Troca de Informações Fiscais e o Direito ao Sigilo nas Perspectivas Doméstica e Internacional: Análise à Luz dos Requisitos Fixados pelo STF nos Precedentes de 2016

Exchange of Tax Information and the Right to Data Secrecy from a Domestic and International Perspective: Analysis in the Light of the Requirements Set by the STF in Precedents of 2016

Thiago de Mattos Marques

LL.M. em Direito Tributário Internacional pela Vienna University of Economics and Business (Wirtschaftsuniversität Wien – WU). Mestre em Direito Fiscal pela Universidade de Coimbra.

Advogado. E-mail: thiago.marques@bicharalaw.com.br.


Belisa Ferreira Liotti

Doutoranda e Teaching and Research Associate na Vienna University of Economics and Business (Wirtschaftsuniversität Wien – WU). LL.M. em Direito Tributário Internacional pela WU. E-mail: belisa.ferreira.liotti@wu.ac.at.


Recebido em: 14-3-2021

Aprovado em: 10-9-2021


Resumo

A troca automática de informações fiscais em âmbito internacional é uma realidade cuja aplicabilidade aumenta exponencialmente, inclusive em virtu- de dos esforços para combater as práticas tributárias abusivas. O posiciona- mento do Brasil no cenário global de troca automática de informações, para além do que consta simplesmente dos compromissos internacionais assumi- dos pelo país, não pode prescindir do exame das decisões proferidas pelo STF em 2016 acerca da constitucionalidade do acesso das autoridades fiscais aos dados bancários dos contribuintes. Através da reconstrução teórica das decisões proferidas em 2016, o presente estudo visa demonstrar que a supe- ração da regra constitucional que veicula o direito à privacidade e ao sigilo de dados se deu sob uma específica fundamentação, bem como fixou requisitos específicos. A partir dessa conclusão, este artigo sustenta que apenas no caso de estrita observância de tais requisitos é possível que as autoridades brasilei- ras compartilhem dados fiscais e bancários de indivíduos e empresas residen- tes no Brasil com outros países.

Palavras-chave: troca automática de informações fiscais, direito ao sigilo de dados, acordos internacionais, requisitos para troca de informações fiscais.

Abstract

The international automatic exchange of information for tax purposes is a reality whose applicability is growing exponentially, also due to efforts to counter abusive tax practices. The Brazilian position in the global scenario of automatic exchange of information, beyond what is simply stated in the inter- national commitments undertaken by the country, cannot disregard the ex- amination of the decisions rendered by the STF in 2016 on the constitution- ality of the tax authorities’ access to taxpayers’ financial data. Through the theoretical reconstruction of these 2016 decisions, this study aims to demon- strate that the constitutional rule that conveys the right to privacy and data secrecy was overcome under a specific reasoning, as well as established specif- ic requirements. Building on this conclusion, this article argues that only upon strict compliance with such requirements is it possible for Brazilian au- thorities to exchange tax and financial data of individuals and companies resident in Brazil with other countries.

Keywords: automatic exchange of tax information, right to data secrecy, inter- national agreements, requirements for the exchange of tax information.


  1. Introdução

    A jurisprudência do STF acerca da possibilidade de transmissão, pelas insti- tuições financeiras à administração fazendária, de dados bancários dos contri- buintes para fins de fiscalização tributária evoluiu, em um curto período de pou- co mais de cinco anos, da inicial exigência de prévia autorização judicial para viabilizar tal transmissão ao reconhecimento da constitucionalidade de a trans- missão ocorrer sem ser precedida de aval do Judiciário.

    Em 15 de dezembro de 2010, o Plenário da Corte Constitucional apontou o sigilo de dados como “regra” a exigir que a exceção (a quebra do sigilo) fosse pre- cedida da autorização do Judiciário1. Em 24 de fevereiro de 2016, porém, a juris- prudência do STF pacificou-se no sentido contrário. Sob o rito da repercussão geral, restou decidido que, por ser o direito ao sigilo norma constitucional que convive com outros “princípios”, a inviolabilidade da privacidade não possuiria contornos absolutos, afastando-se com isso a necessidade de prévia autorização judicial para a transmissão de dados ao Fisco2. Naquele mesmo dia 24 de feverei- ro de 2016 foi concluído, ainda, o julgamento conjunto de quatro ações diretas de inconstitucionalidade, no qual foi declarada a constitucionalidade de normas re-


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    1 RE n. 389.808/PR, Plenário do STF, relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 15.12.2010, acórdão publicado em 10.05.2011, referido ao longo deste artigo simplesmente como RE n. 389.808/PR.

    2 RE n. 601.314/SP, Plenário do STF, relator Ministro Edson Fachin, julgamento em 24.02.2016, acórdão publicado em 16.09.2016, referido ao longo deste artigo simplesmente como RE n. 601.314/SP.

    lativas ao fornecimento, pelas instituições financeiras à administração fiscal, de dados dos contribuintes3.

    As decisões proferidas pelo STF em 2016 ressaltaram os compromissos in- ternacionais assumidos pelo Brasil, mencionando inclusive a participação brasi- leira no Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários. Isso ressalta a importância dos precedentes de 2016 para a defi- nição dos limites impostos pela Constituição Federal, como atualmente interpre- tada pelo STF, em tema de troca internacional de informações fiscais.

    Nesse contexto, diante da aparente contradição conceitual presente nas de- cisões proferidas pelo STF – que ora apontam ser o direito a sigilo “regra consti- tucional”, ora sugerem consistir tal direito em princípio constitucional – e, sobre- tudo, tendo em vista a importância dos precedentes da Corte Suprema para a fi- xação dos limites que devem ser observados, por exemplo, quando da troca inter- nacional de informações fiscais, o presente artigo propõe uma reconstrução teórica das decisões de 2016, visando com isso definir com clareza sua abrangên- cia e, em especial, os requisitos para sua aplicabilidade a outros casos.

    A pretensão deste estudo é demonstrar que, no plano doméstico, a análise dos objetivos e interesses imbricados e em situação de colisão autoriza a conclusão alcançada pelo STF em 2016 mesmo que a norma constitucional seja tida como “regra”. No plano internacional, o reconhecimento da coexistência entre o direito à privacidade e ao sigilo de dados, constitucionalmente protegidos, e a transmis- são de dados para fins fiscais permite que o Brasil, em princípio, cumpra os com- promissos que assumiu em matéria de troca de informações para fins tributários. No entanto, a referida coexistência não pode prescindir do respeito ao direito ao sigilo, posto que o dever de pagar tributos não autoriza, por exemplo, que seja dada publicidade aos dados bancários e fiscais dos contribuintes. Essa conclusão repercute no plano das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, de manei- ra que a transmissão de dados bancários e fiscais originados no Brasil só pode ocorrer se houver garantia de que, no país de destino, tais informações receberão tratamento que assegure sigilo, no mínimo, em patamares similares àqueles obser- vados no plano interno, observando-se os requisitos indicados nas decisões do STF em 2016. Inexistindo tal garantia, mostra-se inviável o envio de informações ban- cárias e fiscais de indivíduos e empresas residentes no Brasil para outros países.

    Para alcançar tal conclusão, a seção II deste artigo traz a análise descritiva das decisões proferidas pelo STF em 2010 e 2016. Em seguida, a seção III expõe brevemente as premissas teóricas que guiam este estudo para, de um lado, propor a classificação do direito ao sigilo como regra constitucional e, de outro, verificar a consistência das decisões proferidas pelo STF em 2016 diante de possível caso


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    3 ADI n. 2.859/DF ( julgamento conjunto das ADI n. 2.386, n. 2.390, n. 2.397 e n. 2.859), Plenário do STF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento em 24.02.2016, acórdão publicado em 21.10.2016, referida ao longo deste artigo simplesmente como ADI n. 2.859/DF.

    de superação de regras constitucionais. Feito isso, a seção IV sugere uma recons- trução teórica das decisões de 2016, por meio da qual é possível delimitar sua abrangência e aplicabilidade a partir do papel da fundamentação na superação de regras constitucionais. Na sequência, a seção V aborda o atual estágio da troca de informações fiscais em âmbito internacional tendo em vista sua evolução glo- bal e os compromissos assumidos pelo Brasil, posicionando nesse cenário o papel dos requisitos apontados pelo STF nas decisões de 2016. Finalmente, a seção VI traz a conclusão do estudo.


  2. Evolução da jurisprudência do STF em matéria de direito ao sigilo bancário

    1. 2010: Recurso Extraordinário n. 389.808/PR

      Ao confrontar as previsões constantes dos incisos X e XII do art. 5º da Cons- tituição Federal4 com dispositivos da legislação federal que, por exemplo, autori- zam a transmissão de dados bancários de contribuintes para fins de fiscalização tributária (e.g. art. 6º da Lei Complementar n. 105/20015), o Plenário do STF ponderou que “a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunica- ções telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário”, razão pela qual naquela oportunidade o Tribunal decidiu que “conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte”6.

      Em seu voto, o relator, Ministro Marco Aurélio, indicou que “a regra é asse- gurar a privacidade [...], correndo à conta de exceção a possibilidade de ser miti- gada por ordem judicial para fins de investigação criminal ou instrução proces- sual penal”. Daí seu entendimento no sentido de que “apenas se permite o afasta-



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      4 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

      [...]

      X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

      [...]

      XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”

      5 “Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições finan- ceiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver pro- cesso administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considera- dos indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

      Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.”

      6 RE n. 389.808/PR, trechos extraídos da ementa do acórdão.

      mento do sigilo mediante ato de órgão equidistante, mediante ato do Estado-juiz, que não figura em relação jurídica a envolver interesses[7], e, mesmo assim, para efeito de persecução criminal”8. Consoante o voto do Ministro relator, a rigidez da Constituição Federal, a acarretar sua supremacia sobre ato normativo abstrato autônomo, e o “primado do Judiciário”, a impedir a transferência de sua atuação a outros órgãos da administração federal, o que, se autorizado, “[banalizaria] o que a Constituição Federal quer protegido – a privacidade do cidadão, irmã gê- mea da dignidade”, impediriam a pretensão de transmissão de dados bancários ao Fisco sem autorização judicial. Sob tal fundamentação, o Ministro Marco Au- rélio votou para “afastar a possibilidade de a Receita Federal ter acesso direto aos dados bancários [do contribuinte]”, conferindo à legislação “interpretação confor- me à Carta Federal, tendo como conflitante com esta a que implique afastamento do sigilo bancário do cidadão, da pessoa natural ou da jurídica, sem ordem ema- nada do Judiciário”9.

      A decisão, contudo, não foi unânime. Abrindo divergência, o Ministro Dias Toffoli propôs que, na hipótese, não há quebra de sigilo, mas “transferência do dever de manter o sigilo, porque a quebra é crime, é ilícito”. Remetendo à previ- são constitucional que faculta à administração tributária “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as ati- vidades econômicas do contribuinte”10, e sugerindo que o “patrimônio” seria o “conjunto maior”, enquanto a “atividade econômica” (equiparada à “movimenta- ção bancária”) seria o “conjunto menor” – a autorizar o questionamento: “Se a Receita Federal tem acesso ao conjunto maior, como ela não pode ter acesso ao conjunto menor?” –, o voto divergente aponta para “uma transferência de dados sigilosos de um portador desse dado que tem o dever de sigilo para outro porta- dor que manterá a obrigação desse sigilo”, acrescendo que o destinatário dos da- dos, “se não [mantiver o sigilo], cometerá crime e será responsabilizado”11. Isso posto e após afirmar que “não há que se considerar que um gerente de uma ins- tituição privada, um caixa de banco privado, seja mais responsável que um audi- tor fiscal da receita federal do Brasil”, o Ministro Dias Toffoli se posicionou pela possibilidade de dados bancários dos contribuintes serem transmitidos pelas ins- tituições financeiras às autoridades tributárias, para fins de fiscalização e nos termos da legislação federal de regência do tema12.


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      7 Em relação à transmissão de dados bancários às autoridades tributárias, o Ministro Marco Auré- lio acresceu que “[a Receita Federal] é parte na relação jurídico-tributária, surgindo o interesse fiscal-arrecadador” (RE n. 389.808/PR, voto do Ministro Marco Aurélio, p. 225).

      8 RE n. 389.808/PR, voto do Ministro Marco Aurélio, p. 224.

      9 RE n. 389.808/PR, voto do Ministro Marco Aurélio, p. 228-229.

      10 Art. 145, § 1º, da Constituição Federal de 1988.

      11 RE n. 389.808/PR, voto do Ministro Dias Toffoli, p. 230-232.

      12 RE n. 389.808/PR, voto do Ministro Dias Toffoli, p. 232.

      Sem prejuízo da divergência aberta pelo Ministro Dias Toffoli e que foi aco- lhida também pelos Ministros Ayres Britto, Cármen Lúcia e Ellen Gracie, no jul- gamento do RE n. 389.808/PR, realizado em 2010 pelo Plenário do STF, prevale- ceu o entendimento de que a transmissão de dados bancários dos contribuintes, pelas instituições financeiras às autoridades fazendárias, não pode prescindir da prévia autorização judicial13.


    2. 2016: Recurso Extraordinário n. 601.314/SP (Repercussão Geral)

      Em 2016, um novo olhar foi lançado pelo STF à possibilidade de transmis- são de dados bancários, pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, sem aval do Judiciário. Segundo essa nova perspectiva, existiria “um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos”. Nessa visão, se por um lado “o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja”, inclusi- ve do Estado e das instituições financeiras; por outro, “a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte”. A partir dessa abordagem, o Poder Le- gislativo teria agido dentro “dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua rela- tiva liberdade de conformação da ordem jurídica”, uma vez que a transmissão de dados teria sido disciplinada com base em “requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras”, bem como com a manutenção do “sigilo dos dados a respeito das transações financei- ras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”. Pautado nessas premissas, o Plenário do STF fixou a tese de que “o art. 6º da Lei Complementar 105/01[14] não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o transla- do do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”15.

      Na construção do voto condutor, o relator, Ministro Edson Fachin, apresen- tou o tributo como “a inovação humana com grande aptidão para a redução das desigualdades jurídicas, políticas e econômicas entre os homens”, servindo a tri- butação “como instrumento para a produção da igualdade entre os cidadãos”16. Para tanto, a relação entre tributação e justiça social foi desvinculada de “uma


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      13 Cabe a ressalva, entretanto, de que em face da decisão proferida pelo STF em 2010 e publicada em 2011, foram opostos embargos de declaração que veiculam pedido de modificação da decisão

      – embargos que, mesmo aproximando-se o término do ano de 2020, aguardam julgamento por parte do Tribunal, razão pela qual a decisão ainda não transitou em julgado.

      14 Vide nota 5, acima.

      15 RE n. 601.314/SP, trechos extraídos da ementa do acórdão.

      16 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Edson Fachin, p. 28.

      concepção unitária ‘Fisco-Contribuinte’”, que reflete uma visão dos indivíduos como uma categoria unitária com interesses homogêneos e comuns, enfatizando- se que “o conflito não se põe entre ‘Estado e contribuinte’, mas entre ‘cidadão ti- tular de riqueza’ e ‘cidadão destituído de riqueza’.” Nessa nova dicotomia, a legi- timidade política do sistema constitucional tributário se movimentaria entre dois eixos: “(i) aquilo que devemos aos nossos concidadãos; e (ii) a soberania que pode- mos conservar sobre a nossa própria pessoa, livres da autoridade do Estado, mes- mo sendo membros da sociedade e estando sujeitos ao controle estatal em certos aspectos”17. Assim, vistos os tributos como “contributos indispensáveis a um desti- no em comum e próspero de todos os membros da comunidade politicamente organizada”, o que resulta no reconhecimento do “dever fundamental de pagar tributos”, e sempre recordando “o caráter não absoluto do direito ao sigilo bancá- rio quando contraposto às legítimas expectativas de obtenção de receitas públi- cas”, a “oponibilidade do sigilo bancário contra a Administração Tributária” resta mitigada, “[limitando-se] o exercício do direito subjetivo à privacidade, na medi- da em que [se] reputa ilegítimo utilizar o figurino do segredo bancário com a fi- nalidade de elidir os tributos devidos por uma pessoa”18. Com base nesses argu- mentos, o Ministro Edson Fachin firmou sua convicção “no sentido da compatibi- lidade material do art. 6º da Lei Complementar 105/01 em cotejo com a normati- vidade constitucional”19.

      De modo similar ao que ocorrera em 2010, a decisão proferida no julgamen- to do RE n. 601.314/SP não foi unânime, restando vencidos os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio20, sendo interessante constatar que a maioria formada no julgamento de 2016 contou com dois ministros que, em 2010, votaram pela exi- gência de autorização judicial para a transmissão de dados bancários dos contri- buintes ao Fisco. Além do Ministro Ricardo Lewandowski21, o Ministro Gilmar


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      17 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Edson Fachin, p. 30-31. Nessa passagem, o Ministro Edson Fachin reproduziu trecho de doutrina de Marçal Justen Filho (Sistema constitucional tributário: uma aproximação ideológica. Revista da Faculdade de Direito da UFPR n. 30:215-233. Curitiba: UFPR, 1998, p. 226).

      18 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Edson Fachin, p. 33-34.

      19 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Edson Fachin, p. 39.

      20 O voto do Ministro Marco Aurélio é analisado no tópico II.3, que trata da ADI n. 2.859/DF.

      21 Enquanto no julgamento do RE n. 389.808/PR, de 2010, o Ministro Ricardo Lewandowski se li- mitou a informar que acompanhava o relator, nos julgamentos de 2016 (tanto do RE n. 601.314/ SP, p. 171-172, quanto da ADI n. 2.859/DF, p. 155-156, já que o mesmo voto integrou ambas as decisões) o Ministro Lewandowski informou que mudara de posição. Em seu voto, o Ministro apresentou de forma sucinta três razões para o novo entendimento. Inicialmente, ponderou que “no mundo atual, mostra-se crucial tornar efetiva a repressão às organizações criminosas, ao narcotráfico, à lavagem de dinheiro, ao terrorismo, não raro crimes de matiz internacional”, in- dicando que “um dos mais importantes instrumentos para travar esse combate é o pronto acesso às fontes financeiras que financiam esses ilícitos”. Em seguida, sinalizou a contraposição entre o direito à privacidade e o dever de pagar impostos, “o qual traz implícitos os deveres do Fisco de exercer a atividade fiscalizatória de modo eficaz e de tributar corretamente, observada a capaci-

      Mendes reviu seu posicionamento. Após registrar que “o direito ao sigilo não tem caráter absoluto”, inexistindo “uma garantia universal contra o acesso a dados privados pelo Estado”, o Ministro Gilmar Mendes propôs que a restrição ao direi- to à privacidade “pode ocorrer mesmo sem autorização expressa do constituinte, sempre que se fizer necessária a concretização do princípio da concordância prá- tica entre ditames constitucionais”22. Partindo dessas premissas e na sequência de um exame da proporcionalidade das medidas previstas na Lei Complementar n. 105/200123, o voto sugeriu que, a rigor, a legislação federal “não autoriza a divul- gação das operações bancárias dos contribuintes”, na medida em que “os dados são compartilhados com a Administração Tributária, não são expostos”. Dito isso e enfatizando que “não se admite segredo em relação às operações bancárias con- tra o Fisco”, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que a Constituição Federal não teria conferido aos contribuintes o direito de omitir informações financeiras do Fisco24, votando pela constitucionalidade da transmissão de dados bancários à administração fazendária sem prévia autorização judicial.


    3. 2016: Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.859/DF

      Em paralelo ao julgamento do RE n. 601.314/SP, o Plenário do STF realizou o julgamento conjunto das ADIs n. 2.386, n. 2.390, n. 2.397 e n. 2.85925, que im- pugnavam “normas relativas ao fornecimento, pelas instituições financeiras, de informações bancárias de contribuintes à administração tributária”. Também re- conhecendo que, correlato ao direito à privacidade, há o “dever fundamental de pagar tributos”, a decisão indicou a necessidade de “mecanismos efetivos de com- bate à sonegação fiscal, sendo o instrumento fiscalizatório instituído nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n. 105/2001 de extrema significância nessa tarefa”, culminando com o reconhecimento da constitucionalidade dessas normas26.

      O voto do relator, Ministro Dias Toffoli, resgatou inicialmente o posiciona- mento que fora consignado no julgamento de 201027, no sentido de que a Lei Complementar n. 105/2001 é “consentânea com os direitos dos cidadãos”, por


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      dade econômica dos contribuintes”. Por fim, argumentou que, na hipótese, não há quebra de si- gilo, “mas apenas transferência de sigilo para finalidades de natureza eminentemente fiscal”. Com base nessa justificação, em 2016 o Ministro Lewandowski acompanhou os relatores do RE n. 601.314/SP e da ADI n. 2.859/DF, reconhecendo a constitucionalidade da transferência de dados bancários ao Fisco sem prévia autorização judicial.

      22 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 134-136.

      23 A questão do exame da proporcionalidade é desenvolvida no tópico III.4.a.

      24 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 146.

      25 Para conferir maior fluidez ao texto, serão feitas referências apenas à ADI n. 2.859/DF. Assim, tais referências devem ser compreendidas como referências ao julgamento conjunto das ADI n. 2.386, n. 2.390, n. 2.397 e n. 2.859.

      26 ADI n. 2.859/DF, trechos extraídos da ementa do acórdão.

      27 A síntese do voto do Ministro Dias Toffoli no julgamento de 2010 pode ser conferida no tópico II.1, acima.

      prever a “manutenção do sigilo”28. Essa questão foi pormenorizada na sequência, frisando o voto que, “para se falar em ‘quebra’ de sigilo bancário pelos dispositi- vos impugnados, necessário seria vislumbrar, em seus comandos, autorização para a exposição das informações bancárias”, ao passo que em tais dispositivos não apenas “[inexiste] a previsão da circulação dos dados bancários”, como tam- bém “[é consagrada], de modo expresso, a permanência do sigilo das informações obtidas com espeque em seus comandos”. Após propor que “o conhecimento da notícia, do dado, da informação não implica, por si, que haja violação da privaci- dade, desde que: 1) não seja seguido de divulgação; 2) for do domínio apenas de quem legitimamente o detenha”, o Ministro Dias Toffoli ponderou que, conquan- to “[detenha] ampla informação relativa ‘[a]o patrimônio, [a]os rendimentos e [à] s atividades econômicas do contribuinte’ (art. 145, § 1º, da CF/88)”, o Fisco tem, “em contrapartida, o dever de sobre ela silenciar (no sentido de não proceder à divulgação); permanecendo-lhe legítimo utilizar os dados para o fim de exercer os comandos constitucionais que lhe impõem a tributação”29. Modificando o foco de sua análise, após prestigiar “o dever fundamental de pagar tributos”, o Minis- tro relator afirmou que “sendo o pagamento de tributos, no Brasil, um dever fundamental, [...] é preciso que se adotem mecanismos efetivos de combate à so- negação fiscal”, apresentando em seguida estimativas sobre a sonegação fiscal no país, a implicar “drástica redução da receita pública, o que impacta negativamen- te na prestação de serviços essenciais pelo Estado e, consequentemente, na con- cretização de direitos fundamentais sociais”, inviabilizando “a concretização dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva”30. Com base nessas funda- mentações, o Ministro Dias Toffoli concluiu que os arts. 5º e 6º da Lei Comple- mentar n. 105/2001 são compatíveis com a Constituição Federal31.

      Na sequência do julgamento, apresentou seu voto o Ministro Luís Roberto Barroso, que após desenvolver a ideia do dever fundamental de pagar tributos, resumiu que “todos os membros da sociedade têm o dever de contribuir, na me- dida da capacidade econômica manifestada, para o sucesso desse projeto coletivo que, repita-se, tem como principal forma de financiamento a receita advinda de tributos”. Sob esse prisma, “a função das autoridades fiscais não corresponde ao mero interesse do Tesouro, mas sim ao interesse que o contribuinte tem de que os demais também paguem os tributos devidos”32, noção diversa daquela acolhida em 2010, quando o Fisco foi considerado parte na relação tributária a perseguir


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      28 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Dias Toffoli, p. 23.

      29 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Dias Toffoli, p. 24-30.

      30 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Dias Toffoli, p. 31-36.

      31 Especificamente no que se refere ao art. 6º, foram apontados requisitos para a transmissão de dados bancários ao Fisco. A análise desses requisitos será desenvolvida no tópico V.3.

      32 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Luís Roberto Barroso, p. 70. No mesmo sentido, vide RE n. 601.314/SP, p. 58-59.

      “o interesse fiscal-arrecadador”33. O Ministro Luís Roberto Barroso apontou, ain- da, a “dimensão instrumental” da capacidade contributiva, a autorizar o uso de “mecanismos que confiram à Administração Tributária instrumentos eficazes de combate à fuga ilegítima da tributação” com o objetivo de “impedir que o ônus do custeio do Estado fique desequilibrado, recaindo, essencialmente e de forma ab- solutamente iníqua, sobre aqueles contribuintes que cumprem de forma regular suas obrigações”. Conjugando tais noções, o voto propôs que “um sistema tributá- rio constitucional que consagre a capacidade contributiva e a utilize na gradação dos seus tributos”, mas que seja ineficiente ao conferir ao Fisco “os mecanismos necessários para fazer cumprir esse objetivo na prática e coibir os abusos, frustra a vontade da Constituição de promover uma repartição equitativa da carga tribu- tária, o que é um direito de todos”34.

      Ao concluir, votou o Ministro Luís Roberto Barroso pela constitucionalidade

      do art. 6º da Lei Complementar n. 105/2001. Mas foi ao abordar a classificação normativa que o voto adentrou aspecto particularmente relevante para o presen- te estudo. O Ministro Barroso apontou o direito ao sigilo bancário-fiscal como “uma dimensão eminentemente patrimonial” dos direitos à intimidade e à priva- cidade, de modo que tal direito não integraria o “núcleo essencial” desses direitos fundamentais “a ponto de [apresentar] a eficácia jurídica de regra”35.

      Diametralmente contrária foi a manifestação do Ministro Marco Aurélio, vencido em 2016 e que, além de reiterar diversos pontos do voto que proferiu em 201036, afirmou que “vem-nos, do inciso XII do artigo 5º, uma regra e, para con- firmá-la, uma exceção. A regra está na revelação da inviolabilidade dos dados – gênero –, incluídos, iniludivelmente, os bancários.”37

      O debate corporifica a dúvida acerca da classificação normativa do direito ao sigilo. Afinal, o direito ao sigilo prestigiado na Constituição corresponde a regra ou princípio? Se “regra constitucional” – como defendeu, por exemplo, o Ministro Marco Aurélio38 –, seria cabível sua superação em prol de objetivos con-


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      33 Vide nota 7, acima.

      34 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Luís Roberto Barroso, p. 71-72. No mesmo sentido, vide RE n. 601.314/SP, p. 60-61.

      35 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Luís Roberto Barroso, p. 75-76. No mesmo sentido, vide RE n. 601.314/SP, p. 64-65.

      36 Para evitar repetições, a síntese do voto do Ministro Marco Aurélio no julgamento de 2010 pode ser conferida no tópico II.1, acima. Nos julgamentos de 2016, o Ministro Marco Aurélio reiterou sua posição no sentido de que “vulnera a privacidade do cidadão, irmã gêmea da dignidade, concluir-se que é possível ter-se a quebra do sigilo de dados bancários de forma linear, mediante comunicações automáticas, como ocorre segundo instrução da Receita, pelos estabelecimentos bancários” (ADI n. 2.859/DF, p. 128; RE n. 601.314/SP, p. 118).

      37 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Marco Aurélio, p. 114. No mesmo sentido, vide RE n. 601.314/ SP, p. 104.

      38 Em ao menos duas passagens do voto proferido nos julgamentos de 2016 (ADI n. 2.859/DF, p. 115 e 125 e RE n. 601.314/SP, p. 105 e 115) o Ministro Marco Aurélio se referiu ao direito ao sigilo como “regra constitucional”.

      siderados mais relevantes no caso concreto? Essas questões são enfrentadas na seção III.


  3. Classificação normativa do direito ao sigilo e suas consequências

    1. Principais fundamentos das decisões proferidas pelo STF em 2016

      A partir da análise dos julgamentos realizados pelo STF e que representa- ram a modificação do entendimento anterior da Corte, de 2010, é possível iden- tificar nas decisões de 2016 a existência de duas linhas principais de fundamen- tação. A primeira delas consiste em afirmar que não há violação do direito à pri- vacidade ou ao sigilo de dados no envio de informações bancárias das instituições financeiras para as autoridades fazendárias, ocorrendo tão somente a “transfe- rência” do correlato dever de sigilo. Caso prevaleça esse entendimento, esvazia-se a discussão, pois os correntistas/contribuintes perderiam o argumento relativo à violação de seus direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo. Assim, em que pese não se ignore o mérito desse argumento e exclusivamente para fins de de- senvolvimento do presente exame, serão adotados conceitos mais estritos de “sigi- lo bancário”, a impedir que informações bancárias dos correntistas sejam trans- mitidas a quaisquer destinatários não pertencentes aos quadros da instituição fi- nanceira detentora dos dados, e de “sigilo fiscal”, a impedir que informações fis- cais dos contribuintes sejam transmitidas a quaisquer destinatários não pertencentes aos quadros da administração fazendária do ente tributante em questão39.

      Interessa ao presente estudo, portanto, a segunda linha de fundamentação das decisões de 2016, que pode ser resumida no debate entre o Ministro Marco Aurélio (que afirmou ser o direito ao sigilo “regra constitucional”) e o Ministro Luís Roberto Barroso (que afirmou que o direito ao sigilo não possuiria eficácia jurídica de regra). A partir da classificação normativa do direito ao sigilo, a aná- lise seguirá para o exame da viabilidade de sua superação.

      A ideia, portanto, é testar as decisões proferidas pelo STF em 2016 a partir de uma abordagem mais rígida, em que a transmissão de dados bancários pelas instituições financeiras às autoridades tributárias, ao menos em tese, é tida como contrária ao disposto nos incisos X e XII do art. 5º da Constituição. Daí a neces- sidade de classificação normativa desses dispositivos, no intuito não apenas de verificar a consistência do posicionamento da Corte Constitucional (foco desta seção III), mas especialmente de delimitar sua aplicabilidade a outras situações


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      39 Cabe reforçar, nesse ponto, que o presente estudo não propõe qualquer análise do alcance do direito ao sigilo. Muito embora essa seja uma questão interessante e desafiadora do ponto de vista jurídico, o foco deste exame é diverso, voltando-se especificamente, na perspectiva domés- tica, para a questão da ponderação de normas jurídicas e, do ponto de vista internacional, para o impacto decorrente dos requisitos impostos pelas decisões proferidas em 2016 pelo STF no con- texto dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

      (foco da seção IV) como, por exemplo, à troca internacional de informações fis- cais40.


    2. Classificação normativa do direito ao sigilo na Constituição Federal de 1988

      Em linha com as decisões proferidas pelo STF em 2010 e 2016, o direito ao sigilo em relação aos dados bancários (o mesmo podendo ser dito em relação aos dados fiscais) decorre essencialmente do previsto nos incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal, que prestigiam não apenas a inviolabilidade da vida priva- da das pessoas, mas também a inviolabilidade do sigilo de dados. Isso posto e para que seja possível caminhar em direção à classificação de tais normas, é pre- ciso antes fixar o que se considera, por exemplo, “regra” e “princípio”. Trata-se de premissa teórica imprescindível para a presente análise.

      Nesse contexto, o presente estudo adota a divisão das normas jurídicas em “regras”, “princípios” e “postulados”, aplicando definição específica para cada uma dessas espécies normativas41. Sob tal divisão, enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, já que se valem da descrição da conduta a ser adotada para estipular obrigações, permissões e proibições, os princípios são normas ime- diatamente finalísticas, uma vez que definem um estado de coisas, um objetivo a ser promovido, para o que é preciso adotar comportamentos específicos42. Os postulados jurídicos, por sua vez, distinguem-se justamente porque orientam a aplicação de outras normas (regras e princípios), oferecendo uma diretriz metó- dica a ser utilizada pelo intérprete – daí afirmar-se que os postulados estão situa- dos em um plano diverso daquele ocupado pelas normas cuja aplicação estrutu- ram, levando à qualificação dos postulados como “normas de segundo grau” ou “metanormas”43.

      Fixada a divisão das normas jurídicas e as respectivas definições, é preciso examinar os dispositivos pertinentes. Segundo o inciso X do art. 5º da Constitui- ção Federal, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decor- rente de sua violação”. Trata-se de norma imediatamente descritiva que, na parte que interessa a este estudo, descreve a conduta (i.e. “violação da vida privada das


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      40 A questão da troca de informações fiscais em âmbito internacional em conjunto com os compro- missos assumidos pelo Brasil nessa seara é objeto de análise no capítulo V.

      41 A nomenclatura atribuída neste artigo à divisão das normas jurídicas reproduz aquela acolhida no estudo desenvolvido por Humberto Ávila em: Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malhei- ros, 2015.

      42 Cf. Humberto Ávila. Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 95.

      43 Cf. Humberto Ávila. Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 164-179. Vide também José Sérgio da Silva Cristóvam. Colisões entre princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2011, p. 194.

      pessoas”), proibindo-a. Trata-se, assim, de regra constitucional. Por seu turno, o inciso XII do referido art. 5º determina que “é inviolável o sigilo da correspon- dência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei esta- belecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Igual- mente nesse caso, verifica-se norma imediatamente descritiva que, no trecho per- tinente, veicula a descrição de determinada conduta (i.e. “violação do sigilo de dados”), proibindo-a. Também aqui, portanto, há regra constitucional44.

      A classificação normativa dos comandos resumidos acima, extraídos dos in- cisos X e XII do art. 5º, como regras constitucionais é importante para afastar leituras que, ao atribuir a tais normas uma classificação que reflita um elevado grau de generalidade e abstração conducente a um também elevado grau de sub- jetividade em sua aplicação, acabam por “[legitimar] a flexibilização na aplicação de uma norma que a Constituição, pela técnica de normatização que utilizou, queria menos flexível”45.

      No entanto, o fato de os incisos X e XII do art. 5º veicularem regras consti- tucionais não significa que tais regras são absolutamente inafastáveis durante o processo de ponderação a que são submetidas (e que é inerente à realização do direito)46, de modo a conferir aos titulares dos direitos que delas decorrem uma espécie de “direito absoluto” ao sigilo em relação aos seus dados47. Assim, ainda



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      44 Posição similar foi defendida pelo Professor Humberto Ávila durante o VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Internacional, promovido pelo IBDT, no painel Transparência internacional, troca de informações e direito dos contribuintes, realizado em 18 de setembro de 2020.

      45 Humberto Ávila. Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 111.

      46 Mais uma vez, nesse ponto, acompanhando Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 110), “toda norma jurídica – inclusive as regras – só tem seu conteúdo de sentido e sua finalidade subjacente definidos mediante um processo de ponderação”.

      47 Cabe registrar que a questão da existência ou não de um direito absoluto à inviolabilidade de dados gera alguma controvérsia, sendo possível encontrar manifestações na linha de que a Cons- tituição Federal garante um direito absoluto em relação ao sigilo de dados. Nesse sentido, por exemplo, Ada Pellegrini Grinover et al (As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011,

      p. 169) entendem que “com relação às demais formas de [comunicação] indicadas pela Constitui- ção [que não as comunicações telefônicas] (correspondência, dados e comunicações telegráficas) a inviolabilidade do sigilo se torna absoluta”. De sua parte, Celso Ribeiro Bastos (Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 201) propõe que “para as demais formas comu- nicativas [que não as comunicações telefônicas] a Constituição não abre qualquer ressalva” que permita a violação do sigilo. Também José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo.

      37. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 441) registra que a Constituição “[abre] excepcional possi- bilidade de interceptar comunicações telefônicas”, sugerindo que tal exceção não abarca as de- mais formas de comunicação – entre as quais figuram as comunicações de dados. Há, por outro lado, aqueles que sustentam a inexistência de um direito absoluto ao sigilo de dados. É nessa linha que se manifesta, por exemplo, Alexandre de Moraes (Direito constitucional. 33. ed. [edição digi- tal]. São Paulo: Atlas, 2017, n. 3.15), para quem “apesar de a exceção constitucional expressa refe- rir-se somente à interceptação telefônica, entende-se que nenhuma liberdade individual é abso- luta”. Sem adentrar com maior profundidade o debate acerca da existência ou não de um direito

      no âmbito das premissas teóricas que dão suporte a este estudo, é preciso melhor explicitar essa específica visão de regra jurídica, que rejeita uma proposta ao es- tilo “tudo ou nada” para sua aplicação.


    3. Ponderação de regras jurídicas: rejeição do modelo “tudo ou nada”

      Consoante exposto no tópico anterior, este trabalho parte da premissa teó- rica de que as regras são normas que se valem da descrição da conduta a ser adotada para estipular obrigações, permissões e proibições. O caráter imediata- mente descritivo dessa espécie normativa resultou na atribuição por alguns do chamado “esquema condicional” às regras jurídicas48, segundo o qual a regra indicaria uma condição fática ( fato ou hipótese) que, quando verificada, necessa- riamente desencadearia um efeito jurídico (consequência) na forma de uma obri- gação, proibição ou permissão49. Personificando essa forma de ver, Ronald Dwor- kin vai ainda além e chega a atribuir ao esquema condicional contornos de crité- rio de validade das regras jurídicas, que em seu entender são aplicadas de um modo “tudo ou nada”50, uma visão que encontra eco, por exemplo, nos estudos de Robert Alexy, que enxerga nas regras “comandos definitivos”51.

      No entanto, o aspecto imediatamente descritivo das regras não confere total garantia de que, constatada a condição, será necessariamente implementada a


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      absoluto ao sigilo em relação aos dados, o fato é que o STF já se pronunciou no sentido de que “os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto”, acrescendo que “não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das li- berdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição” (MS n. 23.452/RJ, Plenário do STF, relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 16.09.1999, acórdão publicado em 12.05.2000, trechos extraídos da ementa do acordão). Desse modo, sem prejuízo das opiniões em sentido contrário, mas com suporte inclusive no que já decidiu o STF, este trabalho acolhe a visão de que o direito ao sigilo em relação aos dados bancários e fiscais não configura um direito absoluto.

      48 Cf. Thomas Vesting. Teoria do direito. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 61.

      49 “Exista uma regra que qualifique um evento, associando-lhe determinados efeitos, e a conse- quência propagar-se-á de modo absoluto, direto e contundente, toda vez que o fato acontecer”, escreve Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2007, p. 202). Pertinente, portanto, a observação de Miguel Reale (Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 93), no sentido de que “sob a influência de Hans Kelsen [...] come- çam por dizer que a norma jurídica é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato (F) ao qual se liga uma consequência (C)”.

      50 Nas palavras de Ronald Dworkin (Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University, 1978, p. 24): “Rules are applicable in all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision.”

      51 Para Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 92-93), “um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláu- sula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida”.

      consequência prevista52. É adequado que seja assim, pois o excesso de formalis- mo53 consistente na inexorável adoção da consequência após a detecção da ocor- rência do fato previsto pode resultar na desconsideração de particularidades do caso concreto que talvez sejam extremamente importantes, até mesmo decisivas54. Assim, conquanto a verificação do fato, em tese e na maioria dos casos, demande a consequência prescrita na regra, é possível que razões suficientemente relevan- tes sejam consideradas para que, na situação real vivenciada, tal consequência não seja aplicada55. Isso não obsta, ainda, que a generalidade dos casos continue sendo resolvida com a aplicação da consequência prescrita, afastando-se o mode- lo “tudo ou nada” para a aplicação das regras56, em relação às quais verifica-se a ponderação de sua aplicabilidade diante das demais normas imbricadas na situa- ção fática, como é de forma amplamente aceita em relação aos princípios57.


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      52 Cf. Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 101). António Santos Justo (Introdução ao estudo do direito. 8. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2017, p. 140-142) ressalva que “nem sempre é possível aplicar os efeitos jurídicos quando os factos previstos na norma se verificam”. Vide, ainda, Fernando José Bronze (Lições de introdução ao direito. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 617-623).

      53 “O caráter formal das proposições jurídicas é expresso na conexão entre uma hipótese e uma estatuição de consequência jurídica”, esclarece Eros Roberto Grau (A ordem econômica na Consti- tuição de 1988. São Paulo: RT, 1990, p. 123-124).

      54 Afinal, consoante Gilmar Ferreira Mendes (Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade.

      4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 80), “a solução ou fórmula legislativa não contém uma valoração definitiva de todos os aspectos e circunstâncias que compõem cada caso ou hipótese de aplica- ção”. Nas palavras de Fernando José Bronze (Lições de introdução ao direito. 2. ed. Coimbra: Coim- bra Editora, 2010, p. 623): “O corpus iuris vigente integra uma normatividade bem mais ampla do que apenas a formalmente vazada nas normas legais, que, impositivo-politicamente, se escrevem antes (prescrevem) para serem lógico-dedutivamente (silogístico-subsuntivamente) aplicadas de- pois.”

      55 Constatação assim resumida por Regina Helena Costa (Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 86): “Se a lei deve ser necessariamente genérica, para abarcar um sem-número de situações concretas – o que não se discute –, também não se pode afastar a possi- bilidade de, excepcionalmente, não ser a lei aplicável dadas as peculiaridades do caso concreto.”

      56 Para Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 68), “a conse- quência estabelecida prima facie pela norma pode deixar de ser aplicada em face de razões subs- tanciais consideradas pelo aplicador, mediante condizente fundamentação, como superiores àquelas que justificam a própria regra”, razão pela qual, segundo Ávila, “não é adequado afirmar que as regras ‘possuem’ um modo absoluto ‘tudo ou nada’ de aplicação. Também as normas que aparentam indicar um modo incondicional de aplicação podem ser objeto de superação por ra- zões não imaginadas pelo legislador para os casos normais.”

      57 Ao responder às críticas de Dworkin, e refutando o modelo “tudo ou nada” por ele proposto para a aplicação das regras, H. L. A. Hart (The concept of law. 2. ed. Oxford: Oxford University, 1994,

      p. 261-262) escreveu o seguinte: “There is no reason why a legal system should not recognize that a valid rule determines a result in cases to which it is applicable, except where another rule, jud- ged to be more important, is also applicable to the same case. So a rule which is defeated in competition with a more important rule in a given case may, like a principle, survive to determine the outcome in other cases where it is judged to be more important than another competing rule.”

      Embora as regras imponham enorme vinculação às consequências que pres- crevem, isso não significa que tal vinculação seja absoluta58. Naturalmente, contu- do, regras jurídicas em geral – e, em especial, regras constitucionais que veiculam direitos fundamentais – não podem ser superadas com facilidade59. É nesse par- ticular que se mostra relevante o papel de diretrizes metódicas como, por exem- plo, o postulado da proporcionalidade e a prevalência relativa dos direitos funda- mentais e o decorrente ônus argumentativo para sua superação. Apenas com es- trita aderência a tais diretrizes metódicas é possível que decisão judicial afaste a consequência estipulada em regra constitucional que representa direito funda- mental.


    4. Postulado da proporcionalidade e prevalência relativa do direito ao sigilo

      Em meio às diretrizes metódicas que devem ser observadas para a superação das regras constitucionais que impõem a inviolabilidade da privacidade e do sigi- lo de dados, o presente estudo examinará, ainda que de forma breve, duas delas: o postulado da proporcionalidade e a prevalência relativa dos direitos fundamen- tais à privacidade e ao sigilo de dados, com o decorrente ônus argumentativo para sua superação.


      1. Postulado da proporcionalidade

        A estruturação da aplicação de normas sob a perspectiva da causalidade entre meio e fim é desempenhada pelo postulado da proporcionalidade através da avaliação da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito do meio empregado para promover a finalidade perseguida60. Sempre que se es- tiver diante de uma medida ou norma voltada à promoção de um fim, cabe o exame da proporcionalidade, a ser realizado a partir do triplo teste61. No caso concreto objeto deste exame, deve-se perquirir acerca da proporcionalidade da transmissão de dados dos correntistas/contribuintes para as autoridades compe- tentes com o fim de combate à sonegação fiscal, sempre mantendo à vista o im- pacto de tal transmissão sobre os direitos à privacidade e ao sigilo de dados, prestigiados em regras constitucionais.


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        58 Entender de modo diverso implicaria abraçar uma visão de regra jurídica conducente a direitos absolutos, uma visão que já foi rechaçada pelo STF (vide nota 47, acima).

        59 “As regras, em geral, não são absolutas, mas também não são superáveis com facilidade”, nota Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 141).

        60 Cf. Humberto Ávila (Proporcionalidade e direito tributário. São Paulo: IBDT, 2011, p. 84). Sobre a proporcionalidade não ser propriamente um princípio jurídico, vide, ainda, Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 117, nota 84).

        61 Cf. Humberto Ávila (Proporcionalidade e direito tributário. São Paulo: IBDT, 2011, p. 84). Luís Vir- gílio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável. São Paulo: RT, 2002, p. 34) salienta que existe uma “ordem pré-definida” em que devem ser procedidas as análises: “A análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito.”

        O primeiro exame, concernente à adequação, impõe que seja empregado pelo legislador ou administrador um meio apto à promoção do fim pretendido62. Em relação à adequação, parece inquestionável que a transmissão de dados ban- cários ao Fisco mostra-se apta à promoção da finalidade almejada, de combate à sonegação fiscal63.

        Dúvidas podem surgir em relação ao exame da necessidade, mediante o qual se busca averiguar a existência de meio diverso a ser empregado para a con- secução do fim perseguido que, porém, leve a uma menor restrição de outros direitos quando comparado com aquele escolhido pelo legislador ou administra- dor64. Uma vez que alcançar determinado fim não justifica o recurso a quaisquer meios65, poder-se-ia sugerir a desnecessidade da transmissão automática de dados à fiscalização tributária, por exemplo, ao argumento de que a transferência pode- ria ser precedida da autorização do Judiciário, o que resultaria em menor restri- ção aos direitos à privacidade e ao sigilo de dados. Todavia, no caso concreto, tal argumento não parece proceder porque a ordem dos fatores (“transmissão de dados” e “fiscalização”) altera o resultado (“combate à sonegação”), já que o aces- so automático às informações bancárias de empresas e indivíduos é utilizado pe- las autoridades fiscais justamente para identificar quais contribuintes movimen- tam valores que não são condizentes com a renda (ou receita) declarada, inician- do a cabível fiscalização66. Sem o acesso automático, o Fisco não teria conheci- mento de informações que permitem identificar situações suspeitas que podem revelar casos de sonegação67. Isso impede que essa modalidade de transmissão de



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        62 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho (Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 270).

        63 Luís Virgílio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável. São Paulo: RT, 2002, p. 36) nota que “não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado”. Assim, o simples fato de ser a transmissão de dados bancários ao Fisco apta à promoção do combate à sonegação aponta para a adequação da medida à finalidade. Vide a esse respeito, ainda, as colocações dos Ministros Luís Roberto Barroso (RE n. 60.3104/SP, p. 66-67; ADI n. 2.859/DF, p. 77-78) e Gilmar Mendes (RE n. 601.314/SP, p. 138-142).

        64 Segundo Gilmar Ferreira Mendes (Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 75), a exigência da necessidade significa que “nenhum meio menos gra- voso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos”. Consequentemente, prossegue Mendes, “o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa”.

        65 Tercio Sampaio Ferraz Jr. (Teoria da norma jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 111) alerta que “o mero estabelecimento de fins não justifica os meios utilizados”. Afinal, subjacente ao exame da necessidade está a ideia de que a “simples maximização” de um direito “não legitima a restrição de outro”, como escreve José Sérgio da Silva Cristóvam (Colisões entre princípios constitu- cionais. Curitiba: Juruá, 2011, p. 218), para quem “não é constitucionalmente permitida a adoção de intervenções excessivamente restritivas a direitos dos cidadãos, simplesmente a pretexto de garantir o alcance do fim visado pela lei”.

        66 Fala-se aqui, sobretudo, da hipótese de transmissão automática de dados prevista no art. 5º da Lei Complementar n. 105/2001 e regulamentada pelo Decreto n. 4.489/2002.

        67 Nas palavras do Ministro Teori Zavascki (RE n. 60.3104/SP, p. 88; ADI n. 2.859/DF, p. 99), “seria

        dados seja considerada como manifestamente menos adequada do que a trans- missão dependente de autorização judicial68.

        Na sequência, o exame da proporcionalidade em sentido estrito contrapõe as vantagens provenientes da realização do fim às desvantagens decorrentes da implementação das medidas adotadas para sua consecução69, atentando-se parti- cularmente para a proporção entre a restrição causada e a promoção efetivada: quanto maior for a desvantagem observada com a adoção da medida, tanto maior deverá ser a vantagem obtida com a finalidade visada70. Nesse ponto, adquire especial relevância a ênfase dada nos julgamentos de 2016 ao fato de que a trans- missão de dados às autoridades tributárias se dá em um contexto no qual tais autoridades são obrigadas a manter o dever de sigilo fiscal71. Embora os dados sejam transmitidos para além dos limites das instituições financeiras detentoras das informações protegidas72, tal transmissão não resulta propriamente na publi- cidade desses dados73, o que autoriza indicar um nível moderado ou leve de des- vantagem (i.e. de restrição aos direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados)74, em contrapartida a uma vantagem que parece significativa no que se refere à disponibilização de instrumentos às autoridades fazendárias para o com- bate à sonegação fiscal75.


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        um contrassenso imaginarmos que o Fisco só pode examinar se há ilícito se ele já tem prova do ilícito. Ele precisa dos dados justamente para saber se há ilícito.”

        68 Em respeito à separação dos Poderes, mas sem abdicar do controle judicial da necessidade, deve-se afastar o meio escolhido apenas “se ele for manifestamente menos adequado do que outro”, con- soante lição de Humberto Ávila (Proporcionalidade e direito tributário. São Paulo: IBDT, 2011, p. 98).

        69 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho (Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 270). Vide, ainda, Luís Virgílio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável. São Paulo: RT, 2002, p. 41).

        70 Cf. Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 593-594).

        71 Daí os Ministros Edson Fachin (RE n. 601.314/SP, p. 37), Dias Toffoli (ADI n. 2.859/DF, p. 27 e 43), Luís Roberto Barroso (RE n. 60.3104/SP, p. 46 e 71; ADI n. 2.859/DF, p. 54 e 81-82), Teori Zavasc- ki (RE n. 60.3104/SP, p. 87; ADI n. 2.859/DF, p. 98), Rosa Weber (RE n. 60.3104/SP, p. 90 e 94; ADI n. 2.859/DF, p. 101 e 105), Cármen Lúcia (RE n. 60.3104/SP, p. 101; ADI n. 2.859/DF, p. 111), Gilmar Mendes (RE n. 601.314/SP, p. 146) e Ricardo Lewandowski (RE n. 60.3104/SP, p. 171; ADI

        n. 2.859/DF, p. 156) rejeitarem a ideia de “quebra” de sigilo nos casos sob julgamento em 2016, referindo-se à “transferência” de tal sigilo ou a um “translado do dever de sigilo da esfera bancá- ria para a fiscal”.

        72 Recorda-se, aqui, a visão estrita de “sigilo bancário” adotada para fins de elaboração deste estudo e resumida no tópico III.1, segundo a qual tal sigilo impediria que informações bancárias dos correntistas sejam transmitidas a quaisquer destinatários não pertencentes aos quadros da insti- tuição financeira detentora dos dados.

        73 Como propôs o Ministro Gilmar Mendes (RE n. 60.3104/SP, p. 146), “ninguém duvida que o in- divíduo tem o direito de manter longe dos olhares públicos seus assuntos privados, inclusive suas finanças”.

        74 No voto que proferiu, precisamente na parte que toca ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, o Ministro Luís Roberto Barroso (RE n. 60.3104/SP, p. 68-69; ADI n. 2.859/DF, p. 79-80) fala que o acesso direto das autoridades fiscais aos dados bancários implica “leves restrições aos direitos fundamentais [de índole meramente patrimonial] dos contribuintes”.

        75 Ao relacionar os benefícios decorrentes da medida, o Ministro Luís Roberto Barroso (RE n.

        Isso posto, uma leitura focada essencialmente na proporcionalidade pode sugerir que as decisões de 2016 procederam a uma análise coerente da medida consistente na transmissão, pelas instituições financeiras às autoridades fazendá- rias, de dados dos contribuintes para fins tributários, quando considerada a fina- lidade de combate à sonegação fiscal. No entanto, a análise não estará completa até que se considere a prevalência relativa do direito ao sigilo.


      2. Prevalência relativa do direito ao sigilo e ônus argumentativo

Sem prejuízo da aparente proporcionalidade da transmissão de dados ban- cários para fins de fiscalização tributária, não se pode perder de vista que os di- reitos à privacidade e ao sigilo de dados decorrentes das regras constitucionais objeto deste estudo configuram direitos fundamentais76. Tal fato tem implicações relevantes sobre o ônus argumentativo que deve ser suportado para que seja pos- sível justificar a superação das consequências previstas nas mencionadas regras constitucionais em prol de outros objetivos.

De fato, ainda que não caiba afirmar a existência de direitos absolutos77, o fato de os direitos à privacidade e ao sigilo de dados revelarem direitos funda- mentais lhes confere uma prevalência relativa quando esses se vêm em situação de colisão com direitos ou deveres representativos de objetivos outros, que não tra- zem sobrejacente um direito fundamental78. Daí se extrai a diretriz metódica da prevalência relativa das normas jurídicas reveladoras de direitos fundamentais – que, no presente caso, pode ser resumida como prevalência relativa do direito ao sigilo –, da qual decorre o ônus argumentativo para a superação das normas que veiculam tais direitos. Por força dessa prevalência relativa, para que uma norma jurídica N1, sem suporte em um direito fundamental, se sobreponha às regras


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60.3104/SP, p. 68; ADI n. 2.859/DF, p. 79) menciona “(i) a promoção da isonomia tributária e da justiça fiscal [...]; (ii) a realização dos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade na cobrança dos créditos tributários [...]; (iii) a garantia da livre concorrência [...], e (iv) o descon- gestionamento do Judiciário”. De sua parte, o Ministro Gilmar Mendes (RE n. 60.3104/SP, p. 145-146), ao realizar o exame da proporcionalidade em sentido estrito, afirmou que “a restrição imposta pela transferência de sigilo é superada pela importância dos objetivos perseguidos”.

76 Sem adentrar a análise do conteúdo dos direitos fundamentais, o simples recurso a um critério formal relativo à positivação dos direitos à privacidade e ao sigilo de dados no texto constitucional

– conforme Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 68) – já é suficiente para demonstrar que tais direitos, previstos nos incisos X e XII da Constituição Fede- ral, representam direitos fundamentais.

77 Vide nota 47, acima.

78 Relembrando, nesse ponto, as premissas teóricas que apontam para a possibilidade de pondera- ção também das regras jurídicas. A esse respeito, Eros Roberto Grau (A ordem econômica na Cons- tituição de 1988. São Paulo: RT, 1990, p. 134) propõe que há situações em que o aparente conflito entre regras veicula, na verdade, uma colisão entre os princípios sobrejacentes a tais regras: “As- sim, quando, em confronto dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras que dão concre- ção ao que foi desprezado são afastadas; não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas, validamente, no ordenamento jurídico.”

constitucionais que veiculam o direito à privacidade e ao sigilo de dados, é preci- so que as razões que justificam essa sobreposição sejam maiores do que aquelas que seriam suficientes para que N1 prevalecesse sobre uma norma N2, também não amparada em direito fundamental79. Entender o contrário implicaria em atribuir às normas que revelam direitos fundamentais peso relativo similar ao conferido a quaisquer normas jurídicas, amesquinhando o papel dos direitos fun- damentais80.

Uma vez reconhecida a prevalência relativa, a impor o ônus argumentativo para que seja possível superar as regras constitucionais que veiculam os direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados, pode-se questionar se, de fato, as decisões de 2016 acertaram ao validar normas voltadas à transmissão, pelas instituições financeiras às autoridades fazendárias, de dados dos contribuintes para fins de fiscalização tributária, almejando promover o combate à sonegação fiscal. Embora as vantagens decorrentes da finalidade de combate à sonegação, partindo de um plano inicial nivelado, aparentemente superam as desvantagens em termos de restrição aos direitos à privacidade e ao sigilo de dados81, ao reco- nhecer que esses direitos (fundamentais) conferem às regras constitucionais que os veiculam prevalência relativa quando de sua ponderação diante da colisão com outras normas, desnivela-se o plano inicial de comparação, sendo possível que a partir do novo plano comparativo as referidas vantagens não sejam consideradas fortes o suficiente para superar a diferença inicial decorrente da prevalência re- lativa do direito ao sigilo e também as desvantagens causadas com a violação do sigilo82.


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79 Isso remete à “lei do sopesamento” proposta por Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 167), segundo a qual “a medida permitida de não satisfação ou de afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do outro”. Embora a proposta de Alexy faça alusão especificamente à colisão de princípios, uma vez admitida a pon- deração também das regras jurídicas, mostra-se cabível a referida “lei do sopesamento” igual- mente a essa espécie normativa.

80 Se a Constituição ampara certos direitos, como nota Regina Helena Costa (Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 110), “não pode, ao mesmo tempo, compactuar com a obstância ao seu exercício mediante uma atividade tributante desvirtuada”. Logo, prosse- gue Costa, “a atividade tributante do Estado não pode conduzir, indiretamente, à indevida restri- ção ou inviabilização do exercício de direitos fundamentais”.

81 Vide, a esse respeito, a análise do postulado da proporcionalidade desenvolvida no tópico III.4.a.

82 Humberto Ávila (Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 160), tratan- do de direito fundamental distinto (igualdade), propõe que “enquanto a relação de prevalência concreta entre os princípios de mesma estatura horizontal se dá mediante a atribuição de um peso maior a um deles, bastando que, pelo nivelamento anterior, seja demonstrada uma razão para isso, no caso da igualdade, cujo peso já é inicialmente maior, é preciso que seja demonstrada uma razão suficiente para reverter a sua vantagem axiológica primitiva e permitir a prevalência do princípio contraposto”. A lógica vale para a colisão de normas quando uma delas veicula direi- tos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados, exigindo que a norma contraposta apenas se sobreponha caso se demonstre uma razão suficiente para reverter a vantagem axiológica inicial dos direitos fundamentais.

Nesse ponto, adquire especial relevância a teoria desenvolvida por José Ca- salta Nabais. A partir da constatação de que a efetivação dos direitos fundamen- tais traz custos para o Estado e de que esse, em sua feição de Estado Fiscal, apenas é capaz de fazer frente a tais custos com a cobrança de tributos, o professor de Coimbra aponta a existência de um dever fundamental de pagar impostos, para o dever fundamental de os membros da comunidade suportarem os custos finan- ceiros inerentes à manutenção de tal comunidade83. Ao abandonar a dicotomia “Fisco-contribuinte” e reformular o debate sob a perspectiva do necessário equi- líbrio entre interesses individuais e coletivos84, as decisões proferidas pelo STF em 2016 reforçam uma visão de tributo em que esse é visto como dever funda- mental dos indivíduos detentores de capacidade contributiva para com o custeio das atividades estatais, que visam o interesse coletivo85. Uma visão de tributo como dever fundamental que, ao nivelar o plano inicial de comparação entre as desvantagens impostas aos direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados e as vantagens provenientes do combate à sonegação em prol do cumpri- mento do referido dever fundamental, autoriza a conclusão, sob as circunstâncias daquela discussão, pela prevalência do dever fundamental que se visa promover sobre os direitos fundamentais afetados86.

Portanto, com amparo em uma específica abordagem teórica é possível re- conhecer a consistência jurídica da fundamentação dos votos dos Ministros do STF que compuseram a maioria nos julgamentos de 2016. Essa constatação é re- levante porque, a partir da reconstrução teórica dos julgamentos, pode-se delimi- tar com maior clareza sua abrangência e aplicabilidade a outras situações – como, por exemplo, a troca de informações fiscais em âmbito internacional.


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83 Cf. José Casalta Nabais (O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2015, p. 185-187).

84 Para José Casalta Nabais (O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2015, p. 185), “o imposto não deve ser considerado, como foi tendência durante o [séc. XIX], [...] uma simples relação de poder, em que o estado faz exigências aos seus súbditos e estes se sujeitam em conse- quência dessa relação [...], mas antes como o contributo indispensável a uma vida comum e prós- pera de todos os membros da comunidade organizada em estado.”

85 Não por outro motivo, muitos dos votos proferidos durante os julgamentos de 2016 fazem alusão ao “dever fundamental de pagar tributos”. Nesse sentido, vide exemplificativamente os votos dos Ministros Edson Fachin (RE n. 601.314/SP, p. 33), Dias Toffoli (ADI n. 2.859/DF, p. 30-33), Luís Roberto Barroso (RE n. 60.3104/SP, p. 46 e 57-58; ADI n. 2.859/DF, p. 54 e 68-69) e Gilmar Men- des (RE n. 601.314/SP, p. 139). A própria ementa da ADI n. 2.859/DF, indicou que, “consta [da Constituição Federal] o dever fundamental de pagar tributos, visto que são eles que, majoritaria- mente, financiam as ações estatais voltadas à concretização dos direitos do cidadão”.

86 O Ministro Luís Roberto Barroso (RE n. 60.3104/SP, p. 64-65; ADI n. 2.859/DF, p. 75) resumiu tal conclusão afirmando que, “em um juízo de ponderação racional com o dever fundamental de pagar tributos e com o princípio da isonomia, materializado na esfera fiscal como dever de todos os contribuintes de contribuírem de forma equânime para o financiamento do Estado, [o direito ao sigilo] pode e deve ceder”.

  1. Decisões de 2016 do STF: reconstrução teórica, abrangência e aplicabilidade

    1. Reconstrução teórica das decisões proferidas em 2016 pelo STF

      Diante da enorme relevância das decisões proferidas pelo STF em sede de repercussão geral e de controle concentrado de constitucionalidade, é preciso demarcar com clareza sua abrangência e aplicabilidade a outros casos, o que em algumas situações pode exigir a reconstrução teórica dessas decisões, visando as posicionar em um arcabouço mais amplo, compatibilizando-as com a legislação (inclusive constitucional) pertinente, o que somente pode ser feito de forma estru- turada, coerente e com respeito à lógica orientadora de tais decisões. Assim, a proposta do presente estudo é a reconstrução teórica das decisões proferidas pelo STF em 2016 para, adequando a lógica subjacente às fundamentações apresenta- das pelos Ministros que compuseram a maioria naqueles julgamentos às premis- sas teóricas resumidas na seção III, definir em um passo seguinte sua abrangên- cia e aplicabilidade a outros casos.

      Nesse contexto, subsumindo a discussão sobre se os dispositivos extraídos dos incisos X e XII do art. 5º da Constituição veiculariam ou não regra jurídica à premissa teórica de que tais dispositivos veiculam regras constitucionais87, a re- construção teórica ora proposta desloca essa discussão para o debate em torno de ser ou não possível superar tais regras mediante ponderação – o que é possível a partir da rejeição do modelo “tudo ou nada” de aplicabilidade das regras88. Além disso, o que os votos que afirmam existir a simples “transferência” do dever de sigilo fazem, na perspectiva da reconstrução teórica aqui proposta, é uma avalia- ção da proporcionalidade em sentido estrito, por meio da qual as desvantagens de uma afetação limitada do direito ao sigilo – “limitada” na medida em que os dados transmitidos não receberão publicidade, já que a autoridade destinatária também deve observar o dever de sigilo (agora fiscal) – são contrapostas às rele- vantes vantagens obtidas com a disponibilização às autoridades fazendárias de meios aptos e necessários para garantir que os contribuintes ofereçam à tributa- ção os valores efetivamente devidos89. Finalmente, com o reconhecimento do “de- ver fundamental de pagar tributos” as decisões, sob o prisma da reconstrução teórica proposta, indicam existir um equilíbrio no que se refere ao ônus argu- mentativo necessário para a superação das consequências previstas nas regras constitucionais reveladoras de direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo: se tanto os direitos quanto os deveres contrapostos são fundamentais, estabelece-se um ponto de partida nivelado para a comparação das desvantagens decorrentes


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      87 Vide tópico III.2, acima.

      88 Vide tópico III.3, acima.

      89 Vide tópico III.4.a, acima.

      da mitigação dos direitos fundamentais em relação às vantagens advindas com a promoção do dever fundamental90.

      Assim, a partir de uma específica abordagem teórica é possível proceder à reconstrução das decisões proferidas pelo STF em 2016 para, ainda que atribuin- do aos dispositivos extraídos dos incisos X e XII do art. 5º da Constituição a clas- sificação normativa de regras, reconhecer a viabilidade da superação dessas re- gras veiculadoras de direitos fundamentais em prol do combate à sonegação fis- cal, objetivo alinhado ao dever fundamental de pagar tributos. Tal conclusão não significa, contudo, que a superação do direito de sigilo tenha sido definitiva, tam- pouco que possa ser aplicada a quaisquer outros casos.


    2. Abrangência e aplicabilidade das decisões de 2016: o papel da fundamentação

A conclusão de que é viável a superação de regras constitucionais que veicu- lam direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados em prol do combate à sonegação não significa, em primeiro lugar, que a superação dessas regras te- nha sido determinada de modo definitivo pelo STF91. Além disso, se é verdade que as regras jurídicas não são absolutas, é também verdade que as regras não são superáveis com facilidade92. Sem a intenção de realizar um exame detalhado das condições de superabilidade das regras jurídicas93, o fato é que as regras detêm maior resistência à superação quando comparadas com os princípios, o que leva à exigência de uma “fundamentação mais restritiva” para a superação das regras94. Fala-se, aqui, em uma fundamentação condizente, por meio da qual sejam exte- riorizadas as razões que permitem a superação da regra, inclusive para viabilizar o controle de tais razões95, o que é fundamental para decidir quais casos podem ser decididos de forma semelhante.

Assim, a partir do reconhecimento de que houve a superação de regras cons- titucionais reveladoras de direitos fundamentais dos contribuintes nas decisões proferidas pelo STF em 2016, percebe-se que a fundamentação de tais decisões adquire papel de enorme relevância no que diz respeito a sua aplicabilidade a casos distintos – tais como, por exemplo, a transmissão de dados bancários e fis- cais de contribuintes brasileiros para outros países em virtude de compromissos



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90 Vide tópico III.4.b, acima.

91 Vide, a esse respeito, o tópico III.3 e a rejeição do modelo “tudo ou nada” de aplicação das regras jurídicas.

92 Cf. Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 141).

93 Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 141-147) desenvolve tal exame.

94 Cf. Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 146). As regras, para Ávila, “embora geralmente superáveis, só o são por razões extraordinárias e mediante um ônus de fundamentação maior.”

95 Cf. Humberto Ávila (Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 147).

internacionais assumidos pelo Brasil. Isso significa dizer que o resultado alcança- do em 2016 apenas pode ser replicado caso as razões, fundamentos e requisitos que justificaram a superação das referidas regras também encontrem paralelo. Tal conclusão evidencia a importância dos requisitos apontados pelo STF para a mitigação dos direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados: sem a observância desses requisitos, não é possível, por exemplo, a transmissão de da- dos bancários e fiscais de indivíduos e empresas residentes no Brasil para outros países96.

Como resumido na reconstrução teórica acima, partindo de um ponto ini- cial nivelado de comparação, em 2016 o STF decidiu que a grande contribuição ao dever fundamental de pagar tributos proporcionada pelo acesso aos dados por parte do Fisco tem como contrapartida um moderado (ou leve) prejuízo aos direi- tos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados, que continuariam a receber grau satisfatório de proteção sob o sigilo fiscal. Percebe-se, portanto, que a manu- tenção de um grau satisfatório de proteção dos direitos fundamentais à privacida- de e ao sigilo de dados foi determinante na decisão do STF de autorizar a trans- missão de tais dados para fins de fiscalização tributária. Com efeito, a evolução de entendimento do STF só foi possível em um específico contexto de estrita obser- vância do sigilo fiscal, que teve grande peso nas considerações que culminaram com as decisões proferidas pela Corte97. Afinal, “ninguém duvida que o indivíduo tem o direito de manter longe dos olhares públicos seus assuntos privados, inclu- sive suas finanças”98.

Isso leva à seção V, que após analisar a evolução dos sistemas internacionais de troca de informações para fins fiscais e a posição brasileira nesse campo, exa- mina os requisitos indicados pelo STF para que seja possível a mitigação dos di- reitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados em prol do dever funda- mental de pagar tributos.


  1. Troca internacional de informações fiscais, a posição do Brasil e requisitos aplicáveis

    Para além dos aspectos resumidos na seção II, muitos votos proferidos pelos Ministros do STF nos julgamentos de 2016 abordaram os compromissos interna- cionais assumidos pelo Brasil em tema de troca de informações para fins tributá- rios99. A própria ementa do acórdão da ADI n. 2.859/DF enfatiza o compromisso


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    96 Os requisitos indicados nos julgamentos de 2016 são examinados no tópico V.3.

    97 Vide, a esse respeito, o tópico III.4.a, acima, em especial o que consta da nota 71.

    98 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 146.

    99 A esse respeito, vide exemplificativamente os votos proferidos nos julgamentos de 2016 pelos Ministros Edson Fachin (RE n. 601.314/SP, p. 35-36), Dias Toffoli (ADI n. 2.859/DF, p. 37-42), Luís Roberto Barroso (RE n. 60.3104/SP, p. 55-56; ADI n. 2.859/DF, p. 66-68) e Gilmar Mendes (RE n. 601.314/SP, p. 143-145). Também o Ministro Marco Aurélio, vencido nos julgamentos de 2016, abordou a questão dos compromissos internacionais (RE n. 601.314, p. 120; ADI n. 2.859/DF, p.

    do Brasil “a cumprir os padrões internacionais de transparência e de troca de informações bancárias, estabelecidos com o fito de evitar o descumprimento de normas tributárias, assim como combater práticas criminosas”, registrando que “não deve o Estado brasileiro prescindir do acesso automático aos dados bancá- rios dos contribuintes por sua administração tributária, sob pena de descumpri- mento de seus compromissos internacionais”100. Esta seção V aborda a evolução dos sistemas internacionais de troca de informações fiscais e os compromissos assumidos pelo Brasil nessa seara, culminando com a análise dos requisitos fixa- dos pelo STF em 2016 para que seja possível a mitigação dos direitos fundamen- tais à privacidade e ao sigilo de dados em prol do dever fundamental de pagar tributos101, a vincular também as transmissões internacionais de dados.


    1. Breve história da evolução da troca de informações fiscais em âmbito internacional

      Embora a questão da transparência fiscal tenha recebido destaque nos últi- mos anos em virtude do Projeto BEPS102, a preocupação com esse tema é antiga, remontando pelo menos a 1927, quando o Comitê de Peritos Técnicos em Dupla Tributação e Evasão Fiscal da Liga das Nações lançou um esboço de convenção bilateral sobre questões administrativas em matérias de tributação em conjunto com comentários, que apontava para dois objetivos: evitar dupla tributação e pre- venir evasão fiscal por meio da cooperação internacional103. Mais tarde, em 1963, a OCDE publicou sua convenção modelo sobre dupla tributação, que trouxe no art. 26 a moldura normativa de referência sobre a qual se desenvolveria a troca de informações em âmbito internacional, que naquele primeiro momento abordava



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      130). Em seu voto, após ressaltar que “o Brasil ainda é uma nação soberana, e não se sobrepõe a Carta, tratados e convenções com ela conflitantes”, o Ministro Marco Aurélio afirmou ser “dever maior” do STF “o de guarda, não dos tratados e convenções internacionais, não da reciprocidade internacional, mas da Constituição Federal”, concluindo que “a cooperação internacional deve ser harmônica com o arcabouço normativo pátrio, sem o que não pode ser implementada”.

      100 ADI n. 2.859/DF, trechos extraídos da ementa do acórdão.

      101 Naturalmente, uma vez reconhecida a relevância do “dever fundamental de pagar tributos” no contexto das decisões proferidas pelo STF em 2016 (vide, em especial, o tópico III.4.b, acima), pode-se suscitar questão extremamente importante e interessante, consistente em saber se tal dever fundamental, reconhecido a partir do ordenamento constitucional interno, tem aplicabili- dade para além dos limites territoriais pátrios. Essa questão, contudo, não será tema de análise no presente artigo.

      102 OECD. Addressing Base Erosion and Profit Shifting. Paris: OECD Publishing, 2013.

      103 Cf. League of Nations (Double taxation and tax evasion – report presented by the Committee of Technical Experts on Double Taxation and Tax Evasion. Geneva: League of Nations, 1927, p. 22- 25). Sobre o histórico e propósito da troca de informações fiscais, abordando inclusive o papel da Liga das Nações, vide Roman Seer e Sascha Kargitta (Exchange of information and cooperation in direct taxation. In: PANAYI, Cristiana et al (ed.). Research handbook on European Union taxation law. Cheltenham: Edward Elgar, 2020, p. 490).

      apenas a troca de informações mediante solicitação104. Nesse cenário, as conven- ções bilaterais para evitar a dupla tributação eram peça chave em questão de troca de informações fiscais. Contudo, esse modelo exibiu limitações relevantes e foi considerado ineficiente para impor a troca de informações em matéria tribu- tária105. Dada essa ineficiência e em resposta a um relatório sobre evasão fiscal106, em 1981 os Estados Unidos da América (EUA) iniciaram a prática de celebração de acordos para troca de informações tributárias (TIEA, na sigla em inglês) com algumas jurisdições consideradas, pelos EUA, como paraísos fiscais.

      Em um movimento em direção a uma abordagem multilateral, em 1988 a OCDE e o Conselho da Europa assinaram a Convenção Multilateral sobre Assis- tência Administrativa Mútua em Matéria Tributária107, com previsão de troca de informações espontâneas e automáticas, mas que em um primeiro momento re- cebeu baixa adesão fora da Europa. Em 1998, a OCDE publicou o relatório sobre competição tributária prejudicial, no qual apontou a inexistência de troca de in- formações fiscais como uma das principais causas das práticas prejudiciais em matéria fiscal108. Essa constatação foi imprescindível para o passo seguinte dado pela OCDE com a criação, em 2000, do Fórum Global para Transparência e Tro- ca de Informações Tributárias, voltado a discussões sobre práticas fiscais prejudi- ciais e mecanismos para seu combate, promovendo especialmente a troca de in- formações tributárias. No mesmo ano de 2000, a OCDE publicou um relatório sobre como melhorar o acesso às informações bancárias para fins fiscais, apon- tando que o sigilo bancário pode facilitar a evasão fiscal109.

      Como resultado dos debates realizados no âmbito do Fórum Global, em 2002 a OCDE lançou seu modelo de acordo para troca de informações tributá- rias110, no qual o sigilo bancário deixa de ser considerado uma parte da política pública a inviabilizar o acesso, pelas autoridades fazendárias, aos dados bancários dos contribuintes111, sinalizando na direção da troca automática de informações


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      104 Cf. OECD (Draft double taxation convention on income and capital 1963. Paris: OECD, 1963, article 26).

      105 Cf. Xavier Oberson (International exchange of information in tax matters: towards global transparency.

      2. ed. Chelteham: Edward Elgar, 2018, p. 61-62).

      106 De acordo com Steven A. Dean (The incomplete global market for tax information. Boston College Law Review vol. 49:605-672, 2008, p. 650), “[t]hat report highlighted the ease with which U.S. taxpayers were able to engage in tax flight. It suggested that TIEAs could make tax flight more difficult by helping to close the gap left by the United States’ reliance on a network of double tax treaties that failed to include most of the jurisdictions the United States considered tax havens.”

      107 OECD e Council of Europe. The multilateral convention on mutual administrative assistance in tax matters. Paris: OECD, 1988.

      108 Cf. OECD (Harmful tax competition: an emerging global issue. Paris: OECD, 1998, §§ 64-67).

      109 Cf. OECD (Improving access to bank information for tax purposes. Paris: OECD, 2000, § 2).

      110 OECD. Model agreement on exchange of information on tax matters. Paris: OECD, 2002.

      111 Cf. OECD (Commentary on article 5(4) of the Model agreement on exchange of information on tax matters. Paris: OECD, 2002, § 46).

      fiscais. Mas foi apenas em 2009, quando a OCDE passou a publicar a lista de “ ju- risdições não cooperativas”112, e em 2010, quando os EUA introduziram o FATCA113, que o movimento em direção à troca automática de informações ganhou real força, levando a União Europeia a adotar, em 2011, a Diretiva sobre Cooperação Administrativa, que estabeleceu regras e princípios para fortalecer a cooperação fiscal entre os Estados-membros114.

      A partir desse novo impulso, em 2014 a OCDE publicou o padrão para troca automática de informações em matéria fiscal sobre contas financeiras115 e, em conjunto com o G20 no contexto do Projeto BEPS, lançou a Ação 5, que visou as práticas fiscais prejudiciais e teve a melhoria da transparência como um dos seus principais pilares, inclusive introduzindo a troca de informações compulsória so- bre decisões administrativas fiscais que beneficiem contribuintes116; e a Ação 13, que apresentou o relatório país por país117, segundo o qual os grupos multinacio- nais devem divulgar informações sobre suas principais atividades globais para apoiar as autoridades fazendárias durante as fiscalizações, assegurando o cum- primento das obrigações e ampliando a troca automática de informações tributá- rias118. As Ações 5 e 13 foram incluídas no chamado “standard mínimo”, que os países que fazem parte do Inclusive Framework (como é o caso do Brasil) devem implementar.


    2. Compromissos assumidos pelo Brasil em tema de troca de informações fiscais Embora os tratados celebrados pelo Brasil sobre dupla tributação sigam, em certa medida, a convenção modelo da OCDE, o país adota alguns desvios relevan- tes em relação às disposições do referido modelo119. Essa é uma das razões pelas


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      112 Cf. Roman Seer e Sascha Kargitta (Exchange of information and cooperation in direct taxation. In: PANAYI, Cristiana et al (ed.). Research handbook on European Union Taxation Law. Cheltenham: Edward Elgar, 2020, p. 495).

      113 FATCA – Foreign Account Tax Compliance Act, U.S. Internal Revenue Code of 1986, Chapter 4 of Subtitle A, sections 1471-1474.

      114 Diretiva 2011/16/EU. A Diretiva sobre Cooperação Administrativa passou a ser a norma sobre troca automática de informações mais importante da União Europeia, tendo sido, ao longo dos anos, alterada algumas vezes para se adequar aos standards internacionais ou para ampliar o rol das trocas automáticas consideradas obrigatórias.

      115 OECD. Standard for automatic exchange of financial account information in tax matters. Paris: OECD, 2014.

      116 Cf. OECD (Countering harmful tax practices more effectively, taking into account transparency and subs- tance. Action 5 – 2015 Final Report. Paris: OECD, 2015, §§ 89-141).

      117 OECD. Transfer pricing documentation and country-by-country reporting. Action 13 – 2015 final re- port. Paris: OECD, 2015.

      118 Cf. Roman Seer e Sascha Kargitta (Exchange of information and cooperation in direct taxation. In: PANAYI, Cristiana et al (ed.). Research handbook on European Union Taxation Law. Cheltenham: Edward Elgar, 2020, p. 502).

      119 É importante salientar o duplo papel desempenhado pelo Brasil no contexto dos acordos para evitar dupla tributação. Sendo um país em desenvolvimento, o Brasil tem forte interesse em atrair

      quais é possível afirmar que a influência da OCDE na política fiscal brasileira permanece limitada120.

      Em tema de troca de informações fiscais, contudo, a situação parece ser di- ferente. Membro do Fórum Global desde 2009, o Brasil está comprometido com a implementação do padrão internacional de transparência e troca de informa- ções para fins tributários. Nesse contexto, os membros do Fórum Global foram avaliados em um processo dividido em duas fases: a primeira sobre o arcabouço normativo e regulatório das jurisdições e a segunda sobre a implementação, na prática, de tal arcabouço121. Em 2012, após a primeira fase da avaliação, a OCDE concluiu que o Brasil possui normas aptas a permitir a troca de informações para fins tributários122. Essa conclusão remete às normas brasileiras sobre a troca de informações fiscais que viabilizam tal troca também em âmbito internacional123. Como reconhecido pela OCDE, a Receita Federal do Brasil detém informações relevantes sobre os contribuintes, inclusive dados bancários, dispondo de poderes para acessar informações que podem ser destinadas à troca internacional e para impor a produção de tais informações124. Apesar de nem todos os tratados para evitar dupla tributação do Brasil possuírem cláusula sobre troca de informações tributárias em linha com o atual padrão da OCDE, esse descompasso decorre, sobretudo, do momento em que se deu a conclusão de tais tratados125. Tanto é


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      investimentos estrangeiros, assumindo uma posição de importador de capital (país da fonte) em tais relações. Por outro lado, o Brasil também desempenha o papel de exportador de capital (país de residência). Assim, o Brasil segue tanto o modelo da OCDE como da ONU, mas principalmen- te o último, adotando uma polícia de favorecimento da tributação na fonte, em alguns casos favo- recendo a tributação na fonte ainda mais do que o previsto na convenção modelo da ONU. Sobre esse tema, vide Sergio André Rocha (Brazil’s treaty policy. Bulletin for International Taxation vol. 71, No. 6: 333-339, 2017).

      120 Cf. Luís Eduardo Schoueri (Brazil. In: BRAUNER, Yariv; PISTONE, Pasquale (ed.). BRICS and the emergence of international coordination. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 49).

      121 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes peer reviews: Brazil 2012: Phase 1: legal and regulatory framework. Paris: OECD, 2012, p. 5).

      122 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes peer reviews: Brazil 2012: Phase 1: legal and regulatory framework. Paris: OECD, 2012, p. 7).

      123 Em meio as quais, vale citar a previsão constante do parágrafo único do art. 199 do Código Tri- butário Nacional, incluído em 2001 pela Lei Complementar n. 104 e que dispõe que “a Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos”.

      124 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes peer reviews: Brazil 2012: Phase 1: legal and regulatory framework. Paris: OECD, 2012, § 138).

      125 Todos os tratados sobre dupla tributação celebrados pelo Brasil quando da elaboração do presen- te estudo – i.e. os 33 acordos já ratificados e os 4 acordos atualmente aguardando aprovação por parte do Congresso Nacional (concluídos com os Emirados Árabes Unidos, Singapura, Suíça e Uruguai) – possuem um dispositivo similar ao art. 26 da convenção modelo da OCDE. No entan- to, tendo em vista que muitos desses tratados foram concluídos em momento anterior à definição do padrão atual em matéria de troca de informações, a previsão constante de alguns desses tra- tados se afasta, em alguma medida, do atual standard da OCDE.

      assim que a própria OCDE reconhece que o Brasil tem adotado os procedimentos necessários para, mediante renegociação dos tratados, adequá-los aos atuais pa- drões em matéria de troca de informações tributárias126.

      Em paralelo, o Brasil também tem concluído acordos especificamente volta- dos à troca de informações tributárias. No entanto, de modo similar ao que se verifica com as renegociações dos tratados brasileiros para evitar dupla tributa- ção, atualmente a maioria dos acordos sobre troca de informações aguarda apro- vação pelo Congresso Nacional127. Na verdade, a questão da demora na ratifica- ção dos acordos internacionais concluídos pelo Brasil configura um problema estrutural que foi apontado pela OCDE ainda na primeira fase de avaliação128, quando foi recomendado que o país adotasse medidas para acelerar tal proces- so129. Em 2013, o país foi objeto da segunda fase de avaliação130. Finalmente, em 2018, por oportunidade de uma segunda rodada de avaliação realizada pelo Fó- rum Global, que dessa vez combinou ambas as fases de avaliação em uma análise única, foi apontado que o Brasil segue renegociando seus tratados sobre dupla tributação para implementar os standards relacionados ao Projeto BEPS131.

      Como país membro do Fórum Global comprometido com a implementação dos padrões internacionais em matéria de transparência e troca de informações, em 2016, o Brasil ratificou a Convenção Multilateral sobre Assistência Adminis- trativa Mútua em Matéria Tributária132. Como resultado, apesar de acordos con-


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      126 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes peer reviews: Brazil 2012: Phase 1: legal and regulatory framework. Paris: OECD, 2012, § 178).

      127 Quando da elaboração do presente estudo, apenas os acordos para troca de informações concluí- dos entre o Brasil e os EUA, Jersey, Reino Unido e Suíça haviam sido ratificados.

      128 Cf. OECD (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes Peer Reviews: Brazil 2012: Phase 1: legal and regulatory framework. Paris: OECD, 2012, § 211): “When looking to the Brazilian treaty network, it can be seen that the time gap between the signature of an EOI arrangement and its entry into force can be quite long. The Brazilian authorities have indicated that the signature and ratification process, as set forth in the Federal Constitution, usually takes more than two years. This situation is due to several factors, as follows: the process concerning signature, referendum and ratification is complex, since it involves the Ministry of Finance, the Ministry of Foreign Affairs, the Cabinet of the President and the National Congress; and international treaties which lead to revenue losses must be adopted in plenary by the Natio- nal Congress, which means both the House of Representatives (Câmara dos Deputados) and the Federal Senate.”

      129 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes peer reviews: Brazil 2012: Phase 1: legal and regulatory framework. Paris: OECD, 2012, § 213).

      130 OECD. Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes peer reviews: Brazil 2013: Phase 2: implementation of the standard in practice. Paris: OECD, 2013.

      131 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes: Brazil 2018 (second round): peer review report on the exchange of information on request. Paris: OECD, 2018, § 182).

      132 OECD e Council of Europe. The multilateral convention on mutual administrative assistance in tax matters. Paris: OECD, 1988. Embora a adesão do Brasil tenha sido concluída em 2011, a Conven- ção Multilateral foi aprovada pelo Congresso Nacional apenas em 14 de abril de 2016, tendo seu

      cluídos pelo Brasil para a troca de informações tributárias ainda aguardarem aprovação pelo Congresso Nacional, o país não apenas garante a troca de infor- mações com os países signatários da Convenção Multilateral, como expandiu sig- nificativamente a sua rede de cooperação internacional nesse campo133. Daí a avaliação da OCDE, em 2018, no sentido de que, muito embora o país ainda não tenha sido capaz de acelerar seu processo de aprovação dos acordos bilaterais, a ratificação da Convenção Multilateral garante que esse problema não impacta de forma significativa a capacidade de o Brasil participar da troca internacional de informações tributárias134.

      O Brasil também está em conformidade com o padrão estabelecido pela OCDE em 2014 para troca automática de informações em matéria fiscal sobre contas financeiras135, bem como com o relatório país por país, fruto da Ação 13 do Projeto BEPS136, o que faz com que o Brasil seja reconhecido como aderente aos padrões da Ação 13137. Além disso, o Brasil tem adotado medidas para garantir a transparência no contexto das decisões administrativas fiscais que beneficiam contribuintes, em consonância com a Ação 5 do Projeto BEPS, o que autorizou a OCDE a não fazer qualquer recomendação sobre o tema em avaliação concluída em 2019138.

      Tendo em vista as medidas adotadas pelo Brasil, é possível compreender o motivo de a OCDE ter indicado o país, no geral, está em conformidade com os padrões internacionais em matéria de troca de informações tributárias139. Portan- to, é seguro dizer que o Brasil aceitou, via acordos internacionais, e cumpre os


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      texto promulgado pelo Decreto n. 8.842, de 29 de agosto de 2016, entrando em vigor a partir de 1º de outubro de 2016.

      133 A lista de jurisdições signatárias da Convenção Multilateral pode ser conferida em http://www. oecd.org/tax/exchange-of-tax-information/Status_of_convention.pdf.

      134 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes: Brazil 2018 (second round): peer review report on the exchange of information on request. Paris: OECD, 2018, § 162).

      135 Vide, a esse respeito, a declaração divulgada pela RFB, disponível em https://receita.economia. gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-intercambio-de-informa- coes-relativas-a-tributos/convencao-multilateral-sobre-assistencia-mutua-administrativa-em-ma- teria-tributaria/acordo-multilateral-entre-autoridades-competentes-sobre-o-intercambio-auto- matico-de-informacoes-financeiras-mcaa-crs.

      136 Vide, a esse respeito, a declaração divulgada pela RFB, disponível em https://receita.economia. gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-intercambio-de-informa- coes-relativas-a-tributos/convencao-multilateral-sobre-assistencia-mutua-administrativa-em-ma- teria-tributaria/multilateral-competent-authority-agreement-country-by-country-report.

      137 Cf. OECD (Country-by-country reporting – compilation of peer review reports (Phase 3): inclusive framework on BEPS: Action 13. Paris: OECD, 2020, p. 70).

      138 Cf. OECD (Harmful tax practices – 2018 peer review reports on the exchange of information on tax rulings: inclusive framework on BEPS: Action 5. Paris: OECD, 2019, p. 72-75).

      139 Cf. OECD (Global forum on transparency and exchange of information for tax purposes: Brazil 2018 (second round): peer review report on the exchange of information on request. Paris: OECD, 2018, § 1).

      standards internacionais de transparência e troca de informações fiscais, incluin- do as trocas automáticas de informações tributárias140.


    3. Requisitos para a transmissão internacional de dados bancários e fiscais

      Uma vez posicionados os compromissos assumidos pelo Brasil em matéria de troca de informações fiscais, é preciso, de um lado, compatibilizar o cumpri- mento desses compromissos com o ordenamento constitucional a partir do que restou decidido pelo STF em 2016 e, de outro, identificar as situações em que, sempre com amparo nos julgamentos de 2016, a transmissão de dados de contri- buintes brasileiros se mostra inviável, por violar os direitos fundamentais à priva- cidade e ao sigilo de dados.

      Nesse particular, os julgamentos de 2016 cuidaram de externalizar os requi- sitos que devem ser observados para que seja viável a transmissão de dados dos contribuintes. Tanto é assim que a parte final da conclusão do voto do relator da ADI n. 2.859/DF, Ministro Dias Toffoli, após declarar a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar n. 105/2001, acresceu que “os Estados e Municípios somente poderão obter as informações de que trata o preceito em referência quando a matéria estiver devidamente regulamentada, [...] de forma a resguardar as garantias processuais do contribuinte [...] e o sigilo dos seus dados bancários”. Tal regulamentação, prossegue a conclusão do voto, deve conter garantias como, por exemplo, (i) pertinência temática entre as informações requeridas/transmiti- das e o tributo objeto de cobrança; (ii) prévia notificação do contribuinte; (iii) existência de sistemas eletrônicos de segurança certificados e com registro de acesso, possibilitando a identificação de quem vier acessar os dados sigilosos, in- clusive para fins de responsabilização por eventuais abusos; (iv) mecanismos para apuração e correção de desvios; e (v) amplo acesso dos contribuintes, permitindo o exercício do controle jurisdicional dos atos141.

      Tais requisitos foram acrescidos à decisão da ADI n. 2.859/DF por sugestão do Ministro Luís Roberto Barroso, que propôs que “a requisição e o acesso direto pelas autoridades fiscais de informações bancárias e financeiras dos contribuintes é constitucional, desde que necessário para apuração do tributo, controlado o acesso e a utilização de tais dados no âmbito interno do Fisco e mantido o sigilo fiscal em relação a pessoas estranhas à Administração Tributária”142. Também o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do RE n. 601.314/SP, pronunciou-se so- bre a questão dos requisitos, ressaltando que a legislação debatida “não deixou de


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      140 Cf. Irma Mosquera Valderrama et al (The rule of law and the effective protection of taxpayers’ rights in developing countries. WU International Taxation Research Paper Series No. 2017-10, 2017, p. 5).

      141 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Das Toffoli, p. 48-49.

      142 ADI n. 2.859/DF, voto do Ministro Luís Roberto Barroso, p. 86-87. Em sentido similar, vide RE n. 601.314/SP, p. 75-76.

      estabelecer todo um conjunto de procedimentos, cautelas e responsabilidades para o uso das informações obtidas junto às instituições bancárias”. Prosseguin- do, o Ministro Gilmar Mendes sinalizou pela importância da observância de tais requisitos, uma vez que, “descumpridos esses ritos e requisitos, o procedimento de cobrança restará eivado de nulidade”143.

      Em nenhuma hipótese as decisões de 2016 compactuaram com uma trans- missão de dados que culmine com a publicidade de tais dados. Daí a necessidade e importância de ter sido enfatizada a existência de requisitos expressos que, embora atualmente encontrados na legislação federal brasileira, são necessários para que outros entes tributantes (estados e municípios) possam acessar os dados dos contribuintes.

      Esse arcabouço protetivo, sintetizado nos requisitos referidos acima, faz par- te, portanto, da lógica subjacente ao reconhecimento pelo STF da possibilidade de mitigação dos direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados em prol do dever fundamental de pagar tributos que, naquele caso e sob a específica cir- cunstância de manutenção de sigilo, autorizou em caráter excepcionalíssimo a superação das respectivas regras constitucionais.

      Consequentemente, caso não sejam observados os requisitos em questão – ou seja, na hipótese de o destinatário dos dados não ser capaz de atender aos re- quisitos fixados nas decisões proferidas em 2016 pelo STF –, serão inaplicáveis as conclusões a que chegou a Corte Constitucional naqueles julgamentos. Isso vale tanto para o caso de o destinatário ser um estado ou município brasileiro, como na eventualidade de o destinatário dos dados ser país com o qual o Brasil cele- brou acordo para troca de informações. Sem que sejam atendidos os requisitos que foram apontados na fundamentação das decisões do STF como necessários para a superação das regras constitucionais que veiculam direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados, a conclusão a que se chegou em tais decisões mostra-se inaplicável, sendo vedada a transmissão de dados nesses casos, por vio- lar os aludidos direitos fundamentais.

      Naturalmente, os requisitos exigidos para que seja viável a transmissão de informações dos contribuintes é relevante também sob a perspectiva dos compro- missos internacionais assumidos pelo Brasil em tema de troca de informações para fins tributários. Em linha com as decisões proferidas pelo STF em 2016, caso o país destinatário dos dados a serem transmitidos não ofereça um arcabouço protetivo, no mínimo, similar àquele delineado pela legislação federal brasileira

      – no qual, por exemplo, o dever de manutenção do sigilo fiscal pelas autoridades competentes é imprescindível para autorizar a transmissão de dados –, não será possível realizar tal transmissão de dados, a despeito da existência de eventual compromisso assumido pelo Brasil junto a tal país.


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      143 RE n. 601.314/SP, voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 147-149.

  2. Conclusão

Ao analisar os julgamentos realizados pelo STF em 2016 não sob a dicoto- mia “regras ou princípios”, mas partindo da classificação das normas constitucio- nais que resultam no direito à privacidade e ao sigilo de dados como “regras constitucionais”, o debate migra para um estágio no qual ao modelo “tudo ou nada” de aplicação das regras constitucionais é contraposta a possibilidade da ponderação de sua aplicabilidade ao caso concreto. Nessa abordagem, é possível afastar a aparente contradição metodológica entre os julgamentos de 2016 e o anterior, realizado em 2010, e compreender que a evolução jurisprudencial se deu especificamente em relação à justificação para a superação, via ponderação, das regras que veiculam direitos fundamentais à privacidade e ao sigilo de dados em prol de regras que, ao garantir o fornecimento de tais dados ao Fisco visando o combate à sonegação fiscal, promovem o dever fundamental de pagar tributos.

Posta a questão dessa forma, percebe-se então a relevância dos requisitos indicados pelo STF quando dos julgamentos de 2016. Longe de meras alegações jogadas ao ar pelos Ministros durante o debate dos casos, os mencionados requi- sitos configuram verdadeiros parâmetros de aplicabilidade das decisões que cul- minaram por superar, via ponderação e em prol de objetivos específicos, a conse- quência prescrita em regras constitucionais reveladoras de direitos fundamentais. Sem que sejam observados os requisitos apontados nas decisões de 2016 pelo STF, mostra-se inviável a superação do direito ao sigilo – seja no plano doméstico, seja no plano internacional.

Essa conclusão é imprescindível na delimitação das exigências impostas às autoridades brasileiras para que seja viável a remessa de dados bancários e fiscais de indivíduos e empresas residentes no Brasil para autoridades de outros países. Na hipótese de o país destinatário dos dados não oferecer proteção no mínimo similar àquela garantida pela legislação federal brasileira, os dados em questão não serão passíveis de transmissão, ainda que exista compromisso internacional celebrado entre o Brasil e o país interessado nos dados. Além do dever de manu- tenção do sigilo fiscal, os requisitos constantes das decisões de 2016 apontam, por exemplo, para (i) pertinência temática entre as informações requeridas/transmi- tidas e o tributo objeto de cobrança; (ii) prévia notificação do contribuinte; (iii) existência de sistemas eletrônicos de segurança certificados e com registro de acesso, possibilitando a identificação de quem vier acessar os dados sigilosos, in- clusive para fins de responsabilização por eventuais abusos; (iv) mecanismos para apuração e correção de desvios; e (v) amplo acesso dos contribuintes, permitindo o exercício do controle jurisdicional dos atos.

Longe de representar autorização genérica a permitir a transmissão indis- criminada de dados dos contribuintes, as decisões proferidas pelo STF em 2016 trouxeram a fundamentação detalhada da superação das regras constitucionais que veiculam o direito ao sigilo, da qual se extraem os requisitos para a transmis- são de dados fiscais. Subsumindo os compromissos internacionais assumidos pelo

Brasil em matéria de troca de informações para fins tributários ao teor dessas decisões, fica claro que apenas no caso de o país de destino das informações aten- der aos requisitos apontados em tais decisões será possível o envio, pelas autori- dades brasileiras às autoridades de tal país, de dados de indivíduos e empresas residentes no Brasil.


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