Ainda sobre Reflexos Tributários Decorrentes do Covid-19: Determinação da Residência Fiscal de Indivíduos em Home Office no Brasil

More about Tax Consequences Arising from Covid-19: Determining Tax Residence of Individuals in Home Office in Brazil

Victor Lyra Guimarães Luz

Mestrando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista (LL.M.) em Direito Tributário pelo Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa. Graduado em Direito pela Universidade Salvador – Unifacs.

Advogado. E-mail: victor.luz@marizadvogados.com.br.


Recebido em: 6-8-2021

Aprovado em: 4-10-2021


Resumo

A pandemia decorrente do Covid-19 modificou a forma como lidamos com diversas situações, inclusive em relação ao teletrabalho. Nesse sentido, o pre- sente trabalho avalia a determinação da residência fiscal de pessoas brasilei- ras que, residentes no exterior, vieram para o Brasil e passaram a aqui exer- cer suas atividades. Para tanto, analisou-se, primeiro, os elementos de cone- xão em Direito Tributário Internacional e a sua importância, especialmente para determinar o vínculo de um contribuinte com determinado Estado, em função da capacidade contributiva envolvida. Adiante, analisou-se o critério da residência como um critério pessoal, que se vincula ao aspecto pessoal do contribuinte para criar um vínculo entre o Estado e o contribuinte, a justifi- car a imposição da norma fiscal. A partir disso, mostrou-se todas as regras previstas na legislação brasileira para considerar um indivíduo como residen- te ou não residente no Brasil, tanto para brasileiros quanto para estrangeiros. Em seguida, analisou-se as regras para definição de residência previstas na convenção-modelo da OCDE, que estabelece as regras de desempate em caso de dupla residência. Ao final, analisou os dois casos propostos: (i) o primeiro, de um brasileiro residente na Inglaterra (país que não possui tratado com o Brasil para evitar a dupla tributação da renda), que veio para o Brasil no de- correr da pandemia do Covid-19 e não conseguiu retornar ao País; e (ii) o segundo, de um brasileiro residente em Portugal (país que possui tratado com o Brasil para evitar a dupla tributação da renda), que veio para o Brasil no decorrer da pandemia do Covid-19 e não conseguiu retornar ao País. No primeiro, considerou-se que, de acordo com as normas brasileiras de residên- cia, o brasileiro não possui intenção de permanecer no Brasil, não possuindo

residência fiscal pelos primeiros doze meses de sua estadia. No segundo caso, considerou-se que a Convenção Brasil-Portugal resolve a dupla residência para Portugal, a partir da aplicação da regra de desempate.

Palavras-chave: Imposto de Renda, elementos de conexão, capacidade contri- butiva, residência.


Abstract

The Covid-19 situation changed the way we deal with different situations, including home office. In this sense, the present work analyses the determi- nation of fiscal residence of Brazilian individuals who have residence abroad, however came to Brazil during the pandemic situation and in the country started to word at home. In order to do this, first, we analyzed International Tax Law and the importance of determining a connection with a country in order to impose taxation. After that, it was analyzed the residence as a crite- ria of connection, which is linked to the personal aspect of the taxpayer to create a link between the State and the taxpayer, to justify the imposition of taxation. From this on, all the rules provided for in Brazilian legislation were shown to consider an individual as a resident or non-resident in Brazil, both rules applicable for Brazilians and for foreigners. Then, the rules for the definition of residence provided for in the OECD model convention, which establishes the tiebreaker rules in case of double residence, were analyzed. In the end, we analyzed the two proposed cases: (i) the first, of a Brazilian resi- dent in England (a country that does not have a tax treaty with Brazil to avoid double taxation of income), who came to Brazil during the Covid-19 pandem- ic, and failed to return to the country; and (ii) the second, a Brazilian resident in Portugal (a country that has a treaty with Brazil to avoid double taxation of income), who came to Brazil during the Covid-19 pandemic and was unable to return to the country. In the first, it was considered that, according to the Brazilian rules of residence, the Brazilian has no intention of staying in Bra- zil, having no fiscal residence for the first twelve months of his stay in the country. In the second case, it was considered that the Brazil-Portugal Con- vention resolves double residence for Portugal, based on the application of the tiebreaker rule.

Keywords: Income Tax, connection criteria, ability to pay, residence.


  1. Introdução

    A pandemia decorrente do novo coronavírus (“Covid-19”) alterou significa- tivamente a vida dos seres humanos em geral, trazendo novas perspectivas sobre diversos quesitos, inclusive sobre a possibilidade de viver em um país e possuir vínculos empregatícios em outro.

    Com segurança, pode-se hoje dizer que o mundo como conhecemos não será o mesmo mundo em um cenário pós-pandemia: nossas relações sociais, eco- nômicas e até culturais serão bastante influenciadas por todos os pontos que a situação pandêmica fez o mundo enfrentar ao longo do último ano.

    Uma mudança que parece ser definitiva é o modo como encaramos o tele- trabalho (“home office”): foi demonstrado para os mais diversos empregadores a possibilidade do exercício à distância das suas profissões, sem impactos efetivos no desempenho dos empregados.

    Com efeito, o home office abre a possibilidade de exercício das profissões em País diverso da sede da empresa: muitos empregados puderam manter seu víncu- lo empregatício no País que residiam (ou residem), enquanto retornaram ao seu País de nacionalidade, seja para aproveitar um pouco do tempo com seus familia- res, seja para experimentar novamente a vida no seu país de origem.

    Nesse cenário, não foram poucas as pessoas que, com a autorização de seus empregadores, exerceram suas profissões no seu País de origem, graças à moda- lidade do home office. Na grande maioria das situações, contudo, este home office é temporário: na medida em que a situação retorne ao normal, é natural o retorno àqueles países.

    Contudo, para muitos que viajaram para seus países de origem, a pandemia do Covid-19 impossibilitou o retorno ao País de residência na data agendada: seja porque as autoridades sanitárias não aceitavam pessoas vindas do exterior; seja porque familiares passavam dificuldades, de modo que o retorno restou impossi- bilitado.

    Diante disso, como as regras de determinação de residência para fins fiscais possuem diversos critérios – critérios subjetivos, que buscam aferir a intenção de residência, e objetivos, que buscam aferir a quantidade de dias de permanência no País – para verificar se um indivíduo possui vínculo com aquele País e, por conta disso, manifesta capacidade contributiva sujeita à tributação, não raras são as situações que, decorrentes da pandemia do Covid-19, geram dúvidas quanto à aplicação das regras de determinação da residência fiscal em um dado País.

    Pode-se dizer, por isso, que a pandemia vem afetando a determinação da residência fiscal de diversos indivíduos, inclusive aqueles que exercem, na moda- lidade home office, emprego em outro País, quando antes exercia no Estado de residência.

    É nesse contexto que o presente artigo analisa a situação brasileira envolven- do as regras de residência, cujo objetivo é o de, ao final, aplicar as aludidas regras a dois casos: (i) o primeiro, de um brasileiro residente na Inglaterra (país que não possui tratado com o Brasil para evitar a dupla tributação da renda), que veio para o Brasil no decorrer da pandemia do Covid-19 e não conseguiu retornar ao País; e (ii) o segundo, de um brasileiro residente em Portugal (país que possui tratado com o Brasil para evitar a dupla tributação da renda), que veio para o Brasil no decorrer da pandemia do Covid-19 e não conseguiu retornar ao País.

    Para tanto, o presente artigo está dividido da seguinte forma: (i) primeira- mente (tópicos 2 e 3), analisaremos as regras de determinação de residência pre- vistas na legislação brasileira; (ii) em seguida (tópico 4), analisaremos o que a convenção-modelo da OCDE prevê em regime convencional, dado que a maioria

    das Convenções firmadas pelo Brasil seguem, neste tema em específico, o dispos- to na convenção-modelo, quando será também apresentada uma nota da OCDE em relação à aplicação dos tratados no contexto da Covid-19; e (iii) por fim (tópi- co 5), serão analisados os casos concretos. Ao final, apresentaremos as conclusões.


  2. A relevância dos elementos de conexão para fins do Imposto de Renda

    O estudo dos elementos de conexão para fins de tributação internacional é da mais alta relevância. Por meio da sua verificação, um Estado torna-se compe- tente para exigir um tributo, em virtude da existência de um vínculo com o siste- ma jurídico que assegure a efetividade da norma fiscal1.

    Conquanto haja quem, teoricamente, admita a possibilidade de um Estado exercer suas pretensões fiscais sem que haja qualquer vínculo com seu território, mas desde que haja um elemento de conexão entre a soberania fiscal e determi- nados fatos econômicos2, é costume de Direito Internacional que a soberania fis- cal encontra limites no que se denomina de princípio da territorialidade3. Na medi- da em que os Estados buscam avaliar a existência de uma situação suscetível de avaliação econômica, essa vinculação é também denominada de pertinência eco- nômica (economic allegiance) ou vínculo genuíno (genuine link)4, ficando afastada a possibilidade de tributação diante da ausência de uma conexão com o Estado tri- butante5-6.

    O princípio da territorialidade evoluiu de tal forma que, atualmente, não mais se fala em uma vinculação entre o território (em sentido estrito) e o indivíduo a autorizar o exercício da soberania fiscal7. Nesse sentido, o Direito Tributário Internacional reconhece atualmente dois tipos de elementos de conexão8: (i) a


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    1 MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. vol. 1, p. 345.

    2 ROTHMANN, Gerd Willi. Interpretação e aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação. São Paulo: IBDT, 2019, p. 23-24.

    3 SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e lei interna – investimento na Ilha da Ma- deira – efeitos da Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário n. 17. São Paulo: Dialética, 1997, p. 92.

    4 SCHÖN, Wolfgang. International tax coordination for a second-best world (Part I). World Tax Journal vol. 1, no. 1. Amsterdam: IBFD, 2009, p. 91.

    5 SCHOUERI, Luís Eduardo. Princípios no direito tributário internacional: territorialidade, fonte e universalidade. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quar- tier Latin, 2005, p. 336.

    6 SCHÖN, Wolfgang. International tax coordination for a second-best world (Part I). World Tax Journal vol. 1, no. 1. Amsterdam: IBFD, 2009, p. 90.

    7 SCHOUERI, Luís Eduardo. Princípios no direito tributário internacional: territorialidade, fonte e universalidade. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quar- tier Latin, 2005, p. 336.

    8 MASON, Ruth. Citizenship taxation. Southern California Law Review vol. 89:169. Califórnia, 2018, p. 177-178.

    territorialidade pessoal, que autoriza a imposição de tributos sobre rendas auferi- das em escala mundial (universalidade) mediante o estabelecimento de vínculo pessoal entre o indivíduo e o Estado; e (ii) a territorialidade real, que autoriza a imposição de tributos mediante o estabelecimento de um vínculo entre uma situa- ção e o Estado.

    Diante disso, as duas facetas de territorialidade citadas acima fizeram surgir ao longo dos anos elementos de conexão dos mais diversos, como residência, na- cionalidade, local de sede da empresa, fonte de produção ou fonte de pagamento, dentre outros (endereçados a seguir como sendo “residência” ou “fonte”).

    Além de ser costume internacional, o princípio da territorialidade – como o que busca alcançar uma vinculação entre o Estado e uma situação para autorizar o exercício da soberania fiscal – ainda encontra suporte na capacidade contribu- tiva. Sim, pois, em sendo esta uma justificação para a imposição de impostos (positivada, no Brasil, pelo art. 145, § 1º, da Constituição Federal), por meio da territorialidade um Estado chamará quem possui alguma vinculação com o seu território a contribuir com as despesas gerais do Estado, em concretização ao princípio da igualdade9-10.

    Por isso, no ordenamento brasileiro, por ocasião da discriminação de com- petências tributárias, o legislador constituinte elegeu materialidades que, uma vez ocorridas, representam manifestações de capacidade contributiva dos contri- buintes. Especificamente sobre o imposto de renda, e considerando a definição do fato gerador contida no artigo 43 do Código Tributário Nacional, a capacida- de contributiva a ser alcançada pelo tributo é representada pela aquisição da disponibilidade de renda e proventos de qualquer natureza (“renda”).

    Assim, confrontando os elementos de conexão com a lei brasileira, pode-se dizer que fonte e residência são índices (proxy) de capacidade contributiva que indicam ao intérprete da norma quando há aquisição de disponibilidade de ren- da ou, em outras palavras, quando um contribuinte incorreu no fato gerador do imposto de renda.

    É bem verdade que as regras de fonte podem encontrar óbices em sua ado- ção quando do confronto com a capacidade contributiva, especialmente porque aos Estados não seria possível mensurar a renda efetivamente auferida (confronto entre receitas e despesas – acréscimo patrimonial) pelos contribuintes, razão pela qual há aqueles que demonstram sua incoerência com o nosso ordenamento, es- pecialmente em decorrência do princípio da universalidade, previsto na Consti- tuição Federal11. Contudo, não é este o local para se discutir a inconstitucionali-


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    9 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 432.

    10 FERRAZ, Roberto. Igualdade na tributação – qual o critério que legitima discriminações em matéria fiscal? In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 477.

    11 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: IBDT, 2020. vol. I, p. 343.

    dade da adoção do critério da fonte na legislação brasileira, mas apenas para destacar a intenção de, por meio das regras de fonte, alcançar uma manifestação de capacidade contributiva.

    Avançando, na hipótese em que o contribuinte seja um residente no Brasil, este deverá oferecer à tributação toda a renda auferida mundialmente, como ocorre em geral com os demais países12 (critério da residência). Por outro lado, na hipótese em que se trate de um não residente, a norma fiscal incidirá apenas quando houver fonte de produção e/ou de pagamento de uma renda no Brasil (critério da fonte).

    Isso significa que a lei brasileira, para alcançar a capacidade contributiva manifestada em relação ao imposto de renda, optou por realizar a seguinte dife- renciação: pelo critério da residência, toda a renda auferida no mundo será tribu- tada, deduzidos todos os custos e despesas incorridos; por outro lado, em se tra- tando de não residente, o critério da fonte se limita aos fatos que o não residente realiza no território brasileiro e que impliquem manifestação de capacidade con- tributiva, qual seja, renda auferida, que será sujeita à modalidade de tributação isolada que admite a tributação do rendimento bruto em função de suas especifi- cidades13-14.

    Vale dizer que, nos dias atuais, diante das mudanças econômicas e modifi- cações decorrentes da globalização, já se fala em erosão dos conceitos de fonte e resi- dência15, tendo tais elementos se mostrado insuficientes para captar as grandezas aptas à tributação, especialmente diante da economia digital, razão pela qual al- guns pregam por sua reformulação16. Contudo, analisar a mudança destes crité- rios não é o objeto deste trabalho.

    Pretende-se, por outro lado, avaliar as regras de residência estabelecidas pelo Direito brasileiro e como estas impactam a análise de casos concretos, a exemplo dos casos decorrentes da pandemia do Covid-19. Dito isso, para os fins deste trabalho, a questão que se coloca é: qual é, ou quais são, os critérios adota-


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    12 VOGEL, Klaus. Worldwide vs. source taxation of income – a review and re-evaluation of argu- ments. Intertax vol. 16, Issue 8. Netherlands: Wolters Kluwer, 1988, p. 218.

    13 MOREIRA FILHO, Aristóteles. A aplicação do princípio da territorialidade fiscal e o conceito de fonte na tributação da renda auferida pelo não-residente, no Brasil, a partir de operações de transferência de tecnologia. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2008. vol. V, p. 234.

    14 SANTOS, Ramon Tomazela. A realização da renda no direito tributário brasileiros – reflexões à luz do direito comparado. In: ZILVETI, Fernando Aurelio; FAJERZTAJN, Bruno; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (coord.). Direito tributário: princípio da realização no imposto sobre a renda – estudos em homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira. São Paulo: IBDT, 2019, p. 217.

    15 SCHÖN, Wolfgang. International tax coordination for a second-best world (Part I). World Tax Journal vol. 1, no. 1. Amsterdam: IBFD, 2009, p. 19. Disponível em: https://research.ibfd.org/#/ doc?url=/collections/wtj/html/wtj_2009_01_int_2.html. Acesso em: 28 set. 2021.

    16 CUI, Wei. Minimalism about residence and source. Michigan Journal of International Law vol. 32, Issue 2. Michigan, 2017, p. 245-269.

    dos pela lei brasileira para a caracterização de um residente no Brasil? Veremos isto no tópico seguinte.


  3. Caracterização dos residentes e dos não residentes no Brasil

    O glossário do International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD) define re- sidência como uma referência a um status legal de uma pessoa relacionado com um país, para justificar a sujeição do indivíduo à tributação segundo a sua renda universal. Considera, em geral, que o status em questão é determinado com fun- damento nos fatos e circunstâncias relacionados ao grau de vínculo pessoal com o referido País, a exemplo do número de dias e existência de outros vínculos pes- soais ou econômicos com aquele Estado17.

    Com base nisso, pode-se dizer que o conceito de residência fiscal não é úni- co, mas construído por cada sistema jurídico para, fiando-se na pessoa do contri- buinte18, identificar o vínculo do fato jurídico tributário com o referido Estado. É, portanto, um dos vínculos da territorialidade em sentido pessoal19, que aponta a existência de uma relação econômica no âmbito daquele Estado para o gozo de bens, participação em atos ou também fatos de conteúdo econômico20. Tal relação econômica, identificada a partir da residência, é a que permite que o Estado, vi- sualizando capacidade contributiva, imponha a tributação.

    Como vimos acima, a caracterização de um residente ou um não residente é de suma importância para fins fiscais: em se tratando de residente no Brasil, toda renda auferida pelo contribuinte deve ser oferecida à tributação, independente- mente da localização do rendimento (sem que isto implique uma tributação extra- territorial vedada pelos ordenamentos)21; por outro lado, o não residente somente será tributado no Brasil em relação às rendas que possuam alguma conexão com o País, qual seja, fonte de produção e/ou pagamento.


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    17 “Residence refers to a person’s legal status in relation to a particular country such as in general to justify subjecting that person to taxation on their worldwide income. In the case of individuals such status is generally determined on the basis of facts and circumstances, in particular by refe- rence to the degree of personal attachment with the country concerned, e.g. the number of days spent in the country, the existence of personal or economic ties with the country, etc.”

    18 MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. vol. 1, p. 347.

    19 SCHOUERI, Luís Eduardo. Princípios no direito tributário internacional: territorialidade, fonte e universalidade. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quar- tier Latin, 2005, p. 327.

    20 SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e lei interna – investimento na Ilha da Ma- deira – efeitos da Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário n. 17. São Paulo: Dialética, 1997, p. 335.

    21 SCHOUERI, Luís Eduardo. Regras de residência fiscal da pessoa física no direito comparado e no direito brasileiro. Revista Tributária das Américas vol. 5/2012. Thomsom Reuters, 2012, p. 8 (revista online). Disponível em: https://schoueri.com.br/wp-content/uploads/2020/10/LES-Regras- de-reside%CC%82ncia-fiscal-da-pessoa-fi%CC%81sica-no-direito.pdf. Acesso em: 03 out. 2021.

    Diante do tema proposto neste trabalho, da maior relevância verificarmos os critérios utilizados pela lei brasileira para identificar um residente no Brasil.

    Para a construção do conceito, diversos elementos podem ser utilizados como índices de residência. Diante disso, pode-se falar que, no nosso ordenamen- to, existem os (i) critérios subjetivos e os (ii) critérios objetivos na determinação da residência fiscal22. Vejamos o tema com maior profundidade.


      1. Critérios subjetivos na caracterização do status de residente

        O critério subjetivo na determinação da residência fiscal vai muito além da simples permanência, em um dado País, por um período de tempo. De uma ma- neira geral, o critério subjetivo baseia a determinação da residência fiscal em elementos intencionais, valendo-se do ânimo definitivo de permanência ou no cen- tro vital de interesses23. Estes, portanto, são os fatos e circunstâncias que se vale o critério subjetivo para aferir a residência fiscal em determinado Estado, devendo ser utilizado na interpretação das normas de determinação de residência.

        Daí pode ser dito que, segundo o critério subjetivo, a aquisição (ou perda) da residência resulta da conjugação de (i) permanência (ou não) num local e (ii) da intenção (ou não) de ser residente naquele País24. O critério, portanto, parece derivar da própria noção de residência.

        No caso brasileiro, em primeiro lugar, importante ser dito que as normas prescritas no art. 127 do CTN e no art. 171 do Decreto-lei n. 5.844, de 23 de no- vembro de 1943, não se aplicam na definição da residência para fins de determi- nação da incidência do imposto de renda. Tais regras tratam, em verdade, do domicílio fiscal dentro do território nacional25, que não têm a ver com o recorte a ser dado em relação às regras de residência do imposto de renda.

        O legislador não foi tão claro ao estabelecer o critério subjetivo (ânimo) no Direito brasileiro. A interpretação das normas, no entanto, não pode olvidar da própria noção de residência, entendida como o estabelecimento e permanência em um país com ânimo definitivo, que pode ser visualizada a partir de determi- nados elementos (fatos e circunstâncias).


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        22 MIRANDA FILHO, Aloysio Meirelles de; DANILOVIC, Adriane Cristina Spicciati Pacheco. Do- micílio e residência da pessoa física. Caracterização e manutenção da condição de não residente no Brasil para efeito do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Revista de Direito Tributário Internacional vol. 17 (ano 7). São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 69-70.

        23 SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e lei interna – investimento na Ilha da Ma- deira – efeitos da Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário n. 17. São Paulo: Dialética, 1997, p. 158.

        24 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 253.

        25 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008,

        p. 483; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 252.

        Necessário mencionar que estes fatos e circunstâncias não foram bem estabe- lecidos pelo legislador tributário. Schoueri26 lembra que, diferentemente de ou- tros países em que as manifestações jurisprudenciais ou da própria Administra- ção Tributária ajudaram a interpretar o que seria o ânimo definitivo, não há no Brasil precedentes que ajudem a interpretar o significado desta expressão.

        Uma primeira norma que merece análise é aquela prescrita no art. 17 da Lei

        n. 3.470, de 28 de novembro de 195827, que trata da situação em que um residen- te no Brasil se retira do país em caráter definitivo, tornando-se, em virtude deste ato, um não residente. A interpretação da retirada em caráter definitivo como crité- rio de perda da residência decorre da conjugação do caput e do § 3º do dispositi- vo em questão, eis que o § 3º atribui a estes a tributação na fonte, que é modalida- de aplicável aos não residentes. Portanto, o residente que se retirar do Brasil em caráter definitivo perde a residência fiscal no País.

        Assim, o caráter definitivo previsto na norma está relacionado à própria no- ção de residência: na medida em que o residente não mais se estabelece no País e não possui o ânimo para tanto, a retirada em caráter definitivo do território na- cional corresponde à perda de residência, no Brasil, para fins fiscais. A expressão “em caráter definitivo”, portanto, é a retirada sem o ânimo de fixar residência no Brasil, ou seja, de estabelecer-se e permanecer no País.

        O Decreto-lei n. 5.844 (art. 61) trata sobre a aquisição de residência no País. Ao versar sobre o tema, dispõe que as pessoas que transferirem residência para o território nacional passarão a ser tributadas como residentes ou domiciliados no País, não tendo o legislador, desta vez, utilizado a expressão caráter definitivo, mas apenas mencionado a transferência de residência para o Brasil como critério relevante para a tributação. A interpretação da norma, porém, não pode olvidar da noção de residência, podendo ser dito que a “transferência de residência” ocorrerá diante do ânimo em fixar residência no Brasil (estabelecer-se e permanecer no País).

        Em relação aos não residentes que ingressem no País com visto temporário sem vínculo empregatício, por força do disposto no art. 12, inciso I, “b”, da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998, a transferência de residência para o território nacional somente ocorre após a permanência no País por mais de 183 dias. Neste


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        26 SCHOUERI, Luís Eduardo. Regras de residência fiscal da pessoa física no direito comparado e no direito brasileiro. Revista Tributária das Américas vol. 5/2012. Thomsom Reuters, 2012, p. 13 (revista online). Disponível em: https://schoueri.com.br/wp-content/uploads/2020/10/LES-Regras- de-reside%CC%82ncia-fiscal-da-pessoa-fi%CC%81sica-no-direito.pdf. Acesso em: 03 out. 2021.

        27 “Art 17. Os residentes eu domiciliados no Brasil que se retirarem em caráter definitivo do territó- rio nacional no correr de um exercício financeiro, além do imposto calculado na declaração correspondente aos rendimentos do ano civil imediatamente anterior, ficam sujeitos à apresenta- ção imediata da nova declaração dos rendimentos do período de 1 de janeiro até a data em que for requerida às repartições do imposto de renda a certidão para visto no passaporte, ficando, ainda, obrigados ao pagamento, no ato da entrega dessa declaração, do imposto que nela for apurado.”

        dispositivo, portanto, o legislador optou por mesclar os critérios objetivo e subje- tivo, mas vale dizer que a verificação da transferência de residência que preconiza o art 61 do Decreto-lei n. 5.844 somente se perfectibiliza, para os que ingressa- rem no país com visto temporário sem vínculo empregatício, após a permanência, em território nacional, por mais de 183 dias.

        Até aqui, portanto, temos o seguinte:

        1. Por força do conceito de residência, toda norma fiscal que verse sobre a residência deve ser interpretada considerando o estabelecimento e o âni- mo de permanência do indivíduo em território nacional;

        2. Ao tratar sobre a perda de residência, a Lei n. 3.470 estabelece o critério do caráter definitivo. Perde, portanto, o status de residente fiscal aquele que se re- tirar do Brasil em caráter definitivo, ou seja, que se retirar do Brasil e não tenha mais o ânimo de fixar residência (se estabelecer e permanecer) no País; e

        3. Ao tratar sobre a aquisição de residência, o Decreto-lei n. 5.844 não menciona o critério do caráter definitivo, tratando apenas da transferência de residência para o Brasil. A melhor interpretação, contudo, é a que con- sidere justamente a noção de residência.

          Além do conteúdo normativo, este tópico revela-se importante por outro motivo: por mais que a tributação do imposto de renda independa do elemento volitivo de quem aufere renda, a determinação de quem seja residente ou não, como bem mostra o critério subjetivo, pode depender da vontade do sujeito de se fixar em determinado País. Portanto, o elemento volitivo apresenta-se importan- te nessas situações, não podendo ser dispensado totalmente no contexto da inci- dência das regras do imposto de renda no Brasil.

          Vejamos a seguir os critérios objetivos que se valeu o legislador tributário para fixação da residência fiscal no País.


      2. Critérios objetivos na caracterização do status de residente

        Diferentemente do critério subjetivo, os critérios objetivos não pretendem avaliar, subjetivamente, o ânimo de permanência ou existência de centro vital de interesses ou laços duradouros em território nacional. Estes critérios, elaborados a partir da previsão de uma quantidade de dias ou meses28, presumem a residência a partir da previsão de critérios que, se ocorridos, implicam que o estabelecimen- to e ânimo de permanência no País resta caracterizado.

        A análise do caso brasileiro deve começar pelo art. 97 do Decreto-lei n. 5.844. Segundo o dispositivo, constante na Seção III do Título II do diploma normativo, são tributados conforme não residentes: (i) as pessoas físicas ou jurídi-



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        28 SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e lei interna – investimento na Ilha da Ma- deira – efeitos da Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário n. 17. São Paulo: Dialética, 1997, p. 157.

        cas residentes ou domiciliadas no exterior; (ii) os residentes no país que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses, salvo determinadas situações; e (iii) os residentes no exterior que permanecerem em território nacional por menos de doze meses. Em função do escopo, não analisaremos a previsão do item (i).

        Sobre o item (ii), o indivíduo residente no Brasil que permanecer no exterior por mais de doze meses perderá o status de residente fiscal no Brasil, por força da combinação deste dispositivo com o art. 17 da Lei n. 3.470. Note o seguinte: não é porque o dispositivo menciona “residentes no País” que as pessoas que passarem doze meses continuarão residentes no exterior. Parece-nos que a melhor interpre- tação é a de que o legislador quis deixar claro que os residentes no País perdem o caráter de residentes a partir do momento em que passarem mais de doze meses no exterior.

        Conjugando o critério subjetivo e objetivo quanto à perda de residência, te- mos o seguinte: (1) aqueles que deixarem o País em caráter definitivo perdem a residência imediatamente (critério subjetivo); (2) aqueles que deixarem o País, mas ainda possuam o interesse e ânimo de retorno para manter a residência no País (saída em caráter não definitivo), perdem a residência quando passarem mais de doze meses no exterior (critério objetivo).

        Em relação ao item (iii), os residentes no exterior continuarão com o status de não residente – e serão assim tributados – caso permaneçam no País por me- nos de doze meses. A contrario sensu, caso permaneçam no País por doze meses, serão considerados residentes no País.

        Ocorre que, em relação aos não residentes, o legislador deu um passo adian- te na determinação das regras de estabelecimento de residência. Nesse sentido, por meio do art. 12 da Lei n. 9.718, novas regras foram introduzidas no ordena- mento jurídico em relação à aquisição de residência pelo não residente, denomi- nadas por Alberto Xavier29 de regras que se situam no meio do caminho entre uma noção meramente objetiva e a noção subjetiva (critérios mistos, portanto, mas que não iremos analisar em item apartado). Portanto, por meio destas regras, o legislador exige a presença da permanência e do ânimo de fixação de residência, para a aquisição do status de residente fiscal.

        De acordo com o referido dispositivo, para os não residentes que ingressem no Brasil com visto temporário ou permanente, deve-se observar o seguinte (art. 12 da Lei n. 9.718):

        1. Não residentes que ingressem com visto temporário (inciso I):

          1. Com vínculo empregatício, adquirem status de residente no Brasil, e devem oferecer todos os rendimentos à tributação, a partir da data de chegada em território nacional; e



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            29 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 255.

          2. Caso não haja vínculo empregatício, adquirem status de residente caso permaneçam no Brasil por período superior a cento e oitenta e três dias, consecutivos ou não, dentro de um período de doze meses. Neste caso, o número de dias em território nacional tem o condão de presumir (presunção relativa) a aquisição de residência no País, de modo que a partir do 184º dia o contribuinte deve ofe- recer a renda à tributação;

        2. Não residentes que ingressem com visto permanente adquirem status de residente fiscal no Brasil, e devem aqui oferecer todos os rendimen- tos à tributação, a partir da data de chegada no País (inciso II).

        Importante mencionar que o visto é o documento que dá ao seu titular a expectativa de ingresso em território nacional (art. 6º da Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017).

        Até a promulgação da Lei n. 13.445, tinha-se no Brasil os vistos denomina- dos como “temporários e permanentes”, tendo a lei em comento, revogando a Lei

        n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, extinguido do nosso ordenamento o chamado “visto permanente”. Por outro lado, a partir da Lei n. 13.445, tem-se diversos outros tipos de “visto”, além da denominada “autorização de residência”, modali- dade aplicada ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadrem nas hipó- teses prescritas no art. 30 da lei em questão.

        Assim, diante de sua revogação, parece-nos que a interpretação correta é de que a hipótese legal prescrita no inciso II do art. 12, que trazia no seu anteceden- te o “visto permanente” como requisito para estabelecimento de residência, não é mais aplicável.

        De fato, não havendo mais vigência do visto permanente no ordenamento brasileiro, não parece correto estender as hipóteses legais do “visto permanente” a qualquer outro tipo de visto ou também à autorização de residência sem uma nova manifestação expressa pelo legislador tributário, já que portar a autorização de residência não implica que o ingresso no Brasil representará o momento em que o não residente passará a aqui residir. Tal presunção somente pode ser feita pelo legislador tributário, nunca pelo intérprete da norma.

        Assim, tendo em vista que o legislador tributário se valeu de um instituto de outro ramo do Direito na determinação do aspecto pessoal do imposto, uma vez que tal instituto não mais existe em nosso ordenamento, a interpretação que nos parece correta é a de que a norma que leva no seu antecedente um instituto já revogado também foi, por coerência, revogada de forma tácita.

        Portanto, as hipóteses concernentes ao visto permanente, ainda veiculadas pela Lei n. 9.718, não devem mais ser consideradas na determinação da residên- cia fiscal para fins de tributação do imposto de renda.

        Seguindo, para os não residentes que ingressem no Brasil sem visto tempo- rário – por exemplo, o caso de brasileiros não residentes –, as regras da Lei n.

        9.718 não são aplicáveis, já que o antecedente da norma pressupõe que o indiví- duo precisa portar o documento que o conceda expectativa de ingresso em terri- tório nacional (visto). Não sendo o caso para os brasileiros, a norma prescrita no inciso I do art. 12 não é aplicável.

        Por isso, há quem sustente que o status de residente fiscal de um brasileiro decorre exclusivamente do critério subjetivo30. Assim, um brasileiro não residente apenas adquiriria o status de residente fiscal na medida em que fixasse residência no Brasil, de acordo com os elementos do critério subjetivo.

        Porém, acreditamos que existe sim, no ordenamento jurídico, um critério objetivo para os brasileiros não residentes, conforme o item (iii) que analisamos ao tratar do art. 97 do Decreto-lei n. 5.844. Para relembrar, trata-se da situação em que o aludido diploma legal fixou critério de aquisição da residência somente após a permanência, no Brasil, por doze meses. Na norma em questão, o legisla- dor não distinguiu brasileiros ou estrangeiros, mas tratou de uma categoria am- pla: residentes no exterior.

        Assim, entendemos que o critério subjetivo é aplicável até o momento em que o critério objetivo ainda não entrou em cena; aplicável este, por outro lado, o critério subjetivo dá lugar ao critério objetivo, o que significa que os doze meses presumem fixação de residência.

        Portanto, se o ingresso no País de um brasileiro não residente ocorreu sem a intenção de estabelecer residência no Brasil, antes de completados doze meses, o nacional não residente (ou qualquer outro não residente que tenha ingressado sem visto temporário) continua sendo tributado como não residente (fonte de produção e pagamento). Por outro lado, se este aqui permanecer, a partir do 12º mês de permanência adquirirá o status de residente fiscal no Brasil.

        A lei tributária ainda trata sobre a perda de residência em função da saída para jurisdições classificadas como paraísos fiscais ou país que conferem regime fiscal privilegiado, conforme previsões da Lei n. 12.249, de 11 de julho de 2010. Não entraremos em detalhes sobre o tema.

        Vistas as regras previstas nas Leis sobre a aquisição ou perda do status de residente para fins fiscais, cabe a seguir fazer um breve sumário sobre os critérios objetivos e subjetivos relacionados à residência, para fins fiscais, no Brasil.


      3. Sumário dos critérios subjetivo e objetivo na caracterização do status de residente fiscal no Brasil

        Considerando tudo o que foi analisado acima, pode-se fazer o seguinte su- mário quanto aos critérios utilizados pelo legislador na caracterização do status de residente fiscal:


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        30 SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e lei interna – investimento na Ilha da Ma- deira – efeitos da Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário n. 17. São Paulo: Dialética, 1997, p. 163.

        1. Se um residente no Brasil se retira em caráter definitivo do território nacional, a partir da data da saída do País, perderá o status de residen- te no Brasil, passando a ser tributado conforme as regras aplicáveis aos não residentes;

        2. Se um residente no Brasil se retira em caráter não definitivo, perderá o status de residente no Brasil, e passará a ser tributado conforme as regras aplicáveis aos não residentes a partir do décimo terceiro mês de sua saída;

        3. Se um residente no exterior, que não possua visto temporário, ingressa no Brasil sem ânimo de permanência (caráter definitivo), mas aqui per- manece por mais de doze meses, adquire o status de residente a partir do 12º mês da permanência no País;

        4. Se um residente no exterior ingressa no Brasil com vínculo empregatí- cio, seja com visto temporário ou permanente, adquire o status de resi- dente fiscal, passando a ser tributado conforme os residentes no Brasil a partir da data de sua chegada no País; e

        5. Se um residente no exterior ingressa no Brasil com visto temporário e sem vínculo empregatício, independentemente da razão para o ingres- so no País, adquire o status de residente fiscal caso passe, no Brasil, mais de 183 dias. Os 183 dias, por sua vez, devem ser aferidos dentro de um período de doze meses, que não se confunde com o ano civil, e serão contados de forma consecutiva ou não.

        Não consideramos acima a situação do visto permanente, em decorrência de sua extinção pela Lei n. 13.445, como já comentado.

        Ainda, não há prevalência na aplicação dos critérios subjetivo e objetivo. Isso significa, portanto, que como o critério objetivo é aferido a partir da verificação de permanência por um período de tempo, este é aplicado sempre que a objetivi- dade descrita na norma seja aferida. Por outro lado, a existência de critérios ob- jetivos não retira a importância do critério subjetivo, uma vez existir plena possi- bilidade de o residente retirar-se em caráter definitivo, sem intenção de ser resi- dente no Brasil, ou ingressar em território nacional em caráter definitivo. Portan- to, cada critério tem sua importância de acordo com o contexto em que é aplicado. Vistas todas as regras previstas nas Leis, cabe a seguir verificar o que o

        RIR/2018 e os normativos emitidos pela Receita Federal dispõem sobre o tema.


      4. Critérios para a determinação da residência fiscal no Brasil – regras do RIR/2018 e da Receita Federal

        1. Regulamento do Imposto de Renda – RIR/2018

          O Regulamento do Imposto de Renda prevê as regras de residência fiscal nas seções V e VI do Capítulo II (Disposições Especiais), do Livro I (Da tributação das Pessoas Físicas).

          A Seção V (Da transferência de residência para o exterior) é dividida em duas subseções. Na primeira Subseção (Da saída do País em caráter definitivo), o art. 14 replica as normas da Lei n. 3.470, que tratam do critério subjetivo para fins de determinação da perda do status de residente fiscal no Brasil. Assim, tudo o que mencionamos acima sobre as disposições da Lei n. 3.470 aplicam-se aqui, somada a uma disposição específica sobre a Declaração de Saída Definitiva. Na segunda subseção, o art. 15 trata das pessoas que saíram do Brasil a serviço do País e que, por esta característica, não perdem o status de residente fiscal no Brasil.

          A Seção VI (Da transferência de residência para o País) é dividida em três subseções. Na primeira subseção, o art. 16 trata das regras aplicáveis aos que in- gressam no País com visto permanente, que vimos que adquire o status de resi- dente fiscal no Brasil a partir da data de chegada no Brasil. Na subseção II, o art. 17 trata das regras aplicáveis aos que ingressam no País com visto temporário, com a divisão entre os que possuem vínculo empregatício e os que não possuem vínculo empregatício.

          Também não há, aqui, qualquer mudança no RIR/2018 em relação às dispo- sições da Lei – como é de se esperar, por sua natureza de Decreto. Na terceira subseção, o art. 18 trata sobre os casos em que haja, dentro de mesmo ano-calen- dário, aquisição e perda da residência fiscal no Brasil, quando se prevê a aplica- ção das regras do art. 14, visto acima. Este dispositivo não indica a base legal, mas pode-se dizer que decorre, perfeitamente, de uma interpretação de tudo o que dissemos até aqui.

          Não foram visualizadas, portanto, ilegalidades no Regulamento do Imposto de Renda.


        2. Normativo da Receita Federal – Instrução Normativa SRF n. 208/2002

    A Receita Federal prevê as normas sobre residência fiscal para fins de tribu- tação do imposto de renda na Instrução Normativa SRF n. 208, de 27 de setem- bro de 2002, que já foi alterada por diversos outros normativos expedidos pela Administração Tributária. As regras que estabelecem o conceito de residentes e não residentes no Brasil estão previstas nos arts. 2º a 4º da aludida Instrução Normativa.

    O art. 2º prevê quem é considerado residente no Brasil.

    Logo no inciso I, deparamo-nos com uma disposição aparentemente inova- dora: considera-se residente no Brasil a pessoa física que resida no Brasil em cará- ter permanente. Em que pese não haver, em qualquer disposição legal, a expressão “caráter permanente”, entendemos que não se pode considerá-la ilegal. É que, como o próprio conceito de residência implica o estabelecimento no Brasil com a intenção de permanência (o que pode, inclusive, ser extraído da Lei n. 3.470 quando versa sobre o caráter definitivo), pode-se dizer que a Instrução normativa não é ilegal, mas apenas traz uma expressão com nomenclatura distinta.

    O inciso II do art. 2º prevê a situação dos que estão ausentes no exterior para prestar serviços ao Governo brasileiro.

    O inciso III trata da situação dos que ingressam no País com visto perma- nente ou temporário. Assim, é dividido em duas alíneas (“a” e “b”), que estão de acordo com o que previsto na Lei.

    O inciso IV trata da situação do brasileiro que, após adquirir a condição de não residente, retorne ao País com ânimo definitivo de permanência. Neste caso, o dispositivo considera que, caso o brasileiro ingresse com o referido ânimo, ad- quirirá o status de residente fiscal na data da chegada no País.

    Por fim, o inciso V trata da tributação, durante os doze primeiros meses, do brasileiro que se ausente do País sem apresentação da comunicação de saída defi- nitiva.

    O art. 3º, por sua vez, prevê quem é considerado não residente no Brasil.

    O inciso I estabelece o caso da pessoa física que não resida no Brasil em ca- ráter permanente, utilizando o mesmo conteúdo do inciso I do art. 2º. Sem maio- res novidades aqui, portanto.

    O inciso II trata do caso em que o residente perde o status de residência fis- cal pela retirada, em caráter permanente, do território nacional. Vimos, sobre a perda da residência, que a Lei prevê a retirada em caráter definitivo como crité- rio para tanto. Não obstante, mencionamos também que o tal “caráter definitivo” pode também ser entendido como caráter permanente”, em vista do próprio con- ceito de residência.

    O inciso III trata do caso do indivíduo que, trabalhando para um governo estrangeiro, ingressou no País, mas não adquire a condição de residente fiscal.

    O inciso IV trata dos casos do não residente que ingresse no País com visto temporário. Não há mudanças em relação ao regime legal.

    Por fim, no inciso V, trata-se do caso em que um não residente perca o status de residente fiscal, em função de ter se ausentado do País em caráter temporário (ou seja, não definitivo), e permaneça no exterior até completar período de doze meses. A regra está, também, de acordo com o que previsto na Lei que versa sobre o tema.

    Diante da análise dos dispositivos do Regulamento do Imposto de Renda e da Instrução Normativa n. 208, vemos que, como é de se esperar, não há altera- ções de conteúdo nos referidos normativos em comparação à previsão das Leis que versam sobre o tema. Com efeito, pode-se ver, no normativo da Receita Fede- ral, um texto mais organizado e que se mostra simples e objetivo para tratar do tema.

    A partir disso, no tópico seguinte serão analisadas as dificuldades de aplica- ção das regras em função de situações nascidas na pandemia do Covid-19, quan- do analisaremos as situações que propusemos neste trabalho.

  4. Regime da residência em matéria de tratados para evitar a dupla tributação

    1. Previsões da convenção-modelo da OCDE

      No regime das convenções31 para evitar a dupla tributação, pode-se dizer que o Brasil seguiu muito de perto o tema da residência fiscal dos indivíduos em relação ao que disposto na convenção-modelo da OCDE32.

      De forma bastante breve, vale dizer que as convenções firmadas pelo Brasil com o objetivo de evitar a dupla tributação da renda não têm o objetivo de confe- rir competência a nenhum Estado para o exercício da tributação. Sua função é somente moldar a competência dos Países, atuando sobre a legislação interna para dispor até onde, ou a partir de onde, a exigência fiscal pode ir.

      Com base nisso, Schoueri33 costuma apontar a feliz alegoria de Klaus Vogel: os tratados internacionais atuam como uma máscara sobre a legislação interna, de modo que somente a parte da máscara que ficar visível após analisado o trata- do é que poderá ser objeto de exercício da competência.

      Nesse cenário, o nascimento de uma obrigação tributária somente pode ocorrer a partir da cumulação (i) da existência de uma norma interna que prevê a incidência do tributo e (ii) da ausência de acordo de bitributação que exclua a tributação.

      Pela similaridade dos textos dos Tratados firmados pelo Brasil com a Con- venção-Modelo, valem algumas observações sobre esta.


      1. Art. 4º – residência

        O art. 4º é o que versa sobre o que se considera “Residente” em determinado Estado, tendo por escopo endereçar o conflito de competência entre os Estados contratantes em dois casos típicos: (i) conflito entre a aquisição de residência nos dois Estados; e (ii) conflito entre regra de residência e regra de fonte, de forma cumulativa34.

        O texto do § 1º prevê uma definição da expressão “residente de um Estado contratante”, sendo considerado residente em um dos Estados o indivíduo que, diante das normas daquele Estado, pode ser tributado de acordo com critérios de domicílio, residência ou outro critério de natureza similar, o que se inclui o Esta- do e suas subdivisões políticas, com exceção dos vínculos relacionados à tributa- ção conforme critérios de fonte. Diante disso, pode-se ver que a convenção-mode- lo (i) atribuiu a caracterização de residência às normas do Direito Interno por


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        31 Os acordos para evitar dupla tributação serão adiante referidos, indistintamente, como “conven- ções” ou “tratados internacionais”.

        32 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 261.

        33 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 120 (versão digi- tal).

        34 OECD. Commentaries on the articles of the Model Tax Convention. Condensed version, 2010, p. 83.

        critérios diversos35, bem como (ii) desconsidera a presença de fortuna ou fonte de renda em um Estado como determinante para a caracterização da residência.

        Ocorre que, como cada Estado determinará suas normas de residência fis- cal, é plenamente possível que um sujeito possua dupla residência. Exemplo: se um francês possui visto temporário brasileiro e tiver passado aqui mais de 183 dias, bem como possuir habitação permanente na França, será considerado resi- dente em ambos os países (Brasil e França)36. Assim, na falta de um Acordo entre os dois países para evitar a tributação, ambos os Estados seriam, em tese, compe- tentes para exigir o imposto de renda.

        Não obstante, como a dupla residência (para fins fiscais) não se coaduna com a aplicação de acordos para evitar a dupla tributação37, são as regras convencio- nais que determinarão qual será o Estado competente para tributar, segundo o critério da residência. Alberto Xavier ensina que a previsão de tais regras decorre do princípio da unicidade da residência, de modo que, se um indivíduo é consi- derado residente em um Estado, automaticamente será não residente no outro Estado38.

        É nesse cenário que a convenção-modelo prevê, no § 2º do art. 4º, as normas que têm o objetivo de determinar qual das residências deve prevalecer para fins fiscais (resolução de conflito39), escolhendo uma em detrimento da outra (regras de desempate – tie breaker rules40).

        Em suma, o § 2º prevê que, no caso de dupla residência, o indivíduo será considerado residente:

        1. no Estado que possua uma habitação permanente; no entanto, caso possua habitação permanente em ambos os Estados, será considerado residente no Estado em que possuir as mais estreitas relações pessoais e econômicas (centro de interesses vitais);

        2. se não puder ser determinado o Estado que o indivíduo possui o centro de interesses vitais, ou se não possui uma habitação permanente em ambos os Estados, o indivíduo será considerado residente no Estado em


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          35 OECD. Commentaries on the articles of the Model Tax Convention. Condensed version, 2010, p. 85.

          36 Exemplo adaptado da obra: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 261.

          37 SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e lei interna – investimento na Ilha da Ma- deira – efeitos da Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário n. 17. São Paulo: Dialética, 1997, p. 165.

          38 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 262.

          39 OECD. Commentaries on the articles of the Model Tax Convention. Condensed version, 2010, p. 86.

          40 MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Caso Nobuo Naya: dupla residência da pessoa física no Acordo Brasil-Japão e os reflexos da inexistência de tie-breaker rules na Convenção Inter- nacional. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Tributação internacional: análise de casos. São Paulo: MP, 2015. vol. 2, p. 316.

          que possuir permanência habitual;

        3. se ainda não for possível determinar a residência, o indivíduo será con- siderado residente no Estado em que for nacional;

        4. se for nacional em ambos ou em nenhum Estado, cabe às autoridades fiscais solucionar a questão de comum acordo.

          Note que as normas acima consistem em um conjunto de testes a ser realiza- do no caso concreto para determinar o Estado competente para impor o tributo. Nesse sentido, os conceitos de “habitação permanente”, “centro de interesses vi- tais” e “permanência habitual”, cujos contornos são imprecisos, não pretendem definir cada situação, o que significa que a sua aplicação a um caso concreto de- pende das circunstâncias específicas41. Aqui, inclusive, podemos voltar ao concei- to de residência do Glossário do IBFD: residência depende de uma série de fatos e circunstâncias do caso concreto.

          O § 3º da convenção-modelo não é aplicável à presente situação, por se tra- tar dos casos em que a “pessoa” não seja um indivíduo.


      2. Art. 15 – profissões dependentes

        O art. 15 da Convenção-Modelo inclui uma regra distributiva de competên- cia para tributação das rendas decorrentes de profissões dependentes (emprega- dos)42.

        Regra geral, o § 1º do art. 15 atribui competência para tributar ao Estado de residência do empregado, pela lógica de que o referido Estado possui posição mais favorável na utilização dos poderes de tributar.

        O § 2º do art. 15, contudo, estabelece uma limitação à regra geral, com base no princípio do local de trabalho: a tributação caberá ao Estado em que os serviços foram prestados, e não ao Estado de residência, sempre que os serviços estiverem conectados àquele Estado. Aqui, pode-se falar em uma distinção entre as “ativida- des duradouras” e as “atividades temporárias”, para fins de atribuição do poder de tributar43. No caso da primeira, o Estado da fonte (Estado de desenvolvimento do emprego) terá competência para exercer sua soberania fiscal; o segundo caso é a regra geral.

        Para tanto, a Convenção-Modelo prevê que a tributação caberá ao Estado de residência caso se verifique cumulativamente os seguintes requisitos44:


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        41 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 263.

        42 SCHOUERI, Luís Eduardo. The residence of the employer in the “183-day clause” (article 15 of the OECD’s Model Double Taxation Convention). Intertax vol. 21, Issue 1. Netherlands: Wolters Kluwer, 1993, p. 20.

        43 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 676.

        44 OECD. Commentaries on the articles of the Model Tax Convention. Condensed version, 2010, p. 251.

        1. Requisito objetivo: beneficiário permanecer no Estado de desenvolvi- mento do emprego por um período inferior a 183 dias, dentro de 12 meses;

        2. Requisito de residência do empregador: a remuneração ser paga por, ou a pedido de, um empregador não residente no Estado de desenvolvimen- to do emprego; e

        3. Requisito de estabelecimento permanente: a remuneração não decorrer de um estabelecimento permanente que o empregado detém no Estado de desenvolvimento do emprego.

          Por outro lado, o Estado de desenvolvimento do emprego terá competência para tributar caso um dos requisitos acima seja preenchido, hipótese em que am- bos os Estados terão competência para tributar. Nessas situações, em virtude de competência cumulativa, o Estado de residência deve eliminar a dupla tributação, nos termos do art. 23, mediante o método da isenção ou método do crédito.

          Veja-se que a aplicação do § 2º do art. 15 depende da definição de residência contida no art. 4º (1) da Convenção-Modelo, vez que prescreve a situação em que um empregado é residente em um Estado, mas está desenvolvendo seu emprego em um Estado distinto da sua residência. Assim, caberá saber onde é sua residên- cia com base no art. 4º, provando que esta não é no Estado de desenvolvimento do emprego, para fins do próprio Tratado.

          Ademais, as situações postas no âmbito deste trabalho não envolvem poten- ciais discussões, trazidas por Schoueri, concernentes à possibilidade de o empre- gador ser tributado no Estado de desenvolvimento do emprego. Serão analisadas situações em que os empregadores são residentes no outro Estado e, consequen- temente, não são tributados segundo as regras do Estado de desenvolvimento do emprego.


    2. Nota da OCDE sobre os impactos da pandemia do Covid-19 nas regras de residência fiscal dos tratados internacionais

      Logo no início da pandemia, surgiram algumas discussões relacionadas à aplicação de diversas regras relacionadas ao imposto de renda, como regras de estabelecimento permanente e dos critérios de residência relacionados aos indiví- duos, em razão da mudança para outros países.

      Nesse cenário, em abril de 2020, a Organização para a Cooperação e De- senvolvimento Econômico (OCDE) emitiu direcionamento aos Países sobre os impactos da Covid-19 nos tratados internacionais para evitar dupla tributação da renda45.


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      45 Disponível em: https://www.oecd.org/coronavirus/policy-responses/oecd-secretariat-analysis-of- tax-treaties-and-the-impact-of-the-covid-19-crisis-947dcb01/.

      Dentre os 5 pontos tratados, um deles era a atenção relacionada à mudança do status de residência fiscal dos indivíduos.

      Tendo reconhecido que alguns países já haviam endereçado regras para evi- tar eventuais problemas – citando o Reino Unido, Austrália e Irlanda, que des- consideraram os dias que determinados indivíduos passaram nos territórios, para caracterização da residência –, a OCDE reconheceu que duas situações podem ocorrer:

      1. Um indivíduo estava longe de sua casa (país de residência), seja por conta de trabalho ou de férias, e foi obrigado a permanecer neste País por conta da pandemia do Covid-19; e

      2. Um indivíduo está trabalhando em um País, tendo adquirido residên- cia neste País, mas temporariamente retorna ao seu País original (País de nascimento) por conta da pandemia do Covid-19. De acordo com as regras deste País, o indivíduo pode readquirir o status de residente para fins fiscais.

      Em linhas gerais, a OCDE considerou ser improvável que a situação decor- rente da pandemia do Covid-19 altere as regras de determinação de residência prevista nos tratados.

      Em relação ao primeiro cenário, entendeu que as circunstâncias extraordi- nárias impediriam a fixação de residência no Estado em que a pessoa foi obriga- da a permanecer, caso haja um tratado internacional aplicável, em virtude do conceito de “habitação permanente”.

      Em relação ao segundo cenário, considera também pouco provável que a pessoa readquira residência no Estado de nacionalidade, já que as mesmas “cir- cunstâncias excepcionais” afastam a aquisição de residência. Contudo, ao referir- se à permanência habitual, que não se faz presente somente pelo número de dias em um Estado, mas também à frequência, duração e regularidade aplicáveis à rotina da pessoa (§ 19 dos comentários à convenção-modelo).

      A nota da OCDE também endereçou a questão específica dos trabalhadores que se encontram em outro Estado, cujas regras de distribuição do poder de tri- butar encontram-se no já analisado art. 15 da Convenção-Modelo. Nessas situa- ções, a OCDE considerou da maior relevância uma coordenação conjunta dos países para evitar a aplicação de regras convencionais, e consequentemente miti- gar o cumprimento de regras desnecessárias por empregados e empregadores que estariam associadas a uma mudança temporária e involuntária do local de trabalho.

      Sobre o tema, vale a menção para os acordos entre Bélgica, Holanda e Ale- manha concernentes à situação dos empregados, adotadas para mitigar conse- quências tributárias que em uma situação de ausência de pandemia não ocorre- ria. A solução encontrada pelos países em questão foi definir que os dias trabalha- dos em outro país, em função da pandemia, seriam considerados como trabalha-

      dos no Estado em que o empregado normalmente exerceria as suas funções sem a pandemia do Covid-1946.

      A respeito da nota da OCDE, não demorou muito para manifestação doutri- nária sobre o tema. Em artigo específico, Andrés Baez47 entendeu que a interpre- tação dos tratados pela OCDE pode causar problemas no critério da residência, por conta da formulação vaga e interpretações flexíveis propostas pela Organiza- ção. Nesse sentido, teme que a situação da presença ocasional seja interpretada de uma forma que não deveria.

      Entende, ademais, que o aspecto mais criticável da nota é a interpretação forçada da “regra de desempate” em relação ao segundo cenário (2), por conside- rar bastante singela a interpretação de que, por conta da manutenção do trabalho no primeiro Estado, em que o indivíduo tenha se retirado por conta do Covid, as regras de desempate resolveriam o problema e concederiam o poder de tributar para este primeiro Estado. O autor considera que, nos casos dos Países que pos- suam critérios objetivos, a residência fiscal seria perdida a partir do momento em que se completasse o critério disposto na aludida regra, a menos que o País flexi- bilizasse a norma.

      Dito isso, fixadas todas as premissas acima, vejamos a seguir os casos concre- tos que propusemos a analisar.


  5. A aplicação de regras brasileiras na determinação da residência fiscal no contexto da pandemia do Covid-19

    Fixadas as premissas sobre (i) as regras brasileiras de determinação da resi- dência fiscal e (ii) o regime convencional de residência e das regras de desempate (tie-breaker rules) existentes, cabe-nos analisar os dois casos que nos propusemos neste trabalho: (i) o primeiro, de um brasileiro residente na Inglaterra (que não possui tratado com o Brasil para evitar a dupla tributação da renda), que veio para o Brasil no decorrer da pandemia do Covid-19 e não conseguiu retornar ao País; e (ii) o segundo, de um brasileiro residente em Portugal (país que possui tratado com o Brasil para evitar a dupla tributação da renda), que veio para o Brasil no decorrer da pandemia do Covid-19 e não conseguiu retornar ao País.

    Como será visto, a existência de um Tratado para evitar a dupla tributação da renda é da maior relevância no contexto da pandemia do Covid-19, em vista


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    46 LOYENSLOEFF. Cross-border workers working from home – international Covid-19 measures agreed between Belgium, the Netherlands and Germany. Disponível em: https://www.loyensloeff. com/en/en/news/news-articles/international-covid-19-measures-agreed-between-belgium-the-

    -netherlands-and-germany-n19269/. Acesso em: 03 out. 2021.

    47 MORENO, Andrés Baez. Unnecessary and yet harmful some critical remarks to the OECD note on the impact of the Covid-19 crisis on tax treaties. Intertax vol. 48, Issue 8 & 9. The Netherlands: Kluewer Law Internacional BV, 2020, p. 827.

    da possibilidade de ambos os Estados exercerem o poder de tributar. Assim, a pandemia vem impondo situações que merecem análises atentas, para evitar que a malsinada “dupla tributação” ocorra.


    1. Brasileiro residente na Inglaterra em regime de home office no Brasil durante a pandemia

      Analisaremos o caso a seguir exclusivamente sob a ótica da legislação brasi- leira. Afinal, como dito, a Inglaterra não possui tratado para evitar dupla tributa- ção da renda firmado com o Brasil. Assim, a menos que ambos os países, mutua- mente, renunciem ao poder de tributar em determinada hipótese, uma vez cum- pridos os critérios previstos nas leis internas, ambos os Países podem ser conside- rados competentes para tributar.

      O indivíduo A, brasileiro, saiu em caráter definitivo do Brasil para a Ingla- terra, onde reside desde novembro de 2018 e adquiriu residência fiscal segundo as regras do Direito Interno, bem como possui vínculo empregatício e está esta- belecido em uma casa alugada, tendo contas de água, luz e TV em seu nome.

      Tendo em vista que seu trabalho admite a modalidade home office, o que na prática já vinha sendo exercido dentro da Inglaterra desde o início da pandemia do Covid-19, o indivíduo fez um pedido a seu empregador para exercer as suas atividades no Brasil durante alguns meses. Após diversas conversas com o empre- gador, em agosto de 2020 (no decorrer da pandemia do Covid-19), o indivíduo A viajou para o Brasil e dali exerceu suas atividades (inclusive visitando clientes no País), com planos de retorno para o Reino Unido em fevereiro de 2021. Chegada a data do retorno, contudo, o indivíduo não pôde retirar-se do Brasil com destino a países da Europa, em vista do agravamento da pandemia no país e também naquele continente.

      Surgem, diante disso, dúvidas quanto à residência fiscal do indivíduo A no Brasil: teria ele readquirido o status de residente fiscal no Brasil e, assim, estaria obrigado a oferecer os rendimentos auferidos na Inglaterra à tributação no Brasil, em virtude de sua permanência no País desde agosto?

      A resposta é a seguinte: para os brasileiros não residentes, o status de resi- dente fiscal só será adquirido caso (i) retorne ao Brasil com ânimo definitivo/ permanente de residência (se estabelecer e permanecer no País) – critério subje- tivo ou (ii) mesmo que não retorne com ânimo definitivo, permaneça no País por doze meses – critério objetivo.

      Isso decorre das regras que vimos no tópico 3: para os brasileiros, (i) não se aplicam as regras dos 184 dias (aplicáveis apenas para os que ingressam no País com visto); (ii) o relevante é aferir a intenção de voltar a residir no País (critério subjetivo); e (iii) a permanência no País por doze meses ininterruptos implica a reaquisição do status de residente fiscal (critério objetivo).

      Vale relembrar que há quem entenda que, para os nacionais, não se aplica o critério objetivo, o que significaria dizer que o estabelecimento do status de resi- dente fiscal somente seria aferido a partir da verificação do ânimo definitivo48.

      No mesmo sentido é a opinião de Ricardo Mariz de Oliveira49, para quem o critério subjetivo deve prevalecer nos casos que envolvam a Covid-19, para fins de determinação do status de residente fiscal no Brasil, em função da sua prevalência sobre o critério objetivo e da impossibilidade de manifestação da vontade de for- ma livre. Nas situações da pandemia, portanto, o especialista entende que a per- manência forçada no Brasil não concede ao indivíduo o caráter de residente fis- cal.

      Tendo em vista a sua importância neste caso, importante observar alguns indícios do retorno ao País com ânimo definitivo, como: (i) término do vínculo empregatício no outro País; (ii) encerramento do contrato de aluguel e dos de- mais (luz, água, TV); (iii) potencial vínculo empregatício firmado no Brasil; (iv) eventual aluguel ou aquisição de imóvel para residir no Brasil; (v) eventual retor- no ao Brasil com a família, com matrícula dos filhos em escolas brasileiras. Não desconsideramos possam existir outros elementos que, em casos concretos, impli- quem o retorno com ânimo definitivo.

      No caso posto em análise, o indivíduo A não possuía qualquer ânimo defini- tivo em residir no Brasil. Tanto é que manteve a casa alugada na Inglaterra, com as respectivas contas de luz, água e TV, bem como segue trabalhando para um empregador inglês e inclusive pretendeu voltar àquele País, mas fora impossibili- tado em decorrência da piora da situação da pandemia. Assim, no que diz respei- to ao critério subjetivo, o indivíduo A não teria fixado residência no Brasil.

      Por outro lado, vimos que existe um critério objetivo na fixação de residên- cia dos brasileiros não residentes. Este critério está previsto no art. 97 do Decre- to-lei n. 5.844. Pela relevância do assunto, vale transcrever o dispositivo legal:

      “Secção III

      Dos rendimentos de residentes ou domiciliados no estrangeiro

      Art. 97. Sofrerão o desconto do imposto à razão de 15% os rendimentos per- cebidos. (Redação dada pela Lei nº 154, de 1947)

      [...]

      c) pelos residentes no estrangeiro que permaneceram no território nacional por menos de doze meses.”


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      48 SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e lei interna – investimento na Ilha da Ma- deira – efeitos da Lei nº 9.249/95. Revista Dialética de Direito Tributário n. 17. São Paulo: Dialética, 1997, p. 163.

      49 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Tributação em tempos de Covid-19. Fixação de residência fiscal. Dedutibilidade de doações. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; FLÁVIO NETO, Luís; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (coord.). Anais – VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Internacional: novos paradigmas da tributação internacional e a Covid-19. São Paulo: IBDT, 2020, p. 87.

      Vale o destaque para o fato de que nenhuma regra posterior revogou o dis- posto na alínea “c” do art. 97 do Decreto-lei n. 5.844, salvo para as situações dos não residentes que ingressem em território nacional portanto visto temporário (vimos que o visto permanente foi extinto do nosso ordenamento).

      Note o seguinte: se a regra prevê que “os residentes no estrangeiro” conti- nuam a ser tributados conforme os não residentes que permanecerem no territó- rio nacional por menos de doze meses, isso significa que o não residente que permanecer em território nacional por doze meses adquirirá o status de residente fiscal.

      Veja a importância da norma: esta fixa um critério objetivo para os brasilei- ros não residentes, não sendo, contudo, aplicável aos não residentes que ingres- sem no País portando visto temporário. Além disso, pelo fato de o legislador não ter emitido ordem no sentido de aplicar o critério subjetivo em situações excep- cionais, entendemos que a aferição da intenção de residir no Brasil será aferida até o momento em que se complete uma permanência de 12 meses no País. A partir deste momento, o critério objetivo entra em cena, saindo a aferição subje- tiva de residência no País.

      Portanto, no caso concreto, o indivíduo A, por não ter ingressado no Brasil com ânimo definitivo, não é considerado residente no Brasil até completar 12 meses de permanência em território nacional.

      É claro que esta regra pode ser modificada, ou até mesmo o modo de apli- cação por parte da Receita Federal, que já manifestou esta intenção durante a pandemia50. Contudo, não havendo manifestação expressa, é o texto vigente que deve ser aplicado ao caso concreto.

      Passemos ao segundo caso.


    2. Brasileiro residente em Portugal em regime de home office no Brasil durante a pandemia

      O segundo caso será analisado também de acordo com as regras brasileiras, mas com um ingrediente a mais: o tratado para evitar dupla tributação, firmado entre Brasil e Portugal (aprovado pelo Decreto Legislativo n. 188/2001, com pro- mulgação do texto da Convenção pelo Decreto n. 4.012/2001 – “Convenção Bra- sil-Portugal”).

      Aqui, temos caso bastante similar ao anterior: o indivíduo B, brasileiro, é residente em Portugal desde fevereiro de 2015, com vínculo empregatício naque- le País, onde residia em imóvel próprio, possuindo contas de luz, água e TV.

      Porém, durante a pandemia e em função da natureza de seu trabalho, o in- divíduo solicitou ao empregador para exercer sua profissão no Brasil, o que foi


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      50 Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/06/18/receita-deve-flexibilizar- norma-sobre-residencia-fiscal-devido-a-pandemia.ghtml.

      concedido em julho de 2020, durante a pandemia, momento em que o indivíduo B veio para o Brasil com a sua família (esposa e 2 filhas, que permanecem matri- culadas em escola portuguesa). O retorno para Portugal também estava agenda- do para o mês de janeiro de 2021 – menos de 183 dias após a sua chegada no Brasil –, o que restou impossibilitado em razão do agravamento da pandemia.

      Tudo o que falamos em relação ao caso do indivíduo A aplica-se aqui: o in- divíduo B é não é residente no Brasil, pois não ingressou em território brasileiro com ânimo definitivo, bem como não passou doze meses em território nacional.

      Contudo, vamos dar um passo adiante: imagine que o indivíduo B perma- neça no Brasil até agosto de 2021 (quando teria permanecido no Brasil por mais de 12 meses). Incidiria, aqui, a regra do art. 97, “c”, do Decreto-lei n. 5.844, se- gundo a qual os não residentes que permaneçam mais de doze meses no Brasil passam a ser tributados conforme residentes no País. Uma outra informação im- portante é: segundo um assessor jurídico do indivíduo B em Portugal, ele tam- bém é residente fiscal naquele País.

      Temos aqui, portanto, a seguinte situação: o indivíduo B (e sua família) pos- suem dupla residência: Brasil e Portugal. Diante disso, vejamos o que dispõem as regras previstas na Convenção Brasil-Portugal e como estas desempatam e esta- belecem a residência fiscal para onde o brasileiro deve oferecer seus rendimentos à tributação.

      Antes de seguirmos, uma palavra sobre a Convenção Brasil-Portugal: o texto da Convenção é idêntico ao da Convenção-Modelo da OCDE, de modo que tudo que mencionamos linhas acima aplica-se a esta análise.

      Segundo o art. 4º, § 1º, do texto da Convenção Brasil-Portugal, a residência será determinada pela legislação interna. Assim, o § 2º do art. 4º prevê, nos itens “a” a “d”, as regras de desempate para determinação da residência do indivíduo B no caso concreto.

      Diante disso, o item “a” prevê os critérios da habitação permanente ou, se este não desempatar, o critério do centro de interesses vitais. De fato, o indivíduo B possui também uma habitação no Brasil, que inclusive já era sua em momento anterior. Portanto, não podemos destacar interpretação no sentido de que a regra poderia pender para ambos os lados: imóveis no Brasil e em Portugal, que podem ser considerados “habitações permanentes.”

      Nesse cenário, o segundo teste é o do centro de interesses vitais. Este é afe- rido a partir das estreitas relações pessoais e econômicas do indivíduo B. Sobre a aferição do centro de interesses vitais, os comentários da OCDE à convenção-mo- delo sugerem analisar a perspectiva como um todo, desde os atos pessoais do in- divíduo às relações sociais, suas ocupações (emprego, relações econômicas), ativi- dades políticas ou culturais51.


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      51 OECD. Commentaries on the articles of the Model Tax Convention. Condensed version, 2010, p. 87.

      Em 2010, as autoridades portuguesas analisaram o caso de um trabalhador, nacional da Alemanha, que exercia atividades laborais em Portugal de forma habitual. No caso concreto, entendeu-se que o Estado de residência, por força do centro de interesses vitais, era a Alemanha52.

      Em caso julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo Português53, consi- derou-se que um residente na Alemanha que possuía um bem em Portugal, e passava férias anualmente naquele País, não era considerado residente em Portu- gal por este simples fato54.

      No Brasil, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) consi- derou a existência de um centro de interesses vitais pelos seguintes fatos por parte de determinado brasileiro que alegava ser residente em Portugal: (i) da transmissão da declaração de ajuste anual, (ii) da manutenção de imóveis no País e (iii) do recebimento de valores decorrentes do desempenho de atividade rural em fazendas no Brasil. Foi com base nisso que se considerou que uma entidade Portuguesa realizava pagamentos por conta e ordem de uma entidade brasileira, o que foi determinante para o CARF considerar que o centro de interesses vitais encontrava-se no Brasil55.

      Por outro lado, no caso concreto, mesmo que o indivíduo B tenha contato com diversos amigos e familiares brasileiros, o seu centro de interesses vitais pa- rece estar em Portugal. De fato, não fosse a pandemia da Covid-19, o indivíduo B e sua família estariam em Portugal por vários motivos: (i) manutenção da matrí- cula das filhas na escola portuguesa; (ii) manutenção do vínculo empregatício em Portugal; (iii) manutenção do imóvel próprio em Portugal.


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      52 Informação Vinculativa referente ao Processo n. 720/2010. Disponível em: http://www.taxfile.pt/ file_bank/news3012_11_1.pdf.

      53 Processo n. 0876/2010, proferido em 24.02.2011. Disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fb- bbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1489e46a8725c9ec8025784800418754?OpenDocument&Ex- pandSection=1#_Section1.

      54 Parte relevante da decisão: “Sucede, contudo, que, como explica Manuel Faustino em ‘Os Resi- dentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português (CTF, n. 424, p. 124), o referido critério legal ‘exige a reunião do ‘corpus’ e do ‘animus’. […] um ‘corpus’, constituído por um local de residência, associado a um ‘animus’, que consiste na ‘intenção’ de a manter e ocupar como residência habitual […], pelo que, prossegue o citado autor (op. cit., p. 125) ‘[…] ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeada- mente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habi- tual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. Não parece, pois, lícito considerar que um emigrante é residente em terri- tório português pelo simples facto de ele, em 31 de Dezembro de cada ano, dispor em Portugal de uma casa de habitação, retirando daí, e da sua condição de emigrante – a intenção ‘ de a vir a ocupar’ como sua re- sidência habitual. A intenção que a lei exige não é uma intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente […]’.”

      55 Acórdão n. 2301-007.136, 2ª Seção de Julgamento, 3ª Câmara, 1ª Turma Ordinária. Sessão de 04 de março de 2020.

      No caso posto, portanto, a existência da Convenção Brasil-Portugal levou a solução do caso para a competência de Portugal, em função da presença do cen- tro de interesses vitais neste País.

      Conquanto a residência fiscal do indivíduo B permaneça em Portugal, de modo que o exercício do poder de tributar é daquele País, importante destacar a aplicação do art. 15 (2) (a), que prescreve requisito para o exercício do poder de tributar por parte do Estado onde o emprego é desenvolvido, caso o empregado passe mais de 183 dias, dentro de um período de 12 meses, naquele Estado.

      Esse é o caso do indivíduo B: embora residente fiscal em Portugal em decor- rência da aplicação do tratado, o mesmo tratado atribui a possibilidade do exer- cício da soberania fiscal pelo Brasil, como Estado da fonte, em relação aos salários recebidos, em razão de ser este o Estado em que o indivíduo B exerce suas funções há mais de 183 dias. Assim, ambos os países poderão exercer sua soberania fiscal no caso concreto.

      Mesmo que aplicável o método para eliminar a dupla tributação previsto no art. 23 (1) do Tratado Brasil-Portugal (dedução do imposto), a hipótese narrada acima mostra a importância do que foi delineado pela nota da OCDE para a ado- ção, pelos países, de ações coordenadas visando mitigar consequências fiscais des- necessárias que, sem a pandemia, não existiriam.


  6. Conclusões

Diante de todo o exposto, nota-se que a pandemia decorrente do Covid-19 tem o condão de impactar a definição da residência fiscal dos indivíduos no mun- do. Quando analisada a possibilidade de exercício de emprego na modalidade home office, o impacto mostra-se efetivo, diante da possibilidade de enquadramen- to nas regras (i) de residência de ambos os Países, bem como (ii) da tributação dos salários por ambos os Estados.

Especificamente, conclui-se o seguinte:

  1. No Direito Tributário Internacional, os elementos de conexão têm por objeto vincular determinado contribuinte e o Estado, para fins de exi- gência de tributos;

  2. O elemento de conexão baseado na residência decorre da aplicação do princípio da territorialidade sob a ótica pessoal;

  3. O elemento de conexão baseado na residência, no Brasil, possui crité- rios subjetivos e objetivos;

  4. Especificamente em relação às regras brasileiras:

    1. os critérios subjetivos são aqueles vinculados a um aspecto pessoal do contribuinte, vinculado ao ânimo definitivo de permanência no território brasileiro;

    2. os critérios objetivos são aqueles que presumem a residência a par- tir da fixação de um critério de temporal ou dependente de auto- rizações (vistos) e vínculos empregatícios;

  5. Considerando as regras previstas no ordenamento jurídico brasileiro, tem-se o seguinte:

  6. Em matéria de regime convencional, a convenção-modelo da OCDE prevê que as normas do Direito Interno devem prever o conceito de residência fiscal, mas estabelece regras de desempate (tie breaker rules) para os casos em que se verifique situações de dupla residência;

  7. No caso dos empregados, a convenção-modelo da OCDE estabelece que a regra geral é a tributação pelo Estado de residência, mas atribui ao Estado da fonte competência cumulativa caso determinados requisi- tos sejam observados. Essa regra impacta diretamente indivíduos que desenvolvem trabalhos em outros Estados e, por conta do Covid-19, fi- caram impossibilitados de sair dos respectivos locais.


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