A Tributação da Renda e na Transferência de Bens a Beneficiários (Domiciliados no Brasil) Provenientes de Trust Constituído no Exterior:

o Problema da Qualificação Jurídica

Taxation of Income and Assets Received by Beneficiaries (Domiciled in Brazil) from a Trust Established Abroad: a Legal Qualification Problem

Tiago Luiz de Moura Albuquerque

Mestrando em Direito Tributário Comparado pelo IBDT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário. LL.M. em Direito Tributário pelo INSPER. Pós-graduado em Direito Contratual pela Pontifícia Universalidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie. Associado ao IBDT. Sócio do escritório Francavilla, Assis Fonseca, Soares Cabral, Albuquerque Sociedade de Advogados. E-mail: ta@francavilla.adv.br.


Recebido em: 3-8-2021

Aprovado em: 10-9-2021


Resumo

Há uma complexidade para análise da repercussão tributária decorrente de trust constituído no exterior, quando o beneficiário é residente fiscal no Bra- sil. A discussão sobre a incidência tributária passa pela compreensão das re- lações jurídicas surgidas a partir da constituição do trust. Principalmente, há dificuldade de assimilação e qualificação do patrimônio que forma o trust quanto à sua titularidade pelo trustee e pelo beneficiário. Defende-se aqui que o problema de qualificação do patrimônio pode ser enfrentado a partir de uma análise respaldada pela consideração econômica.

Palavras-chave: direito tributário, trust, Imposto de Renda, ITCMD, benefi- ciário, qualificação, consideração econômica.


Abstract

There is a complexity to analyze the tax repercussion resulting from a trust established abroad when the beneficiary is a tax resident in Brazil. The dis- cussion on tax incidence involves understanding the legal relationships that arose from the constitution of the trust. Mainly, it is difficult to assimilate and qualify the assets that form the trust as to its ownership by the trustee and the beneficiary. It is argued here that the problem of qualification of assets can be tackled from an analysis supported by economic consideration.

Keywords: tax law, trust, Income Tax, ITCMD, beneficiary, qualification, eco- nomic consideration.

  1. Considerações iniciais: objeto deste trabalho

    A partir de trabalhos acadêmicos específicos sobre o tema, da menção do instituto na legislação tributária1, do seu uso mais difundido no mercado e, infe- lizmente, de utilização em conteúdo jornalístico de natureza criminal, o trust pas- sa a ser cada vez mais conhecido e gera discussões mais aprofundadas sobre o seu reflexo tributário.

    Se outrora “indispensável em metade do mundo de tradição anglo-saxônica e praticamente desconhecido na outra metade”2, ou ainda envolto em suspeita de ilegalidade3; atualmente, o trust é utilizado como ferramenta em planejamento patrimonial e sucessório, oferecido como produto pelas consultorias de wealth management no Brasil4.

    O trust não é expressamente regulado pela legislação brasileira. É figura jurídica alienígena (estrangeira), com regime fixado sob a common law5, embora previsto e regulamentado em alguns países de civil law, como na Itália6.

    Conforme nos ensina Salomão, a origem do trust está ligada à intenção de se evitar a taxação sobre a herança medieval durante as cruzadas. Os cidadãos transferiam a propriedade a um trustee, que, por sua vez, se obrigava a adminis- trar os bens em benefício de pessoas indicadas pelo titular do patrimônio. Retor- nando das cruzadas, tinham os cidadãos direito à retrocessão. Das disputas entre os beneficiários do trust e os trustees foi consagrada a cumulação de direito real sobre a mesma coisa, na tradição do commom law7.



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    1 Vide: Instrução Normativa RFB n. 1704, de 31 de março de 2017. Disponível em: http://normas. receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=81745&visao=original. Acesso em: 25 fev. 2021.

    Solução de Consulta COSIT n. 41, de 31 de março de 2020. Disponível em: http://normas.receita. fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=108304. Acesso em: 25 fev. 2021.

    2 SCHOUERI, Luís Eduardo. Nova contabilidade e tributação: da propriedade à beneficial owner- ship. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias ju- rídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. vol. 5, p. 214.

    3 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em ho- menagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 389.

    4 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. O tratamento fiscal do trust em situações internacionais. In: PAN- ZARINI FILHO, Clóvis et al. (coord.). Revista de Direito Tributário Internacional ano 1, n. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 151.

    5 SALOMÃO, Eduardo Neto. O trust e o direito brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan Edi- tora, 2016. 20 Mb; Epub, p. 24-25. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788599519950/. Acesso em: 14 jan. 2021.

    6 MARINO, Giusepe. La redidenza del trust nel diritto tributario italiano e comparato. In: BARRE- TO, Aires; BOTTALLO, Eduardo; CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Revista de Direito Tri- butário n. 80. São Paulo: Malheiros, p. 203/2011.

    7 SALOMÃO, Eduardo Neto. Trust e deveres de lealdade e sigilo na sociedade anônima brasileira. In: CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; GUERREIRO, Carolina Dias Tavares (coord.). Direito empresarial e outros estudos em homenagem ao professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 295/296.

    A ausência de legislação específica no País e a cumulação de direitos sobre o mesmo bem tornam complexo o estudo do trust e a análise das suas repercussões tributárias no Brasil.

    Os artigos que tratam sobre o tema da perspectiva tributária percorrem ca- minhos distintos para identificar as principais características do trust, embora cheguem a resultados parecidos em relação ao desenho básico do instituto. Cons- tata-se o delineamento do instituto com maior apoio na doutrina estrangeira, ou no regramento extraído de convenção de Haia8, ou mesmo na doutrina brasileira que mais profundamente analisou o trust.

    Cada método traz a sua particularidade, o que implica reconhecer benefí- cios e pontos de atenção no seu uso. A utilização da convenção de Haia sobre o trust, sob este prisma, traz como benefício ter nas suas regras uma referência ob- jetiva para compreender o instituto. Além disso, considerando a existência de uma possível tendência mundial a uniformidade de institutos do direito societá- rio quando apoiada a regulamentação por organismos internacionais9, é possível ter neste método uma fonte multilateral para compreensão do trust10. Contudo, relativamente poucos países aderiram à Convenção11 e, ainda, mesmo os países que aderiram à convenção possuem algumas regras específicas sobre o trust.

    Utilizar a doutrina estrangeira para compreensão do instituto permite obter uma referência importante para captar seu regime jurídico. Porém, sem um mé- todo claro de comparação, tem-se uma base teórica mais restrita, geralmente considerando os aspectos normativos (e jurisprudenciais) de determinado país.

    Vale a observação de que, mesmo nos EUA, país de commom law, em que o instituto se desenvolveu inicialmente a partir dos rulings das equity courts, o regi- me jurídico atual dos trusts é muito baseado em legislação específica dos estados estadunidenses.

    A diferença entre os regramentos de cada estado norte-americano é relevan- te em vários sentidos (exemplificando): em relação à formação do trust (por exem- plo, exigência de documento escrito); à tributação estadual (isenta ou não); à res- trição ao trust revogável e/ou à posição do settlor como beneficiário; ao período de


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    8 HCCH. Convention on the law applicable to trusts and on their recognition. 1º jul. 1985. Haia: Hague Conference on Private International Law Conference de la Haye de Droit International Privé. Disponível em: https://assets.hcch.net/upload/conventions/txt30en.pdf. Acesso em: 23 fev. 2021.

    9 PARGENDLER, Mariana. The rise of international corporate law. European Corporate Governance Institute Law Working Paper, 555/2020, FGV Direito SP Research Paper Series n. Forthcoming. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3728650 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3728650. Acesso em: 13 jan. 2021.

    10 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em ho- menagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 391.

    11 Vide: https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=59. Acesso em: 23 fev. 2021.

    perpetuidade; ao regramento e aos requisitos para se figurar como trustee e pro- tectors; à prescrição de eventuais ações; aos requisitos em relação ao valor mínimo dos ativos para constituição do trust; às regras de confidencialidade e de transpa- rência; aos tipos admitidos de trust12. Sendo assim, até em um mesmo país há di- ficuldade de compreender o instituto em todos os seus aspectos.

    Não obstante, qualquer que seja o método empregado para compreensão do trust, a doutrina nacional reconhece a validade do trust constituído no exterior, sob regência de lei estrangeira13 e aponta três atores principais, com papéis defi- nidos desde a sua constituição: como regra, a formação do trust decorre da trans- ferência de bens realizadas pelo seu proprietário (denominado settlor), a um ad- ministrador (trustee), a fim de atribuir os ganhos e/ou os próprios bens a benefi- ciário(s) (beneficiary ownership)14.

    Dentro desse desenho básico, e a partir do direito aplicado ao caso concreto, há diversas variações e implicações que dificultam apreender os modelos possí- veis para o trust e suas finalidades todas, conforme indicação extraída do contex- to estadunidense. Nesse sentido, pode ou não o settlor15: estabelecer a possibilida- de de revogação do trust; definir nominalmente os beneficiários; determinar um terceiro (protector) para função de aconselhamento do trustee; figurar como bene- ficiário; manter determinados poderes na administração do patrimônio.



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    12 MUNRO, Robert J.; BYRNES, William H. International trust laws and analysis – analysis of trust laws – United States. Foreword 1. Kluwer Law International, 2020. Disponível em: https://www. wkcheetah.com/#/read/AllContent/KLIITLAPartIVol0701AnalysesandStatutesUNITEDSTA- TES!csh-da-filter!WKUS-TAL-DOCS-PHC-%7B71B095EB-988E-4EE2-AE4F-47D7F2CCA- 6F7%7D--WKUS_TAL _ 9961%23teid-221?search Item Id=411001350!0!KLIITLAPart I- Vol0701AnalysesandStatutesUNITEDSTATES&da=WKUS_TAL_9961#KLIITLAPartIVo- l0701AnalysesandStatutesUNITEDSTATES-wkhl1. Acesso em: 25 fev. 2021.

    13 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em ho- menagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 396/400.

    14 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. O tratamento fiscal do trust em situações internacionais. In: PAN- ZARINI FILHO, Clóvis et al. (coord.). Revista de Direito Tributário Internacional ano 1, n. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 153; TORO, Carlos Eduardo Costa M. A. Reflexos fiscais do uso do trust e os limites ao planejamento tributário. In: PANZARINI FILHO, Clóvis et al. (coord.). Revista de Direito Tributário Internacional ano 3, n. 7. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 12; OLI- VEIRA, Ricardo Mariz de. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. In: SCHOUE- RI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 392; CALIL, Ricardo. A incidência do Imposto de Renda e do ITCMD em operações com trusts. Revista Direito Tributário Internacio- nal Atual vol. 04. São Paulo: IBDT, 2018, p. 181 e 182; MALPIGHI, Caio Cesar Soares; TRONCO- SO, Antonio Oliveira Ribeiro. A Solução de Consulta COSIT n. 41/2020 e o recebimento de valo- res por residente fiscal no Brasil na qualidade de beneficiário de trust firmado no exterior. Revis- ta Direito Tributário Internacional Atual vol. 07. São Paulo: IBDT, 2020, p. 118.

    15 Conforme o direito da jurisdição aplicável ao trust, é no instrumento de sua constituição (deed) que o Settlor estabelece os direitos, as obrigações, os deveres e as faculdades relacionadas às partes envolvidas no trust, fixando ainda sua finalidade, com transferências dos ativos necessários à sua constituição.

    De toda forma, destacam-se elementos mais gerais que caracterizam o trust, sendo eles: (i) a segregação da propriedade formal (do trustee) em relação à pro- priedade econômica (dos beneficiários); (ii) a afetação dos bens aos fins determi- nados pelo settlor, razão pela qual tais bens não são contaminados por dívidas próprias do trustee; (iii) a atribuição fiduciária de gestão dos bens conferida ao trustee, disciplinado pelo instrumento de criação do trust16.

    Desses elementos, há um que orientará o desenvolvimento deste artigo e que é tido como representante da essência do trust17, permitindo que ele desempenhe suas diversas funções: a divisão de propriedade e titularidade econômica (ou pro- priedade fiduciária18). É este elemento que cria discussões e torna difícil a quali- ficação das relações jurídicas provenientes do trust, da perspectiva do Direito bra- sileiro19.

    De fato, a divisão da propriedade representa desafio à qualificação jurídica que pode ser tida como necessária para avaliar os efeitos tributários de trust cons- tituído no exterior, cujo beneficiário é residente fiscal no Brasil. A questão que se coloca é como deve ser realizada a qualificação das relações jurídicas provenien- tes do trust e quais os efeitos tributários decorrentes. Especificamente, se o trust deve ser compreendido a partir do direito estrangeiro, conforme Lei de Introdu- ção às Normas do Direito Brasileiro (LINDB20)21, ou tendo em consideração os


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    16 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. O tratamento fiscal do trust em situações internacionais. In: PAN- ZARINI FILHO, Clóvis et al. (coord.). Revista de Direito Tributário Internacional ano 1, n. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 154/155. No mesmo sentido: TÔRRES, Heleno. Trust não pode ser usado para sonegação fiscal – artigo CONJUR de 11 de novembro de 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-nov-11/consultor-tributario-trust-nao-usado-sonegacao-fiscal. Acesso em: 20 fev. 2021.

    17 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em ho- menagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 396.

    18 “Um segundo tipo (de entidade sem personalidade) é formado pelos trusts (fideicomissos) consti- tuídos à sombra das leis de países que admitem esta figura do direito anglo-saxão. O trust é, na sua essência, um desmembramento da propriedade (entre propriedade legal e propriedade fidu- ciária) que se opera por um ato (deed of trust) pelo qual alguém (setlor) confia um bem ou conjunto de bens a outrem (trustee), com a finalidade de fazer beneficiar um terceiro (cestui que trust).” (XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed., reformulada e atualizada até setembro de 2015 com a colaboração de Roberto Duque Estrada e Renata Emery. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 135)

    19 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed., reformulada e atualizada até setembro de 2015 com a colaboração de Roberto Duque Estrada e Renata Emery. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 136.

    20 BRASIL. Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Brasília, DF: Presidente da República, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 25 fev. 2021.

    21 TÔRRES, Heleno. Trust não pode ser usado para sonegação fiscal – artigo CONJUR de 11 de novembro de 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-nov-11/consultor-tributario- trust-nao-usado-sonegacao-fiscal. Acesso em: 20 fev. 2021.

    efeitos jurídicos e econômicos que produz, indo além da análise de suas estrutu- ras formais22.

    Assim, este trabalho pretende desenvolver o problema da qualificação jurí- dica, examinando especificamente a divisibilidade da propriedade de bens situa- dos no exterior na configuração do trust e a repercussão da qualificação no exa- me da incidência da tributação na hipótese específica de recebimento de bens e rendimentos pelo beneficiário residente fiscal no Brasil. Discute-se aqui a possível incidência de imposto de renda (IR) e/ou de imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD). A hipótese levantada neste trabalho é de que a consideração econômica pode ajudar a enfrentar o pro- blema da qualificação e dar resposta satisfatória em relação à incidência da nor- ma tributária, especificamente para o IR.


  2. Sobre a qualificação dos fatos e das normas relacionados ao trust

    1. Considerações iniciais sobre a qualificação de fato interjurisdicional

      Como conjunto de normas sobre normas, a LINDB constitui o Estatuto de Direito Internacional Privado23. As suas disposições balizam as soluções para os conflitos de leis no espaço, inclusive, a fim de se verificar “qual a lei substantiva que pode ser aplicada ao caso”24.

      Dispõe o art. 8º da LINDB que, “para qualificar os bens e regular as rela- ções a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados”. Prestigia-se, assim, a lex rei sitae25. De outro lado, pelo art. 9º da LINDB tem-se que, “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Decorre da regra a consagração do locus regit actum para as obriga- ções ex lege26 e da lex loci celebrationis para as obrigações convencionais27.

      Há diversas dificuldades para interpretação e aplicação dos dispositivos. Vale ressaltar que, já há muitos anos, a questão da qualificação é tida como uma das mais controvertidas no direito internacional privado28.

      Qualificar exprime a ideia de mostrar ou determinar a qualidade, caracte- rizando, especificando ou classificando coisa, fato ou pessoa29. No Direito Inter-


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      22 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 292.

      23 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 4.

      24 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15.

      25 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 289/290.

      26 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 295/297.

      27 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 299/301.

      28 STRENGER, Irineu. Curso de direito internacional privado. 1. ed. Rio de Janeiro, 1978, p. 455.

      29 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 664.

      nacional Privado, a qualificação remete à operação de averiguar a instituição ju- rídica correspondente ao fato interjurisdicional, buscando, a partir do elemento de conexão tido como conveniente, a lei substantiva aplicável ao fato interjurisdi- cional30.

      É importante ressaltar que, no sentido de classificação e caracterização, a qualificação deve ser feita em relação ao fato e à lei, notadamente quando se bus- ca ligar um determinado fato a um sistema jurídico31.

      Ainda em relação a esses apontamentos iniciais, vale destacar que o direito estrangeiro é interpretado conforme os ensinamentos da doutrina estrangeira e da prática de sua jurisprudência32, e que a LINDB (art. 16) não admite a remissão, o que significa que, ao qualificar o fato interjurisdicional, deve-se considerar o direito substancial alienígena, desconsiderando as normas de direito internacio- nal privado do país a que pertencer33.


    2. Objeto que se pretende qualificar

      A qualificação ora debatida decorre da relação existente entre o trustee e o beneficiário, tendo como referências os bens que constituem o trust serem situa- dos no exterior. Neste corte, estamos considerando a hipótese de o beneficiário ser pessoa física residente fiscal no Brasil na forma da legislação tributária34, e, por consequência, a incidência de imposto de renda em bases universais, alcan- çando a totalidade dos rendimentos auferidos aqui ou no exterior, conforme prin- cípio da universalidade adotado pelo nosso Direito35.

      A hipótese que se examina é de trust irrevogável, beneficiário especificado no instrumento de constituição do trust, sendo que o settlor não figura como bene- ficiário. O beneficiário na hipótese é titular de rendimentos e, com a extinção do trust pela morte do settlor, de bens de propriedade legal do trustee. Não consta no exemplo qualquer outra condição (suspensiva ou resolutiva) no deed (também de- nominado trust instrument).

      Deixa-se aqui uma consideração importante: o tema será desenvolvido, em linhas gerais, a partir da especificação dessa hipótese. Não se está tomando uma


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      30 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 3. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.

      31 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado (parte geral). 4. ed., atual. Rio de Janeiro: Reno- var, 1997, p. 328.

      32 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado (parte geral). 4. ed., atual. Rio de Janeiro: Reno- var, 1997, p. 338.

      33 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 421.

      34 Especialmente, BRASIL. Instrução Normativa SRF n. 208, de 27 de setembro de 2002. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15079. Acesso em: 25 fev. 2021.

      35 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed., reformulada e atualizada até setembro de 2015 com a colaboração de Roberto Duque Estrada e Renata Emery. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 513.

      referência normativa específica (por exemplo, um trust constituído em determi- nado local, segundo sistema jurídico específico) e não há descrição detalhada na hipótese. Assim, necessário alertar que diferenças, ainda que pequenas, em rela- ção aos fatos e aos sistemas jurídicos podem gerar mudanças nas conclusões36.


    3. A qualificação das relações existentes entre beneficiário e trustee

      considerando os bens que constituem o trust

      Há alguns métodos possíveis para que se qualifiquem as relações jurídicas extraídas de trust constituído no exterior. Salomão busca a qualificação a partir da compreensão de cada um dos direitos e das obrigações extraídos do trust37. A constituição do trust pelo settlor, com a transmissão de bens ao trustee, teria natu- reza contratual38. Assim, a relação neste ponto seria regida pela “lei do local onde seja assinado o contrato que efetua ou promete a transferência dos bens”39, nos termos do art. 9º da LINDB. Da mesma forma em relação aos direitos e às obri- gações que vinculam o trustee e beneficiário: são de natureza obrigacional e “re- ger-se-ão pela lei do local em que foi assinado o ato constitutivo do trust40.

      Não obstante, em relação aos bens, os direitos conferidos ao beneficiário seriam de natureza real, aplicando-se, assim, a lei do local onde estiverem situa- dos para sua qualificação, nos termos do art. 8º da LINDB41.

      A justificativa do autor está centrada na proteção ao direito de sequela42: ao conceder direito real, estariam sendo garantidos mecanismos de proteção ao be-



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      36 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. O tratamento fiscal do trust em situações internacionais. In: PAN- ZARINI FILHO, Clóvis et al. (coord.). Revista de Direito Tributário Internacional ano 1, n. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 170/171.

      37 SALOMÃO, Eduardo Neto. O trust e o direito brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan Edi- tora, 2016. 20 Mb; Epub, p. 24-25. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788599519950/. Acesso em: 14 jan. 2021, p. 103.

      38 Vale a observação que o próprio Salomão, na página seguinte, ao tratar da relação entre o trustee e o beneficiário, nega a natureza contratual do trust na medida em que a constituição do trust não dependeria da aceitação do trustee ou do beneficiário. Seria um ato unilateral de vontade do settlor (SALOMÃO, Eduardo Neto. O trust e o direito brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan Editora, 2016. 20 Mb; Epub, p. 24-25. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788599519950/. Acesso em: 14 jan. 2021, p. 104).

      39 SALOMÃO, Eduardo Neto. O trust e o direito brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan Edi- tora, 2016. 20 Mb; Epub, p. 24-25. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788599519950/. Acesso em: 14 jan. 2021, p. 104.

      40 SALOMÃO, Eduardo Neto. O trust e o direito brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan Edi- tora, 2016. 20 Mb; Epub, p. 24-25. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788599519950/. Acesso em: 14 jan. 2021, p. 104.

      41 SALOMÃO, Eduardo Neto. O trust e o direito brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan Edi- tora, 2016. 20 Mb; Epub, p. 24-25. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788599519950/. Acesso em: 14 jan. 2021, p. 105.

      42 SALOMÃO, Eduardo Neto. O trust e o direito brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Trevisan Edi- tora, 2016. 20 Mb; Epub, p. 24-25. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/ books/9788599519950/. Acesso em: 14 jan. 2021, p. 105.

      neficiário, inclusive, em casos de alienação de bens pelos trustee, em desacordo com o estipulado pelo settlor.

      Nesse mesmo sentido, vislumbrando a existência de direitos reais em favor do beneficiário, defendendo a centralidade da autonomia da vontade para o trust e trazendo ainda como argumento o fato de que também no Brasil há direitos reais com limitação aos atributos da propriedade (dispor, usar e fruir), ressalta-se a posição de Almeida43.

      Há posicionamento em sentido contrário, compreendendo o direito do be- neficiário como de natureza obrigacional. Ao analisar a figura do beneficiário no contexto do trust, Calil traz os seguintes argumentos que justificam o seu enten- dimento de que a natureza seria obrigacional: (i) o beneficiário teria o direito de exigir do trustee os deveres fiduciários conforme o trust instrument; (ii) os direitos do beneficiário não decorreriam de “uma relação direta dele com os bens que formam o patrimônio do trust, mas sim da relação jurídica com o trustee”; (iii) o direito de sequela não permitiria “ao beneficiário reaver o bem para si, mas ape- nas forçar o adquirente a respeitar a destinação do bem e dos seus respectivos rendimentos nos termos do trust instrument”; (iv) a possibilidade conferida ao be- neficiário de ceder seus direitos econômicos decorrentes de trust a terceiros ou mesmo constituir um subtrust, mantida a propriedade dos bens ao trustee; (v) a taxatividade dos direitos reais no direito brasileiro e a ausência no rol do trust44.


    4. A qualificação da propriedade conforme experiência jurídica anglo- saxônica: a propriedade econômica do beneficiário

      A partir da harmonização da contabilidade brasileira com os padrões contá- beis internacionais consubstanciada nas Leis n. 11.638, de 2007, e n. 11.941, de 2009, seria possível constatar a existência de dois patrimônios: um, que seria re- gido pelo princípio da legalidade e encontraria suas bases teóricas no direito civil, sendo uma universalidade constituída por relações jurídicas dotadas de valor eco- nômico45. Outro, em que prevaleceria a essência econômica sobre a forma jurídi- ca, buscando em fatos pretéritos e em visão prospectiva econômica captar a reali- dade da empresa46.

      Discutindo os conceitos de patrimônio e buscando trazer referencial teórico na experiência anglo-saxônica para justificar a maior aceitação da prevalência da


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      43 ALMEIDA, Verônica Scriptore Freire e. O direito dos trusts no Brasil. São Paulo: Almedina, 2020, p. 240/242.

      44 CALIL, Ricardo. A incidência do Imposto de Renda e do ITCMD em operações com trusts. Revis- ta Direito Tributário Internacional Atual vol. 04. São Paulo: IBDT, 2018, p. 186 e 189.

      45 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 82/87.

      46 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 54/60.

      essência econômica sobre a forma no âmbito da common law, Schoueri traça inte- ressante paralelo na divisão da propriedade inerente ao trust47.

      Com efeito, Schoueri ressalta que a propriedade na experiência jurídica an- glo-saxônica estaria associada à noção de ownership. Por sua vez, a ownership com- portaria uma divisão entre o titular jurídico sobre o bem (legal ownership) e o que dele se aproveita (beneficial equitable ownership). Desta sorte, a própria proprieda- de que seria dividida entre o trustee e o beneficiário; e não os seus atributos. Ao trustee seria assegurada a propriedade legal. Ao beneficiário a propriedade eco- nômica48. No fim das constas, o beneficiário deteria o efetivo controle do bem, ainda que a propriedade formal pertença ao trustee49.

      A partir do raciocínio de Schoueri e indo um pouco além, pode-se concluir que, considerado o patrimônio tal qual definido pelo direito civil brasileiro, o beneficiário não teria propriamente um direito real em decorrência do trust, já que nenhum novo direito teria se incorporado ao seu patrimônio com lastro em título jurídico apto para tanto. Somente após a efetiva transferência dos bens pelo trustee ao beneficiário, com a extinção do trust, é que se poderia falar em aumen- to patrimonial do beneficiário.

      De outro lado, se tomada a realidade econômica na formação do patrimô- nio, seria possível constatar na posição de beneficiário de trust um elemento posi- tivo em relação aos bens, mesmo antes da extinção do trust. O fato de deter um controle econômico dos bens que constituem o trust seria suficiente para reconhe- cer no patrimônio dos beneficiários a existência desses ativos.


    5. A qualificação da regra tributária

      A regra tributária contempla em seu antecedente a hipótese tributária50 (fato gerador em abstrato) consubstanciada na descrição de um fato (ou complexo de fatos). Conforme o Código Tributário Nacional (CTN), ocorrido o fato (fato gera- dor em concreto), surge a obrigação tributária (art. 113, § 1º). Considera-se ocor- rido o fato gerador, tratando-se de situação de fato, a partir do momento em que verificadas as circunstâncias materiais a que produza os seus efeitos; tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída na forma do direito aplicável (CTN, art. 116, I e II).


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      47 SCHOUERI, Luís Eduardo. Nova contabilidade e tributação: da propriedade à beneficial owner- ship. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias ju- rídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. vol. 5, p. 211/217.

      48 SCHOUERI, Luís Eduardo. Nova contabilidade e tributação: da propriedade à beneficial owner- ship. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias ju- rídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. vol. 5, p. 212/213.

      49 SCHOUERI, Luís Eduardo. Nova contabilidade e tributação: da propriedade à beneficial owner- ship. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias ju- rídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2014. vol. 5, p. 216.

      50 Utiliza-se aqui a nomenclatura proposta pelo professor Schoueri (SCHOUERI, Luís Eduardo.

      Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 524/525).

      A interpretação e aplicação da regra “exige uma avaliação de correspondên- cia entre a construção conceitual dos fatos e a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte”51. Neste ponto, é possível entender que está superada a incidência imediata, instantânea, infalível e automática da regra tri- butária52. Necessária a intervenção humana na construção das normas e dos fatos, qualificando-os. Umas e outros, as normas e os fatos, devem ser qualificados: os fatos devem ser qualificados tendo como referência as normas e, da mesma for- ma, as normas devem ser qualificadas considerando os fatos53. Ou seja: vai-se “da norma ao fato e vice-versa, cotejando-os e aferindo-os repetidas vezes até formar a sua convicção jurídica”54.

      No contexto deste trabalho, a qualificação do fato é problemática já que depende da escolha dos elementos que importam para compreensão das relações que formam o trust e de se estabelecer adequadamente qual a lei substantiva apli- cável, considerando os critérios de conexão que se apresentam e a ausência de regramento do trust no Brasil. Necessário ter em consideração o direito estrangei- ro para efetuar a qualificação (CTN, art. 101); bem como a norma tributária bra- sileira.


      1. Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (IR)

        Por decorrência ( já que a qualificação do fato tem como referência a regra jurídica, e vice-versa), problemática também é a qualificação jurídica55, com a construção da regra tributária a partir das normas56. A Constituição da Repúbli- ca Federativa do Brasil de 1988 (CF) estabelece a competência da União para instituir impostos sobre “renda e proventos de qualquer natureza” (art. 153, III). Cumprindo o papel que cabe à lei complementar conforme a CF (art. 146, III, a), o CTN dispõe que o IR tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: de renda, assim entendido o produto do capital, do tra- balho ou da combinação de ambos; de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (art. 43, I e II).


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        51 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 98/99.

        52 BECKER, Alfredo Augusto (1928 – 1986). Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 307/308.

        53 GALENDI JÚNIOR, Ricardo André. A consideração econômica no direito tributário. São Paulo: IBDT, 2020, p. 63/64.

        54 REALE, Miguel (1910-2006). Lições preliminares de direito. 20. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 297.

        55 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 316.

        56 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 50/55.

        Na visão de Ricardo Mariz de Oliveira, o fato-signo57 adotado pela CF para o IR faria referência indireta e implícita ao conceito de patrimônio, já que a sua incidência se daria sobre os efeitos dos fatos e atos no patrimônio. E, por força dos arts. 109 e 110 da CF, o patrimônio deveria ser entendido conforme sua concei- tuação de Direito Privado58.

        Destarte, como o patrimônio para a lei cível é formado por todos os direitos e obrigações de conteúdo econômico da pessoa59, os efeitos dos fatos e dos atos no patrimônio só ocorreriam conforme o Direito Privado. As novas relações jurídicas que acrescentam novos direitos ou novas obrigações ou a extinção de relações jurídicas com conteúdo econômico são disciplinadas pelo Direito Cível. Só afetam o patrimônio, alterando-o, provocando mutações, conforme disciplinado pelo Di- reito Privado60.

        A consequência disso é que as mutações positivas, ou seja, os acréscimos pa- trimoniais, só são relevantes para fins de incidência de IR se o direito ampara a aquisição da renda ou do provento. Isso ocorreria na quase totalidade de acrésci- mos patrimoniais61. As exceções (ligadas à dívida de jogo e aos ilícitos62) seriam tributáveis com fundamento na aquisição de disponibilidade econômica, na me- dida em que, ainda que se enquadrem em situação de fato e, portanto, não au- mentariam o patrimônio da pessoa, da situação de fato (derivada do ato físico de apropriação que gera enriquecimento) decorreria, em um segundo momento, a aquisição de um direito. Assim, “quando há disponibilidade econômica, esta pre- cede a disponibilidade jurídica, pois a posse deriva de uma situação de fato, e a aquisição do direito de propriedade é consequente à aquisição da posse”63.

        No fim das contas, para Ricardo Mariz de Oliveira, a hipótese para incidên- cia do IR seria sempre um acréscimo patrimonial (prevalência da teoria da ren- da-acréscimo), fixada a partir do direito civil, “mas desde que produzido por rendas ou proventos de qualquer natureza”64. E no conceito de renda e de proven-


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        57 BECKER, Alfredo Augusto (1928 – 1986). Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 503/505.

        58 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 63/68.

        59 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 82/85.

        60 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 88/90.

        61 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 380.

        62 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 389.

        63 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 391.

        64 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 175.

        to de qualquer natureza deve-se considerar a noção de receita, já que aquelas es- tão compreendidas nesta65.

        Dessa maneira, e considerando os seus pressupostos e os seus elementos ca- racterísticos e analíticos66, a receita, como remuneração de prestação cumprida67, vem a ser um novo elemento ou valor positivo que se agrega ao patrimônio, “des- de que seja uma ação do titular desse patrimônio ou um recurso pertencente ao próprio patrimônio, e que não acarrete para o seu adquirente (o titular do patri- mônio) qualquer nova obrigação”68.

        Em artigo questionador sobre o mito do lucro real, Luís Eduardo Schoueri segue outra linha para construir a regra tributária do imposto de renda, quanto ao desenho da sua hipótese de incidência. Após explicar as teorias que buscam trazer à tona o significado de renda (renda-produto, renda-acréscimo patrimo- nial e teoria legalista69), afirma que, dentro da noção econômica de renda que se extrai da CF, coube ao CTN o papel definido à lei complementar: conceituar renda tomando por base princípios constitucionais e a finalidade de não invadir as competências atribuídas aos demais entes70. E, cumprindo o papel, o CTN te- ria admitido as teorias da renda-produto e da renda-acréscimo. Vale dizer, qual- quer delas seria suficiente para permitir a aferição da renda tributável71.

        Nesta esteira, e conforme o art. 43 do CTN, para incidência do IR seria ne- cessária a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica da renda. Qualquer disponibilidade bastaria para incidência do imposto. A disponibilidade econômi- ca faria referência a um sentido econômico do patrimônio. A jurídica remeteria a um sentido cível. Nesta, seria necessária a existência de um título jurídico para que houvesse acréscimo patrimonial. Naquela, prescindível a existência de um


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        65 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 174.

        66 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 131/137.

        67 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 130.

        68 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 133/134.

        69 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 242/245.

        70 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 246.

        71 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 246.

        título jurídico; sendo que “a possibilidade de usar e fruir de um bem, assim, seria indicativo de disponibilidade econômica e revelaria, desta forma, a existência de um acréscimo patrimonial passível de tributação pelo imposto de renda”72.

        Para o IR, portanto, o legislador tributário seria livre para valer-se de estru- turas de Direito Privado, ou não, a fim de fixar a hipótese de incidência. Seria essa, aliás, uma “contribuição fundamental da consideração econômica para o Direito Tributário”73.

        A consideração econômica, entendida como interpretação teleológica da norma, teria limites claros: não se aplica às hipóteses em que o legislador não contemplou situações econômicas para hipótese tributária, mas teria utilizado categorias do Direito Civil74. A qualificação com base na referência à consideração econômica só faz sentido se a regra tributária possibilitar tal hipótese75. A atribui- ção de conceitos autônomos de direito tributário, inclusive a partir da interpreta- ção teleológica da norma tributária, é fixada como base para fundamentar o processo de qualificação das relações que são extraídas do trust neste trabalho. No entanto, vale a observação de que parece prevalecer na doutrina brasileira a defesa do primado do direito civil76, o que pode afastar o raciocínio aqui desen- volvido.

        De todo modo, tendo como referência a incidência de IR, seria possível, ao qualificar os fatos relativos ao trust, fazer uso da consideração econômica enquan- to interpretação teleológica da norma tributária, com implicações sobre o reco- nhecimento da propriedade econômica do beneficiário de trust como elemento ativo do seu patrimônio.


      2. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD)

        Para o imposto sobre heranças e doações, parece-nos que a própria CF fez referência a institutos do direito privado, ao indicar a materialidade do imposto. Aqui, não haveria espaço para consideração econômica.

        Com efeito, a CF atribui aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir imposto sobre transmissão causa mortis ou por doação de quaisquer bens ou direitos – ITCMD (CF, art. 155, I). Conforme observa Ricardo Mariz de



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        72 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 251.

        73 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 748.

        74 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 763.

        75 GALENDI JÚNIOR, Ricardo André. A consideração econômica no direito tributário. São Paulo: IBDT, 2020, p. 381.

        76 GALENDI JÚNIOR, Ricardo André. A consideração econômica no direito tributário. São Paulo: IBDT, 2020, p. 399.

        Oliveira, “o legislador não pode dar como morto para fins fiscais alguém que es- teja vivo segundo o direito civil, ou dizer algo diferente do direito civil quanto à existência da sucessão por morte, nem pode equiparar à doação algo que não o seja como um comodato feito a um não parente”77. Ou seja, o ITCMD contempla- ria fatos geradores estruturais (consubstanciados em estruturas jurídicas do direi- to privado), diferentemente do IR, cujo fato gerador seria do tipo funcional78.

        O CTN não trata especificamente do ITCMD, até porque tinha como refe- rência a Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, cujo art. 9º atribuía aos Estados imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imó- veis79. De toda forma, o CTN, ao tratar da transmissão de bens imóveis, o faz com referência específica ao direito civil (CTN, art. 35, I). Cabe aos Estados80 a insti- tuição e a regulamentação do imposto81.

        Na forma da legislação e conforme limites extraídos da própria Constitui- ção, em relação à doação, tem-se no antecedente da regra-matriz o seguinte cri- tério material: adquirir, a título gratuito, bem móvel ou imóvel82. O que se tributa, portanto, é o acréscimo patrimonial proveniente da doação83. Exige-se a trans-


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        77 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 66.

        78 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 433.

        79 Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc18-65.htm. Acesso em: 25 fev. 2021.

        80 Neste sentido de possibilitar o exercício da competência tributária ampla pelos Estados ante a ausência de lei complementar, menciona-se o seguinte entendimento do STF:

        “Ementa: Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Tributário. Imposto so- bre a doação de bens móveis. Ausência de lei complementar nacional que disponha sobre o tribu- to nos termos do art. 146, III, a, da Constituição. Exercício da competência tributária plena pelos estados membros com amparo no art. 24, § 3º, da Constituição e do art. 34, § 3º, do ADCT. Pre- cedentes. Julgamento da matéria nos termos do art. 557, caput, do CPC. Possibilidade. Agravo improvido. I – Ante a omissão do legislador federal em estabelecer as normas gerais pertinentes ao imposto sobre a doação de bens móveis, os Estados-membros podem fazer uso de sua compe- tência legislativa plena com fulcro no art. 24, § 3º, da Constituição e art. 34, § 3º, do ADCT. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.”

        (RE n. 607.546 AgR, Rel. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 23.08.2011, DJe- 171, divulg. 05.09.2011, public. 06.09.2011, ement. vol. 2581-02, p. 250 RT vol. 100, n. 914, 2011,

        p. 447-451. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3817568. Acesso em: 26 fev. 2021)

        81 No Estado de São Paulo, a instituição do ITCMD decorre atualmente da Lei n. 10.705/2000, re- gulamentada pelo Decreto n. 46.655/2002.

        82 Concordamos com a observação realizada por José Alberto Oliveira Macedo, no sentido de que, para o imposto de doação, em respeito ao princípio da capacidade contributiva, o critério mate- rial deve ser o de adquirir. Quem doa não tem capacidade contributiva e, portanto, não é contri- buinte. Só o donatário pode realizar o fato jurídico tributário (ITBI – aspectos constitucionais e infraconstitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 179).

        83 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro (comentários à Constituição e ao Código Tributário Nacional, artigo por artigo). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 476.

        missão de titularidade do bem, de forma não onerosa, para que ocorra a incidên- cia da norma tributária em referência. Mas não basta a transmissão não onerosa, é necessário que esteja presente o contrato de doação.

        Na forma da lei civil (CTN, arts. 109 e 110), a doação pressupõe a transferên- cia de propriedade, por negócio jurídico competente (CC, art. 538). Exige decla- ração expressa do doador e aceitação do donatário84.

        A transmissão por doação só se aperfeiçoa para bens imóveis se realizada por instrumento público ou particular (CC, art. 541). A doação informal (verbal) só seria válida para bens móveis de pequeno valor e, ainda assim, se se seguisse incontinenti ao ato a tradição (CC, art. 541, parágrafo único).

        Veja-se, assim, que “nem todos os negócios jurídicos gratuitos são doações”85. Não se confunde com o comodato ou com a concessão de direito real de uso86. Depende da constatação de que houve aumento do patrimônio do donatário e diminuição do patrimônio do doador, em relação de causalidade: o aumento de- corre da diminuição87; considerando sempre o elemento volitivo consubstanciado na liberalidade (animus donandi).

        O imposto decorrente da transferência de bens por sucessão considera insti- tutos de Direito Privado na fixação do seu perfil. A hipótese de incidência con- templa a transmissão88 decorrente de sucessão legítima ou testamentária, confor- me regulamentado pelo direito civil (CC, arts. 1.784 e seguintes). Todavia, há maior amplitude no desenho que se extrai da regra de competência já que a Constituição se refere a transmissão causa mortis de quaisquer bens ou direitos. “Dá, pois, elastério ao legislador estadual”89, para contemplar todos os eventos causa mortis que gere a transmissão de quaisquer bens ou direitos.


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        84 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Edu- cação, 2018. vol. 3: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 254 e 257.

        85 MIRANDA, Pontes de (1892-1979). Tratado de direito privado – direitos das obrigações: negócios jurídicos bilaterais e... atualizado por Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. São Paulo: RT, 2012, parte especial, tomo XXXVIII, p. 506.

        86 “Processo civil – apelação cível – contrato de concessão de direito real de uso – ITCD – incidência

        – impossibilidade – embargos de declaração – omissão – inexistência. Embargos declaratórios desarticulados com a regra hospedada no artigo 535 e seus incisos não comportam acolhimento.” (TJDF. Acórdão n. 898.818, Autos n. 20140110367887APO, Rel. J. J. Costa Carvalho, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 30.09.2015, publicado no DJe: 09.10.2015, p. 174. Disponível em: https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoele- tronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordao. Acesso em: 26 fev. 2021).

        87 MIRANDA, Pontes de (1892-1979). Tratado de direito privado – direitos das obrigações: contrato de seguro (continuação), seguro ; atualizado por Bruno Miragem. São Paulo: RT, 2012, parte es-

        pecial, tomo XLVI, p. 272.

        88 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 248.

        89 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro (comentários à Constituição e ao Código Tributário Nacional, artigo por artigo). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 477.

        O que se observa, portanto, é que o fato gerador do ITCMD está estruturado conforme situação jurídica: transmissão por doação ou em decorrência de morte. Sua ocorrência se dá com o preenchimento dos requisitos estabelecidos pelo Direi- to Civil (CTN, art. 116, II), o que afasta, em princípio, a consideração econômica.

        Em princípio, porque, diferentemente da doação, ao legislador dos Estados e do Distrito Federal é dada a possibilidade de instituir tributo que contemple qualquer ato causa mortis que implique transmissão de bens ou direitos. Assim, reconhecido como válido perante a legislação brasileira determinado mecanismo jurídico de transmissão causa mortis, é possível que haja a tributação. A Constitui- ção contempla na regra de competência elementos do Direito Privado que não podem ser alterados (conceitos de morte e de transmissão), mas dá maior abertu- ra ao legislador (se comparada à hipótese de doação).


    6. A qualificação do fato interjurisdicional tendo como referência a norma tributária

      Das considerações até agora feitas, é possível concluir pela dificuldade de se atribuir qualificação jurídica ao fato ocorrido no exterior, especialmente quando o instituto não tem correspondência e regulamentação no sistema jurídico brasi- leiro.

      Aprofundando o assunto, ressalta-se que, para efeitos fiscais, as relações ju- rídicas do trust devem ser examinadas à luz do direito estrangeiro (CTN, art. 101), mas só até determinado ponto. O direito estrangeiro é utilizado para qualificar as relações, mas, em regra, não se aplicam leis tributárias estrangeiras90.

      Não há irrelevância do direito alienígena na qualificação do fato e atribui- ção dos seus efeitos. Ao contrário: o fato interjurisdicional tem seus efeitos regu- lados pelo direito substantivo estrangeiro aplicável. Porém, com restrições: não é possível (como regra) a aplicação do direito tributário estrangeiro; bem como, não se pode tomar o referencial estrangeiro quando a Constituição brasileira utilizar conceitos de direito privado (vale dizer: conceitos de direito privado brasileiro) para fixar a regra de competência. “Prevalece, sobranceira, a Constituição da República, que se põe acima das leis.”91

      Ainda que se tome a convenção de Haia a fim de se analisar as relações que formam o trust, ainda assim, não se poderia resolver a questão da qualificação dos fatos para fins fiscais, por expressa restrição contida na própria convenção (art. 19), e porque, como regra, “assuntos fiscais estão subordinados à legislação dos Estados”92.


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      90 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed., reformulada e atualizada até setembro de 2015 com a colaboração de Roberto Duque Estrada e Renata Emery. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 135, p. 10.

      91 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro (comentários à Constituição e ao Código tributário nacional, artigo por artigo). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 561.

      92 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. In:

      Melhor explicando, tomemos como exemplo hipotético a circunstância de determinado sistema jurídico conceber como fato gerador em abstrato do IR a transferência de bens por meio do que conhecemos93 como doação. Ainda que a operação se realize no exterior, sob o regime jurídico alienígena, à União não seria possível tributar a doação como se ganho de capital fosse. O donatário (resi- dente fiscal no Brasil) poderia estar sujeito ao ITCMD, mas não poderia ser obri- gado ao pagamento de IR. Entra aqui não só a questão da prevalência da Consti- tuição, bem como, a regra de que não se aplicam leis tributárias estrangeiras.

      Situação mais complexa se dá quando o sistema alienígena qualifica deter- minada situação de forma similar (mais não idêntica) ao nosso sistema. Novamen- te, em exemplo imaginário: considerar que o direito (privado) de determinado país considere configurada a doação, mesmo sem a aceitação do donatário. Esta- ria configurada a doação com o mero ato do doador, nessa hipótese.

      Considerando a natureza contratual atribuída à doação pelo nosso sistema, com necessidade específica de aceitação do donatário para aperfeiçoamento da relação94, e considerando que, neste caso, pode-se entender que a Constituição, ao atribuir a competência para instituição de ITCMD aos Estados e ao Distrito Federal, utilizou conceito advindo de Direito Privado (CTN, art. 110), não seria possível o surgimento da obrigação tributária, por ausência de formação da situa- ção jurídica (CTN, art. 116, II), ainda que o direito alienígena tenha qualificado o fato como doação.

      Isso porque, ao referir-se à doação para atribuir a competência aos Estados e ao Distrito Federal, a Constituição tomou o instituto do Direito Privado brasilei- ro. Não se podendo alterar tal instituto para efeitos fiscais, mesmo na qualifica- ção da situação jurídica ocorrida no exterior, sob a pena de se violar o art. 155, I, da CF.

      Já em relação ao IR e considerando a análise específica objeto deste estudo, o direito alienígena parece ter maior relevância em aspecto importante e decisivo para qualificação do fato jurídico. Embora a posição dominante seja no sentido de se admitir a possibilidade de a lei ordinária prescrever livremente o critério espacial do imposto de renda95, o fato jurídico pode ser qualificado tendo como referencial o sistema jurídico alienígena e o sistema jurídico brasileiro, nos aspec- tos relevantes para a correta construção do fato e da norma.



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      SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em ho- menagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 396.

      93 Conhecemos com base no nosso Direito Civil.

      94 Estamos adotando esta premissa de necessidade de aceitação do donatário, ainda que haja discus- são doutrinária a respeito, notadamente com a alteração na disciplina jurídica promovida pelo Código Civil de 2002 (vide arts. 538 do atual CC; e 1.165 do CC de 1916).

      95 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 439.

      É possível considerar que, ao conceder à União a competência para instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (CF, art. 153, III), o cons- tituinte originário tenha utilizado um tipo. Não se pode definir o que é renda e proventos de qualquer natureza a partir da Constituição. À lei complementar é dado o papel de conceituar renda, dentro da ampla noção econômica de renda que se extrai da Constituição96.

      Ao conceituar renda, o CTN não excluiu determinada noção econômica para configuração do fato gerador em abstrato. Ao contrário, consubstanciou o fato gerador não só na aquisição de disponibilidade jurídica, como também na aquisição da disponibilidade econômica de renda (CTN, art. 43); e dispôs expres- samente que, além da situação jurídica, a situação fática poderia configurar o fato gerador (CTN, art. 116, I).

      O que se sustenta é que, tendo como referência o IR, não há óbice para se qualificar o fato interjurisdicional considerando a aplicação da lei substantiva estrangeira, naquilo que for adequado a desnudar e compreender a relação jurí- dica e seus efeitos jurídicos e econômicos. A consideração econômica ganha rele- vância e não é incompatível com o tipo extraído da Constituição.


  3. A repercussão tributária para o beneficiário de trust: qualificação do fato e consideração econômica

    O desdobramento do direito de propriedade entre o trustee (propriedade formal) e o beneficiário (propriedade econômica) é o efeito jurídico mais essen- cial que se extrai do trust, tal como se obtém pela aplicação do direito alienígena. Esse efeito jurídico, quer se tenha aí um direito real quer um direito pessoal, pode indicar a existência no patrimônio do beneficiário de um direito decorrente do trust.

    Nomeado pelo settlor beneficiário, a pessoa passa a ter direito: sobre os ren- dimentos extraídos do patrimônio que constituem o trust, de sequela em relação aos bens de titularidade formal do trustee, de exigir deveres rígidos de lealdade do trustee97, dos próprios bens, implementada a condição estabelecida no deed, dentre outros. Tal direito tem evidente conteúdo econômico, podendo, inclusive, ser cedido.

    A qualificação do trust conforme o direito estrangeiro, a fim de se extrair daí um direito no patrimônio do beneficiário, não deveria gerar maiores resistências.


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    96 SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 245/246.

    97 SALOMÃO, Eduardo Neto. Trust e deveres de lealdade e sigilo na sociedade anônima brasileira. In: CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; GUERREIRO, Carolina Dias Tavares (coord.). Direito empresarial e outros estudos em homenagem ao professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 296/297.

    Poder-se-ia dizer que a cumulação do direito de propriedade vai de encontro com a ideia de que não pode haver um mesmo direito em dois patrimônios distin- tos98. E que o ingresso do direito no patrimônio jurídico do beneficiário só poderia ocorrer mediante o respeito das formas admitidas no direito civil brasileiro.

    Mas, em relação ao primeiro ponto, deve-se admitir que o direito do benefi- ciário não se confunde com o direito do trustee, notadamente se se admitir a na- tureza pessoal daquele e a real deste. Efetivamente, a propriedade formal dos bens que constituem o trust é afetada às finalidades do trust; e a propriedade econômica que ingressa no patrimônio do beneficiário constitui ativo, possibili- tando a percepção imediata de benefícios econômicos (rendimentos).

    Dessa diferença se extrai que não é o mesmo direito que se encontra no pa- trimônio do trustee (real e formal) e no do beneficiário (pessoal e econômico).

    Ainda que se entenda pela natureza real do direito do beneficiário, ainda assim, ter-se-ia que reconhecer o direito estrangeiro na integralidade, admitindo- se os efeitos reais provenientes do trust, mesmo não sendo considerado o trust um direito real pela legislação brasileira.

    Do segundo obstáculo (inviabilidade de ingresso de tal direito no patrimô- nio do beneficiário ausente o respeito da forma jurídica admitida pelo direito privado), é importante considerar que, para efeitos de imposto de renda, confor- me exposto, entendemos ser possível considerar no patrimônio do beneficiário elementos econômicos. A condição de beneficiário traria como consequência, as- sim, o reconhecimento de um ativo no seu patrimônio, ainda que se considere não introduzido segundo as formas de direito civil. A consideração econômica ganha relevo e ajuda a superar, de certa forma, o problema da qualificação.

    Mesmo que se admitisse a restrição, em raciocínio subsidiário, poder-se-ia reconhecer no patrimônio do beneficiário direito decorrente da sua posição, con- forme direito estrangeiro. Por analogia99, notadamente se se admitir a natureza real do direito do beneficiário, seria equiparável o racional à situação de institui- ção de usufruto. Constituído o usufruto, no patrimônio do usufrutuário encontra- se o direito à posse, uso, administração e percepção de frutos em relação aos bens de titularidade do nu-proprietário (CC, art. 1.394). Constituído o trust, no patri- mônio do beneficiário encontrar-se-iam os direitos a percepção de frutos e de sequela em relação aos bens de titularidade do trustee. Da relação jurídica tem-se ativo com conteúdo econômico (percepção de fruto) que deve ser reconhecido no patrimônio do beneficiário, em razão da qualificação jurídica que se extrai da aplicação da lei estrangeira.


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    98 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 448.

    99 Estamos empregando aqui o raciocínio analógico apenas para ressaltar as semelhanças da situa- ção. Não se está aplicando a analogia a fim de se obter a aplicação da lei tributária, com a exigên- cia de tributo, já que há vedação específica no nosso sistema (CTN, art. 108, § 1º).

    Então, da situação analisada, especificamente em relação ao beneficiário residente no Brasil, de trust constituído no exterior, decorrem três fatos mais des- tacados que demandam análise da sua repercussão tributária: (i) a constituição do trust, com a nomeação do beneficiário, ensejando no seu patrimônio o apareci- mento de novo direito; (ii) em razão desse direito decorrente de sua posição como beneficiário, a percepção de rendimentos produzidos pelos bens, conforme admi- nistração do trustee; (iii) o recebimento dos próprios bens pelo beneficiário, com a extinção do trust na forma disposta pelo settlor no deed (na hipótese, por ocasião da morte do settlor).


    1. A repercussão tributária para o beneficiário de trust: aumento patrimonial do beneficiário em razão da constituição do trust

      Ao ser nomeado beneficiário, passa a pessoa a ter em seu patrimônio a pro- priedade econômica dos bens que constituem o trust. Reconhecida a propriedade econômica como um plus que se agrega ao patrimônio do beneficiário residente fiscal no Brasil, deve-se reconhecer, naturalmente, o aumento patrimonial.

      O aumento patrimonial não decorre de trabalho do beneficiário ou de apli- cação de recurso pertencente ao seu patrimônio. Não se equipara a situação de transferência de patrimônio em razão da extinção do trust. Não é receita e, por- tanto, não constitui renda ou provento de qualquer natureza100. O mero aumento patrimonial, não configurada a renda ou provento de qualquer natureza, não é fato gerador para fins de IR101.

      A discussão sobre a incidência de ITCMD depende da construção da regra tributária, considerando sua matriz constitucional. Ao se referir a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o imposto o constituinte fez refe- rência à transmissão causa mortis e doação (CF, art. 155, I). Utilizou a figura espe- cífica da doação. O léxico deve ser respeitado102. Não faz uso de termo mais am-


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      100 “1º enunciado de elemento específico afirmativo – receita é um novo direito – na sua existência, se se tratar de direito antes inexistente, ou na sua valoração por noto ato ou negócio jurídico bi- lateral ou multilateral, quanto a direitos anteriormente existentes –, direito este de qualquer na- tureza e de qualquer origem, produzido por qualquer causa ou fonte eficiente, desde que seja uma ação do titular desse patrimônio ou um recurso pertencente ao próprio patrimônio, e que não acarrete para o seu adquirente (o titular do patrimônio) qualquer nova obrigação.” (OLIVEI- RA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 133/134)

      101 “A este propósito, na Seção I.7 foi feita uma anotação preliminar de que o fato gerador do impos- to de renda é sempre um acréscimo patrimonial, mas desde que produzido por rendas ou proven- tos de qualquer natureza. Isto significa que os aumentos derivados de transferências patrimoniais não integram o fato gerador do imposto de renda, e nos permite dizer que todo fato gerador desse imposto é acréscimo patrimonial, mas nem todo acréscimo patrimonial é fato gerador dele (nem todos participam do fato gerador).” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. vol. 1, p. 175)

      102 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 100.

      plo, contemplando os vários atos não onerosos que podem levar à transmissão de quaisquer bens ou direitos.

      No raciocínio aqui empregado tem-se que, na constituição do trust, efetiva- mente, é transferida ao beneficiário a propriedade econômica dos bens. Há um aumento patrimonial, sem contraprestação. Todavia, tal figura não se qualifica perfeitamente ao contrato de doação.

      O settlor, ao instituir o trust, não fixa com o beneficiário contrato de doação. O settlor, num primeiro momento, institui o trust justamente para que o trustee administre o patrimônio e, posteriormente, implementada a condição prescrita no instrumento, o transfira ao beneficiário. A intenção do settlor é transferir os bens ao beneficiário, mas apenas em um segundo momento (no caso discutido, com a morte). É o trustee o proprietário formal dos bens até a implementação da condição. A propriedade econômica dos bens passa ao patrimônio do beneficiário como efeito da instituição do trust. Já a propriedade formal depende da extinção do trust.

      Sob a perspectiva do settlor, pode-se entender que há intenção de se efetuar a doação dos bens; mas a atribuição patrimonial decorrente103 é realizada pelo trustee ao beneficiário (e não pelo settlor), conforme estipulado no deed.

      Igualmente, a validade do trust não depende da aceitação do beneficiário. Sequer há necessidade de ciência do beneficiário. E é imprescindível à doação o aceite do donatário104. Vale a observação de que, em muitos casos, efetivamente, desconhece o beneficiário a existência do trust, sem que, com isso, se tenha qual- quer vício. A ausência de doação impede a incidência do ITCMD, já que, neste caso, a Constituição tomou conceito de direito privado para definir a regra de competência.

      Três observações são necessárias, a este respeito: o trust pode ser constituído por ato causa mortis105 e, nessa hipótese, a transmissão do patrimônio econômico ao beneficiário residente no Brasil poderia dar ensejo ao ITCMD. A Constituição estabelece a competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituição do



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      103 “4. Espécies de atribuição patrimoniais gratuitas. – O contrato de doação tem como figurantes o doador e o donatário, mas a atribuição patrimonial pode ser feita, diretamente, pelo doador ao donatário (e.g., se aquele transfere a esse a propriedade ou se constitui a favor desse, direito real ou pessoal), como pode ser em virtude de ato jurídico (nem sempre negócio jurídico) com tercei- ro, cujo ato-fato, ou ato jurídico stricto sensu, ou negócio jurídico, aumento o patrimônio do dona- tário (e.g., pagamento da dívida do donatário, construção de casa em terreno do donatário, as- sunção de dívida pelo terceiro).” (MIRANDA, Pontes de (1892-1979). Tratado de direito privado – direitos das obrigações: negócios jurídicos bilaterais e... atualizado por Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. São Paulo: RT, 2012, parte especial, tomo XLVI, p. 274)

      104 “A doação feita sem a anuência do donatário ou em face de sua recusa não se contempla, não desencadeia nenhum efeito jurídico, nem transmite o bem, razão pela qual sobre ela não pode incidir o imposto” (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed., rev. e atual. Atualiza- da por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 260).

      105 Vide, por exemplo, art. 2º da referida Convenção de Haia.

      imposto sobre a transmissão causa mortis de quaisquer bens ou direitos. Havendo a transmissão causa mortis, por qualquer meio admitido pelo direito (o que inclui o trust instituído em ato causa mortis), seria possível ao ITCMD alcançar a situação. A matriz constitucional aqui tem contornos mais amplos: do texto não se extraem limitações sobre as formas que podem ocorrer a transmissão em razão da morte. Dessa maneira, aos Estados e ao Distrito Federal é dada a competência para instituir o imposto sobre qualquer ato causa mortis que implique transferência de bens ou direitos; o que inclui e abarca a hipótese de transferência de bens causa

      mortis em decorrência da constituição de trust.

      A segunda observação importante decorre do fato de que a Constituição reserva à Lei Complementar a competência para instituir o ITCMD se o doador tiver domicílio ou residência no exterior; bem como, se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (CF, art. 155, § 1º, I e II). Essas situações podem estar presentes na análise de proble- máticas envolvendo o trust, em relação à repercussão tributária decorrente.

      Alguns Estados (São Paulo e Minas Gerais, por exemplo) possuem legislação contemplando a tributação (ITCMD) para transmissão de bens por doação ou mesmo ato causa mortis nas hipóteses reservadas pela Constituição à Lei Comple- mentar. Contudo, encontra-se no Judiciário posicionamento afastando as cobran- ças fixadas nessas hipóteses (baseadas em lei ordinária dos Estados), justamente por falta de lei complementar106.

      Ressalta-se sobre o tema que o STF afetou recurso extraordinário com re- percussão geral para analisar a questão (RE n. 851.108/SP). Houve julgamento107 sobre constitucionalidade da lei paulista (Lei n. 10.705/2000) que previa a inci- dência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), ainda que o de cujus possua bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado fora do país (art. 4º). O teste de adequação da lei à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 decorre, conforme exposto, da reserva material estabelecida à lei complementar justamente nas hi- póteses de o doador ter domicílio ou residência no exterior ou de o de cujos pos- suir bens, ser residente ou domiciliado ou ter o seu inventário processado no ex- terior (CF, art. 155, § 1º, III, “a” e “b”).


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      106 “Ação declaratória. ITCMD. Recolhimento do ITCMD sobre os valores (bem incorpóreo) de doa- ção feita por residente no exterior. Inadmissibilidade. Inexigibilidade sobre valores na hipótese de o doador residir no exterior Inconstitucionalidade do art. 4º, II, ‘b’ da Lei Estadual nº 10.705/2000 reconhecida pelo C. Órgão Especial Inexistência de lei complementar federal. Sen- tença de procedência mantida.” (TJSP. Ap. n. 1037128-48.2018.8.26.0053.Segunda Câmara de Direito Público. Rel. Des. Claudio Augusto Pedrassi. Julgamento em 12.02.2019. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do. Acesso em: 26 fev. 2021)

      107 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 851.108 RG. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgada a reper- cussão geral em 25.06.2015, processo eletrônico DJe-163, divulg. 19.08.2015, public. 20.08.2015. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4667945. Acesso em: 02 set. 2021.

      A partir do voto do Ministro Relator Dias Toffoli, o STF decidiu pela impres- cindibilidade da lei complementar e, assim, concluiu que a lei paulista deve ser entendida como de eficácia contida (“pois depende de lei complementar para operar seus efeitos”). Dessa maneira, pode-se concluir que, ainda que possível em tese a incidência de ITCMD por ato causa mortis na hipótese de transmissão da propriedade econômica de bens situados no exterior ao beneficiário residente no Brasil, por ausência de lei complementar regulando a matéria, seria inviável a exação fundada em lei ordinária de determinado estado.

      A terceira observação decorre do raciocínio analógico acima realizado, con- siderando o instituto de usufruto. Consta na legislação paulista a incidência de ITCMD na instituição de usufruto por ato não oneroso (Lei n. 10.705/2000, art. 9º, §§ 2º e 3º) e a isenção do imposto na transmissão causa mortis, em razão da extinção do usufruto, quando o nu-proprietário tiver sido o instituidor (Lei n. 10.705/2000, art. 6º, I, “f”). Assim, poder-se-ia entender que a legislação paulista compreende na hipótese tributária do imposto a situação de transmissão dos di- reitos em razão da instituição do usufruto. O raciocínio análogo indevido (CTN, art. 108, § 1º) poderia levar à conclusão de incidência do ITCMD na hipótese da instituição do trust, em relação à propriedade econômica estabelecida ao benefi- ciário.

      Não obstante os termos da legislação paulista, pelos mesmos motivos que entendemos inviável a incidência do ITCMD na constituição do trust ( já que não preenchidos os requisitos para configuração da doação), argumenta-se aqui a in- viabilidade de incidência do imposto na instituição do usufruto. Embora haja transmissão de direitos na instituição do usufruto, a transmissão não decorre de contrato de doação.

      Veja que pode até haver doação de um bem imóvel (por exemplo), com reser- va de usufruto108. Neste caso, o doador guarda para si o direito à posse, uso, ad- ministração e percepção dos frutos. O donatário adquire a propriedade do bem. Seria, assim, possível a incidência do ITCMD sobre a transmissão do bem em razão da doação efetivada, mas não sobre os direitos do usufrutuário (que não foram objetos da transmissão)109.


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      108 Como pode ocorrer a doação do próprio usufruto. Nesse sentido: “... Doa-se o domínio, doa-se a enfiteuse, doa-se o usufruto, doa-se o uso, doa-se o direito de habitação, doa-se o título de crédi- to, doa-se a hipoteca ou qualquer outro direito real de garantia.” (MIRANDA, Pontes de (1892- 1979). Tratado de direito privado – direitos das obrigações: contrato de seguro (continuação), segu- ro ; atualizado por Bruno Miragem. São Paulo: RT, 2012, parte especial, tomo XLVI, p. 270)

      109 Contrariamente ao que está aqui sendo defendido, ressalta-se que há entendimento jurispruden- cial, admitindo a incidência do ITCMD na hipótese de instituição do Usufruto:

      “Apelação – ITCMD – repetição de indébito – usufruto – Pretensão à repetição de indébito tribu- tário referente a ITCMD – Impossibilidade – Tributo devido em virtude de instituição de usufru- to por ocasião de doação não onerosa – Inteligência do art. 9º, § 2º, ‘3’, da Lei Estadual nº 10.705/00 – Sentença mantida – Recurso não provido.” (TJSP. Apelação Cível n. 1070632- 11.2019.8.26.0053, Rel. Marcos Pimentel Tamassia, Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito

      De toda forma, na instituição de usufruto não há doação entre usufrutuário e nu-proprietário. Faltam os requisitos para configuração da doação, inclusive a intenção de doar (animus donandi). Tanto são coisas diferentes (usufruto e doação) que são institutos distintos, com regimes jurídicos próprios (basicamente, Código Civil, arts. 538 a 564 e 1.390 a 1.411) e naturezas distintas (direito real e direito pessoal).


    2. A repercussão tributária para o beneficiário de trust: aumento patrimonial do beneficiário em razão de rendimentos auferidos de trust

      Ao não entender pela existência de um ativo (propriedade econômica) no patrimônio do beneficiário, a maioria da doutrina brasileira que se dedicou ao estudo do tema não reconhece na aquisição de rendimentos decorrentes do trust fato gerador para incidência de IR. Haveria, aí, mera transferência patrimonial110.

      Em sentido outro, entendendo pela incidência de IR, importante mencionar o estudo de Malpighi e Trancoso. Ao analisar a figura do trust segundo uma or- dem de valores a serem preservados, foi considerada a existência de direito real no patrimônio do beneficiário111. Como consequência, o fruto decorrente da atuação do trustee configuraria acréscimo patrimonial, produto do capital de pro- priedade direta do beneficiário, portanto, tributável pelo IR112.

      A superação do intrincado problema de qualificação jurídica da proprieda- de no trust decorreu, no raciocínio dos autores, da apreensão dos efeitos jurídicos considerando, menos as formalidades inerentes ao nosso sistema de direito civil, e mais os valores captados do instituto. Ainda que o nosso direito privado não


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      Público, Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes, 14ª Vara de Fazenda Pública, Data do Julga- mento: 29.09.2020; Data de Registro: 30.09.2020. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/con- sultaCompleta.do. Acesso em: 26 fev. 2021)

      110 SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. O tratamento fiscal do trust em situações internacionais. In: PAN- ZARINI FILHO, Clóvis et al. (coord.). Revista de Direito Tributário Internacional ano 1, n. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 176/177; TORO, Carlos Eduardo Costa M. A. Reflexos fiscais do uso do trust e os limites ao planejamento tributário. In: PANZARINI FILHO, Clóvis et al. (coord.). Revista de Direito Tributário Internacional ano 3, n. 7. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 17/18; OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em ho- menagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 404; CALIL, Ricardo. A incidência do Imposto de Renda e do ITCMD em operações com trusts. Revista Direito Tributário Internacional Atual vol. 04. São Paulo: IBDT, 2018, p. 197.

      111 MALPIGHI, Caio Cesar Soares; TRONCOSO, Antonio Oliveira Ribeiro. A Solução de Consulta COSIT n. 41/2020 e o recebimento de valores por residente fiscal no Brasil na qualidade de be- neficiário de trust firmado no exterior. Revista Direito Tributário Internacional Atual vol. 07. São Paulo: IBDT, 2020, p. 134/135.

      112 MALPIGHI, Caio Cesar Soares; TRONCOSO, Antonio Oliveira Ribeiro. A Solução de Consulta COSIT n. 41/2020 e o recebimento de valores por residente fiscal no Brasil na qualidade de be- neficiário de trust firmado no exterior. Revista Direito Tributário Internacional Atual vol. 07. São Paulo: IBDT, 2020, p. 136.

      reconheça na lista de direitos reais o trust, seria possível ter no patrimônio do beneficiário um direito real. Da análise do trust seria possível captar determina- dos efeitos e a proteção de valores. Sob a perspectiva do beneficiário, tais efeitos resultariam no reconhecimento do direito real. Esse foi o caminho trilhado por Malpighi e Trancoso, cujo resultado é a possibilidade de incidência de IR sobre os rendimentos auferidos pelo beneficiário de trust.

      Da mesma forma, entendemos pela possibilidade do reconhecimento da propriedade econômica no patrimônio do beneficiário e, como resultado, pela incidência de IR sobre a percepção pelo beneficiário dos frutos advindos do trust. A base teórica para realizar o exercício de qualificação se dá aqui pela considera- ção econômica, tomando por base as relações formadas a partir do trust; ou seja, pela verificação da finalidade na aplicação da norma tributária, na qualificação do trust tendo como referência o direito estrangeiro e a norma tributária do IR.

      No caso, a regra tributária que se extrai para o IR possibilita a consideração econômica na qualificação do fato tributário. Elementos econômicos podem com- por o patrimônio do beneficiário; e de fato compõem. Assim, reconhecida a exis- tência da propriedade econômica no patrimônio do beneficiário, os rendimentos gerados por tal propriedade constituem renda e podem ser objeto de IR.


    3. A repercussão tributária para o beneficiário de trust: aumento patrimonial do beneficiário em razão do recebimento dos bens que constituem o trust

      Por fim, extinto o trust pela morte do settlor, há a consolidação da proprieda- de plena (formal e econômica) na pessoa do beneficiário. Passa a deter todos os direitos inerentes à propriedade. Há transmissão de direitos ao beneficiário rela- tivos aos bens que formavam o trust.

      A consequência a da extinção do trust, em razão da morte do settlor, é a trans- missão de direitos ao patrimônio do beneficiário; direitos atrelados à proprieda- de econômica anteriormente detida. A transmissão desses direitos se dá de forma gratuita, tendo como base a vontade originária estabelecida pelo settlor.

      Cumprindo a atribuição originalmente formulada pelo settlor, o trustee trans- mite a propriedade formal ao beneficiário. Assume o trustee a posição de doa- dor113, conforme disposição de vontade do settlor, e o donatário, aceitando os bens, manifesta sua vontade, formando o contrato de doação. Há efetivação da vontade estabelecida originalmente pelo settlor e, neste sentido, há animus donandi em re- lação à transmissão.

      Entendemos, portanto, que seria possível a incidência do imposto sobre a transmissão de bens por doação114. Ressalta-se que, na hipótese analisada, não se



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      113 Vide nota de rodapé 107.

      114 No mesmo sentido, admitindo a possibilidade de incidência do imposto (ITCMD) considerando a existência de doação na transmissão de bens ao beneficiário, em razão da extinção do trust: SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. O tratamento fiscal do trust em situações internacionais. In: PAN-

      está diante de transmissão causa mortis. A morte do settlor constitui implemento da condição estabelecida no deed para efetivar a doação. Os bens não saem do patri- mônio do falecido (settlor) por ocasião da morte. A transmissão ocorre com a di- minuição do patrimônio do trustee e o aumento no patrimônio do beneficiário. Mas o trust, que dá base aos direitos do beneficiário ao recebimento de frutos e, com implemento da condição, a titularidade formal dos bens, foi instituído por ato entre vivos no exemplo analisado. Então, haveria incidência do ITCMD na hipótese, em relação à transmissão de bens por doação (doação realizada pelo trustee ao beneficiário, por atribuição do settlor).

      Vale aqui as observações feitas em relação à reserva à lei complementar para instituir regra de competência nas hipóteses em que o doador (o trustee) é residen- te ou domiciliado no exterior.


  4. Considerações finais

    Em determinadas situações, é possível realizar a qualificação fixando na construção do fato e da regra tributária efeitos jurídicos e econômicos. A conside- ração econômica se consubstancia e se justifica a partir da interpretação teleoló- gica e aplicação da regra referencial: caso a regra possibilite ou mesmo imponha a consideração econômica, será possível tomar determinado elemento econômico para qualificação jurídica, construindo conceito tributário específico.

    O trust, com o estabelecimento da propriedade econômica para o beneficiá- rio, e a regra tributária relativa ao IR implicam reconhecer na qualificação o efeito de incidência da norma tributária já que, em virtude da relação jurídica proveniente do trust, o beneficiário adquirirá rendimentos, na hipótese analisada por este trabalho. O problema da qualificação é enfrentando com base na aplica- ção do direito estrangeiro, considerando a propriedade econômica do beneficiá- rio. O resultado é a incidência de IR sobre os rendimentos auferidos pelo benefi- ciário.

    Resultado diferente ocorre com a análise sobre a incidência do ITCMD: a Constituição impõe o respeito ao instituto de direito privado, tal qual regulado



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    pelo Código Civil. Somente se preenchidos os requisitos para configuração da doação é que a transmissão de bens ou direitos pode implicar incidência do im- posto.

    Na constituição do trust não há doação ao beneficiário. Na sua extinção, contudo, há doação, sendo possível a incidência do imposto. Na primeira situa- ção, não configurada a doação eis que a vontade do settlor é fixar a transmissão formal da propriedade para um segundo momento, cuja atribuição patrimonial, implementada a condição, caberá ao trustee. Ademais, a desnecessidade de con- sentimento do beneficiário para validade do trust impede ter neste seu efeito de atribuir a propriedade econômica ao beneficiário a doação. Na segunda, configu- rada a doação porque a transmissão da propriedade com a extinção do trust: de- corre de um aumento patrimonial do beneficiário sem contrapartida, relaciona- do com a diminuição do patrimônio do trustee; contempla a concordância do be- neficiário; tem como base ato de liberalidade, respeitando-se a intenção de se efetivar a doação, conforme determinado originalmente pelo settlor. De todo modo, em relação ao imposto sobre doação, inviável a consideração econômica.


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