Instrumentos Financeiros Compostos e Contratos Híbridos: um Ensaio Normativo sobre os Efeitos da Regulação Contábil e Tributária no Brasil1

Compound Financial Instruments and Hybrid Contracts: a Normative Essay Regarding Accounting and Tax Regulation Effects in Brazil

Jorge Vieira

Doutor em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto do Departamento de Contabilidade da Universidade Federal Fluminense (UFF). Líder de Grupos de Pesquisa cadastrados no CNPQ: Grupo de Pesquisa em Contabilidade, Finanças e Tributação (GPCFT) e Observatório UFF da Regulação Contábil Internacional. E-mail: jorgevieira@id.uff.br.

Recebido em: 16-11-2020

Aprovado em: 24-06-2021

Resumo

Instrumentos financeiros (IF) compostos e contratos híbridos têm gerado muita controvérsia em matéria contábil e jurídica. No Brasil, companhias com registro na CVM, que se utilizaram desses instrumentos, classificando-os no patrimônio líquido, tiveram suas ITRs e/ou DFs reapresentadas por determinação do regulador em anos anteriores. O ponto crítico de toda a discussão, no caso de IF compostos reside na distinção entre um item de passivo e um item de patrimônio líquido. A literatura da área está sendo construída aos poucos e, dado o seu caráter multidisciplinar, é de interesse tanto de juristas quanto de profissionais de contabilidade que militam na área tributária e societária. Pesquisas contábeis com abordagem positiva apresentam algumas hipóteses para explicar o fenômeno, em particular o nível de endividamento. Trabalhos jurídicos do mesmo modo trazem contribuição para a literatura ligada ao tema e revelam distanciamento dos conceitos adotados pela Contabilidade no padrão IFRS. Autores da área jurídica são unânimes em afirmar que a legislação tributária no Brasil é muito superficial no tocante ao tratamento a ser dado a IF compostos e contratos híbridos. Este ensaio normativo procura explorar aspectos das IFRS e da legislação tributária, com base em exemplos ilustrativos desenvolvidos pelo autor, com o condão de lançar luz sobre possíveis motivações econômicas para escolhas contábeis, alimentando a pauta de pesquisa de futuros estudos. O ensaio explora as dimensões contábeis de mensuração, de reconhecimento e de apresentação, tanto para fins de demonstrações contábeis individuais quanto consolidadas. Há situações que não encontram amparo na teoria normativa, plataforma conceitual sobre a qual o trabalho está ancorado, como é o caso do reconhecimento do passivo consolidado advindo de custos de transação. Espera-se que este ensaio normativo contribua para o aprendizado do tema e concorra para o desenvolvimento de pesquisas, se possível, interdisciplinares entre a área do Direito e da Contabilidade.

Palavras-chave: instrumentos financeiros compostos, contratos híbridos, IFRS, efeito tributário.

Abstract

Compound financial instruments (FI) and hybrid contracts have generated much controversy in accounting and legal matters. In Brazil, companies registered with the CVM, which used these instruments and classified them in shareholders’ equity, had their quarter and/or annual financial statements restated by determination of the regulator in previous years. The critical issue of the whole discussion, in the case of compound FI, lies in the distinction between a liability item and an equity item. The literature in this field is being gradually built up and, given its multidisciplinary nature, it is of interest to both lawyers and accountants who work in the tax and corporate areas. Some positive accounting researches present some hypotheses to explain the phenomenon, in particular the level of leverage. Papers in the law field likewise contribute to the literature on the subject and reveal a distance from the concepts adopted by the IFRS standard. Authors from the legal area are unanimous in affirming that tax legislation in Brazil is very superficial regarding the treatment to be given to compound FI and hybrid contracts. This normative essay seeks to explore aspects of IFRS and tax legislation, based on illustrative examples developed by the author, with the ability to shed light on possible economic motivations for accounting choices, feeding the research agenda of future studies. The essay explores the accounting dimensions of measurement, recognition and presentation, both for individual and consolidated financial statements. There are situations that do not find support in normative theory, such as the recognition of consolidated liabilities arising from transaction costs. This normative essay is expected to contribute to the learning of the subject and to contribute to the development of researches, if possible, interdisciplinary between the Law and Accounting areas.

Keywords: compound financial instruments, hybrid contracts, IFRS, tax effect.

1. Introdução

Instrumentos financeiros compostos2 e contratos híbridos3 têm gerado muita controvérsia em matéria de reconhecimento contábil. No Brasil, companhias com registro na CVM, que se utilizaram desses instrumentos, classificando-os no patrimônio líquido, tiveram suas ITRs e/ou DFs reapresentadas por determinação do regulador em anos anteriores.

O ponto crítico de toda a discussão, no caso de IF compostos, reside na distinção entre um item de passivo e um item de patrimônio líquido. A literatura contábil positiva4 (que busca explicar escolhas contábeis com base em incentivos econômicos) apresenta uma hipótese que ajuda a compreender o porquê de algumas companhias recorrerem a ditos instrumentos para captar recursos: nível de endividamento.

Há também evidências documentadas na literatura indicativas de planejamento tributário com o uso de IF compostos e contratos híbridos. Tratamentos tributários assimétricos entre jurisdições permitem que companhias levem a efeito práticas arrojadas de planejamento tributário e arbitragem tributária, algo que tem causado preocupação por parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O artigo está estruturado da seguinte forma: a seção introdutória contextualiza o tema; a seção 2 trata do padrão IFRS para disciplina da matéria; a seção 3 trata de disposições da legislação tributária que dão algum tratamento à matéria; na seção 4 é feita uma revisão de literatura jurídica voltada ao tema; na seção 5 é desenvolvido um exemplo ilustrativo para investigação dos efeitos tributários do tratamento contábil dado aos IF compostos e contratos híbridos; finalmente a seção 6 apresenta a conclusão do artigo, e a seção 7 as referências utilizadas.

2. O padrão IFRS para os IF compostos e contratos híbridos

Compulsando a norma internacional IAS n. 32, que espelha no Brasil o CPC n. 39, mais especificamente em seus §§ 11, 16A, 16B, 16C e 16D, constata-se a tarefa árdua e cansativa que envolve a compreensão de um IF composto (um verdadeiro teste conceitual de fogo), para fins de seu enquadramento no conceito de passivo ou de patrimônio líquido. A rigor, um IF composto para fins contábeis deve ser bifurcado e seus itens devem ser contabilizados separadamente, conforme seu enquadramento ou no conceito de passivo ou no conceito de patrimônio líquido. A esse respeito apresentam-se os fluxogramas decisórios para identificação de um ativo financeiro, de um passivo financeiro e de um item de PL, que compõem os Anexos de 1 a 3 deste ensaio normativo.

A mensuração separada do instrumento se dá via precificação ao valor justo do componente de passivo e, residualmente, por diferença, chega-se ao componente de patrimônio líquido (se tal componente passar no teste de enquadramento de item de PL).

Já com relação aos contratos híbridos, seus comandos normativos residem nos §§ 4.3.1 a 4.3.7, B4.3.1 a B4.3.12, B5.2.1 e B6.2.1 do Pronunciamento Técnico CPC n. 48, que está espelhado na IFRS n. 9. Para separar um derivativo embutido do contrato principal, diferentemente da regra que vigorava no CPC n. 385 (IAS n. 39), o contrato principal (host contract) precisa ser um ativo fora do alcance da norma (um direito de um contrato de seguro, por exemplo) e há que se averiguar se exaustivamente são observadas as seguintes condições (CPC n. 48, § 4.3.3): (i) as características econômicas e os riscos do derivativo embutido não estiverem intimamente relacionados com as características econômicas e os riscos do contrato principal; (ii) um instrumento separado com as mesmas características do derivativo embutido satisfizer a definição de derivativo; e (iii) o contrato híbrido não for mensurado por valor justo com alterações no resultado – DRE.

A mensuração separada do contrato híbrido, se for o caso de separação, se dá preferencialmente via precificação ao valor justo do derivativo embutido, e, residualmente, por diferença, chega-se ao valor do contrato principal (CPC n. 48, § 4.3.7). É um procedimento diverso da mensuração do IF composto.

3. Disposições da legislação tributária para os IF compostos e contratos híbridos

Com a edição da Lei n. 12.973/2014 e da sua regulamentação, em especial a Instrução Normativa da RFB n. 1.700/2017, o padrão IFRS internalizado em nosso ambiente doméstico de regulação teve os seus efeitos tributários neutralizados ou disciplinados. Assim também foi com relação ao tratamento contábil dispensado aos IF compostos e contratos híbridos. Nesse particular, esmiuçando as disposições da Lei n. 12.973/2014, depara-se com o seu art. 2º, que emenda o Decreto-lei n. 1.598/77, com a inserção do seguinte art. 38-B:

Art. 38-B. A remuneração, os encargos, as despesas e demais custos, ainda que contabilizados no patrimônio líquido, referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada, emitidos pela pessoa jurídica, exceto na forma de ações, poderão ser excluídos na determinação do lucro real e da base de cálculo de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido quando incorridos (grifos adicionados).

A IN RFB n. 1.700/2017, em seu art. 163, assim regulamenta a matéria:

Art. 163. A remuneração, os encargos, as despesas e demais custos, contabilizados no patrimônio líquido, referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada, emitidos pela pessoa jurídica, exceto na forma de ações, poderão ser excluídos na determinação do lucro real e do resultado ajustado quando incorridos.

§ 1º O disposto neste artigo não se aplica aos instrumentos previstos no art. 15 da Lei n. 6.404, de 1976.

§ 2º Na hipótese de estorno por qualquer razão, em contrapartida de conta de patrimônio líquido, os valores mencionados no caput e anteriormente deduzidos deverão ser adicionados nas respectivas bases de cálculo (grifos adicionados).

De início, percebe-se uma heterogeneidade taxonômica na regra tributária, que pode gerar conflito entre norma contábil e tributária. Onde está definido no padrão IFRS o que vem a ser instrumento de capital? E na legislação tributária, o que é instrumento de capital? Prosseguindo com a análise dos dispositivos, verifica--se que o legislador tributário se restringe a tratar o tema no tocante à dedutibilidade dos encargos, das despesas e demais custos reconhecidos no PL. E quanto aos demais aspectos? E quando a despesa financeira contábil divergir do cupom pago pelo IF composto? São perguntas para as quais os profissionais do Direito que militam no campo tributário podem trazer alguma contribuição em termos de resposta.

4. Revisão da literatura jurídica para os IF compostos e contratos híbridos

Para a literatura jurídica, o conceito empregado aos IF compostos e contratos híbridos é distinto daquele oferecido pela Contabilidade, de acordo com o padrão IFRS, e pode ganhar variados contornos. O conflito semântico e conceitual evidente pode produzir alguma controvérsia na interpretação de disposições da legislação tributária.

Muitos autores da área alinham o discurso ao afirmarem que a legislação tributária é muito superficial no tocante a IF compostos e contratos híbridos. Por essa razão, os operadores do Direito têm um enorme desafio pela frente. A interpretação de normas vigentes e de outras fontes do Direito ao seu dispor terá repercussão no campo tributário, no tratamento a ser dispensado a juros e dividendos, por exemplo.

Bifano6 apresenta algumas contribuições para os conceitos empregados na área do Direito. Segundo a autora, a qualidade de instrumento híbrido pode ser atribuída a qualquer negócio jurídico que contenha elementos de dois ou mais contratos, estejam ou não legislados. Por esse conceito, na visão da autora, um contrato de arredamento se qualificaria como um contrato híbrido pelo fato de conter elementos próprios de um financiamento, acompanhado da cessão de uso de bens.

Também, de acordo com a autora7, consideram-se, usualmente, como híbridos, todos os contratos financeiros que contêm características de mais de um contrato, também financeiro, tipificado ou não. Ou, ainda, contratos que se estruturam como de renda variável e, no entanto, geram remuneração certa aos seus beneficiários, a exemplo dos contratos de renda fixa. E, mais ainda, seriam considerados híbridos aqueles que têm como atributos características de títulos de dívida e características de títulos de participação societária. Este último conceito é o que, para a Contabilidade, é um IF composto.

Mosquera e Piconez8 salientam que a legislação tributária brasileira muito pouco regulamentou o assunto. Advogam ser necessário recorrer à lei societária na tentativa de abordar a questão com maior profundidade. Oferecem como contribuição do seu estudo o teste de qualificação empregado pela International Fiscal Association (IFA), que adota atributos ad hoc.

Segundo o modelo IFA analisado pelos autores9, para enquadramento de um instrumento de dívida são levados em consideração atributos como: conversibilidade, participação nos lucros, prazo de pagamento de juros e, principalmente, subordinação, prazo longo ou indefinido e liquidação em ações. Já para o enquadramento de um instrumento patrimonial são levados em consideração atributos como: retorno não ligado aos lucros, termo de resgate e qualidade do crédito. É por assim dizer uma abordagem check-list sujeita a arbítrio. Definir o peso de cada um desses atributos é algo deveras subjetivo.

A ausência de normas específicas no Direito Tributário brasileiro, ressaltam os autores10, obriga os operadores do Direito a recorrerem à legislação societária para fins de enquadramento do que vem a ser dividendos e juros, e por consequência definir o tratamento tributário a ser dado.

Lopes11, em estudo do tema à luz da então MP n. 627/2013, no seu introito, destaca serem os contratos híbridos considerados um dos assuntos de maior controvérsia, muito embora dos 100 artigos da MP nenhum tenha abordado o tema. Tece interessante consideração, digna de destaque, por se tratar de uma manifestação de uma profissional brasileira do Direito12. Afirma a autora13 que, no passado, graças ao formalismo jurídico, muitas companhias se aproveitaram da possibilidade de emitir instrumentos financeiros com características passivas e contabilizá-los como instrumentos patrimoniais em função de sua natureza jurídica, melhorando assim a estrutura de capital e reduzindo os índices de endividamento e se beneficiando na verificação de covenants.

Com relação ao tratamento tributário, a autora14 reforçou o que outros juristas reafirmaram (com a conversão da MP na Lei n. 12.973/2014): a legislação tributária, à época do artigo publicado, balizada pela MP n. 627/2013, não disciplinou especificamente o tratamento aplicável a IF compostos, contratos híbridos e derivativos embutidos.

Na visão da autora15, caso o contribuinte segregasse o reconhecimento de seu contrato híbrido (o que implicaria a aplicação do método do split accounting), poderia simular o efeito dessa medida no seu resultado, sendo parte do resultado impactada pela curva do papel (consequência do reconhecimento em separado do host contract) e outra parte impactada por ajustes no valor justo (consequência do reconhecimento em separado do embedded derivative).

Ao analisar espécie de instrumento composto – títulos perpétuos – a autora16 afirmou mais uma vez ter sido a legislação tributária de então silente – MP n. 627/2013. Não estaria claro o tratamento tributário a dar a juros e dividendos, se em função da natureza jurídica destes ou de acordo com o seu reconhecimento e apresentação contábeis.

Fonseca17, em linha com o paradigma Code Law, que baliza o Direito brasileiro, advoga ser um equívoco considerar-se como ponto de partida, para fins de apuração de imposto de renda, o tratamento contábil dispensado aos contratos híbridos, em decorrência de ausência expressa de previsão na legislação para o ajuste tributário ser efetuado. Para o autor, o equívoco de tal procedimento reside no fato de que o padrão contábil empregado no Brasil toma como referência os efeitos econômicos, sem qualquer vínculo de natureza formal com os negócios jurídicos praticados.

Entre outros argumentos esposados, o autor18 defende que as normas contábeis que regulam o reconhecimento e a mensuração de instrumentos financeiros híbridos são anteriores à Lei n. 12.973/2014, o que imporia a necessidade de que os ajustes ao resultado contábil estivessem expressamente previstos em uma lei tributária.

Charneski19 esclarece que instrumentos com essas características podem oferecer inúmeras vantagens: redução de custos de captação, melhoria de indicadores de nível de endividamento20 e de cobertura de juros. O autor21 revela haver correntes doutrinárias díspares no tocante ao tratamento tributário a ser dispensado, quais sejam: (i) a corrente que defende que na ausência de disposição expressa na legislação tributária o tratamento deverá seguir a classificação contábil empregada; e (ii) a corrente que defende que deve prevalecer o negócio jurídico celebrado entre as partes, com desdobramentos próprios (efeitos da obrigação em eventual falência, direitos políticos etc.).

Santos22, ao estudar os IF compostos e contratos híbridos à luz de acordos de bitributação, ofereceu algumas contribuições para literatura. Em síntese, as jurisdições envolvidas em acordos dessa natureza procuram respeitar a legislação doméstica, com algumas adaptações de conceitos de determinados institutos, e promovem, por vezes, o reenvio específico à lei interna do Estado fonte.

O autor documenta em seu trabalho que uma das soluções encontradas pela Holanda para resolver o problema relativo à classificação dos rendimentos provenientes dos híbridos foi promover pequenas alterações nos conceitos de dividendos e de juros. Assim foi observado no acordo de bitributação celebrado entre Holanda e EUA.

Nessa mesma linha foi o procedimento empregado pela Austrália, que, segundo o autor23, alterou o conceito de juros no acordo de bitributação celebrado com a Nova Zelândia, a fim de que rendimentos advindos de valores mobiliários qualificados como títulos não patrimoniais (non-equity shares), tratados como dívida pela legislação australiana, pudessem ser classificados como juros. Experiências envolvendo outras jurisdições são apresentadas pelo autor, algo que se constitui numa evidência indicativa do potencial que esses instrumentos têm para o planejamento tributário em colocações transnacionais.

Santos24 em outra contribuição para literatura, explora os IF compostos e contratos híbridos sob a perspectiva da arbitragem fiscal, analisando propostas sugeridas pela OCDE para seu combate. Assevera o autor que as medidas propostas pela OCDE têm o propósito de (i) suprir lacunas legislativas; (ii) eliminar a redução de carga tributária e a dupla não tributação entre países; (iii) introduzir medidas impeditivas contra usos abusivos de acordos de bitributação; e (iv) aumentar a transparência e o acesso a informações dos contribuintes pelos Estados, visando ao combate a planejamentos tributários abusivos.

De acordo com a literatura jurídica coligida para o desenvolvimento desta seção do artigo, pôde-se constatar que, para os autores consultados, a legislação tributária brasileira é muito superficial no tocante ao tratamento a ser dado aos IF compostos e contratos híbridos, aspecto que leva os operadores do Direito a adotarem diferentes abordagens de interpretação e aplicação das regras vigentes, a depender da corrente de pensamento empregada.

Outra constatação é a de que os conceitos adotados pelo mundo jurídico nem sempre estão alinhados com os conceitos utilizados pela Contabilidade no padrão IFRS. Essa divergência pode dar margem a conflitos.

Pôde-se tomar conhecimento também que os IF compostos e contratos híbridos têm forte potencial para o planejamento tributário transnacional, em arranjos contratuais desenhados para práticas de arbitragem tributária. Evidência persuasiva para tal fato é a preocupação externada por organismo multilateral voltado à cooperação e ao desenvolvimento econômico mundial (OCDE) ao propor um framework para mitigar possibilidades de planejamento tributário abusivo.

5. Uma simulação: Cia “ABC” e Cia “XYZ”25

Seja admitida a seguinte configuração patrimonial inicial, em que a companhia “ABC” controla a companhia “XYZ” com 60% do seu capital.

Quadro 1: Balanços patrimoniais iniciais

Cia “ABC”

Cia “XYZ”

Débito

Crédito

Consolidado

caixa

220,00

120,00

340,00

estoques

350,00

240,00

590,00

Inv. “XYZ”

216,00

216,00

Total

786,00

360,00

930,00

PL

capital

786,00

360,00

360,00

786,00

participação de não controladores

144,00

144,00

Total

786,00

360,00

360,00

360,00

930,00

Seja admitido que a companhia “ABC”, posteriormente, tenha adquirido $ 80 em debêntures de emissão da companhia “XYZ”, as quais são conversíveis em 20 ações de própria emissão de “XYZ”, por ocasião de seu vencimento, em 5 anos, pelo preço de exercício fixo de $ 4,00 (regra fixed-for-fixed26). As debêntures pagam um cupom anual (juros) de $ 6 ao seu titular. Os custos de colocação montam em $ 10. Por hipótese, o risco de crédito27 de “XYZ” e a taxa de juros livre de risco na data da colocação do papel são, respectivamente, 4% a.a. e 6% a.a. (uma taxa de desconto do passivo de 10% a.a.).

As debêntures são qualificadas como um IF composto, exigindo por consequência sua bifurcação contábil28 na controlada “XYZ”, e como um contrato híbrido, cujo contrato principal está dentro do escopo do CPC n. 48 e não é bifurcado na controladora “ABC”. A precificação dos componentes do IF composto é evidenciada no quadro a seguir:

Quadro 2: Precificação do IF composto e alocação de custos de transação29

21739.png

Parte Passiva – Juros

22,74

Exemplo desenvolvido com base na orientação do IE n. 9 da IAS 32 (§§ IE34-IE36).

Parte Passiva – Principal

49,67

72,42

90,52%

Parte PL (regra do “fixed-for-fixed”)

7,58

9,48%

80,00

Assim, a parte passiva deve ser reconhecida e mensurada no BP de “XYZ” por $ 72,42, ao passo que a parte de PL deve ser reconhecida e mensurada no BP por $ 7,58. Considerando que o passivo vai ser mensurado posteriormente ao custo amortizado, pelo método da taxa de juros efetiva (CPC n. 48, Apêndice A), tomando por base a sua taxa de desconto de 10% a.a. e considerando os custos de colocação de $ 10, proporcionalmente distribuídos a cada item bifurcado, para fins de cômputo da taxa efetiva, chega-se ao seguinte quadro de movimentação do passivo:

Quadro 3: Razão auxiliar da parte passiva do IF composto30

Cômputo Taxa Efetiva

Taxa de juros efetiva

13,48%

Passivo

72,42

Custo Amortizado da Parte Passiva

Custo Transp.

–9,05

A

B=A*13,48%

C=A+B

D

E=C–D

PV

63,37

Sdo inicial

Juros + CT

Sdo Atualizado

Amortização

Sdo Final

anos

5

1

63,37

8,54

71,91

6,00

65,91

cupom

– 6,00

2

65,91

8,89

74,79

6,00

68,79

VF

– 80,00

3

68,79

9,27

78,07

6,00

72,07

Taxa efetiva

13,48%

4

72,07

9,72

81,78

6,00

75,78

5

75,78

10,22

86,00

6,00

80,00

Para fins deste exemplo, a forma pela qual o capital da companhia “XYZ” está distribuído no mercado e sua diluição potencial, representada pela conversão do IF composto, são evidenciados no quadro a seguir.

Quadro 4: Diluição futura potencial

Diluição Futura

Total

Conversão

Total

%

Ações de titularidade de “ABC”

84

20

104

65,00%

Ações de titularidade da minoria

56

56

35,00%

(preço de subscrição $ 2,5714)

140

160

Com relação ao contrato híbrido na controladora “ABC”, conforme já salientado, dadas as suas características, não deve ser bifurcado contabilmente. Deve ser reconhecido e contabilizado pela sua totalidade, mensurado inicialmente ao valor justo na data de $ 80. A entidade faz a opção de mensurar subsequentemente todo o contrato híbrido ao custo amortizado (CPC n. 48, § 4.3.2).

Assim, com a colocação privada do IF composto (a controladora o adquiriu da controlada), chega-se a uma nova configuração patrimonial, a seguir evidenciada:

Quadro 5: Balanços patrimoniais após colocação do IF

22557.png
22559.png
22561.png

Cia “ABC”

Cia “XYZ”

Débito

Crédito

Conso-

lidado

Em função do prejuízo fiscal e base negativa de CSLL no período de $ 0,95, é reconhecido um ativo fiscal diferido.

caixa

140,00

190,00

330,00

estoques

350,00

240,00

590,00

IRPJ e CSLL Diferidos ativo

0,32

0,32

Para fins de ativo, só se aplica o “split accounting” para a segregação dos derivativos embutidos no contrato principal (“host”), quando o contrato principal não for um ativo dentro do escopo do CPC n. 48 (§ 4.3.3. do CPC n. 48).

Debêntures “B” – “hybrid contract”

80,00

80,00

Inv. “XYZ”

215,62

215,62

TOTAL

785,62

430,32

920,32

Debêntures “XYZ” – Passivo

72,42

72,42

Custos de Transação – CT

–9,05

–9,05

IN RFB n. 1.700, art. 163. A remuneração, os encargos, as despesas e demais custos, contabilizados no patrimônio líquido, referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada, emitidos pela pessoa jurídica, exceto na forma de ações, poderão ser excluídos na determinação do lucro real e do resultado ajustado quando incorridos.

PL

capital

786,00

360,00

360,00

786,00

Debêntures “XYZ” – “fixed-for-fixed”

7,58

7,58

Custos de Transação – CT

–0,95

0,95

IRPJ e CSLL Diferidos

0,32

0,32

Lucros Acumulados

– 0,38

– 0,38

participação de não controladores

143,75

143,75

TOTAL

785,62

430,32

440,32

440,32

920,32

Algumas considerações dos números apresentados. Os custos de transação (CT) incorridos, no montante total de $ 10, são alocados conforme orientação do CPC n. 39 (IAS n. 32), em seu § 38, que requer que a alocação dos custos de transação se dê com base na proporção dos recursos alocados de cada componente do IF composto (in proportion to the allocation of proceeds). No caso concreto do exemplo, conforme cálculos já evidenciados no quadro 2, os 90,52% dos CT são alocados à parte passiva, e os 8,48% dos CT são alocados ao item de PL.

Quanto à alocação dos CT no PL de “XYZ”, a IN RFB n. 1.700/2017, em seu art. 163, admite que os encargos, as despesas e os demais custos, contabilizados no patrimônio líquido, referentes à dívida subordinada, emitidos pela pessoa jurídica, exceto na forma de ações, podem ser excluídos na determinação do lucro real e do resultado ajustado quando incorridos. Resta saber qual o conceito de dívida subordinada da legislação tributária. Não há esse conceito nas IFRSs.

Ainda quanto aos CT, há um efeito fiscal diferido de $ 0,32 (alíquotas de IRPJ de 25% e de CSLL de 9%) advindo de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL, gerados pelos CT. Os CT alocados no passivo não possuem efeitos fiscais diferidos, uma vez que são apropriados em resultado pro-rata tempore tanto para fins contábeis quanto para fins tributários31. Não há diferença temporária entre o valor contábil do passivo CT e sua base fiscal.

Para o cálculo do valor de equivalência, procede-se a um ajuste no PL final de “XYZ”, conforme demonstrado a seguir:

Quadro 6: Memória de cálculo do MEP após colocação do IF composto

21715.png

MEP

Não é considerado um direito substantivo, exercível a tempo de tomada de decisões no exercício social em curso, tampouco assegura acesso a retornos variáveis. Expurgo do MEP (CPC n. 18, § 13).

PL final “XYZ”

366,96

IF Composto – PL

–7,58

Base

359,37

% part.

60,00%

Sdo Final Inv. “XYZ”

215,62

Sdo Inicial Inv. “XYZ”

–216,00

Res. Equival.

–0,38

Exclui-se da base de cálculo do MEP a parte do IF composto reconhecida no PL de “XYZ” (opções de conversibilidade em 20 ações de emissão de “XYZ”), para evitar cômputo em duplicidade de ativos de “ABC”. E aqui cabe uma consideração acerca de um tema qualificado nas IFRSs como direitos substantivos e seu desdobramento em termos de MEP e consolidação. Direitos substantivos são aqueles direitos potenciais de voto, passíveis de serem exercidos a tempo da tomada de decisões acerca das atividades relevantes da investida. Em situações excepcionalíssimas, são considerados tanto para efeito de cômputo do MEP (CPC n. 18, §13) quanto para efeito de consolidação de DCs (CPC n. 36, § B90). Em síntese, ainda que não exercidos, quando assegurarem acesso a retornos variáveis da investida, serão considerados tanto para fins de MEP quanto de consolidação de DCs.

No exemplo trabalhado, as opções de conversibilidade nem serão exercidas a tempo de tomada de decisões, tampouco asseguram acesso atual a retornos variáveis de “XYZ”. Esse pedaço excluído do cômputo do MEP está espelhado no derivativo embutido, no montante de $ 7,58, que integra a debênture de $ 80 de “XYZ” mantida na carteira de ativos de “ABC”.

E o que ocorre de fato com “XYZ” é uma redução de riqueza no montante de $ 10, líquidos de efeitos fiscais, que são os custos de transação (CT) liquidados com terceiros (por hipótese, honorários de advogados, intermediários e demais profissionais que assistiram a companhia na colocação do papel). Entretanto, contabilmente, parte dos custos de $ 10 são diferidos no passivo de “XYZ”, no montante de $ 9,05, e parte é reconhecida no PL, no montante de $ 0,95 negativos, fato que por equivalência produz tão somente um efeito líquido de tributos diferidos de $ 0,38 negativos no patrimônio de “ABC” (60% de (–$ 0,95+$ 0,32)).

O patrimônio líquido do controlador bate com o patrimônio líquido consolidado, na parte atribuída ao controlador. E a participação dos não controladores no montante de $ 143,75 pode ser decomposta em $ 144 (40% de $ 360) e $ 0,25 negativos (40% de (–0,95+0,32)).

Situação esdrúxula acontece com o passivo consolidado que apresenta os custos de transação diferidos. Enquadra-se no conceito de passivo? É uma obrigação presente, decorrente de transações ou outros eventos passados, de entregar no futuro recursos incorporados de benefícios econômicos? (EC, §§ 4.15-4.19). É uma receita recebida antecipadamente, cuja obrigação de desempenho contratual ainda não foi cumprida? Os custos de transação já foram liquidados financeiramente; já transitaram pelo caixa. Parece que a escolha do IASB de privilegiar a DRE com o matching apropriado acabou por colocar em xeque a qualidade do BP. É um conflito constante em matéria de regulação contábil: DRE x BP.

Prosseguindo com a simulação, para avaliar os desdobramentos societários e tributários, seja admitido que ocorra ao longo dos próximos 3 exercícios sociais (3 anos) tão somente a apropriação de despesa de juros e a amortização dos CT por parte da controlada “XYZ”, e o cômputo do MEP e a apropriação de receita de juros por parte da controladora “ABC”.

Assim o BP e a DRE da controlada “XYZ” são dados a seguir:

Quadro 7: Balanços patrimoniais e DRE da Cia. “XYZ” para os anos 1, 2 e 3

Cia. “XYZ” – Controlada

Ano 1

Ano 2

Ano 3

caixa

184,00

178,00

172,00

estoques

240,00

240,00

240,00

IRPJ e CSLL Diferidos – Ativo

3,23

6,25

9,40

TOTAL

427,23

424,25

421,40

Debêntures “XYZ” – Passivo

73,30

74,46

75,94

Custos de Transação – CT

– 9,05

– 9,05

– 9,05

Amortização Acumulada CT

1,66

3,38

5,18

PL

capital

360,00

360,00

360,00

Debêntures “XYZ” – “fixed-for-fixed”

7,58

7,58

7,58

Custos de Transação – CT

– 0,95

– 0,95

– 0,95

IRPJ e CSLL Diferidos

0,32

0,32

0,32

Lucros Acumulados

– 5,64

– 11,50

– 17,62

TOTAL

427,23

424,25

421,40

DRE:

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Despesa Financeira:

– 8,54

– 8,89

– 9,27

Juros

6,88

7,16

7,47

CT Amortizados

– 1,66

– 1,72

– 1,80

LAIR

– 8,54

– 8,89

– 9,27

IRPJ e CSLL Diferidos

2,90

3,02

3,15

IRPJ e CSLL Correntes

Lucro Líquido

– 5,64

– 5,86

– 6,12

34,00%

34,00%

34,00%

Os juros são apropriados em resultado, conforme plano de amortização do passivo. Aqui cabe a seguinte questão: será que o procedimento contábil de reconhecer uma despesa financeira acima do montante do cupom implica algum risco em matéria de autuação fiscal? O bom senso diz que não, pois o contribuinte no caso estaria observando a legislação societária (que abarca os CPC) e que baliza a determinação do lucro societário. Estaria do mesmo modo observando a legislação tributária que orienta quanto à apropriação pro rata tempore de todos os custos e encargos. Entretanto, dada a atuação legalista e formal de agentes do fisco, essa é uma pergunta cuja resposta só virá com o tempo, e para qual os juristas que militam no meio tributário estão em melhores condições do que o autor de apresentar uma resposta.

Quanto à amortização dos custos de transação e à apropriação da despesa com juros na DRE, a curva deve observar a taxa de juros efetiva, identificada para fins de aplicação da mensuração ao custo amortizado (CPC n. 48). O quadro a seguir evidencia os números.

Quadro 8: Curva de amortização dos CT e de apropriação de juros na DRE

Ano

J + CT

Driver

Juros

CT

Total

1

8,54

18,32%

6,88

1,66

8,54

2

8,89

19,05%

7,16

1,72

8,89

3

9,27

19,89%

7,47

1,80

9,27

4

9,72

20,83%

7,83

1,89

9,72

5

10,22

21,91%

8,23

1,98

10,22

100,00%

37,58

9,05

46,63

Para cômputo do IRPJ (25%) e da CSLL (9%), procede-se à escrituração do e-Lalur e do e-Lacs, a seguir demonstrada:

Quadro 9: e-Lalur e e-Lacs da Cia. “XYZ”

e-Lalur:

Parte A

Lucro Societário

– 8,54

– 8,89

– 9,27

Lucro Real

– 8,54

– 8,89

– 9,27

IRPJ (25%)

Parte B

Prejuízo Fiscal

8,54

17,43

26,70

e-Lacs:

Parte A

Lucro Societário

– 8,54

– 8,89

– 9,27

Resultado Ajustado

– 8,54

– 8,89

– 9,27

CSLL (9%)

Parte B

Base Negativa de CSLL

8,54

17,43

26,70

Aqui cabe mais uma consideração. O fato de a transação de colocação de debêntures ter sido realizada privadamente, com a controlada captando recursos da controladora, poderia dar margem para um possível questionamento quanto à dedutibilidade da despesa com juros efetivos e dos custos de transação? A legislação tributária não veda explicitamente a sua dedutibilidade. O Decreto-lei n. 1.598/77, em seu art. 17, dispositivo regulamentado pela IN RFB n. 1.700, em seu art. 145, não faz qualquer ressalva a captações realizadas em operações entre empresa controladora e controlada.

Vale nesse caso o balizamento e o entendimento que vêm sendo apresentados em decisões administrativas em matéria tributária. O que os juristas do meio tributário qualificam como os aspectos de materialidade e de formalidade envolvidos com a operação. Em resumo, a operação precisa passar nos testes de abuso de forma e de ausência de propósito negocial.

Se a operação apresenta um arranjo usual que seria praticado pelo mercado entre partes não dependentes, se os recursos captados de fato são necessários para o financiamento das atividades e alcance dos objetivos sociais, e se os juros praticados na transação refletem de fato condições de mercado, não haveria por que colocar em xeque a transação para fins tributários.

Por fim, há que se falar do IRPJ e CSLL diferidos reconhecidos na DRE de “XYZ” (alíquotas de IRPJ de 25% e de CSLL de 9%). Decorrem de estoques de prejuízos fiscais e de bases negativas de CSLL ativados, admitindo a expectativa de geração provável de lucros tributáveis. O quadro abaixo apresenta a movimentação do ativo fiscal diferido.

Quadro 10: Movimentação do ativo fiscal diferido – Cia. “XYZ”

Movimentação IR e CS Diferidos:

Base Fiscal Passivo

63,37

65,91

68,79

72,07

Valor Contábil Passivo

63,37

65,91

68,79

72,07

Diferença Temporária

Prejuízo fiscal/Base negativa CSLL

8,54

17,43

26,70

Constituição/Reversão

8,54

8,89

9,27

IRPJ e CSLL Diferidos Ativo

2,90

3,02

3,15

A nota de conciliação a seguir, nos termos do CPC n. 32, evidencia os números dos tributos diferidos.

Quadro 11: Nota de conciliação IRPJ e CSLL correntes x diferidos – Cia. “XYZ”

Conciliação Despesa com IR e CS

LAIR

– 8,54

– 8,89

– 9,27

Alíquota IRPJ e CSLL

34,00%

34,00%

34,00%

Despesa hipotética IRPJ e CSLL

2,90

3,02

3,15

IRPJ e CSLL Correntes

IRPJ e CSLL Diferidos

2,90

3,02

3,15

Passando para o BP e DRE da controladora companhia “ABC”, estes são a seguir apresentados.

Quadro 12: Balanços patrimoniais e DRE da Cia. “ABC” para os anos 1, 2 e 3

Cia. “ABC” – Controladora

Ano 1

Ano 2

Ano 3

caixa

143,96

147,92

151,88

estoques

350,00

350,00

350,00

Debêntures “B” – “hybrid contract”

80,00

80,00

80,00

Inv. “XYZ”

212,24

208,72

205,05

TOTAL

786,20

786,64

786,93

PL

capital

786,00

786,00

786,00

Lucros Acumulados

0,20

0,64

0,93

TOTAL

786,20

786,64

786,93

DRE:

Ano 1

Ano 2

Ano 3

Receita Financeira:

6,00

6,00

6,00

Resultado de Equivalência

– 3,38

– 3,52

– 3,67

LAIR

2,62

2,48

2,33

IRPJ e CSLL Correntes

– 2,04

– 2,04

– 2,04

Lucro Líquido

0,58

0,44

0,29

77,95%

82,21%

87,65%

Os efeitos em resultado de “ABC” são (i) o reconhecimento da receita financeira pelo cupom periódico de $ 6 (e o tratamento contábil fica assimétrico em relação ao tratamento dado na controlada “XYZ”) e (ii) resultado negativo de equivalência patrimonial de “XYZ”. Observa-se que as alíquotas consolidadas dos tributos ficam totalmente desalinhadas. E isso tem uma explicação: a diferença permanente com o resultado de equivalência. Isso será visto mais à frente.

Aqui cabe reforçar o que já está documentado na literatura da área. Conforme mencionado em seção específica deste artigo, há evidências indicativas de planejamento tributário com o uso de IF compostos e contratos híbridos. Flores32, em seu trabalho, reúne evidências de outros autores que investigaram planejamentos tributários com esses instrumentos, utilizando para tanto diferentes jurisdições onde estariam situadas controladora e controlada. O autor33 assim se manifesta:

“(...) importantes instituições, a exemplo da OCDE, vêm expressando sua preocupação quanto ao estabelecimento de tratamentos fiscais assíncronos entre as jurisdições no tocante aos híbridos, principalmente, porque essa disparidade permite às companhias a possibilidade de práticas arrojadas de planejamento tributário”.

Prosseguindo, as memórias de cálculo do MEP, para cada um dos 3 anos, são evidenciadas a seguir:

Quadro 13: Memória de cálculo MEP para os anos 1, 2 e 3 da Cia. “ABC”

Ano 1

Ano 2

Ano 3

MEP

MEP

MEP

PL final “XYZ”

361,32

PL final “XYZ”

355,45

PL final “XYZ”

349,33

IF Composto

–7,58

IF Composto

–7,58

IF Composto

–7,58

Base

353,74

Base

347,87

Base

341,75

% part.

60,00%

% part.

60,00%

% part.

60,00%

Sdo Final Inv. “XYZ”

212,24

Sdo Final Inv. “XYZ”

208,72

Sdo Final Inv. “XYZ”

205,05

Sdo Inicial Inv. “XYZ”

–215,62

Sdo Inicial Inv. “XYZ”

–212,24

Sdo Inicial Inv. “XYZ”

–208,72

Res. Equival.

–3,38

Res. Equival.

–3,52

Res. Equival.

–3,67

Procedendo ao cálculo do IRPJ (25%) e da CSLL (9%), chega-se ao e-Lalur e ao e-Lacs, na sequência.

Quadro 14: e-Lalur e e-Lacs da Cia. “ABC”

e-Lalur:

Parte A

Lucro Societário

2,62

2,48

2,33

Resultado Equivalência (IN 1.700/2017, art. 181)

3,38

3,52

3,67

Lucro Real

6,00

6,00

6,00

IRPJ (25%)

1,50

1,50

1,50

e-Lacs:

Parte A

Lucro Societário

2,62

2,48

2,33

Resultado Equivalência (IN 1.700/2017, art. 181)

3,38

3,52

3,67

Resultado Ajustado

6,00

6,00

6,00

CSLL (9%)

0,54

0,54

0,54

Como se verifica, o resultado de equivalência patrimonial é expurgado (IN RFB n. 1.700/2017, art. 181). Para fins de tributação, os investimentos em participações societárias são tributados somente quando da sua baixa por alienação, fusão, cisão ou incorporação da participação societária, nas condições previstas em lei. Essa é a razão pela qual é observada uma diferença permanente.

É importante registrar que o CPC n. 32, em seu rol de definições apresentado no § 5, não trata do conceito de diferença permanente. Este é um conceito que está incorporado na literatura teórica de Contabilidade normativa. Hendricksen e Breda34 qualificam uma diferença permanente entre o lucro tributário e o lucro contábil como resultantes de deduções ou restrições legislativas especiais para fins econômicos, políticos ou administrativos não relacionados ao cálculo do lucro líquido contábil. Kieso, Weygandt e Warfield35 já consideram que “permanent differences result from items that (1) enter into pretax financial income but never into taxable income or (2) enter into taxable income but never into pretax financial income”.

A rigor, não há diferença entre a base fiscal do ativo e seu valor contábil, no caso do investimento em XYZ, conforme evidenciado no quadro 15. O que há é uma diferença permanente entre o resultado contábil e o resultado fiscal. Como o CPC n. 32 emprega o método do Asset-Liability para reconhecimento dos efeitos fiscais diferidos, não captura diferenças permanentes entre o resultado contábil e o fiscal. O autor optou por destacar a diferença permanente e apresentá-la na conciliação IRPJ/CSLL corrente x diferido. Os métodos de reconhecimento contábil do Imposto de Renda são discutidos com profundidade em Hendricksen e Breda36.

Prosseguindo, o quadro a seguir elucida a movimentação do ativo fiscal diferido da companhia “ABC” e o efeito da diferença permanente da participação societária mantida na companhia “XYZ”.

Quadro 15: Movimentação do ativo fiscal diferido – Cia. “ABC”

Movimentação IR e CS Diferidos:

Base Fiscal Ativo – Investimento XYZ

212,24

208,72

205,05

Valor Contábil Ativo – Investimento XYZ

212,24

208,72

205,05

Diferença Permanente

3,38

3,52

3,67

Efeito Fiscal

1,15

1,20

1,25

Base Fiscal Ativo – Deb. “XYZ”

80,00

80,00

80,00

80,00

Valor Contábil Ativo – Deb. “XYZ”

80,00

80,00

80,00

80,00

Diferença Temporária

Encerrando, apresenta-se a seguir nota de conciliação do IRPJ e CSLL, nos termos do CPC n. 32, acrescentando a diferença permanente, sem a qual não é obtida uma adequada “amarração” dos números.

Quadro 16: Nota de conciliação IRPJ e CSLL correntes x diferidos – Cia. “ABC”

Conciliação Despesa com IR e CS

LAIR

2,62

2,48

2,33

Alíquota IRPJ e CSLL

34,00%

34,00%

34,00%

Despesa hipotética IRPJ e CSLL

0,89

0,84

0,79

Diferença Permanente

1,15

1,20

1,25

Despesa com IRPJ e CSLL

2,04

2,04

2,04

IRPJ e CSLL Correntes

– 2,04

– 2,04

– 2,04

IRPJ e CSLL Diferidos

6. Considerações finais

A matéria IF compostos e contratos híbridos ainda é muito recente em nossos ambientes de regulação e acadêmico. Há uma carência muito grande de literatura a respeito e de casos concretos submetidos ao julgamento do regulador do mercado e do regulador tributário, que possam balizar as práticas. É bom que se diga que a literatura da área está sendo construída aos poucos e, dado o seu caráter multidisciplinar (não se restringe às áreas do Direito ou da Contabilidade), é de interesse tanto de juristas quanto de profissionais de Contabilidade que militam nas áreas tributária e societária.

Há divergências conceituais entre o que é disciplinado normativamente pela Contabilidade no padrão IFRS e o que os juristas brasileiros entendem, ou, em última análise, o que Direito brasileiro entende a respeito de IF compostos e contratos híbridos. Esse antagonismo semântico pode dar margem a conflitos. No modesto entendimento do autor, tal fato pode ser explicado pela distinção de paradigmas entre o mundo common law (para o qual a Contabilidade no padrão IFRS está voltada) e o mundo code law.

Nosso ambiente jurídico code law tem como princípio caro a estrita legalidade; a forma jurídica se sobrepõe à essência econômica das transações. Já a Contabilidade brasileira atual, importada do ambiente jurídico common law, tem como princípio também caro a representação fidedigna da realidade econômica subjacente; a essência econômica das transações se sobrepõe à forma jurídica. Por essa razão, o padrão IFRS direcionado ao tema é extremamente complexo, deveras subjetivo e, por vezes, difícil de interpretar na sua tentativa de refletir a realidade econômica de transações, também, por vezes, complexas.

Verdade é que a complexidade do padrão IFRS deriva da própria complexidade dos instrumentos e transações. E não bastassem as controvérsias originadas da aplicação das normas contábeis, a disciplina tributária contribui para gerar mais controvérsias. É inegável que a legislação tributária brasileira é muito superficial no tocante ao tratamento a ser dado aos IF compostos e contratos híbridos. Ao que parece, há portas entreabertas para o planejamento tributário.

Uma consequência natural dessa realidade é ver os operadores do Direito compelidos a suprirem o vazio normativo tributário buscando diferentes abordagens de interpretação e aplicação das regras vigentes, a depender da corrente de pensamento empregada. Isso restou provado na revisão de literatura jurídica sobre o tema levada a efeito pelo autor.

Um aspecto não menos relevante é o de que os IF compostos e contratos híbridos têm forte potencial para o planejamento tributário transnacional, por meio de arranjos contratuais desenhados para prática de arbitragem tributária. Evidência persuasiva para tal fato é a preocupação externada por organismo multilateral voltado à cooperação e ao desenvolvimento econômico mundial (OCDE) ao propor um framework para mitigar possibilidades de planejamento tributário abusivo.

Por todo o exposto, espera-se que este ensaio normativo contribua para o aprendizado do tema e concorra para o desenvolvimento de uma literatura ainda pouco explorada, e que estimule juristas a desenvolverem outros estudos críticos com foco no tema, de modo a contribuírem com o debate.

Referências

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Anexo 1: Fluxograma Decisório para Classificação de um Ativo Financeiro

22507.png

Anexo 2: Fluxograma Decisório para Classificação de um Passivo Financeiro

22516.png

Anexo 3: Fluxograma Decisório para Classificação de um Item de PL

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Anexo 4: Miscelânea de Conceitos

“Warrant”: é um instrumento financeiro que, no Brasil, pode ser qualificado como um título de garantia, emitido por empresa encarregada da guarda e da conservação de mercadorias, as quais poderão ser vendidas ou negociadas, e que atesta ao seu portador a propriedade do objeto em custódia. É também considerado um título de crédito, que permite ao depositante contrair empréstimo por meio de caução ou desconto. É ainda qualificado como um valor mobiliário, nos termos da Instrução CVM n. 223/94, com alterações impostas pela Instrução CVM n. 328/00. Nos termos do artigo 1º de referida instrução, “warrant” é uma opção não padronizada de compra ou de venda dos seguintes valores mobiliários: (i) ações de emissão de companhia aberta; (ii) carteira teórica referenciada em ações, negociadas em mercado de bolsa ou de balcão organizado, que integrem ou tenham integrado, por período não inferior ao prazo de exercício das opções, índice de mercado regularmente calculado, de ampla divulgação e aceitação; (iii) debêntures simples ou conversíveis em ações de emissão de companhias abertas, e oriundas de distribuições publicadas registradas na CVM e (iv) notas promissórias registradas para distribuição pública. Os warrants podem ser emitidos nas modalidades “coberta” ou “descoberta”.

IF “puttable”: é um instrumento financeiro que dá ao seu detentor o direito de devolvê-lo ao emissor (por meio de obrigação de recompra ou de resgate pelo emissor), em troca de caixa ou de outro ativo financeiro, ou automaticamente é devolvido ao emissor na ocorrência de eventos futuros incertos ou no caso de morte ou de aposentadoria do detentor do IF.

Instrumento patrimonial: é qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos ativos líquidos de uma entidade. Uma obrigação contratual, incluindo qualquer uma originada de um instrumento derivativo, que resultar ou poderá resultar no recebimento ou na entrega de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade que não se enquadrar nas condições impostas para classificação de um item de PL, não será tratada como um item de PL.

Instrumentos “puttable” classificados no PL (itens 16A e 16B):

ITEM 16A: (i) dão ao seu titular o direito sobre os ativos líquidos da entidade, numa base pro rata (considerando a participação conferida ao titular sobre o capital da entidade), na ocorrência de sua liquidação; (ii) são de uma classe de instrumentos que é subordinada a todas as demais classes, na ocorrência da liquidação da entidade (isto é, não têm prioridade sobre outras reivindicações sobre ativos líquidos e prescindem da sua conversão em outros instrumentos para serem julgados como de classe mais subordinada); (iii) integram uma classe mais subordinada de instrumentos, em que todos os instrumentos subordinados têm características idênticas (ex. todos são “puttables” e a fórmula para definição do preço de resgate ou de recompra é a mesma para todos os instrumentos dessa classe); (iv) não contêm, além da obrigação contratual de o emissor recomprar ou resgatar o instrumento por meio de caixa ou de outro ativo financeiro, qualquer obrigação contratual de entregar caixa ou outro ativo financeiro para outra entidade ou de permutar ativos ou passivo financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para entidade, tampouco qualificam-se como um contrato que será ou poderá ser liquidado por meio de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade, nas condições estabelecidas para qualificação de um passivo financeiro E (v) a eles é atribuído um fluxo de caixa total esperado, ao longo de sua vida, que está baseado substancialmente nos lucros ou nos prejuízos da entidade emissora, ou na alteração dos ativos líquidos reconhecidos pela entidade emissora ou na mudança de valor justo dos ativos líquidos reconhecidos e não reconhecidos pela entidade emissora ao longo da vida do instrumento (excluindo quaisquer efeitos do instrumento).

ITEM 16B: adicionalmente aos requisitos impostos pelo item 16A, para o instrumento “puttable” ser classificado como um item de PL, o emissor não pode ter outro instrumento financeiro ou contrato (i) cujo total de fluxos de caixa seja baseado substancialmente nos lucros ou nos prejuízos da entidade emissora, ou na alteração dos ativos líquidos reconhecidos pela entidade emissora ou na mudança de valor justo dos ativos líquidos reconhecidos e não reconhecidos pela entidade emissora ao longo da vida do instrumento (excluindo quaisquer efeitos do instrumento) e (ii) que tenha o efeito de substancialmente restringir ou fixar o retorno residual dos detentores do instrumento financeiro “puttable”.

1 O autor agradece as relevantes contribuições recebidas na elaboração deste artigo, em particular aos profissionais/acadêmicos da área do Direito: Roberto Quiroga Mosquera, Heron Charneski, Ramon Tomazela Santos e Daniel Azevedo Nocetti, que foram fundamentais para a elaboração da seção “Revisão de literatura jurídica para os IF compostos e contratos híbridos”.

2 Instrumento composto (IAS n. 32, §§ 28-32, AG30-AG35): Um instrumento composto é um instrumento financeiro não derivativo que contém elementos de passivo (liability) e de patrimônio líquido (equity).

3 O conceito de contrato híbrido deriva da definição de derivativo embutido (IFRS n. 9, § 4.3.1): derivativo embutido é um componente de contrato híbrido (hybrid contract) que inclui também um componente principal não derivativo (host contract), com o efeito de que parte dos fluxos de caixa do instrumento combinado varia de forma similar ao derivativo individual.

4 WATTS, Ross L.; ZIMMERMAN, Jerold L. Positive accounting theory. New Jersey: Prentice-Hall; Englewood Cliffs, 1986.

5 IFRS n. 9, § BC 4.2: “Consistently with all other financial assets, hybrid contracts with financial asset hosts are classified and measured in their entirety, thereby eliminating the complex and rule-based requirements in IAS 39 for embedded derivatives” (grifos adicionados).

6 BIFANO, E. P. O mercado financeiro e o imposto sobre a renda. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 326.

7 BIFANO, E. P. O mercado financeiro e o imposto sobre a renda. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 326.

8 MOSQUERA, R. Q.; PICONEZ, M. B. Tratamento tributário dos instrumentos financeiros híbridos. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2, p. 234.

9 MOSQUERA, R. Q.; PICONEZ, M. B. Tratamento tributário dos instrumentos financeiros híbridos. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2, p. 235-237.

10 MOSQUERA, R. Q.; PICONEZ, M. B. Tratamento tributário dos instrumentos financeiros híbridos. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2, p. 240.

11 LOPES, T. Instrumentos financeiros híbridos, compostos e derivativos embutidos: impactos fiscais da não regulamentação do tema pela MP n. 627/2013. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. v. 5, p. 393.

12 Muito provável que a autora tenha recebido influências common law pela sua formação acadêmica complementar, tendo mestrado e doutorado na área de contabilidade pela FEA/USP.

13 LOPES, T. Instrumentos financeiros híbridos, compostos e derivativos embutidos: impactos fiscais da não regulamentação do tema pela MP n. 627/2013. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. v. 5, p. 396.

14 LOPES, T. Instrumentos financeiros híbridos, compostos e derivativos embutidos: impactos fiscais da não regulamentação do tema pela MP n. 627/2013. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. v. 5, p. 405.

15 LOPES, T. Instrumentos financeiros híbridos, compostos e derivativos embutidos: impactos fiscais da não regulamentação do tema pela MP n. 627/2013. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. v. 5, p. 405.

16 LOPES, T. Instrumentos financeiros híbridos, compostos e derivativos embutidos: impactos fiscais da não regulamentação do tema pela MP n. 627/2013. In: MOSQUERA, R. Q.; LOPES, A. B. (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. v. 5, p. 411.

17 FONSECA, F. D. de M. Instrumentos financeiros híbridos: efeitos tributários após a Lei n. 12.973/2014. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, v. 236, 2015, p. 64-65.

18 FONSECA, F. D. de M. Instrumentos financeiros híbridos: efeitos tributários após a Lei n. 12.973/2014. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 236, 2015, p. 75.

19 CHARNESKI, H. Normas internacionais de contabilidade e Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 250.

20 As áreas técnicas da CVM, em ofício circular emitido para o encerramento de exercício social de 2012, já alertavam para o uso potencial desses instrumentos para o que denominaram “gerenciamento de estrutura de capital”. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Ofício Circular/CVM/SNC/SEP/n. 01/2013. Orientação quanto a aspectos relevantes a serem observados na elaboração das Demonstrações Contábeis para o exercício social encerrado em 31.12.2012. Disponível em: http://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/oficios-circulares/snc-sep/anexos/oc-snc-sep-0113.pdf. Acesso em: 22 jul. 2021.

21 CHARNESKI, H. Normas internacionais de contabilidade e Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 254.

22 SANTOS, R. T. Os instrumentos financeiros híbridos à luz dos acordos de bitributação: implicações fiscais para além do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 268.

23 SANTOS, R. T. Os instrumentos financeiros híbridos à luz dos acordos de bitributação: implicações fiscais para além do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 274.

24 SANTOS, R. T. A tributação internacional da Era Pós-BEPS: soluções globais e peculiares de países em desenvolvimento. In: GOMES, Marcus Lívio; SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Relatório geral e coerência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. I.

25 O autor, nas simulações desenvolvidas, levou em consideração a corrente jurídico-doutrinária que defende que, na ausência de previsão específica na legislação tributária, a Contabilidade deve servir como ponto de partida para fins de apuração de IRPJ e de CSLL.

26 CPC n. 39, § 20. “Exceto o indicado no item 22A, um contrato que será liquidado pela entidade por meio da entrega ou recebimento de número fixo de seus próprios instrumentos em troca de um montante fixo de caixa ou outro ativo financeiro, é um instrumento patrimonial”. Este dispositivo da norma é qualificado no meio profissional como a condição ou a regra do fixed-for-fixed.

27 A mensuração do risco de crédito é um desafio para os profissionais de contabilidade. É por natureza uma variável não observável no mercado, fato que conduz à mensuração ao valor justo para o nível hierárquico 3 (input não observável a ser construído). Modelos econométricos são recomendados. Os derivativos de crédito utilizados para mitigar risco de default da contraparte (credit default swap, total rate return on asset, credit linked-notes) podem servir como medida proxy para sua mensuração. Entretanto, no Brasil, muito embora haja regulamentação para esse tipo de instrumento (Resolução CMN n. 2.933/2002 e Circular Bacen n. 3.106/2002), o mercado não se desenvolveu. A esse respeito, vale ler os trabalhos de Bader (2002), Ishikawa et al. (2006) e Farhi (2009) relacionados nas referências.

28 Nos termos do CPC n. 39 (IAS n. 32), §§ 28-32, o item de passivo deve ser mensurado ao valor justo no reconhecimento inicial, sendo o item de PL mensurado por diferença – residualmente – do valor justo do IF composto como um todo. Nenhum ganho ou perda surge do reconhecimento inicial em separado dos itens que compõem o IF composto. Nos termos do CPC n. 46 (IFRS n. 13), § 42, o valor justo do passivo deve considerar o risco de não performance. O risco de crédito da entidade pode ser tomado como proxy para tal.

29 O componente dos juros ($ 22,74) decorre do desconto a valor presente dos fluxos anuais (5 anos) de cupom de $ 6 à taxa de 10% a.a.

Valor Justocupom = cupomano

(1 + 0,1)ano

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ano=1

5

. O componente do principal

($ 49,67) decorre do desconto a valor presente do valor de face da debênture de $ 80 à taxa de 10% a.a., considerando o seu resgate no 5º ano

Valor Justoprincipal = 80

(1 + 0,1)5

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. O componente do

PL ($ 7,58), que por hipótese se enquadra na regra da IAS n. 32 do fixed-for-fixed, é precificado residualmente; por diferença ($ 80,00 – $ 22,74 – $ 49,67).

30 Aqui há que se fazer uma ressalva. Há um conflito entre o que requer o CPC n. 08 (Custos de Transação e Prêmios na Emissão de Títulos e Valores Mobiliários) e o método dos juros efetivos do CPC n. 48. O CPC n. 08, em seu item 18A, requer que seja desenvolvido um driver de alocação dos custos transação que tome como base a proporção dos rendimentos distribuídos por cada componente do IF composto (“curva de amortização”). Vide exemplo ilustrativo n. 2 do CPC n. 08, uma jabuticaba nacional genuína.

31 IN RFB n. 1.700/2017, art. 145, inciso I: “os juros pagos antecipadamente, os descontos de títulos de crédito e o deságio concedido na colocação de debêntures ou títulos de crédito deverão ser apropriados, pro rata tempore, nos períodos de apuração a que competirem. (...) § 2º Considera-se como encargo associado a empréstimo aquele em que o tomador deve necessariamente incorrer para fins de obtenção dos recursos” (grifos adicionados).

32 FLORES, E. da S. Os efeitos do registro patrimonial de instrumentos financeiros híbridos: uma análise internacional. Tese (Doutorado em Ciências Contábeis) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 68-71.

33 FLORES, E. da S. Os efeitos do registro patrimonial de instrumentos financeiros híbridos: uma análise internacional. Tese (Doutorado em Ciências Contábeis) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 68.

34 HENDRICKSEN, H. S.; BREDA, M. V. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999, p. 428.

35 KIESO, D.; WEYGANDT, J. J.; WARFIELD, T. D. Intermediate accounting. Danver, MA: John Wiley & Sons, 2010, p. 1002.

36 HENDRICKSEN, H. S.; BREDA, M. V. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999, p. 437-441.