento da questão, explorá-la à luz da Teoria do Diálogo das Fontes – Der Dialog der Quellen, do respeitável Prof. alemão Dr. Erik Jayme.
4. O Diálogo das Fontes: o CPC/2015 e a LEF
Na defesa pela inaplicabilidade do IDPJ na execução fiscal, os argumentos trazidos ao debate sempre partem de sua compreensão polarizada entre o “sim” e o “não”, e por consequência, excludentes.
Como ensina o jurista suíço Philippe Mastronardi, a maneira de pensar do jurista sempre parte da polaridade (Polarität), sempre a pensar a partir de oposições binárias, a procurar diferenças e semelhanças entre os conceitos, a distinguir e a fazer generalizações (differenzieren und generalisieren) de significados26, o que resulta na compreensão entre o sim e o não, de natureza sempre excludente.
Entretanto, a visão dicotômica, em proteção às garantias e aos privilégios do crédito fazendário como pressuposto do interesse público, não se intimida em violar o direito à ampla defesa expressamente protegido na Constituição Federal de 1988.
Os critérios tradicionais para a resolução do conflito de leis no tempo são apenas três: anterioridade, especialidade e hierarquia, sendo, segundo Bobbio, a hierarquia o critério definitivo27. Entretanto, a aplicação de tais critérios, em tempos de pós-modernidade, encontram limites.
Para Erik Jayme, a cultura pós-moderna se caracteriza por quatro diferentes aspectos: (i) o pluralismo; (ii) a comunicação; (iii) a narração; e (iv) o retorno dos sentimentos28.
O pluralismo (Pluralismus) decorre da existência plúrima de fontes legislativas que têm como objeto a proteção dos direitos individuais e a ideia de autonomia do próprio modo de vida, em que a pluralidade de textos normativos devem ter como Leitmotiv o renascimento dos direitos humanos e a importância dos direitos fundamentais.
O mundo pós-moderno é caracterizado pela comunicação (Kommunikation), pela ausência de fronteiras e pelo grande fluxo de informações. O direito à informação é um dos valores comuns da sociedade pós-moderna que permite a troca de informações além da vontade (Wille) e do desejo (Wunsch) de se comunicar entre as pessoas.
A narração (Narration) é uma consequência da comunicação como um direito a narrar, contar, descrever da arte figurativa, em que as normas exercem um papel de interpretação teleológico a valorizar algum objetivo específico ou os interesses da sociedade.
Por último, o retorno dos sentimentos, retour des sentiments (Rückkehr der Gefühle), não se trata de qualquer terminologia pejorativa ou de novo irracionalismo, mas é que a argumentação jurídica e a decisão judicial deve refletir novos elementos sociais e ideológicos que passam a atuar tanto quanto a lei seca, em prol do ser humano. Em outras palavras, diz respeito à capacidade do direito de absorver fatores externos que legitimam a sua aceitação no corpo social e a dar concretude aos direitos humanos e fundamentais por meio da aplicação da lei.
A proliferação de leis produz a insegurança e a paralisia e é nesse cenário que desponta o Diálogo das Fontes, como um método de resolução de conflitos de normas direcionado a alcançar uma interpretação compatível com a CF e restabelecer a coerência (Sinnsusammenhang) e a unidade do sistema (Einheit der Rechtsordnung).
O Diálogo das Fontes consiste na aplicação simultânea, coerente e coordenada entre normas jurídicas, que possuem campos convergentes, mas não mais totalmente coincidentes, exatamente como é o caso da LEF e do IDPJ no CPC/2015.
O Diálogo das Fontes parte da premissa da existência de unidade do sistema jurídico, de normas que não se excluem, mas, sim, complementam-se, em oposição à ideia da inexistência da exclusão de normas jurídicas, sob o pretexto de possuírem campos de aplicação distintos29.
A proposta da teoria é superar a ideia de conflito normativo para buscar a coordenação e a aplicação da lei orientada pelos valores axiológicos dos direitos fundamentais e da dignidade humana.
Na perspectiva da teoria, a ideia de microssistema jurídico é desprezada – monólogo de uma única lei –, devendo-se buscar o diálogo de duas leis com campos de aplicação convergentes e, em geral, divergentes, para assegurar a conformidade entre elas e a supremacia da Constituição.
Partindo de uma análise sistemática, não é difícil perceber que no texto constitucional, expirado por anseios democráticos, suas normas e princípios ilustram o espírito cidadão da CF, em que os direitos fundamentais exercem papel central. Vale dizer que o constituinte, além de fixar a dignidade como princípio central do Estado, juridicizou o seu valor humanista, bem como disciplinou a matéria ao longo do texto por meio de um conjunto de outros princípios, subprincípios e regras que procuram concretizá-la e explicitar os efeitos que dela devem ser extraídos30.
Em matéria tributária, há um conflito eterno entre poder de tributar e os direitos fundamentais dos contribuintes. Nesse sentido, em busca da harmonização ou da coordenação entre interesses diversos, deve-se buscar uma coerência derivada ou restaurada do sistema jurídico que busque não somente uma eficiência hierárquica, mas também funcional e plural do direito contemporâneo.
Daí, em lugar do conflito de leis, é necessário buscar a coordenação sistemática das plúrimas fontes normativas existentes por meio do Diálogo das Fontes, restabelecendo a coerência do sistema jurídico, tudo com finalidade de proteção efetiva dos direitos individuais.
De acordo com Marques31, as formas como o diálogo pode ocorrer são: (i) diálogo sistemático de coerência – busca a aplicação simultânea e coerente das duas leis, podendo uma servir de base conceitual para a outra, especialmente quando uma lei é especial e outra é geral. Isso é exatamente o que acontece com a LEF, como um microssistema processual fiscal, e o CPC/2015, como um macrossistema processual; (ii) diálogo de complementariedade e subsidiariedade – em observância à influência finalística da lei, busca-se o diálogo complementar ou subsidiário a recuperar a ratio do legislador com base na observação dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade para o enfrentamento das antinomias existentes, podendo-se, inclusive, aplicar a norma geral e, por consequência, afastar a aplicação da norma especial originalmente prevista. É exatamente o que se extrai da leitura principiológica do CPC/2015 que, ao prever rito da desconsideração da personalidade jurídica, buscou assegurar em sentido amplo o direito de defesa e o devido processo legal; (iii) diálogo de coordenação e adaptação sistemática – há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas, como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei. É exatamente o que acontece com a definição do rito da desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais.
A partir daqui, passamos a analisar as formas de diálogo aplicável às antinomias existentes quanto à aplicação no IDPJ na Execução Fiscal.
4.1. A aplicação subsidiária do CPC/2015 à Execução Fiscal
A LEF foi editada em 22 de setembro de 1980, com a finalidade de conferir celeridade à cobrança dos débitos fiscais e restou integrada e compatibilizada com o CPC/1973, que era norma processual então vigente.
A exposição de motivos da LEF deixa claro que se adotou uma técnica legislativa de compatibilização da nova lei especial – a LEF com a lei anterior geral –, o CPC/1973, que objetivava retirar a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública das “amarras criadas pelo CPC/1973”, dado que no seu art. 745 atribuía igual força executiva à Certidão de Inscrição em Dívida Ativa (CDA), que possuía os títulos executivos comerciais (letra de câmbio e nota promissória), bem como permitia que outras espécies de obrigações para com as entidades financeiras tivessem um rito de execução – com fase extrajudicial – muito mais eficaz, célere e com privilégios que jamais foram conferidos ao crédito público32.
Naquele momento, o legislador ordinário entendia que, salvo situações excepcionalíssimas, não se podia admitir que a cobrança do crédito público fosse preterida pela cobrança do crédito privado, isto é, não se admitia que a legislação processual concedesse facilidades à cobrança do crédito privado em detrimento do crédito público.
Por isso, era necessária uma legislação autônoma que desse maior efetividade à cobrança do crédito público, conferindo à LEF a eficácia material do feito executivo, a primazia do crédito público sobre o privado e a especialidade das execuções fiscais.
Não restaram dúvidas de que a LEF adotou uma técnica legislativa de integração da nova lei especial – a LEF com a lei anterior geral –, o CPC/1973.
Nesse contexto, o CPC, por determinação legal, trouxe uma válvula de abertura do microssistema fiscal ao reconhecer a sua aplicação subsidiária às execuções fiscais33.
Todavia, o CPC/2015 inaugurou uma nova fase para processo civil brasileiro – a constitucionalização do processo. Não é de hoje que percebemos um alinhamento do Direito Processual com o Constitucional, pelo menos, desde a segunda metade do século XX, pode-se dizer que o direito processual como ramo do direito público tem sido regido por normas contidas na CF, e por consequência, a pretensão jurídica aduzida em juízo, cada vez mais, tem se constitucionalizado.
Não acreditamos que o fenômeno da constitucionalização do processo se trata de um fim em si mesmo, mas ante a pluralidade de textos normativos, a constitucionalização do processo é tendência natural para a afirmação da ordem constitucional em sentido lato a combater a insegurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, o CPC/2015 não se limitou às meras alterações sistemáticas procedimentais, mas o espírito do legislador se revelou pela constitucionalização do processo ao confirmar, substancialmente e formalmente, o devido processo legal por meio da adoção do IDPJ que, pelo menos formalmente, até então era inexistente no ordenamento jurídico.
No título referente à intervenção de terceiros no processo, nos arts. 133 e seguintes do CPC/2015, foi previsto o IDPJ. Trata-se de incidente inovador, dado que até então não havia a regulamentação do procedimento na legislação processual.
Superada a fase do positivismo jurídico kelseniano pelo pós-positivismo, o CPC/2015 privilegiou, materialmente e formalmente, o direito à ampla defesa ao elevar o direito ao contraditório não ao mero binômio “conhecimento-reação”, mas substancialmente ao “direito de influência” sobre a decisão do magistrado34. Do contrário, o contraditório seria mais um princípio “pra inglês ver”, sem qualquer significado prático35.
A propositura do IDPJ ao ocasionar o litisconsórcio passivo facultativo por força do resultado nele produzido confirmou o contraditório como um imperativo constitucional que sempre incidiu sobre todos os processos brasileiros, judiciais ou administrativos, não sendo diferente para execução fiscal.
Em conformidade com a CF, o CPC/2015 deu nova dimensão e efetividade ao devido processo legal (due process of law) em sua extensão formal (procedural due process) e substancial (substantive due process).
E, buscando-se manter um diálogo de coerência, deve-se buscar também a aplicação coordenada do CPC/2015 com a LEF, pois o Processo Civil, como ramo do direito público, com normas cogentes, é rodeado por várias outras legislações extravagantes: Lei do Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Processo Falimentar, entre outras, com as quais necessita manter um diálogo de fontes sob a axiologia constitucional que, por sua vez, não é diferente com a LEF.
É nesse cenário que se insere o IDPJ trazido pelo CPC/2015 como intervenção de terceiros a assegurar o reconhecimento de um direito material preexistente: a garantia ao devido processo legal e o direito ao contraditório que devem, agora, ser somados à pretensão processual.
4.2. A efetividade do contraditório como pressuposto de processo justo e tratamento paritário
Previsto como modalidade de intervenção de terceiros, o direito ao contraditório está previsto no art. 135 no IDPJ, assegurando-se ao sócio ou à pessoa jurídica o direito de manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias no incidente36.
Como incidente processual, o contraditório é instaurado como condição prévia à tomada de decisão. E somente após a oitiva do sócio ou concluída a instrução é que o incidente será decidido pelo juiz por decisão interlocutória passível de agravo de instrumento. (art. 136, CPC) 37.
Configurada nos autos da execução fiscal alguma das hipóteses descritas no art. 135, III, do CTN, o chamado redirecionamento da execução fiscal é medida apta a ser deflagrada e, uma vez deferida, ensejará a prática de atos de constrição patrimonial em relação ao acervo patrimonial do sócio responsável.
Todavia, não era assim que acontecia, já que a decisão sobre a caracterização ou não das hipóteses de redirecionamento da execução fiscal limitava-se ao alegado unilateralmente pelo fisco em sede do juízo de verossimilhança ou probabilidade. Nesse momento, em regra, não havia prévia intimação (ou citação) do sócio para o exercício do contraditório a tempo de impedir o deferimento do redirecionamento do executivo tributário e a realização de medidas constritivas contra o seu patrimônio, ou seja, o contraditório ficava diferido para quando e se o executado fizesse uso dos embargos à execução ou, excepcionalmente, pela via da exceção de pré-executividade.
Ante a ausência de disciplina do rito para o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios da pessoa jurídica no CPC/1973, não havia a preocupação com o direito ao contraditório prévio ao ingresso do terceiro (sócio) no processo de execução fiscal. Este só poderia influir sobre essa decisão em momento futuro, quando já sob os efeitos jurídicos decorrentes do ato judicial deferitório do redirecionamento (constrição patrimonial).
Pelo novo regramento normativo, o CPC/2015, ao prever expressamente o rito da desconsideração da personalidade jurídica, garantiu o efetivo contraditório contra o arbitrário levantamento do véu protetivo da personalidade jurídica (lifting the corporate veil) para atingir o patrimônio dos sócios.
É importante ressaltar que, no CPC/2015, a efetividade do direito à ampla defesa por meio do exercício ao contraditório não se limitou a simples oitiva da parte, mas reconheceu a necessidade da efetiva participação da parte no processo a ter condições de poder influenciar a decisão do juiz38.
Nesse sentido, em conformidade com a CF, o CPC/2015 privilegiou e reconheceu o direito à ampla defesa39, passando-a de mero direito substancial de influência na decisão jurisdicional a garantia formal de participação efetiva no processo (audiência, comunicação, ciência).
O legislador infraconstitucional, na validação dos direitos fundamentais expressos no texto do diploma processual buscou dar tratamento paritário às partes no processo por meio da compatibilização do direito fundamental ao contraditório efetivo, por um lado, e o direito à efetividade da tutela jurisdicional, do outro.
É certo que o atual diploma processual fez uma interpretação do processo conforme a Constituição ao possibilitar a participação das partes no processo de forma a cooperar e influenciar nas decisão do magistrado.
Ademais, é inegável que o princípio da cooperação40 expressamente previsto no novel diploma processual confirma que o direito à ampla defesa transcende os aspectos subjacentes ao direito de ação antes reservado ao direito material, que agora soma-se à pretensão processual formalmente constitucionalizada.
Outrossim, em respeito aos corolários do Estado Democrático de Direito, a proibição de decisão surpresa do juiz são sintomas do espírito inovador que norteia o CPC/2015 ao possibilitar a elucidação de todas as questões de fato e de direito existentes no incidente de despersonalização da pessoa jurídica.
Bueno defende que a necessidade de instauração do incidente processual para o atingimento dos bens da pessoa jurídica no CPC/2015 representa um enorme avanço legislativo ao permitir um resultado satisfatório nas perspectivas (e exigências) do direito material e do direito processual, com o objetivo de aprimorar o contraditório e viabilizar o atendimento ao princípio da não surpresa41.
Todos sabem que, na vida prática, o redirecionamento da execução fiscal contra sócios-gerentes e o reconhecimento da responsabilidade tributária de grupo econômico têm se tornado a regra pretoriada adotada no mundo jurídico real e pragmático sem qualquer garantia às partes do exercício do direito ao contraditório. Entretanto, com o advento do CPC/2015, essa situação mudou. Agora, tem-se, para utilização nessas situações, o IDPJ.
O direito ao contraditório é imprescindível para possibilitar ao jurisdicionado pronunciar-se previamente acerca de todas as questões fáticas e jurídicas contidas no processo e para cooperar com uma decisão amadurecida acerca das controvérsias que deve o magistrado de ex offício conhecer, especialmente, no caso do IDPJ que pode, objetivamente, trazer enormes prejuízos ao patrimônio do particular.
A instauração do incidente se torna obrigatória sempre que se discutir a imputação de responsabilidade tributária não imputada anteriormente na ocasião do lançamento tributário, pois se é exatamente esta a pretensão que está sendo trazida ao juízo, a desconsideração da personalidade jurídica e o “redirecionamento” da execução fiscal, é obrigatório dar-se, então, via instauração do IDPJ, assegurados o contraditório e a ampla defesa42.
Entendemos não ser possível simplesmente redirecionar uma execução fiscal sem que estejam apurados os elementos subjetivos da responsabilidade tributária da pessoa jurídica, já que os privilégios e as prerrogativas da Fazenda Pública para a cobrança de seus respectivos créditos fiscais somente se justificam quando utilizadas para conformação dos direitos fundamentais e nunca como poder arbitrário do Estado.
É dever do magistrado não somente tomar conhecimento dos fatos, mas também considerar, com lealdade e isenção de ânimo, todas as razões e os fundamentos trazidos pelas partes ao processo. Tal obrigação decorre do dever de fundamentar as suas próprias decisões sob pena de torná-las nulas43.
Mendes traz importantes ensinamentos da doutrina alemã sobre o tema, lecionando que a pretensão à tutela jurídica deduzida em juízo (Anspruch auf rechtliches Gehör) envolve não só o direito de manifestação da parte (Recht auf Äusserung) e o direito de informação sobre o objeto do processo (Recht auf Information), mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), exigindo do magistrado apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar, de forma séria e detidamente, os argumentos apresentados ao juízo44.
Daí, somente em típicas situações (ex lege) é que se permite o diferimento do contraditório, no que se refere ao processo judicial tributário, naquelas disposições atinentes às medidas cautelares fiscais previstas na Lei n. 8.397/1992 e as tutelas provisórias previstas a partir do art. 294 do CPC/2015.
Sendo o direito ao contraditório um direito fundamental, ao qual se subordina todos os textos normativos, não é forçoso concluir que somente nas estritas balizas da atuação legislativa é que seria possível a imposição de sua limitação, não cabendo ao magistrado, embora não esteja encapsulado pela letra fria da lei, atuar com discricionariedade a relativizar o direito à ampla defesa e, por consequência, permitir o ingresso na esfera de direitos patrimoniais de outrem sem o prévio contraditório, sob pena de violar o princípio da autonomia patrimonial.
Em observância à influência finalística da lei, busca-se o diálogo de complementariedade a recuperar a ratio do legislador que, ao prever rito para o atingimento dos bens do sócio, terceira pessoa ou empresa por meio do IDPJ no CPC/2015, buscou assegurar em sentido amplo o direito de defesa e o devido processo legal, pois igualmente estando à altura de outros direitos de dignidade constitucional45, o direito ao contraditório está ligado diretamente à ideia de processo justo e legítimo.
4.3. A ausência de especialidade na LEF e a previsão do rito no IDPJ
O IDPJ deve ser aplicado à execução fiscal por duas singelas questões. Primeira, a LEF, como um microssistema processual fiscal, por carecer de base teórica, não é uma lei completa materialmente; e o CPC/2015, como um macrossistema processual, independentemente de fazer uso do recurso à complementaridade supletiva ou subsidiária, regula as questões processuais afetas às demandas de teor tributário, inclusive, as atinentes à LEF, o que imperiosamente implica a aplicação direta à execução fiscal.
Segunda, a aplicação direta do CPC/2015 à execução fiscal não implica qualquer incompatibilidade com o critério “lei geral posterior e a lei especial anterior – lex posterior generalis non derrogat legi priori speciali”, pois inexiste regramento específico para a desconsideração da personalidade jurídica ou para o redirecionamento da execução fiscal. Assim, também por esse ângulo, impõe-se a aplicação das disposições do CPC/2015, também nessa parte, ao âmbito das execuções fiscais, ou seja, pela existência de lacunas na LEF, não há norma especial a prevalecer sobre a geral.
Por fim, a aplicação do IDPJ na execução fiscal decorre de um diálogo de coordenação e adaptação sistemática do CPC/2015, haja vista que este novel diploma processual redefiniu o seu campo de aplicação no processo executivo tributário.
5. Conclusão
O CPC/2015 trouxe inúmeras novas regras aplicáveis ao processo de execução, cumprimento de sentenças, tutelas de urgência, dentre outros temas. O IDPJ, com certeza é uma das matérias que mais gera controvérsias.
A celeuma criada a respeito da instauração do IDPJ na execução fiscal e/ou redirecionamento da execução fiscal, dada a extensão do contraditório, não nos traz qualquer surpresa, já que, quanto maior a eficácia irradiante dos direitos fundamentais em determinados âmbitos jurídicos, maior será a tendência à ocorrência de colisões com outras normas jurídicas46.
Os critérios clássicos para a resolução de conflito de leis, em tempos de pós--modernidade, encontram limites. Na era pós-moderna, a pluralidade, a complexidade e a efetividade dos direitos fundamentais não mais permitem uma monossolução. Hoje, a solução atual é sistemática e menos rígida e a superação de paradigmas pode ser substituída pela convivência ou a coexistência deles.
A Teoria do Diálogo das Fontes consiste na aplicação simultânea, coerente e coordenada das normas que não se excluem, mas, sim, se complementam a restabelecer a unidade do sistema jurídico por meio da aplicação da lei orientada pelos valores axiológicos dos direitos fundamentais e da dignidade humana.
A dignidade humana é um dos fundamentos do Estado brasileiro e aferidor de legitimidade da ordem jurídico-constitucional disposto no art. 1º da CF, o que deixa claro que, independentemente do caso concreto, todas as decisões devem ser tomadas em um espectro de legalidade que garanta a efetividade dos direitos fundamentais.
A CF/1988 reconheceu a dignidade humana como fundamento do Estado brasileiro e, embora os direitos fundamentais não sejam absolutos, é certo que exercem papel central no texto constitucional, muito antes das normas de constituição, administração e manutenção do Estado brasileiro, inclusive, as normas que tratam do sistema tributário nacional.
Não se olvidando que os direitos fundamentais não são absolutos, no atuar do seu poder de conformação com os preceitos da Constituição, mediante um juízo de ponderação, a limitação do direito ao contraditório e à ampla defesa é desproporcional, além de não encontrar qualquer amparo legal que possa justificar tal restrição.
Em observância à efetividade do processo, celeridade e simplicidade, o Fisco pode fazer uso de outras vias procedimentais a garantir a satisfação do seu crédito como sopesamento abstrato dos direitos fundamentais, tais como: o manejo das ações cautelares fiscais (Lei n. 8.397/1992) ou da tutela de urgência de natureza cautelar (art. 300 e seguintes do CPC).
Aqui, em momento algum, defendemos a impossibilidade da constrição de bens do sócio e/ou administrador, mas entendemos que tais atos se qualificam como medidas excepcionais e que, como tais, precisam ser previamente justificados e fundamentados, assegurado o efetivo contraditório, sob pena de violar o princípio da autonomia patrimonial.
Nessa perspectiva, a teoria do Diálogo das Fontes corrobora para entendermos que a ideia de microssistema processual fiscal, a aplicação exclusiva da LEF por ser lei especial e posterior, está superada e merece ser desprezada. Entendemos ser necessário buscar o diálogo entre as duas leis – o CPC/2015 e a LEF – e assegurar a conformidade constitucional.
Sendo assim, a nosso ver, não há como negar que, ao fim, o atingimento dos bens do sócio e/ou administrador, seja por meio da desconsideração da personalidade jurídica, seja pelo redirecionamento da execução fiscal, de sorte e frente aos princípios constitucionais do contraditório e a ampla defesa, se impõe sobre a efetividade máxima do processo.
Por fim, cabia unicamente ao CPC/2015 regulamentar o rito para que ocorresse a desconsideração da personalidade jurídica. Feito isso, a instauração do IDPJ faz-se obrigatória todas as vezes que a pretensão jurídica deduzida em juízo for o atingimento dos bens do sócio e/ou administrador, devendo o procedimento ser sempre o mesmo, qualquer que seja a natureza da relação jurídica de direito material deduzida no processo executivo, inclusive na execução fiscal.
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1 Lei n. 13.105/2015: “Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”.
2 Cf. Parecer emitido pela Procuradoria da Fazenda Nacional n. 618/2016, p. 354 e seguintes. Disponível em: <http://www.pgfn.fazenda.gov.br/centrais-de-conteudos/publicacoes/revista-pgfn/ano-v-numero-9-2016/p618.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020.
3 Cf. STJ, REsp 1.786.311/PR: “REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA.
I – Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração.
II – Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida.
III – Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ.
IV – A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal ‘a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível’ (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014).
V – Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito.
VI – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido” (Relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 09.05.2019, DJe 14.05.2019) (grifos nossos).
4 Cf. REsp 1.775.269/PR: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO ‘DE FATO’. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE.
1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.
2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.
3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.
4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à lei 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada.
5. Recurso especial da sociedade empresária provido” (STJ. Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 01.03.2019) (grifos nossos).
5 KOURY, Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 85.
6 O autor registra que a desconsideração da personalidade jurídica teve início no direito anglo-saxão, especialmente no estadunidense, quando foi denominada de disregard doctrine, sendo também conhecida como disregard of legal entity doctrine, lifting the veil doctrine ou piercing the veil doctrine. O primeiro precedente da desconsideração da personalidade jurídica teria sido o caso Bank of US versus Deveaux, de 1809, no qual a Suprema Corte Americana teria levado em conta no julgamento os sócios da sociedade. Quase 80 anos depois, o entendimento veio a ser ratificado no caso Texas versus Standard Oil Company, de 1892, em que se aplicou a desconsideração para preservar-se a concorrência entre companhias petrolíferas. CERVÁSIO, Daniel Bucar. Desconsideração da personalidade jurídica: panorama e aplicação do instituto no Brasil e nos EUA. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 8, ano 3. São Paulo: RT, jul.-set./2016. p. 91-95.
7 Por sua vez, a expressão “piercing the corporate veil” é atribuída a I. Maurice Wormser, que a utilizou em estudo publicado na Columbia Law Review, em 1912 (“Piercing the veil of the corporate entity”). Posteriormente, em 1927, o jurista publicou a clássica obra Disregard of the corporate fiction and allied corporation problems, em 2000, pela editora Beardbooks.
8 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. In: Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, v. 410, ano 58, dez./1969.
9 Código Civil: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei n. 13.874, de 2019)”.
10 Consolidação das Leis Trabalhistas: “Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º – Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. (Redação anterior)
§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Redação dada pela Lei n. 13.467, de 2017)” (grifos nossos).
11 Código de Defesa do Consumidor: “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.
12 Lei n. 9.605/1998. “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.
13 Lei n. 12.529/2011. “Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.
14 TORRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: RT, 2003. p. 465.
15 STJ. REsp 879.993/MT. REsp 2006/0141477-4, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, j. 15.03.2007, DJU 28.03.2007. p. 207.
16 STF. AgrReg REsp 608.426/PR, Segunda Turma, Relator Ministro Joaquim Barbosa, j. 04.10.2011, DJe 204, j. 21.10.2011, DJU 24.10.2011.
17 TORRES, Heleno. Op. cit., p. 436.
18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Electa uma via non datur regressus ad alteran. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1. p. 495.
19 SILVA, Ronaldo Campos e. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução fiscal por ato ilícito. In: BUENO, Cássio Scarpinella; DIDIER JR., Fredie; RODRIGUES, Marco Antônio (coord.). Processo Tributário. Salvador: Juspodivm, 2017. v. 16. p. 666-667.
20 STJ, REsp 767.021/RJ, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, j. 16.08.2005, DJ 12.09.2005. p. 258.
21 CPC/2015: “Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial”.
22 Cf. último relatório divulgado pelo CNJ. Justiça em números, ano 2018, dados na p. 125. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/justica-numeros-2018-2408218compressed.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2020.
23 GRUPENMACHEN, Betina Treiger. Responsabilidade tributária do sócio e do administrador – Nova sistemática. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Grandes questões atuais de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2010. v. 14. p. 29.
24 MELO FILHO, João Aurino. Execução fiscal aplicada. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 450.
25 BONFIM, Gilson Pacheco. O redirecionamento da execução fiscal e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no novo Código de Processo Civil. In: A LEF e o novo CPC: reflexões e tendências. O que ficou e o que mudará. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 127-145.
26 MASTRONARDI, Philippe. Juristisches Denken. Verlag Paul Haupt: Berna/Stuttgart/Viena, 2003. p. 209.
27 BOBBIO, Norberto. Des critères pour rèsourdre les antinomies. In: PERELMAN, Chaim. Les antinomies en Droit. Bruxelas: Ed. Bruylant, 1965. p. 255.
28 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. Recueil des Cours. Academie de Droit International. The Hague-Boston-London: Martinus Nijhoff Publishers, 1997, p. 36-37. Idem. Internationales Privatrecht und postmoderne Kultur, ZfVR- Zeitschrift für die Rechtsvergleichung. Internationales Privatsrecht und Europarecht, Viena, 1997. p. 231.
29 JAYME, Erik. Op. cit., 1997. p. 259.
30 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 28.
31 MARQUES, Claudia Lima. Procédure civile internationale et MERCOSUR: pour un dialogue des règles universelles et régionales. Uniform Law Review – Revue de Droit Uniforme, 2003. p. 465-484, em especial p. 469 apud RAMOS, André Carvalho. Cooperação Jurídica Internacional e o Diálogo das Fontes no Direito Internacional Privado Contemporâneo. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão, n. 10, ano 5, p. 68, out./2017. Disponível em: <http://www.revistastpr.com/index.php/rstpr/article/view/267>. Acesso em: 29 jan. 2020.
32 Exposição de Motivos da LEF (Mensagem n. 87, de 23 de junho de 1980) é elucidativa, por isso merece transcrição, in verbis:
“2. Ora, a cobrança judicial das dívidas para com o Estado é ditada pelo interesse público e, sendo uma modalidade de controle judicial dos atos da administração pública, deve assegurar o equilíbrio político, econômico e financeiro entre o poder do Estado e o direito do cidadão.
4. Nenhum outro crédito deve ter, em sua execução judicial, preferência, garantia ou rito processual que supere os do crédito público, à execução de alguns créditos trabalhistas.
12. É oportuno relatar que a orientação adotada no anteprojeto resultou do confronto e da análise das três alternativas que se depararam ao Grupo de Trabalho, com tarefa preliminar e decisiva para a definição que melhor se ajustasse aos objetivos visados:
1ª) elaboração de um texto paralelo e, no que coubesse, repetitivo do Código de Processo Civil, regulando completamente a execução fiscal, a exemplo do Decreto-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, e demais leis pertinentes, cujas normas de natureza adjetiva se acham revogadas pelo estatuto processual de 1973;
2ª) anteprojeto de alteração direta e parcial do próprio texto desse Código, para nele incorporar as normas tradicionais de garantias e privilégios da Fazenda Pública em Juízo, bem como aquelas que ensejassem maior dinamização da cobrança da Dívida Ativa; e
3ª) adoção de anteprojeto de lei autônoma, contendo, apenas normas especiais sobre a cobrança da Dívida Ativa, que, no mais, teria o suporte processual das regras do Código. [...] 14. A terceira alternativa mereceu preferência, porque, a par de não revogar as linhas gerais e a filosofia do Código, disciplina a matéria no essencial, para assegurar não só os privilégios e garantias da Fazenda Pública em Juízo, como também a agilização e racionalização da cobrança da Dívida Ativa. [...]
18. Cabe ressaltar, no respeitante às normas processuais propriamente ditas, que o anteprojeto contém certo número de disposições de mera adaptação do sistema implantado pelo novo Código às necessidades próprias da execução fiscal, regulando-se, no mais, pela lei adjetiva civil.
22. Com o objetivo de assegurar à realização da receita pública os melhores meios da execução judicial, o anteprojeto de lei acompanha o sistema processual do Código, acrescentando disposições capazes de conferir condições especiais para a defesa do interesse público, como é tradição em nosso Direito, desde o Império. [...]” Texto extraído do voto do Relator Ministro Mauro Campbell Marques, no RESP/STJ n. 1.272.827/PE, Primeira Seção, j. 22.05.2013, DJe 31.05.2013 (grifos nossos).
33 Lei n. 6.830/1980. “Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil”.
34 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código Civil de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 161.
35 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código Civil de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 41.
36 CPC/2015: “Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.
37 CPC/2015: “Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória”.
38 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 78.
39 CF/1988: “Art. 5º, LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
40 CPC/2015: “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
41 BUENO, Cássio Scarpinella. Desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo Código de Processo Civil. In: Gilberto Bruschi et. al. Direito Processual Empresarial: estudos em homenagem a Manoel de Queiroz Pereira Calças. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus Jurídico, 2012. p. 120.
42 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 410-413.
43 CF/1988, Art. 93: “IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”.
44 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 279-280.
45 Ibidem, p. 219.
46 DUQUE, Marcelo Scheink. Curso de Direitos Fundamentais Teoria e Prática. São Paulo: RT, 2014. p. 211.