Praticabilidade: entre Eficiência Administrativa e a Simplificação do Discurso Jurídico. Uma Análise das Discussões do Ágio na Esfera Administrativa

Practicability: between Administrative Efficiency and the Simplification of Legal Speech. An Analysis of Discussions of Goods in the Administrative Sphere

Abel Escórcio Filho

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Mestrando em Direito Tributário pelo IBET. Advogado. Estado do Piauí. E-mail: abelescorcio@bol.com.br.

Recebido em: 25-06-2020

Aprovado em: 12-04-2021

Resumo

Assim como diversas palavras e expressões da nossa língua, a praticabilidade é um vocábulo que comporta uma diversidade de acepções no direito, principalmente no direito tributário. Especificamente nesse ramo do direito, esse instituto tem ganhado ao longo dos últimos anos um maior uso por parte do Fisco, que a pretexto de alcançar uma racionalização e simplificação do sistema tributário, acaba por esvaziar o conteúdo de outros procedimentos, direitos e interpretações jurídicas. O presente estudo buscará analisar os efeitos da praticabilidade no direito tributário, valendo-se, para tanto, da análise da tese do “real adquirente” que envolve o tema do ágio.

Palavras-chave: praticabilidade, contexto, ambiguidade e vagueza, fiscalização, limites jurídicos, ágio, tese do real adquirente.

Abstract

Like many words and expressions in our language, practicality is a word that has a variety of meanings in law, mainly in tax law. Specifically in this branch of law, over the last few years this institute has gained greater use by the tax authorities, which under the pretext of achieving a rationalization and simplification of the tax system, ends up emptying the content of other procedures, rights and legal interpretations. This study will seek to analyze the effects of practicality on tax law, making use of the analysis of the “real acquirer” thesis that involves the theme of goodwill.

Keywords: feasibility, context, ambiguity and vagueness, oversight, legal limits, goodwill, real acquirer thesis.

Introdução

Nos últimos anos, tem-se visto uma crescente atenção doutrinária e jurisprudencial no Direito brasileiro sobre o tema da praticabilidade tributária. Trata-se de um instituto de origem alemã que se difundiu a América Latina no final do século anterior.

Esse instituto, classicamente, associava-se como uma mitigação ou contrariedade à legalidade e, ao longo do tempo, como algo que conflita diretamente com a isonomia tributária e com a capacidade contributiva.

O presente trabalho buscará analisar a aplicação desse instituto no campo do Direito Tributário, dado que a forma que esse instituto tem sido invocado pelo Fisco nos processos administrativos fiscais e nas fiscalizações tem sido motivo de preocupação para aqueles que veem na Constituição normas que limitam o poder de tributar do Estado e que privilegiam o direito de propriedade, representado pelos direitos e garantias individuais do contribuinte.

Em suma, observar-se-á que essa praticabilidade tem sido confundida com uma simplificação do discurso jurídico, fato esse que acaba provocando uma deterioração dos direitos do contribuinte, e em nome de uma falsa eficiência arrecadatória.

Não será uma tarefa fácil observar essas situações narradas, uma vez que existem diversas acepções para o conceito de praticabilidade.

A fim de demonstrar a aplicação da praticabilidade no âmbito do processo administrativo tributário, no presente trabalho, analisaremos a discussão do ágio sob o enfoque da tese do real adquirente, tendo em vista que esse tema tem provocado um amplo debate e a enunciação de decisões no CARF, ao nosso entender, muitas vezes equivocadas.

Ao fim, buscaremos, pois, responder a duas perguntas intimamente ligadas entre si. A primeira: – À luz da Constituição de 1988, qual o conceito de praticabilidade compatível com o nosso sistema jurídico e qual a sua função? A segunda: – A forma pela qual a praticabilidade tem sido aplicada pelo Fisco, em especial nos procedimentos fiscalizatórios e no processo administrativo/judicial tributário é compatível com a Constituição?

1. O cenário do desenvolvimento da praticabilidade no Brasil

Desde a vigência do Código Tributário Nacional em 1967, sabe-se que o sistema tributário brasileiro vem sofrendo diuturnas alterações em seus mecanismos de controle, fiscalização e arrecadação dos tributos.

Essas mudanças das quais nosso sistema tem sido alvo se dão em razão de vários fatores, dentre os quais, o surgimento de novas fontes de riqueza detentoras de capacidade econômica, a evolução e transformação dos negócios jurídicos conhecidos até então, o avanço tecnológico e a consequente necessidade adaptação do Fisco à nova realidade, a globalização dos negócios jurídicos, dentre tantos outros.

Não podemos esquecer, também, que o inchaço da máquina pública e aumento dos gastos sociais decorrentes do aumento populacional (e consequentemente dos reclamos da sociedade), não é um problema exclusivo do Brasil.

É nesse cenário que o Brasil e o restante do mundo, há mais de décadas, viram-se pressionados a adotarem novas práticas que levassem ao aumento da arrecadação.

No Brasil, diferentemente do que ocorreu nos países desenvolvidos, os esforços convergiram para que o aumento da arrecadação, ao menos em um primeiro momento, viesse através da instituição de novas espécies tributárias. Não por outro motivo é que após a Constituição de 1988 o número de tributos instituídos pela União disparou.

Kamer Daron Acemoglu – professor de Economia Aplicada do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (“MIT”) –, em estudo acerca das origens coloniais e os efeitos no desenvolvimento econômico1, conclui que diferentes tipos de colonização implicam distintos desenhos institucionais.

Na análise do autor devemos separar duas espécies de países. De um lado aqueles como os Estados Unidos, o Canadá e a Nova Zelândia, que foram originalmente colonizados com objetivo de serem povoados, e em que o Estado surgiu a partir da ordem social, tornando-se modelos do respeito às instituições, à propriedade e à ideia de Estado de Direito2.

E de outro, os países da África e da América Latina, que funcionaram como colônias de exploração, em que o Estado surgiu, artificialmente, de cima para baixo, com o único objetivo de extrair riquezas sob o domínio da força da metrópole, configurando o que o Autor denomina de extrativismo fiscal3.

Aliás, por esse termo, entende-se aquele sistema impositivo em que o Estado utiliza a lei como instrumento de força para extrair riquezas da sociedade, submetendo os cidadãos ao risco da expropriação, desrespeitando o direito de propriedade e a ideia de Estado de Direito.

Como bem esclarece Eurico de Santi, extrativismo fiscal é o regime em que o Estado submete Sociedade e Economia num ciclo vicioso em que a lei é utilizada como instrumento de poder de arrecadação de tributos4.

Em seu extremo, esse “extrativismo fiscal” culmina em abusos praticados pelo Fisco, quando o interesse arrecadatório se choca com os limites e garantias que a Constituição cuidou de preservar ao contribuinte. Sobre esse tema, vejamos os comentários do economista José Roberto Afonso:

“Um problema aqui é a visão tosca de que o desempenho tributário deve ser medido pelo tamanho da arrecadação e, especialmente, pelo seu crescimento. Ora, ensinam manuais, experiências internacionais, arrecadar mais não é necessariamente arrecadar melhor. Porém isso tem sido ignorado no Brasil, dada a permanência imposta pelo ajuste fiscal promovido desde 1999, basicamente sustentado pelo aumento da carga tributária, nas três esferas de governo. Não adianta arrecadar muito, cada vez mais, sem se preocupar de quem e como se arrecada, com as repercussões econômicas e sociais dessa cobrança. É preciso vencer o princípio da comodidade tributária.”5

As considerações colacionadas dos citados Autores são valiosas para o nosso estudo, na medida que esse contexto nacional e internacional é responsável, em grade parte, pela forma que a praticabilidade tem sido aplicada hodiernamente no Brasil pelo Fisco.

Conforme visto, nos países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão, Inglaterra etc., as atenções se voltaram na busca de uma maior eficiência da arrecadação, que se deu principalmente com a exploração de novas fontes de riquezas, através do aperfeiçoamento da legislação interna, e no investimento dos Órgãos de controle e fiscalização, responsáveis pela arrecadação dos tributos.

Independentemente de qual caminho originalmente adotado, é certo que nos anos seguintes o Brasil também se tornou signatário de tais práticas, tanto em âmbito normativo, como através do investimento em tecnologia e outras práticas.

É interessante notar que nesse período de desenvolvimento da praticabilidade no Direito Tributário influenciado pelo contexto narrado, o princípio da eficiência da administração sempre esteve norteando as mudanças de postura do Fisco.

A partir da perspectiva do Estado, os exemplos práticos dessa nova postura visando à redução de custo e a eficiência de arrecadação são bem representados com as ficções e presunções jurídicas, tais como: as técnicas de concentração tributária (no produtor ou a ele equiparado), na substituição tributária por retenção na fonte, na substituição tributária para trás nas cadeias de comércio, na substituição tributária para frente (com bases presumidas), nas plantas de valores médios de diversos tributos e a apuração pelo lucro presumido.

Com base na doutrina de Héctor Villegas, Hamilton Dias de Souza e Marco Aurélio Greco, assim afirmou o ilustre Ministro Ilmar Galvão, relator da ADIn n. 1.8516, acerca da relação praticidade/eficiência, na substituição tributária:

“Admitir o contrário, valeria pela inviabilização do próprio instituto da substituição tributária progressiva, visto que implicaria, no que concerne ao ICMS, o retorno ao regime de apuração mensal do tributo e, consequentemente, o abandono de um instrumento de caráter eminentemente prático, porque capaz de viabilizar a tributação de setores de difícil fiscalização e arrecadação. Na verdade, visa o instituto evitar, como já acentuado, a necessidade de fiscalização de um sem-número de contribuintes, centralizando a máquina-fiscal do Estado num universo consideravelmente menor, e com acentuada redução do custo operacional e consequente diminuição da evasão fiscal. Em suma, propicia ele maior comodidade, economia, eficiência e celeridade na atividade estatal ligada à imposição tributária.”

Enfim, são diversas técnicas empregadas pelo Fisco a fim de tornar esse sistema tão complexo como é o tributário brasileiro, mais facilmente compreensível e simples, não só para o Fisco, mas, principalmente, em favor do cidadão pagador de tributos.

2. A natureza jurídica da praticabilidade e o problema de vagueza e ambiguidade desse vocábulo

O termo praticabilidade e seus congêneres, como já o dissemos em relação à linguagem em geral, carrega uma grande dose de vaguidade e ambiguidade. Isso é perceptível na dogmática que se debruçou sobre o tema.

Vejamos os enquadramentos sobre a natureza jurídica da praticabilidade realizados pela dogmática, de forma explícita ou implícita. Podemos resumi-los nos seguintes: (a) como noção pré-jurídica de comodidade7; (b) como categoria lógica jurídica8; (c) como princípio; e (d) como técnica9.

Dessas acepções, chamo-nos atenção àquela que trata a praticabilidade como princípio.

Misabel Derzi trata a praticabilidade como princípio jurídico, na medida em que representa uma norma/valor a exigir a simplificação/eficiência do sistema tributário como um todo, em prol do Estado ou do contribuinte, mas que não se confunde com o princípio da eficiência na medida em que possui dimensões próprias. Para a Professora Misabel, as categorias da “simplificação, comodicidade e economicidade” são meros aspectos da praticabilidade.

No mesmo sentido defende Regina Helena Costa, para quem a praticabilidade é um princípio implícito no sistema jurídico, e que decorre da supremacia do interesse público sobre o privado, “mas que antes de tudo consubstancia uma categoria lógico-jurídica, sendo uma exigência do senso comum que haja expedientes para adequar a execução das leis”10.

Para o presente estudo, mais importante do que apresentar as acepções jurídicas da praticabilidade, é trabalhar com a desambiguação entre a praticabilidade como ínsita a todo o ordenamento jurídico e a praticabilidade que se costuma apontar em vários tipos de aplicação de norma tributária. Um claro exemplo desse problema é a equiparação desse instituto com o da “comodidade” ou “tratamento simplificado”.

A doutrina e a jurisprudência aludem a ele por diversos termos, utilizados como sinônimos: praticabilidade, praticidade, eficácia, simplicidade ou simplificação – ou normas de simplificação11 –, utilidade, exequibilidade, economicidade, pragmatismo, modernização, tipicização, padronização12, tipificação, estandardização, tributação forfetária13 e factibilidade14.

Nesse ponto, chamamos atenção para a importância de não se confundir a praticabilidade com “simplificação” ou “comodidade”, haja vista que esses são termos que inexistem na ciência do Direito. Em verdade, são termos das Ciências Econômicas e Políticas que não encontram espaço no conteúdo da praticabilidade como categoria jurídica.

Por essa razão é que sustentamos que o contribuinte só é obrigado a fazer ou deixar de fazer aquilo que está na lei. De maneira semelhante, o Estado possui limites de atuação que estão positivados na Constituição, de tal forma que o agente fiscal, ou qualquer que seja o Agente Público, não pode buscar “atalhos” não previstos na Lei, sob o manto da aplicação da “comodidade” ou “simplificação” na execução de suas competências originárias. Essa ambiguidade acaba provocando um esvaziamento do conteúdo jurídico da praticabilidade.

“Chamemos a primeira de ‘comodidade’, e manteremos o nome para o nosso objeto de estudo. A ‘comodidade’ é uma aspiração, um valor, uma meta, que está fora do Direito e que pode, obviamente, influenciar a sua construção. Trata-se, portanto, de conceito típico de política do Direito, que pode ou não servir de vetor ao legislador e acabar sendo incorporado em normas jurídicas, como seu fundamento pré-jurídico ou como uma qualidade num julgamento tipicamente axiológico de um observador externo. Claramente, há uma ligação entre a ‘comodidade’ e a ‘praticabilidade’, mas elas não se equivalem: a diferença, aqui, é de natureza: uma está fora do Direito, outra faz parte do mecanismo do Direito Positivo. Como aprofundaremos a seguir, pode-se falar da busca da simplificação tributária sob a óptica do Estado, do contribuinte ou de ambos.”15

Dessa forma, fixaremos como praticabilidade a técnica de aplicação normativa pelo Estado que seja eficiente sob sua óptica, ou, melhor, um conjunto de técnicas que têm em comum a aplicação/criação normativa eficiente do ponto de vista procedimental.

3. A aplicação da praticabilidade pelo Fisco e os limites jurídicos de seu uso

No Direito brasileiro, a praticabilidade tem sido utilizada numa acepção pelo fisco que não encontra respaldo na doutrina e no Poder Judiciário. Em outras palavras, tem-se deturpado esse instituto, na medida em que o Fisco afasta as formalidades e exigências legais do procedimento ou processo de fiscalização que estão positivadas no sistema, sob o manto falso de que estaria tornando-o mais “eficiente”.

E é nesse contexto de associação entre praticabilidade e eficiência, durante o percurso de construção e aplicação da norma jurídica, que observamos um movimento do Fisco contrário ao rigor que a ciência do direito (bem como a hermenêutica jurídica). Tem-se que o Fisco, em busca de uma aplicação mais eficiente da legislação sob o seu ponto de vista, tem flexibilizado o rigor metodológico que se exige para uma interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Nesse cenário, a praticabilidade não mais reflete um conjunto de técnicas voltadas a promover uma maior eficiência do Estado, na medida em que a flexibilização, ou simplificação, das técnicas voltadas à boa hermenêutica jurídica, acaba por corroer todo o rigor científico que a ciência do direito exige na análise dos fatos jurídicos. A praticabilidade que antes se confundia com eficiência, agora, reflete a imagem de comodidade.

Assim, é que nos últimos anos temos observado uma crescente aplicação (de forma disfarçada) dessa praticabilidade pelo Fisco, no sentido de delegar para o contribuinte competências originalmente suas. Nesse cenário, se de um lado o Fisco consegue diminuir suas “obrigações tributárias”, de outro o contribuinte se vê cada vez mais sufocado pelas inúmeras normas que ingressam no ordenamento diariamente imputando-lhes mais responsabilidade.

A sujeição do contribuinte a uma infinidade de obrigações acessórias deixa o Fisco em posição de conforto para apenas exigir e impor sanções pecuniárias. A banalização do uso de tais ferramentas empobrece a qualidade das peças punitivas produzidas pelos agentes fazendários, dificultando até mesmo a produção de defesas por parte dos contribuintes. São precisas as palavras de Eurico de Santi sobre esse tema:

“Nessa cômoda racionalidade, o contribuinte cumpre com obrigações tributárias, muitas vezes incorrendo em custos de adequação para facilitar a atividade da fiscalização, os quais, na verdade, deveriam ser suportados pelo Estado (e.g. preenche dezenas de declarações, elabora relatórios, balanços, livros contábeis, mantém setores repletos de funcionários especializados em compliance tributária, etc.). Não obstante, ainda fica sujeito à ulterior autuação em decorrência da ineficiência da fiscalização do Poder Público, que, não raro, não empreende todos os esforços possíveis para realizar sua atividade e, quase sempre, limita-se a procurar ilícitos para punir, em vez de auxiliar o contribuinte no correto cumprimento da legislação.”16

Nesse sentido, o que se percebe são aberrações que vêm sendo pugnadas pelo Estado à luz da necessidade sempre premente de arrecadar cada vez mais para fazer frente aos gastos públicos. Seria essa praticabilidade que, originalmente fundada no princípio da eficiência da administração, se propôs desenvolver e aplicar no Brasil? Absolutamente não.

Não se trata, portanto, só de um problema de interpretação da norma, vai muito além. A atividade do Fisco é buscar o aumento da arrecadação mediante a simplificação do discurso e dos meios de fiscalização, que ao fim levam à transferência de responsabilidades, ou obrigações, para o contribuinte.

A questão é que, consoante já vimos, essa simplificação vem na maioria das vezes acompanhada de abusos e investidas contra os direitos e garantias do contribuinte, situação esta que não é observada em nenhum outro país do mundo que utiliza a praticabilidade como instrumento de se alcançar a eficiência. É por isso que se diz que no âmbito de discussões administrativas, a aplicação da praticabilidade tem o escopo de arrecadar receitas de forma mais “cômoda” para o Fisco.

Os exemplos são inúmeros. Autos de infração lavrados com base em presunções não autorizadas por lei, uso do arbitramento em situações que prescindem de seu uso, lavratura de autos sem provas e com base na “presunção” de legitimidade dos atos administrativos, autos que não esclarecem os critérios de interpretação da norma e que muitas vezes carecem de motivo ou motivação, dentre outros exemplos.

O efeito perverso da aplicação da praticabilidade nas discussões administrativas se mostra ainda mais perverso na medida em que o seu uso equivocado contamina o processo pela falta de observância dos direitos fundamentais do contribuinte.

Carlos Renato Cunha, em obra já citada neste trabalho, cria uma perfeita metáfora capaz de ilustrar esse choque provocado pela interpretação da praticabilidade pelo Fisco e pelo contribuinte, vejamos:

“Na mitologia grega, Proteu era filho de Oceano e de Tétis ou, segundo algumas tradições, de Netuno e de Fênice e tinha uma grande ligação com os mares; era muito sábio e possuía o incrível dom de conhecer o passado, o presente e o futuro, além de poder mudar de forma quando o desejasse. Para consultá-lo sobre o futuro, como o fez Menelau quando voltava de Troia, eram necessárias muita coragem e astúcia, pois ele se aparecia sob diversas formas, muitas delas ameaçadoras. Já na mitologia nórdica, Loki era um deus de aparência agradável, mas tido por caluniador, autor de maldades e de fraudes, traiçoeiro, ‘cheio de más intenções’ e alguém em quem não se podia confiar: a ‘fonte de todos os enganos’. Possuía também por característica aparecer de diferentes formas, metamorfoseando-se. Ambos, tal qual as muitas técnicas da praticabilidade tributária, são seres multiformes, de múltiplas metamorfoses. O grego Proteu, ainda que se transforme em monstros horripilantes como forma de afastar os interessados em seu dom, fá-lo como uma defesa ou um desafio: àqueles que o superam, que o domesticam, ele prediz o futuro. É, portanto, monstruoso à primeira vista; benéfico em sua essência. O nórdico Loki, por sua vez, se transforma em muitos seres diferentes e atrativos no intuito de atingir os seus interesses, normalmente maléficos aos olhos dos demais deuses de Asgard. É, então, atraente à primeira vista; maléfico em sua intenção. Talvez possamos falar, nessa alegoria, que existem praticabilidades-Proteu, que causam estranheza – e talvez horror – num primeiro momento, mas que respeitam os limites constitucionais e são benéficas para o atingimento da Eficiência Tributária; assim como as praticabilidades-Loki, que parecem belas numa primeira impressão, mas que simplificam a aplicação normativa além das fronteiras da licitude para atingir interesses públicos secundários sem lastro nos primários, causando caos e confusão. No rol a seguir serão encontradas ambas.”17

Feitas essas considerações, uma última observação se faz necessária antes de prosseguirmos para o próximo e último capítulo.

Vimos que qualquer que seja a acepção construída pela doutrina ou pelo Poder Judiciário, nenhuma delas tem competência ou inspiração de solapar direitos e garantias do contribuinte. Em verdade, todas as construções desse instituto limitam-se à moldura jurídica estabelecida pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais.

E nem poderia ser diferente, na medida em que a Constituição consagra os direitos e garantias do contribuinte como cláusulas pétreas.

Com essas considerações, quer-se chamar atenção para o fato de que esse discurso vai à contramão da própria natureza da praticabilidade, na medida em que essa categoria, vista como um conjunto de técnicas normativas tributárias que busca o aperfeiçoamento da eficiência da administração tributária, foi criada para dar maior fluidez ao sistema, sem suprimir quaisquer garantias ou direitos do contribuinte.

4. A banalização da tese do real adquirente na discussão do ágio no CARF. Os efeitos da praticabilidade aplicada pelo Fisco

No Brasil, sabe-se que o ágio foi criado ainda na década de 90 e sua principal função era fomentar o desenvolvimento da economia por meio das privatizações de companhias estatais e atração de investimentos exteriores. Para tanto, o Governo Federal instituiu a possibilidade de se deduzir do lucro tributável pelo Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas e Contribuição sobre o Lucro Líquido a amortização do ágil. Repita-se que, a finalidade desses incentivos era promover o interesse de empresas pela aquisição de novos negócios.

Com relação à definição do que venha a ser o ágio, é certo que esse ainda é um ponto de discussão entre diversos estudiosos:

“Um dos pontos mais relevantes no processo de aquisição do investimento é o da forma de contabilização do ágio ou do deságio na aquisição dos investimentos. Ao se interpretar financeiramente a aquisição de um investimento, há certa polêmica entre as perspectivas de muitos contabilistas sobre o ágio. Para uns, ele é o fundo de comércio, outros o chamam de goodwill, de tempo de amortização, de teste de recuperabilidade ou dão outras denominações [...] conceituaremos o valor do ágio ou deságio simplesmente como a diferença entre valor líquido contábil e o montante negociado na transação.”18

Mais recentemente, o CPC 15 definiu o ágio como sendo a expectativa de rentabilidade futura19:

“[...] como um ativo que representa benefícios econômicos futuros resultantes de outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente reconhecidos” (CPC; 2006).

A norma que prescrevia esse incentivo estava positivada no art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/197720 combinado com o art. 7º da Lei n. 9.532/199721.

Inobstante a existência anterior do Decreto-lei n. 1.598/1977, é certo que somente com a execução de uma agenda econômica voltada para o aporte de capital estrangeiro em território nacional o Governo Federal implantou os arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/199722, que dispunham expressamente acerca do ágio.

Karem Jureidini Dias ainda esclarece que a referida lei regulamentou o tratamento fiscal do ágio, segundo o fundamento econômico, não só para os casos em que a pessoa jurídica absorve o patrimônio de outra, mas, também, para as hipóteses de incorporação reversas23.

Anos seguintes, o Fisco Federal cuidou de editar as Leis n. 11.638/2007 e n. 11.491/2009, com intuito de esclarecer os aspectos contábeis e jurídicos da figura do ágio através da revisão do âmbito de aplicação das normas contábeis, e a necessidade de separação definitiva entre as demonstrações contábeis para fins societários e para fins fiscais.

Após todo esse período de mudanças e adaptações da legislação, as primeiras autuações sobre o ágio começaram a ser julgadas pelo CARF. Observando toda essa construção contextual, é possível identificar ao menos três momentos distintos e característicos, que motivaram as autuações sobre esse tema.

Para Roberto Quiroga Mosquera24, as privatizações vieram acompanhadas da primeira grande onda de autuações envolvendo o instituto, com destaque para os casos do Banco Santander S.A.25 e Tele Norte Leste Participações S.A.26, em que o foco da RFB centrou-se na utilização de “empresas veículo”.

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Um segundo momento refletiu nas chamadas “operações privadas”, que tratam de operações nas quais o principal questionamento gira em torno da ausência de efetivo pagamento quando da aquisição da participação societária, com o que, para a Receita, não se legitimaria o ágio arguido pelos contribuintes.

A terceira e última fase envolve os questionamentos direcionados em desfavor do denominado “ágio interno”.

Conforme se verá, a discussão do ágio no mundo jurídico nasce justamente a partir dessas mudanças da legislação, haja vista que essas reiteradas práticas que resultam em novas interpretações mediante a adição de critérios e categorias não previstas na lei acaba esvaziando o conteúdo inicial desse instituto que é o ágio, tornando-o imprestável.

E tal situação fica bem exposta quando tomamos o exemplo da aplicação da tese do real adquirente para fins de obstaculizar a aplicação da norma que dá direito à amortização do ágio.

Para a fazenda, as “empresas veículo” são instrumentos do qual se vale o “real adquirente”, e cuja razão de ser é gerar e transferir ágio internamente. Geralmente são configuradas pelo seu curto prazo de duração, pela ausência de funcionários e de atividades operacionais e pela ausência de propósito negocial.

A tese fazendária da existência de um “real adquirente” não sobrevive a uma análise mais detalhada. Essa tese, em resumo, sustenta que a empresa onde o ágio foi registrado não seria a “real adquirente” e, dessa forma, sua incorporação não permitiria o aproveitamento da amortização fiscal do ágio, já que não haveria observância aos quesitos do art. 7º da Lei n. 9.532/1997. A tese parte do pressuposto de que quem provê os recursos é o “real adquirente”.

Consoante descrevemos em linhas anteriores, o primeiro ponto que se deve observar na aplicação dessa tese é que ela não possui base legal. E isso porque a legislação brasileira não trata de um conceito de “real adquirente” e, mesmo que assim o fizesse, não há qualquer dispositivo vedando o aproveitamento da amortização fiscal do ágio por meio de uma empresa veículo.

Em segundo lugar, a tese do “real adquirente” despreza o conteúdo dos contratos pactuados e negócios próprios do Direito Civil e Societário. Por essa razão é que a figura do “real adquirente”, como quer a autoridade fiscal, requer a desqualificação dos atos e negócios jurídicos praticados, como quando ocorre a desqualificação da compra da participação de uma empresa por outra.

Há que se resgatar um tema já amplamente debatido pela doutrina, mas que ainda merece observância por parte do Fisco, de que não há no Direito brasileiro norma antielisiva que permita à autoridade fiscal desqualificar atos e negócios licitamente praticados.

O problema desse raciocínio é o de que, se adotada, somente pessoas físicas seriam os “reais adquirentes”, haja vista que as pessoas jurídicas são ficções legais. Em seu extremo, a aplicação dessa tese poderia levar ao entendimento de que o banco que emprestou recursos para a empresa seria o real adquirente.

Não obstante a todos esses argumentos, é importante frisar que a legislação não exigia a incorporação do controlador estrangeiro como requisito para o aproveitamento fiscal do ágio, motivo pelo qual não procede o argumento de que o sujeito “financiador” seria o real adquirente.

Vale lembrar que o art. 7º da Lei n. 9.532/1997 é bastante claro quanto a esse aspecto: poderá a pessoa jurídica amortizar o ágio fundamentado em rentabilidade futura na situação em que tenha absorvido, por fusão, cisão ou incorporação, o patrimônio de outra pessoa jurídica na qual detenha participação societária adquirida com ágio.

Tão verdade que essa tese do real adquirente vinha sendo invocada de maneira subjetiva e irresponsável, que antes a Lei n. 9.532/1997 nada dispunha sobre o tema, ao passo que após as sucessivas operações dos contribuintes o Poder Executivo resolveu vedar expressamente esse “negócio” através do art. 2527 da Lei n. 12.973/2014.

Vê-se, portanto, que há diversas situações que são capazes de produzir ágio para ser amortizado, mas que têm sido tratadas pelo Fisco de forma semelhante, na medida em que as autuações fiscais ignoram o conteúdo dos atos praticados pelo contribuinte.

E é justamente nesse momento de construção e aplicação da norma jurídica que observamos um movimento do Fisco contrário ao rigor científico do direito. Assim é que o Fisco, na ideia de aplicar um método mais eficiente para a interpretação do direito, do seu ponto de vista, tem flexibilizado o rigor metodológico que se exige para uma interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Nesse cenário, a praticabilidade não mais reflete um conjunto de técnicas voltadas a promover uma maior eficiência do Estado, na medida em que a flexibilização, ou simplificação, das técnicas voltadas à boa hermenêutica jurídica acaba por corroer todo o rigor científico que a ciência do direito exige na análise dos fatos jurídicos. A praticabilidade que antes se confundia com eficiência, agora, reflete a imagem de comodidade.

E as consequências negativas dessa “comodidade” no campo da interpretação dos fatos e das normas jurídicas são cristalinas, principalmente quando se observa que tanto nos fundamentos invocados pelo Fisco no trato dessas questões, como nas diversas decisões no âmbito administrativo tributário há uma confusão entre conceitos, normas, e até mesmo provas, na medida em que se parte de uma premissa, desastrada, de que o ágio, independente do contexto e das provas, é um fenômeno jurídico ilícito.

A interpretação rigorosa dos fatos e dos textos jurídicos é atividade imprescindível para que o intérprete possa entender a operação do ágio, bem como as suas “espécies”, a fim de afastar os fundamentos de natureza moral e arrecadatória, em diversas ocasiões sequer refletem o conjunto dos fatos que compuseram as operações praticadas.

Em verdade, essa conduta do Fisco ignora o fato de que se tomarmos em consideração o contexto histórico no qual foi criado o instituto do ágio, a conclusão que se chega é de que desde a sua instituição o ágio já detinha um “propósito” econômico, na medida em que sua finalidade era a atração de novos investimentos para o País.

Não há na norma qualquer elemento que possa ensejar a necessidade de se identificar o “investidor original”, razão pela qual sustentamos que a Fiscalização penaliza o contribuinte por buscar o aproveitamento de um tratamento fiscal ao qual ele faz jus, nos termos da legislação aplicável à matéria. Essa situação bem demonstra que por trás da discussão de utilização de “empresa veículo” existe, na verdade, um debate valorativo que não guarda relação com a realidade. De um lado, o Fisco adotando posicionamento de combate ao planejamento tributário; e do outro lado, os contribuintes tentando o aproveitamento máximo do benefício.

O problema é que se a dedutibilidade do ágio foi constituída como benefício fiscal às empresas, do ponto de vista econômico também deveria ser irrelevante a utilização de “empresas veículo” ou não na operação, pois isto gera ineficiências na organização da atividade empresarial e na alocação dos ativos econômicos.

Não por outra razão, insistimos que tais condutas refletem uma visão exclusivamente arrecadatória por parte do Estado.

5. Conclusão

Vimos que a praticabilidade possui diversas concepções no Direito e em outras ciências que a conduzem para os mais diversos conceitos. No presente trabalho, adotamos o conceito de praticabilidade como um conjunto de técnicas que têm em comum a aplicação/criação normativa eficiente do ponto de vista procedimental.

Temos, portanto, a praticabilidade como instrumento de aplicação eficiente das normas no sistema jurídico brasileiro.

O problema enfrentando no presente contexto se apresenta quando a praticabilidade é usada como atalho para a realização de procedimentos de fiscalização que levam ao lançamento do tributo quando não existem sequer fatos indiciários para sustentar tal ato. Nessa situação, a praticabilidade acaba contaminando toda a discussão da interpretação dos fatos e provas no meio jurídico, posto que o escopo arrecadatório, camuflado pelo primado da eficiência administrativa, acaba prevalecendo sobre a linguagem dos fatos e das provas.

Há que se atentar para o fato de que a aplicação desse instituto não autoriza o Fisco a afastar direitos e garantias do contribuinte em prol de uma suposta eficiência tributária. Consoante dito, todas as construções desse instituto limitam-se à moldura jurídica estabelecida pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais.

Um exemplo claro dessa situação se observa nas discussões que envolvem o ágio. Vimos que ao longo dos anos o ágio foi criado como incentivo para o crescimento econômico do país através da concessão de um “benefício”. Ocorre que, com o passar dos anos, o Fisco, criativamente, inseriu no sistema diversas normas e interpretações à margem do sentido originário, como foi o caso da tese do real adquirente, cujo objetivo era o incremento de receitas do Estado, em razão de seu agigantamento.

As consequências não poderiam ser mais desastrosas para o contribuinte: insegurança jurídica, autuações milionárias e bilionárias, fuga de capital estrangeiro, dentre tantas outras.

Por essa razão, sustentamos que a praticabilidade não pode ser invocada como instrumento de “simplificação” do processo comunicacional entre Fisco e contribuinte. Devemos preservar a vinculação à lei e a temperança no trato das questões de ordem pública, sob pena de ressuscitarmos nefastas práticas há muito combatidas e rejeitadas pelo Direito, mesmo nos períodos mais sombrios da nossa história.

6. Bibliografia

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1 ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James A. The colonial origins of comparative development, p. 1369-1401. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2677930. Acesso em: 26 fev. 2021.

2 “The historical evidence supports both the notion that there was a wide range of different types of colonization and that the presence or absence of European settlers was a key determinant of the form colonialism took. [...] This is in sharp contrast to the colonial experience in Latin America during the seventeenth and eighteenth centuries, and in Asia and Africa during the nineteenth and early twentieth centuries. The main objective of the Spanish and the Portuguese colonization was to obtain gold and other valuables from America. Soon after the conquest, the Spanish crown granted rights to land and labor (the encomienda) and set up a complex mercantilist system of monopolies and trade regulations to extract resources from the colonies. Article: The Colonial Origins of Comparative Development: An Empirical Investigation.” (ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James A. The colonial origins of comparative development, p. 1376). Tradução nossa: “A evidência histórica apoia a noção de que houve uma ampla gama de diferentes tipos de colonização e que a presença ou ausência de colonos europeus foi um fator determinante da forma que o colonialismo assumiu. [...] Isso está em nítido contraste com a experiência colonial na América Latina durante os séculos XVII e XVIII, e na Ásia e na África durante o século XIX e início do século XX. O objetivo principal da colonização espanhola e portuguesa era obter ouro e outros valores da América. Logo após a conquista, a coroa espanhola concedeu direitos à terra e ao trabalho (a encomienda) e estabeleceu um complexo sistema mercantilista de monopólios e regulamentos comerciais para extrair recursos das colônias. Artigo: As origens coloniais do desenvolvimento comparativo: uma investigação empírica.” Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2677930. Acesso em: 26 fev. 2021)

3 “There were different types of colonization policies which created different sets of institutions. At one extreme, European powers set up ‘extractive states’, exemplified by the Belgian colonization of the Congo. These institutions did not introduce much protection for private property, nor did they provide checks and balances against government expropriation. In fact, the main purpose of the extractive state was to transfer as much of the resources of the colony to the colonizer. At the other extreme, many Europeans migrated and settled in a number of colonies, creating what the historian Alfred Crosby (1986) calls ‘Neo-Europes’. The settlers tried to replicate European institutions, with strong emphasis on private property and checks against government power. Primary examples of this include Australia, New Zealand, Canada, and the United States. 2. The colonization strategy was influenced by the feasibility of settlements. In places where the disease environment was not favorable to European settlement, the cards were stacked against the creation of Neo-Europes, and the formation of the extractive state was more likely. 3. The colonial state and institutions persisted even after Independence.” Tradução nossa: “Houve diferentes tipos de políticas de colonização que criaram diferentes conjuntos de instituições. Em um extremo, as potências europeias estabeleceram ‘estados extrativistas’, exemplificados pela colonização belga do Congo. Essas instituições não introduziram muita proteção para a propriedade privada, nem forneceram freios e contrapesos contra a expropriação do governo. Na verdade, o objetivo principal do estado extrativista era transferir o máximo dos recursos da colônia para o colonizador. No outro extremo, muitos europeus migraram e se estabeleceram em várias colônias, criando o que o historiador Alfred Crosby (1986) chama de ‘Neo-Europas’. Os colonos tentaram replicar as instituições europeias, com forte ênfase na propriedade privada e nos controles contra o poder do governo. Os principais exemplos disso incluem Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos. 2. A estratégia de colonização foi influenciada pela viabilidade de assentamentos. Em lugares onde o ambiente de doença não era favorável à colonização europeia, as cartas foram contra a criação de Neo-Europas, e a formação do estado extrativista era mais provável. 3. O estado colonial e as instituições persistiram mesmo após a Independência.” (ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James A. The colonial origins of comparative development, p. 03)

4 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Kafka, alienação e deformidades da legalidade: exercício do controle social rumo à cidadania fiscal. São Paulo: Fiscosoft/RT, 2014, p. 356.

5 Comentários ao paper de Sulamis Dain sobre Reforma Tributária. Econômica Revista da Pós-graduação em Economia da UFF vol. 7, n. 2. Rio de Janeiro, p. 321.

6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF – ADIn n. 1.851/AL, Rel. Min. Ilmar Galvão, publicado no Diário de Justiça da União de 15.05.2002. Informativo STF n. 271. Brasília, 03 a 07 de julho de 2002. Link para acesso: http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciarePercussao/pesquisarProcesso.asp. Acesso em: 01 mar. 2021.

7 Nos dizeres de Carlos Renato Cunha, em sua tese de Doutorado: “nessa acepção, a praticabilidade, entendida como comodidade, poderia ser: (i) uma meta para uma boa tributação em favor do Estado, do contribuinte ou de ambos; (ii) uma razão ou causa para a existência de normas ou técnicas de simplificação; ou (iii) um atributo das normas simplificadoras” (CUNHA, Carlos Renato. Tese de doutorado. Praticabilidade tributária: eficiência, segurança jurídica e igualdade sob uma perspectiva semiótica. Curitiba: UFPR, 2019, p. 211. Link de acesso: https://www.prppg.ufpr.br/siga/visitante/trabalhoConclusaoWS?idpessoal=4388&idprograma=40001016017P3&anobase=2019&idtc=134. Acesso em: 22 fev. 2021).

8 A praticabilidade como uma categoria lógico-jurídica. A ideia é que esse instituto permeia todo o Direito, “pois este só atua no campo da possibilidade – vale dizer, somente pode operar efeitos num contexto de realidade”. Essa acepção traz a ideia de que a praticabilidade está na Constituição, implícita em todas as normas, tendo relação com “a efetividade das normas constitucionais”, como assevera Regina Helena Costa (COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007).

9 Para Eduardo Maneira, a praticabilidade pode ser entendida como um conjunto de técnicas que visam viabilizar a adequada execução do ordenamento jurídico (MANEIRA, Eduardo. O princípio da praticidade no direito tributário (substituição tributária, plantas de valores, retenções de fonte, presunções e ficções, etc.): sua necessidade e seus limites. Revista Internacional de Direito Tributário vol. 1, n. 2. Belo Horizonte: Del Rey/Abradt, jul./dez. 2004, p. 61-67, p. 402).

10 COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 53-54.

11 Luís Eduardo Schoueri, assim como Saldanha Sanches (SANCHES, Saldanha. Justiça fiscal. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010, p. 52) e Andrei Pitten Velloso (VELLOSO, Andrei Pitten. Fundamentos e limites constitucionais da simplificação tributária: análise sistemática à luz dos aportes doutrinários e jurisprudenciais alemães. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT vol. 5, n. 30. Belo Horizonte, nov./dez. 2007, p. 1-2), tratam a praticabilidade como “normas de simplificação”. Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 32.

12 Humberto Ávila alude a aspectos normalmente indicados pela doutrina como parte da praticabilidade como “normas de simplificação” e “padronização” (ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 88).

13 Fernando Zilveti utiliza a expressão “tributação forfetária” e “forfetização”. Cf. ZILVETI, Fernando Aurelio. Simplicius simplicissismus: os limites da praticabilidade diante do princípio da capacidade contributiva. Revista Direito Tributário Atual vol. 22. São Paulo: IBDT e Dialética, 2008, p. 179-192, p. 182.

14 Regina Helena Costa trata como sinônimos os enunciados “praticabilidade”, “praticidade” ou “factibilidade” tributária, sendo esse último o termo utilizado por Fritz Neumark (COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 20).

15 CUNHA, Carlos Renato. Praticabilidade tributária: eficiência, segurança jurídica e igualdade sob uma perspectiva semiótica. Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná, 2019, p. 233.

16 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Kafka, alienação e deformidades da legalidade: exercício do controle social rumo à cidadania fiscal. São Paulo: Fiscosoft/RT, 2014, p. 354.

17 CUNHA, Carlos Renato. Praticabilidade tributária: eficiência, segurança jurídica e igualdade sob uma perspectiva semiótica. Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná, 2019, p. 528 a 529.

18 COSTA, Rosenei Novochadlo da. Contabilidade avançada: uma abordagem direta e atualizada. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012, p. 61.

19 Dentre os objetivos do CPC 15, tem-se que: “este Pronunciamento estabelece princípios e exigências de como o adquirente: (b) reconhece e mensura o ágio por rentabilidade futura (goodwill) da combinação de negócio ou um ganho proveniente de uma compra vantajosa” (disponível em: http://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=46. Acesso em: 03 mar. 2021).

20 Decreto-lei n. 1.598/1977: “Art. 20. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em: I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; II – ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I.” (BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1598.htm. Acesso em: 03 mar. 2021)

21 Lei n. 9.532/1997: “Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977: (Vide Medida Provisória nº 135, de 30.10.2003) I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea ‘a’ do § 2º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa; II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea ‘c’ do § 2º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização; III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea ‘b’ do § 2º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; (Redação dada pela Lei nº 9.718, de 1998) IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea ‘b’ do § 2º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados durante os cinco anos-calendários subsequentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração.” (BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.532, de 10 de dezembro de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9532.htm. Acesso em: 03 mar. 2021)

22 Os artigos da Lei n. 9.532 foram responsáveis por disciplinar o aproveitamento fiscal do ágio, com a possibilidade expressa de amortização fiscal quando o seu fundamento econômico fosse a expectativa de rentabilidade futura, em um prazo mínimo de cinco anos.

23 DIAS, Karem Jureidini. O ágio e a intertextualidade normativa. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. 3º vol., p. 92.

24 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Atualização em Direito Tributário. Reorganizações societárias. “Questões tributárias e societárias avançadas”. Edicin – Universidade Petrobras – RJ, 29.10.2012.

25 1402-000.802 Acórdão Número do Processo: 16561.000222/2008-72, Órgão Julgador: Quarta Câmara/Primeira Seção de Julgamento, Data da Sessão: 21.10.2011, Contribuinte: Banco Santander (Brasil) S.A. Rel. Antonio José Praga de Souza. “Ementa: [...] Amortização do ágio efetivamente pago na aquisição societária. Premissas. As premissas básicas para amortização de ágio, com fulcro nos art. 7º, inciso III, e 8º da Lei 9.532 de 1997, são: i) o efetivo pagamento do custo total de aquisição, inclusive o ágio; ii) a realização das operações originais entre partes não ligadas; iii) seja demonstrada a lisura na avaliação da empresa adquirida, bem como a expectativa de rentabilidade futura. Nesse contexto não há espaço para a dedutibilidade do chamado ‘ágio de si mesmo’, cuja amortização é vedada para fins fiscais, sendo que no caso em questão essa prática não ocorreu. Incorporação de sociedade. Amortização de ágio. Artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97. Planejamento fiscal inoponível ao fisco – inocorrência. No contexto do programa de privatização das empresas de telecomunicações, regrado pelas Leis 9.472/97 e 9.494/97, e pelo Decreto nº 2.546/97, a efetivação da reorganização de que tratam os artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97, mediante a utilização de empresa veículo, desde que dessa utilização não tenha resultado aparecimento de novo ágio, não resulta economia de tributos diferente da que seria obtida sem a utilização da empresa veículo e, por conseguinte, não pode ser qualificada de planejamento fiscal imponível ao fisco. Preliminar de Preclusão Rejeitada. Preliminar de Decadência Acolhida. Recurso Provido no Mérito. [...].” (BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão n. 1402-000.802 – CSFR/Quarta Turma de Julgamento do CARF. Primeira Seção. Processo n. 16561.000222/2008-72. Disponível em: http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudenciaCarf.jsf. Acesso em: 03 maio 2021)

26 1301-000.711 Acórdão Número do Processo: 18471.000999/2005-29, Órgão Julgador: Terceira Câmara/Primeira Seção de Julgamento, Data da Sessão: 19.10.2011, Contribuinte: Tele Norte Leste Participações S.A. Rel. Valmir Sandri. “Ementa: Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica IRPJ Ano calendário: 2000, 2001, 2002, 2003 Ementa: [...] Incorporação de sociedade. Amortização de ágio – artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97. Planejamento fiscal inoponível ao fisco – inocorrência. No contexto do programa de privatização das empresas de telecomunicações, regrado pelas Leis 9.472/97 e 9.494/97, e pelo Decreto nº 2.546/97, a efetivação da reorganização de que tratam os artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97, mediante a utilização de empresa veículo, desde que dessa utilização não tenha resultado aparecimento de novo ágio, não resulta economia de tributos diferente da que seria obtida sem a utilização da empresa veículo e, por conseguinte, não pode ser qualificada de planejamento fiscal inoponível ao fisco. [...].” (BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão n. 1301-000.711 – Terceira Câmara de Julgamento. Primeira Seção. Processo n. 18471.000999/2005-29. Disponível em: http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudenciaCarf.jsf. Acesso em: 03 maio 2021)

27 “Art. 25. Para fins do disposto nos arts. 20 e 22, consideram-se partes dependentes quando: I – o adquirente e o alienante são controlados, direta ou indiretamente, pela mesma parte ou partes; II – existir relação de controle entre o adquirente e o alienante; III – o alienante for sócio, titular, conselheiro ou administrador da pessoa jurídica adquirente; IV – o alienante for parente ou afim até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro das pessoas relacionadas no inciso III; ou V – em decorrência de outras relações não descritas nos incisos I a IV, em que fique comprovada a dependência societária. Parágrafo único. No caso de participação societária adquirida em estágios, a relação de dependência entre o(s) alienante(s) e o(s) adquirente(s) de que trata este artigo deve ser verificada no ato da primeira aquisição, desde que as condições do negócio estejam previstas no instrumento negocial.”