DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO TRIBUTÁRIO. PROJETO DA INTERNATIONAL LAW ASSOCIATION SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL – FASE 1: DIREITO DOS CONTRIBUINTES1-2-3
PUBLIC INTERNATIONAL LAW AND TAX LAW. THE INTERNATIONAL LAW ASSOCIATION’S PROJECT ON INTERNATIONAL TAX LAW – PHASE 1: TAXPAYERS’ RIGHTS
LL.M. (Am. Univ.). S.J.D. (Harvard). Advogada-Geral no Tribunal de Justiça da União Europeia desde 2003. Copresidente do Grupo de Estudos da Associação de Direito Internacional sobre Direito Tributário Internacional.
Detém a Cátedra Ad Personam Jean Monnet de Direito e Política Fiscal Europeia na Universidade de Economia e Administração de Empresas de Viena. Professor associado na Universidade de Salerno. Presidente Acadêmico do IBFD. Copresidente do Grupo de Estudos da Associação de Direito Internacional sobre Direito Tributário Internacional.
Membro do gabinete da Advogada-Geral Kokott.
DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-7155-RDTIA-N8-8
Atualmente, a luta contra a evasão e o abuso fiscais domina o desenvolvimento do direito tributário internacional. Isso requer uma abordagem abrangente de contrapeso do ponto de vista dos contribuintes. O texto que segue descreve os resultados alcançados sobre os direitos dos contribuintes pelo grupo de pesquisa sobre Direito Tributário Internacional da International Law Association (ILA). A partir de um estudo jurídico comparativo, examinamos tais direitos, que geralmente limitam o exercício da soberania fiscal. Começamos este artigo com as fontes do direito tributário internacional (III). Em seguida, lidamos com a interação entre o direito internacional e o nacional (IV). Depois, examinamos as questões gerais dos direitos humanos no direito tributário (V), antes de abordar os direitos dos contribuintes individuais com base na categorização em direitos processuais (VI), direitos relacionados às sanções (VII) e direitos substantivos (VIII). Finalmente, resumimos as nossas conclusões (IX).
At present, the fight against tax avoidance and abuse dominates the development of international tax law. This requires a comprehensive counterbalancing approach from a taxpayers’ perspective. The following article outlines the results on taxpayers’ rights by the research group on International Tax Law of the Law Association (ILA). Based on a comparative legal study, we analyse these rights, which generally limit the exercise of tax sovereignty. We begin with the sources of international tax law (III.). Then we deal with the interaction of international and national law (IV.). After that, we turn to the general questions of human rights in tax law (V.), before addressing individual taxpayers’ rights based on the usual categorisation in tax law in procedural rights (VI.), sanctions-related rights (VII.) and substantive rights (VIII.). Finally, we summarise our findings (IX.).
TAXPAYERS’ HUMAN RIGHTS.
INTRODUÇÃO – A INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO
Nos últimos anos, ocorreu uma internacionalização sem precedentes do direito tributário. Considerando que, meio século atrás, Klaus Vogel era o único a se aprofundar/enfrentar o direito tributário internacional, em particular a dupla tributação4, os tributaristas hoje estão conectados em todo o mundo: a International Fiscal Association (IFA) existe desde 1938; desde 2010, juízes de finanças/tributário de todo o mundo têm se reunido anualmente no âmbito da International Association of Tax Judges (IATJ); desde 2002, a Universidade de
Economia e Administração de Empresas de Viena realiza conferências anuais sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em matéria de direito tributário (tributação direta e indireta), nas quais especialistas em direito tributário de todo o mundo trocam opiniões; desde 1999, os professores europeus de direito tributário reúnem-se anualmente no âmbito da European Association of Tax Law Professors (EATLP)5. Especialmente no que diz respeito aos direitos do contribuinte, 2015 foi um ano importante: a Conferência Internacional sobre os Direitos do Contribuinte passou a ser realizada anualmente em várias localidades ao redor do mundo6 e o IBFD Observatory on the Protection of Taxpayers’ Rights começou a documentar o desenvolvimento mundial dos direitos do contribuinte7, com base no padrão de proteção legal desenvolvido no âmbito da IFA8. Essa lista poderia continuar.
SIGNIFICADO DOS DIREITOS DOS CONTRIBUINTES
Com efeito, não restam dúvidas de que o direito tributário internacional é cada vez mais importante. No entanto, do ponto de vista do direito tributário internacional, os contribuintes muitas vezes ainda são tratados como meros objetos do exercício da soberania dos Estados. Isso precisa mudar. No direito internacional, os Estados são os principais sujeitos deste. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, todavia, os indivíduos se juntaram aos Estados como detentores de direitos, de acordo com o direito internacional, especialmente de direitos humanos9. O problema é que o direito tributário internacional se desenvolveu de forma desconectada do direito internacional desde que a IFA se separou da International Law Association (ILA) em 1938. Desde 2018, o nosso grupo de pesquisa na ILA tem procurado reunir as perspectivas do direito tributário e do direito internacional10.
Atualmente, a luta contra a evasão e o abuso fiscais domina o desenvolvimento do direito tributário internacional. Isso requer uma abordagem abrangente de contrapeso do ponto de vista dos contribuintes. Por conseguinte, iniciamos essa análise sobre os direitos dos contribuintes (fase 1 desse projeto). A partir de um estudo jurídico comparativo, examinamos os seus direitos fundamentais, que geralmente limitam o exercício da soberania fiscal. A fase 2 tratará da delimitação da soberania fiscal no contexto de uma
https://www.ibfd.org/Academic/Observatory-Protection-Taxpayers-Rights.
ordem tributária internacional justa e a fase 3, da aplicação do direito tributário internacional.
Na fase 1, a nossa pesquisa está centrada na proteção dos direitos individuais por meio dos direitos humanos. Isso contrasta com a visão que invoca os direitos humanos na luta contra a injustiça fiscal11: a redução “injusta” da receita tributária pode fazer com que os direitos humanos não sejam protegidos de forma adequada em alguns Estados. Destarte, algumas Constituições, especialmente as africanas, incluem a obrigação de pagar impostos12 e outras, prescrevem a obrigação de o Estado cobrar impostos e combater a evasão e a elisão fiscais13. O “direito coletivo” à justiça tributária é, assim, fundamental. Isso é ainda mais verdadeiro quando se trata de desenvolver uma perspectiva abrangente como base para recomendações. A proteção dos interesses coletivos fundamentais, porém, não deve ir ao ponto de violar direitos fundamentais individuais. Ao contrário de Maquiavel14, o objetivo (nomeadamente a proteção dos “direitos coletivos”) nem sempre justifica os meios (aqui a violação dos direitos individuais dos contribuintes). Além disso, o combate à elisão fiscal e a busca da distribuição justa dos recursos tributários internacionais já estão na agenda internacional e, como foi mencionado, serão o tema da fase 2 de nosso projeto.
Entretanto, especialmente agora, deve haver padrões mínimos globais para a proteção eficaz dos direitos dos contribuintes (fase 1). Isso ocorre porque as autoridades fiscais de todo o mundo trabalham cada vez mais de perto em uma luta comum contra a elisão fiscal. Mesmo que esta não viole, aberta ou diretamente, as legislações fiscais aplicáveis (como evasão e fraude fiscais), ameaça minar a soberania fiscal. Os Estados se defendem razoavelmente contra isso por meio da coordenação global. Todavia, existe um risco consequente maior de comprometer a proteção eficaz dos contribuintes. Os direitos destes pertencem, logo, à agenda global, de igual modo que a luta internacional contra a elisão, evasão e fraude fiscais no contexto do projeto BEPS da OCDE. O nosso projeto de pesquisa no âmbito da ILA deve contribuir para isso. As comissões da ILA têm a vocação de produzir
Cf. e.g. Report of the UN Special Rapporteur on Extreme Poverty and Human Rights, 2014, https://undocs.org/A/HRC/26/28; International Bar Association, Taxation as a Human Rights Issue, 2016, https://www.ibanet.org/Article/Detail.aspx?ArticleUid=4d8668cb-473a-44ea-b8be-1327d6d9d977; Association of World Citizens, Global Endorsement of the Declaration of Taxpayers’ Human Rights (since December 2012), http://www.taxpayerhumanrightp.org/endorse/index.php; Inter-American Commission on Human Rights, Política Fiscal y Derechos Humanos en las Américas, Movilizar los recursos para garantizar los derechos, Informe preparado con ocasión de la Audiencia Temática sobre Política Fiscal y Derechos Humanos, 156º Periodo de Sesiones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH), October 2015, https://www.dejusticia.org/wp-content/uploads/2017/04/fi_name_recurso_772.pdf.
resultados concretos e relevantes, como as chamadas reformulações do direito15, que servem de diretriz para os profissionais do direito, notadamente juízes e advogados. Os comitês da ILA também devem redigir tratados internacionais ou artigos individuais, declarações, códigos de conduta, recomendações, diretrizes ou opiniões, que possam submeter à Assembleia Geral da ILA para a adoção em uma de suas conferências bienais16.
O texto que segue descreve os resultados de nossa pesquisa na fase 1 sobre os direitos dos contribuintes. O grupo de estudo ainda está trabalhando para incluir o maior número possível de sistemas jurídicos neste estudo, em particular de fora da região europeia.
Começamos este artigo com as fontes do direito tributário internacional (III). Em seguida, lidamos com a interação entre o direito internacional e o nacional (IV). Depois, examinamos as questões gerais dos direitos humanos no direito tributário (V), antes de abordar os direitos dos contribuintes individuais com base na categorização em direitos processuais (VI), direitos relacionados às sanções (VII) e direitos substantivos (VIII). Finalmente, resumimos as nossas conclusões (IX).
FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL
O art. 38(1) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (Estatuto da CIJ) enumera como fontes jurídicas os acordos internacionais de direito internacional, direito internacional consuetudinário, princípios gerais de direito e, como meio subsidiário para a determinação das regras, as decisões judiciais e os posicionamentos dos juristas mais qualificados das várias nações. Além disso, existe o chamado soft law, que está se tornando cada vez mais importante, principalmente no campo da tributação internacional.
Convenções internacionais
Bilateralismo coordenado
O direito tributário internacional desenvolveu-se ao longo do século passado principalmente com base em tratados. As Convenções de Dupla Tributação (CDTs) foram a sua fonte jurídica mais importante e o foco da pesquisa de Klaus Vogel, o decano do direito tributário internacional. As CDTs são essencialmente de natureza coordenadora. Elas atribuem o direito de tributar as receitas transfronteiriças a um dos dois Estados contratantes, que, na ausência desse acordo, poderiam exercer a sua jurisdição fiscal, mas
isso exporia os contribuintes à dupla tributação – o que é permitido, porém, indesejável17. No entanto, a maioria das CDTs, do mesmo modo, contêm regras sobre a cooperação intergovernamental (por exemplo, a troca de informações) ou criam – embora limitados – direitos substantivos ou processuais para os contribuintes. Mais de 3.000 CDTs estão atualmente em vigor. Baseiam-se principalmente em duas convenções-modelo, a saber: a Convenção-Modelo da OCDE para Evitar a Dupla Tributação18 e a Convenção-Modelo das Nações Unidas para a Prevenção da Dupla Tributação entre Países Industrializados e em Desenvolvimento19. As CDTs são, por conseguinte, regulamentações bilaterais. Esse bilateralismo, apesar disso, é coordenado, o que é confirmado pelo fato de muitas disposições nessas convenções serem idênticas ou muito semelhantes entre si20. Em alguns casos, a coordenação tributária internacional assume a forma de acordos multilaterais de dupla tributação, como a Convenção Tributária Nórdica21 ou o Acordo Multilateral de Dupla Tributação CARICOM22.
Tendência para tratados tributários multinacionais
Além disso, os projetos de transparência tributária e combate à erosão da base e transferência de lucros (BEPS) iniciados sob os auspícios da OCDE e do G20 são exemplos atuais da disposição crescente dos Estados em unir forças quando se trata de fenômenos fiscais de importância global23. A implementação do projeto de transparência tributária aumentou a importância dos acordos multilaterais e da assistência administrativa internacional entre autoridades fiscais em todo o mundo. No caso da implementação do projeto BEPS, os países concordaram amplamente em complementar a sua rede existente de CDTs com um acordo multilateral (o “Multilateral BEPS Instrument” (Instrumento Multilateral BEPS)), a ser aplicado ao lado das CDTs, a fim de orientá-los para a convergência e conformidade com os padrões e regras do projeto BEPS24.
O Instrumento Multilateral BEPS é, assim, um meio eficaz para transformar gradualmente as convenções bilaterais existentes em um sistema multilateral, sem a necessidade de
https://www.oecd.org/berlin/publikationen/oecd-musterabkommenzurvermeidungvondoppelbesteuerung.htm.
https://www.un.org/esa/ffd//wp-content/uploads/2018/05/MDT_2017.pdf.
renegociação bilateral. Isso levou vários países a concluir acordos adicionais que aprofundam a implementação da coordenação tributária internacional e que promovem a criação de uma estrutura global para a transparência tributária. São exemplos disso os acordos para a troca de informações fiscais (TIEAs)25, celebrados com (antigos) paraísos fiscais (as chamados jurisdições offshore) para melhorar a transparência fiscal26, bem como os acordos sobre a troca automática de informações entre países, em particular o Multilateral Competent Authority Agreement on the Exchange of Country-by-Country Reports27.
Outros acordos internacionais resultam de medidas unilaterais de alguns países em matéria tributária internacional. O exemplo mais importante é a US Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA)28. Esta exige que os bancos e instituições financeiras forneçam ao US Internal Revenue Service (IRS) informações sobre contas mantidas por cidadãos norte- americanos. Posteriormente, outros acordos intergovernamentais (IGAs)29 criaram a base para a obrigação de essas instituições reportarem tais informações às autoridades fiscais de seus próprios países. Estes últimos as encaminham aos Estados Unidos. As obrigações dos intermediários são implementadas por meio de legislação doméstica30. Isso ilustra o impacto desses acordos sobre os direitos dos contribuintes.
Importância de outros acordos internacionais
Os acordos internacionais não fiscais específicos, por exemplo, as convenções (regionais) de direitos humanos31, igualmente, influenciam o estatuto jurídico dos contribuintes nos
Cf. for general aspects: https://www.oecd.org/ctp/exchange-of-tax-information/taxinformationexchangeagreementstieap.htm.
Os relatórios contêm informações específicas sobre grupos multinacionais e fundos de investimento (faturamento, impostos de r enda pagos e a pagar etc.). Cf. Guidance on the Implementation of Country-by-Country Reporting BEPS Action 13, Updated December 2019, https://www.oecd.org/ctp/guidance-on-the-implementation-of-country-by-country-reporting-beps-action-13.pdf.
Cf. e.g. para a Alemanha: Lei sobre o Acordo de 31 de maio de 2013 entre a República Federal da Alemanha e os Estados Unidos da América para “Improve International Tax Compliance” e com relação a “United States Information and Reporting Provisions Commonly Known as the Foreign Account Tax Compliance Act”, https://www.bundesfinanzministerium.de/Content/DE/Standardartikel/Themen/Steuern/Internationales_Steuerrecht/Staatenbezo
sistemas fiscais internacionais e, mais ainda, nos sistemas fiscais nacionais. Além disso, as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares contêm regras para a tributação dos membros de missões consulares e diplomáticas32, que podem ser consideradas como uma expressão do direito internacional consuetudinário33. Ademais, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) é de grande importância para a interpretação das CDTs, sobretudo pelos tribunais nacionais34. Finalmente, as obrigações de direito comercial e os tratados de investimento bilaterais são importantes para uma compreensão abrangente do regime tributário internacional no âmbito do direito internacional. Tudo isso confirma o quanto o sistema tributário internacional está em constante interação com outras áreas do direito internacional.
Direito internacional consuetudinário e direitos dos contribuintes
Nos últimos anos, o direito internacional consuetudinário tem se tornado cada vez mais importante no direito tributário internacional35. No entanto, a literatura se concentra principalmente na aplicação do direito tributário em processos internacionais36 e quase nunca nos direitos dos contribuintes. Todavia, as convenções de direitos humanos, CDTs e outros acordos contêm direitos dos contribuintes. Todas essas fontes, bem como as convenções-modelo e a densa rede de tratados de comércio internacional, podem ter contribuído para a formação do direito consuetudinário internacional.
O direito internacional consuetudinário exige a prática dos Estados (consuetudo) aceita como lei (opinio iuris). O peso mútuo desses dois componentes necessários no direito internacional consuetudinário não é totalmente claro37. A United Nations International
Law Commission (ILC) considera os dois elementos constituintes do direito internacional consuetudinário de idêntica importância38. A ILA, porém, em um relatório de 2000, sugeriu que a prática dos Estados poderia ser mais importante para a determinação do direito internacional consuetudinário39. Em quaisquer dos casos, ambos os elementos devem ser determinados separadamente e para cada caso individual40.
As conclusões da ILC, além disso, confirmam que a “conduta relativa aos tratados” constitui prática dos Estados e que os tratados podem codificar, cristalizar ou levar a normas de direito consuetudinário internacional41. A despeito disso, as convenções-modelo não são consideradas tratados em sentido estrito, mas sim decisões de organizações internacionais. Não obstante a ILC observar que as organizações internacionais possam servir “como arenas ou catalisadores” da prática dos Estados42 e as resoluções de organizações internacionais (e de conferências intergovernamentais) possam fornecer evidências da existência e conteúdo do direito internacional consuetudinário, elas não podem criar per se um direito internacional consuetudinário que vincule os Estados43. Não obstante, a conduta dos Estados em organizações internacionais (como a OCDE) ou em conferências intergovernamentais pode conferir evidências importantes sobre a prática e opinio iuris desses Estados44.
A mera repetição de uma disposição no âmbito da rede de CDTs não significa, no entanto, “necessariamente [...] que uma regra de direito internacional consuetudinário seja expressa em tais disposições”45. Na verdade, o chamado paradoxo de Baxter46 poderia tornar mais difícil determinar o direito internacional consuetudinário na área de tributação internacional: quanto mais os Estados estão vinculados por CDTs com redação semelhante ou idêntica, mais difícil se torna observar a prática dos Estados que é meramente o resultado do princípio pacta sunt servanda (segundo o qual as pessoas estão vinculadas aos seus tratados). Pelo mesmo motivo, é particularmente difícil encontrar evidências de
opinio iuris em relação à prática dos Estados, o que está em conformidade com as cláusulas do comércio internacional. As evidências de áreas não regulamentadas pelas CDTs são particularmente importantes para avaliar se os direitos dos contribuintes sob as CDTs também configuram direito internacional consuetudinário. Além disso, apenas as disposições contratuais com um “caráter fundamentalmente normativo”47 podem refletir o direito internacional consuetudinário48.
Ademais dos acordos internacionais, a legislação nacional e as cartas não vinculantes de direitos dos contribuintes49 podem contribuir para a formação do direito internacional consuetudinário50. Ambas são ainda mais úteis do que as CDTs na determinação dos direitos dos contribuintes, no âmbito do direito internacional consuetudinário. Isso ocorre porque a prática dos Estados que decorre da observância de leis nacionais idênticas ou de cartas não vinculantes incorpora – ao contrário das CDTs – não apenas o cumprimento do direito internacional dos acordos (pacta sunt servanda).
No geral, porém, continua sendo difícil encontrar evidências suficientemente claras de que os Estados respeitam os direitos dos contribuintes para provar a opinio iuris. Afinal, existem inúmeras outras razões pelas quais os Estados podem conceder direitos aos contribuintes, tais como manter a sua reputação internacional ou atrair investimentos estrangeiros.
Princípios gerais de direito e direitos dos contribuintes
Em comparação com as outras duas fontes tradicionais de direito internacional, o papel dos princípios gerais de direito no contexto da tributação internacional tem recebido pouca atenção na doutrina51. Isso não é surpreendente. Mesmo a CIJ raramente se baseia em princípios gerais de direito52. Eles desempenham uma função bastante
E.G. Charte des droits et obligations du contribuable vérifié, France; Taxpayer’s Charter, Hong Kong; Taxpayer Bill of Rights, Canada; Taxpayers’ Charter, Malta; Carta de Derechos del Contribuyente, Mexico; Taxpayers’ Charter, Pakistan; Carta de Derechos del Contribuyente, Peru; Your Charter, United Kingdom; Taxpayers’ Bill of Rights, United States; Carta de Derechos de los Contribuyentes, Spanish Region Catalonia; planned Taxpayers’ Charter, India; Cf. Carta de derechos del contribuyente para los paises miembros del Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario (ILADT); Confédération fiscale européenne, Towards greater fairness in taxation, A Model Tax Payer Charter, Presentation to the Members of the Platform for Tax Good Governance, 2014; Australian Government, Inspector-General of Taxation, Review into the Taxpayers’ Charter and Taxpayer Protections, 2016; M. Cadesky, I. Hayes & D. Russell, Towards greater fairness in taxation: A Model Taxpayer Charter, 2016; and http://www.taxpayercharter.com/.
subordinada/inferior no direito internacional. No direito da União Europeia, todavia, os princípios gerais de direito desempenham um papel importante: o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) desenvolveu os direitos humanos a partir das tradições constitucionais dos Estados-Membros e tal como estão estabelecidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), como princípios gerais do direito da União53. Os princípios gerais de direito podem, destarte, ser derivados dos sistemas jurídicos nacionais. Não está claro quantos sistemas nacionais devem ter um princípio para que este se torne um princípio jurídico geral vinculante de direito internacional. Em qualquer caso, os sistemas nacionais em questão devem refletir a maioria dos Estados e compreender os sistemas jurídicos mais importantes. Por conseguinte, o método clássico de identificação dos princípios gerais é um estudo completo de direito comparado envolvendo o maior número possível de sistemas jurídicos nacionais54. Essa abordagem está também na base da jurisprudência do TJUE sobre os princípios gerais do direito da União55. Para identificar a prática nos Estados-Membros, o TJUE é assistido por seu serviço científico (Direction de la Recherche et Documentation). Apesar disso, vários princípios gerais do direito da União Europeia relativos à proteção dos direitos dos contribuintes estão agora codificados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta da UE)56. Semelhante ao processo de identificação de princípios jurídicos gerais no direito da União, a ciência jurídica deve ser utilizada para identificar os direitos dos contribuintes como princípios jurídicos gerais de direito internacional. Tradicionalmente, a ILC, a ILA e o Institut de Droit International desempenham uma função essencial nesse processo.
Entretanto, os princípios gerais de direito, do mesmo modo, podem ser estabelecidos no sistema jurídico internacional57. Conceitos como boa-fé, abuso da lei ou expectativas legítimas têm sido repetidamente invocados e aplicados por tribunais internacionais como princípios gerais de direito58. Esses princípios gerais, também amplamente reconhecidos na literatura59, são relevantes para os direitos dos contribuintes. Parece razoável supor que os
princípios gerais, igualmente, devem ser aplicados no contexto fiscal, visto que estes já encontraram aceitação suficiente na legislação de proteção ao investimento. Todavia, é necessário examinar mais detalhadamente em que medida essas transferências são realmente persuasivas.
Soft law
O funcionamento do soft law
Conforme explicado antes, o sistema tributário internacional baseia-se principalmente em tratados/acordos (de dupla tributação). A despeito disso, a importância do soft law dentro desse sistema não deve ser subestimada. Soft law é composto por acordos legalmente não vinculantes, declarações de intenções ou diretrizes. Há, porém, certo caráter autovinculante do soft law. Mas essa não é a única razão para o impacto considerável do soft law, especialmente no direito tributário internacional60. O soft law pode complementar e influenciar o hard law de várias maneiras: como inspiração para os tribunais na interpretação do direito internacional vinculante e do direito interno, para facilitar a negociação de futuras convenções e como um possível ponto de partida para o direito internacional consuetudinário, consolidando a prática dos Estados.
Como regra geral, quanto mais técnica for uma área, mais detalhes são incluídos no soft law61. A fiscalidade é uma área muito técnica. Com efeito, muitos instrumentos legais em tributação internacional são soft law. O soft law, logo, tem um impacto particularmente considerável no direito tributário internacional. A influência das convenções-modelo no contexto do bilateralismo coordenado já foi descrita aqui62. Além disso, tanto a convenção- modelo da OCDE quanto a da ONU são complementadas por comentários. Estes ajudam os tribunais nacionais, supranacionais e internacionais a aplicar as CDTs baseados em uma convenção-modelo63. A sua importância funda-se principalmente no pressuposto de que os negociadores das CDTs se basearam em tais comentários ao reproduzir a redação das cláusulas das convenções-modelo nas CDTs. Apesar disso, assim como as próprias convenções-modelo, os comentários não são normas vinculantes nem representam
trabalhos preparatórios (clássicos), nos termos do art. 32 do CVDT para as partes nas CDT. Muito embora a sua considerável autoridade na prática, esses comentários continuam sendo soft law. Além disso, existem diretrizes internacionais de IVA/GST adotadas pelo Conselho da OCDE em 2016.
Organizações internacionais e soft law em tributação
Atores não estatais, especialmente organizações internacionais, têm uma influência considerável no surgimento do soft law64. Contudo, eles não podem criar leis vinculantes para os Estados. As suas decisões não constituem tratados e a sua conduta não cria nem expressa o direito consuetudinário internacional (as organizações internacionais podem, porém, criar o seu próprio direito consuetudinário internacional que apenas regula a sua conduta)65.
A OCDE e as Nações Unidas são organizações internacionais particularmente influentes nesse aspecto. Estas são os autores das duas convenções-modelo e são os fóruns mais ativos para o intercâmbio internacional de pontos de vista e para o processo de construção de consenso em direito tributário. Além disso, o Fundo Monetário Internacional, a OCDE, as Nações Unidas e o Banco Mundial estabeleceram plataformas para a cooperação tributária66. O G20 é o fórum intergovernamental mais ativo no campo da tributação internacional. Por fim, do lado não governamental, a IFA e a ILA podem contribuir não apenas para a determinação da lex lata, mas também para o futuro desenvolvimento do direito tributário internacional, incluindo os direitos dos contribuintes.
DIREITO INTERNACIONAL E DOMÉSTICO
A tributação é um atributo essencial da soberania dos Estados67. Os impostos são cobrados pelas autoridades locais com base no direito doméstico. Portanto, a interação entre o direito internacional e o direito nacional é crucial para determinar o estatuto jurídico dos contribuintes. As diferentes abordagens dos Estados para a aplicação interna do direito internacional (os sistemas monistas em oposição aos sistemas dualistas) é uma questão sensível no campo do direito tributário. Tanto os tratados internacionais como o direito internacional consuetudinário podem, sem posterior transposição para o direito interno, estabelecer direitos e obrigações individuais para pessoas físicas e jurídicas, desde que sejam suficientemente precisos68. Todavia, se os contribuintes podem basear as suas
Platform for Collaboration on Tax, http://www.oecd.org/ctp/platform-for-collaboration-on-tax.htm.
reivindicações perante as autoridades administrativas ou os tribunais nacionais diretamente em uma disposição de um tratado, e se tais disposições podem ser derrogadas pela legislação nacional subsequente (treaty override)69 depende de sua aplicabilidade direta e de seu status ao abrigo do direito doméstico70. Essas questões, com efeito, são de direito constitucional71.
Na União Europeia, o conflito entre o direito nacional e o direito internacional é particularmente complexo. Embora os impostos diretos não sejam harmonizados, tanto o direito primário como o secundário da União têm uma influência considerável nos sistemas tributários dos Estados-Membros da UE. Apesar de estes últimos terem o direito de exercer a sua soberania através do direito nacional e dos tratados fiscais internacionais, devem cumprir o direito da União Europeia72.
CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
No direito tributário, os direitos humanos são geralmente categorizados como direitos processuais, relativos às sanções e direitos substantivos. Essa classificação leva em consideração os diferentes graus em que o exercício desses direitos e o seu controle judicial afetam a soberania fiscal.
No que diz respeito aos direitos processuais, os tribunais podem aplicar sistematicamente esse controle sem questionar as considerações políticas e as prioridades legislativas subjacentes ao sistema tributário nacional específico. Destarte, o controle dos direitos humanos dos procedimentos tributários pode geralmente ser mais rígido do que o controle relativo aos direitos substantivos, como os direitos fundamentais de igualdade ou propriedade.
Direitos relacionados à imposição de sanções, incluindo penalidades, têm algumas semelhanças com os direitos processuais. Ainda assim, isso justifica uma categoria separada. De particular importância é a proporcionalidade das sanções em atenção aos
objetivos legislativos. Em matéria tributária, o Estado está mais inclinado a impor penalidades mais severas com o efeito dissuasor, a fim de prevenir futuras violações às regras tributárias. No entanto, isso pode ter um impacto desproporcional no exercício dos direitos humanos. Deve-se, portanto, encontrar um equilíbrio justo entre tais medidas e o seu impacto sobre os indivíduos.
No caso dos direitos substantivos, o controle judicial intenso das decisões políticas que podem estar por trás das leis tributárias geralmente não é possível. Cabe principalmente ao legislador determinar como exercer a soberania fiscal. Contudo, isso não deve impedir que os tribunais avaliem se o Estado exerceu essa discricionariedade de acordo com o princípio do Estado de Direito e os limites externos impostos ao exercício da soberania fiscal pela proteção dos direitos humanos.
DIREITOS PROCESSUAIS
Introdução
Os direitos processuais, de certo modo, garantem os direitos substantivos. Aqueles não se referem ao imposto devido nem são diretamente relacionados a este, mas sim ao procedimento de sua liquidação e cobrança. Os direitos processuais aplicam-se a todas as fases do procedimento fiscal. Incluem-se as regras que tratam do registro e identificação dos contribuintes, apresentação de declarações fiscais, realização de investigações fiscais, avaliação e cobrança de impostos e sanções, incluindo penalidades. Apesar disso, tratamos as últimas como uma categoria separada. Estão também compreendidos os procedimentos administrativos para a resolução de litígios entre contribuintes e autoridades fiscais, bem como os recursos judiciais que garantam o exercício efetivo da competência tributária em conformidade com o Estado de Direito73.
O princípio abrangente do Estado de Direito se aplica tanto ao procedimento tributário quanto aos aspectos materiais da tributação (especialmente a proibição de arbitrariedade). A expressão processual mais importante do Estado de Direito é o direito à proteção judicial efetiva, que engloba vários subprincípios específicos, como acesso à justiça (ubi ius, ubi remedium), igualdade de armas, garantia contra autoincriminação (nemo tenetur), proibição de dupla penalização (ne bis in idem) e direito de ser ouvido (audi alteram partem). Todos estes estão incluídos no direito a um julgamento justo. Três aspectos são particularmente importantes em processos fiscais: o direito do contribuinte de acesso aos documentos (habeas data), o direito de ser ouvido e o direito à proteção judicial.
A jurisprudência do TJUE e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) é um dos pilares da proteção efetiva dos direitos processuais dos contribuintes. Também pode servir
de inspiração para o desenvolvimento de um padrão global. Assim, ela será apresentada em mais detalhes a seguir.
Acesso a documentos (habeas data)
O acesso a todos os documentos e informações que possam interessar às partes em litígio integra o direito a um julgamento justo. É uma condição essencial para o exercício efetivo dos direitos de defesa em processos tributários74. Desse modo, esse direito se aplica antes de outros direitos processuais.
Os contribuintes devem ter acesso aos documentos relevantes detidos pelas autoridades fiscais, se necessários, através de um procedimento de divulgação75. Esse acesso não se limita aos documentos nos quais a autoridade fiscal baseou a sua decisão contra o contribuinte. Deve compreender, outrossim, as provas recolhidas pela autoridade fiscal, que podem ser vantajosas e comprovar que o contribuinte agiu legalmente76. Se o acesso não for devidamente garantido, o direito a um julgamento justo é violado77.
A despeito disso, o direito de acesso aos documentos não é absoluto. Pode ser legitimamente restringido, em particular no contexto de investigações fiscais. Além disso, o direito doméstico que protege o sigilo fiscal78 e profissional pode, em certas circunstâncias, justificar o acesso apenas parcial das informações79.
Direito de ser ouvido (audi alteram partem)
O direito a um julgamento justo inclui o direito de ser ouvido (audi alteram partem) em processos administrativos e perante um tribunal. Esse direito obriga as autoridades fiscais a dar aos contribuintes a oportunidade de se pronunciarem ao longo do processo. Em princípio, a audiência deve ocorrer antes de que as autoridades tomem medidas que possam afetar os contribuintes. Só é diferente se houver justificação para a decisão imediata e a sua execução, ou se uma audiência prévia não poderia ter conduzido a outro resultado80.
Audi alteram partem compreende não só o direito dos contribuintes de expressar as suas opiniões81, mas ainda a obrigação de as autoridades fiscais terem essas opiniões em consideração em sua motivação. Durante o contencioso tributário, esse direito não implica necessariamente a obrigação de realizar uma audiência oral, mas, pelo menos, o direito e a oportunidade das partes de apresentarem o seu ponto de vista antes de o tribunal decidir o caso. Entretanto, as partes não têm que fazer uso dessa possibilidade, é uma faculdade delas.
Direito à proteção judicial
O direito a um recurso efetivo e a um tribunal imparcial engloba o direito de qualquer contribuinte, cujos direitos foram adversamente afetados, ter acesso a um tribunal (ubi ius, ibi remedium). O tribunal deve ser independente, imparcial e previamente estabelecido por lei. Sobretudo no caso de juízes em regime de meio período, podem surgir conflitos de interesses decorrentes de outras atividades que possam colocar em questão a sua independência e imparcialidade. Isso também se aplica quando os tribunais não são estabelecidos por lei82 ou os seus membros são nomeados pela Administração tributária ou destacados por um curto período por essas autoridades83.
Como expressão essencial do Estado de Direito, o direito à proteção judicial permite a revisão de todos os atos jurídicos adotados pelas autoridades fiscais no âmbito dos processos tributários, incluindo a assistência mútua transfronteiriça84. O art. 6 da CEDH, porém, garante o direito a um julgamento justo apenas para os “litígios relativos a [...] direitos e obrigações civis ou [...] acusações criminais”85. Isso não inclui disputas fiscais86. Contudo, o TEDH interpreta o conceito de “acusação criminal” de forma ampla, de modo que as questões fiscais são abrangidas no contexto das sanções. O direito a um julgamento justo ao abrigo da Carta da UE não contém essa limitação, mas a Carta aplica-se apenas no âmbito do direito da União87. Em última análise, tanto o TJUE como o TEDH protegem os
direitos processuais em muitos casos, e o TJUE, mesmo no contexto de investigações fiscais puramente nacionais, igualmente o faz, apesar “do âmbito do direito da União”88. O art. 8 (direito a um processo justo) e o art. 25 (direito à proteção legal) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos também se aplicam expressamente às questões tributárias89.
Várias medidas fiscais podem desencorajar o acesso à justiça. Isso inclui a instituição jurídica resolve et repete90. De acordo com o resolve et repete, o contribuinte é primeiro obrigado a saldar a dívida tributária reclamada pelo fisco e só tem o direito de reclamá-la depois de comprovada a ilegalidade em juízo. Isso vai além da regra encontrada em muitos Estados, segundo a qual os recursos no direito tributário não têm efeito suspensivo e, portanto, não impedem a cobrança dos créditos tributários91.
O acesso efetivo à justiça exige ainda que as regras de acesso sejam claras92 e que a proteção judiciária seja concedida quando necessária.
A igualdade de armas está no cerne do direito a um julgamento justo. Juntamente com o habeas data93, é a base do direito a uma defesa efetiva (art. 48 da Carta da UE). Dá o direito às partes de apresentarem provas a seu favor. No entanto, pode haver prazos para isso, os quais servem ao propósito de segurança jurídica.
As regras de prova não devem tornar o exercício do direito praticamente impossível ou excessivamente difícil94. Esse pode ser o caso de presunções legais (ou decorrentes da prática das autoridades fiscais), nomeadamente se forem irrefutáveis/absolutas95, de regras de prova que invertem o ônus da prova para o contribuinte sem motivos graves que o justifiquem96, ou para a exclusão de qualquer tipo de evidência que não seja a documentação97. Todavia, permanece incontestável que, no contexto da livre avaliação
Cf. a intervenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso Cantos v Argentina, http://www.worldcourtp.com/iacthr/eng/decisions/202.11.2028_Cantos_v_Argentina.pdf.
judicial das provas, as provas documentais podem de fato ter um poder maior de persuasão para os tribunais.
O direito de não autoincriminação (nemo tenetur), de idêntica forma, se aplica às infrações fiscais. Esse direito exige que as autoridades provem fatos incriminadores sem recurso de provas obtidas por coerção ou geralmente em desconsideração da vontade do acusado98. O princípio nemo tenetur reveste-se de particular importância tendo em conta as obrigações de notificação previstas na Ação n. 12 do BEPS e, no que diz respeito à UE, em conformidade com a chamada Diretiva DAC 699, se a obrigação de notificação for transferida aos próprios contribuintes. A situação dos contribuintes em processos fiscais, porém, difere significativamente da situação do réu em processos penais100. Os contribuintes e os seus intermediários são, em princípio, obrigados a cooperar com as autoridades fiscais. No entanto, podem surgir questões relacionadas à distinção entre o direito tributário e penal, por exemplo no que se refere à utilização de provas apresentadas pelo contribuinte em processos penais posteriores. A violação de uma proibição de coleta de provas, como nemo tenetur, não significa necessariamente que o uso de tais provas também seja proibido. Pelo menos na Europa, não há nenhuma regra rígida que se aplique a esse respeito. Em qualquer caso, a tendência é usar provas obtidas ilegalmente para provar crimes graves. Contudo, a gravidade da violação na obtenção das provas é igualmente importante101. Na Alemanha, há uma proibição limitada ao uso de provas obtidas ilegalmente102. O Tribunal Constitucional alemão confirmou que as provas adquiridas ilegalmente podem ser utilizadas em relação às infrações em cuja ação penal exista um interesse público superior103. Isso se aplica apenas às infrações tributárias graves.
O princípio ne bis in idem, outrossim, se aplica em matéria tributária de natureza penal, embora nem sempre a distinção entre o direito penal e o administrativo seja fácil104. A sua parte processual (ne bis vexari) pode abranger tanto a fase administrativa como a judicial dos processos fiscais105. Nos termos do direito da União Europeia, ne bis in idem inclui mesmo a proibição de ser sujeito a dois processos judiciais em dois países diferentes “dentro da União” (art. 50 da Carta da UE). Baseia-se no princípio do reconhecimento mútuo na União. Em contrapartida, o TEDH só pode aplicar o princípio em relação a um mesmo Estado106. Não existe nenhuma proibição transfronteiriça quanto ao ne bis in idem ao abrigo do direito internacional geral107. Nos Estados Unidos, devido à doutrina da dupla soberania, ne bis in idem nem mesmo se aplica às relações entre o Governo Federal e os Estados108.
Direitos em situações transfronteiriças
Os direitos processuais básicos vinculam ainda as autoridades quando estas atuam no contexto da assistência mútua europeia ou internacional109. Isso é importante, uma vez que os Estados-Membros estão atualmente muito interessados em eliminar os obstáculos a uma cooperação eficaz, como a consulta prévia das partes interessadas. Apesar disso, o TJUE esclareceu que a cooperação administrativa em matéria fiscal não deve prejudicar a proteção dos contribuintes aos seus direitos fundamentais. No seu conhecido acórdão Berlioz110, o TJEU decidiu que a pessoa a quem forem solicitadas informações no âmbito da assistência administrativa internacional deve ter acesso a determinados documentos do processo para poder contestar a legalidade do pedido de informações111. Para o fazer, ela deve, pelo menos, ter conhecimento da pessoa a quem se aplica a investigação ou inquérito, e da finalidade fiscal para a qual as informações são solicitadas. Além disso, o tribunal nacional deve ter pleno acesso ao pedido de informações e a quaisquer informações adicionais. Se o tribunal nacional considerar necessário, pode transmitir essas informações ao responsável por seu fornecimento112. O caso é interessante porque, para facilitar a
assistência administrativa internacional, Luxemburgo acabou por abolir os recursos judiciais e o TJUE ordenou então a sua reintrodução. Nesse contexto, permanece em aberto a questão de saber se a abolição dos direitos de consulta antes do intercâmbio internacional de dados e de cooperação administrativa transfronteiriça, como ocorreu em todo o mundo durante o BEPS, irá passar pelo teste judicial113.
Além disso, os dados são protegidos de forma particularmente intensa na Europa, embora menos na área do direito tributário114. Todavia, o direito fundamental à proteção de dados pode tornar-se importante para as autoridades fiscais em sua cooperação com países terceiros com níveis de proteção significativamente mais baixos. O TJUE geralmente exige “um nível de proteção essencialmente equivalente ao garantido na União Europeia”115.
Os problemas de acesso à justiça também podem surgir em conexão com a resolução transfronteiriça de litígios fiscais, quando os procedimentos de acordo mútuo e de arbitragem, ao abrigo de tratados fiscais ou do Instrumento Multilateral, sejam considerados procedimentos judiciais ou quase judiciais. Isso, porém, é controvertido116. De qualquer forma, considerando o princípio do julgamento justo, parece haver uma tendência de maior participação dos contribuintes nesses procedimentos117. Além disso, o dever de fundamentação aplica-se não só às decisões judiciais, mas também às administrativas118.
O objetivo da Diretiva n. 2017/1852 sobre os mecanismos de resolução de litígios fiscais na UE119 é tornar os procedimentos de arbitragem e acordos mútuos melhores e mais eficientes. Não obstante, do ponto de vista dos contribuintes, persistem preocupações, principalmente no que diz respeito aos procedimentos de arbitragem no âmbito do chamado baseball procedure120. Nesse procedimento, os árbitros apenas escolhem, sem fundamentar, entre as duas soluções apresentadas pelas partes.
Mecanismos de proteção alternativos, em particular ombudsman/ouvidoria
Além da revisão administrativa e judicial interna, muitos países estabeleceram mecanismos alternativos de reclamação para proteger os direitos dos contribuintes. Nesse contexto, podem se defender de arbitrariedades ou abusos do fisco. Às vezes, há restrições quanto a levar essas acusações ao tribunal. Ademais, as alternativas extrajudiciais geralmente são mais baratas. Esses mecanismos normalmente se limitam a reclamações relativas a aspectos processuais da interação entre o contribuinte e a autoridade fiscal. Frequentemente, servem para proteger direitos consagrados em lei ou em uma carta (não vinculante) dos direitos dos contribuintes121.
Os contribuintes podem apresentar as suas reclamações diretamente à autoridade fiscal, que conduz uma revisão interna, de preferência por uma equipe independente. Alternativamente, uma instituição governamental independente, como uma ouvidoria, investigará as reclamações. Em regra, esses serviços são gratuitos para o contribuinte. No entanto, os poderes dos ouvidores fiscais são frequentemente limitados a fornecer recomendações não vinculantes ao contribuinte e à autoridade tributária. Em vista disso, esses mecanismos geralmente não excluem o acesso dos contribuintes aos processos judiciais formais, se os canais informais não levarem a um resultado satisfatório.
Existem ouvidorias cujas atividades dizem respeito à ação governamental122 e aquelas que são responsáveis por áreas específicas123. Os ouvidores fiscais especializados, em particular, têm alcançado resultados muito satisfatórios em vários países ao redor do mundo. Um exemplo é o US National Taxpayers’ Advocate124. A autoridade mexicana de defesa dos direitos dos contribuintes PRODECON também é independente e possui amplos poderes125. Outros ouvidores fiscais especializados126 têm mandatos específicos para investigar queixas relativas a direitos processuais. Como o Inspetor Geral de Impostos australiano, um ouvidor fiscal pode receber poderes especiais por lei para obter informações. Isso promove a eficiência de suas investigações. Dependendo da estrutura do procedimento, os
contribuintes devem primeiro esgotar os recursos internos da autoridade antes de recorrer à ouvidoria tributária.
Os ouvidores agem de forma independente. Eles não atuam necessariamente como os advogados do contribuinte. Contudo, como muitas vezes são indicados pela designação “advogado do contribuinte”, Procuraduría de la Defensa del Contribuyente (PRODECON) ou “Autoridade para a defesa dos direitos do contribuinte”, a sua razão de ser é defender os direitos do contribuinte.
Os procedimentos informais da ouvidoria tributária podem esclarecer questões processuais para determinados contribuintes e, de maneira geral, melhorar os procedimentos administrativos. Em determinadas circunstâncias, o ouvidor pode tomar outras medidas de proteção, como indenizar os contribuintes por perdas financeiras decorrentes de erros administrativos127.
DIREITOS RELACIONADOS À SANÇÃO
Tradicionalmente, é feita uma distinção entre sanções administrativas e criminais. As últimas são comumente mais graves e têm um efeito estigmatizante. Os pagamentos de impostos adicionais – muitas vezes na forma de multas fiscais – devidos em razão do mero não pagamento do imposto no prazo e em valor integral pertencem à primeira categoria. Em contraste, as sanções criminais exigem a intenção (dolo). Na Europa, porém, a linha divisória entre sanções administrativas e criminais é tênue. De acordo com a chamada abordagem Engel do TEDH128, a severidade das sanções é um fator decisivo. Por exemplo, o montante a pagar como resultado de uma sanção administrativa pode ser muito elevado e, portanto, cumprir os critérios de aplicação do art. 6 da CEDH, que se aplica apenas aos direitos e obrigações civis ou acusações criminais129.
O princípio da legalidade (nulla poena sine lege), igualmente, se destina ao direito tributário penal. De acordo com esse princípio, o comportamento deve constituir uma infração quando ocorrer. Isso pressupõe que o autor da infração tenha conhecimento da infração, o que justifica a obrigação de suportar as consequências associadas à infração.
Ao aplicar o princípio ne bis in idem, o TEDH, mais recentemente, teve em consideração as diferentes características e funções das multas e sanções fiscais, e permitiu que fossem
cobradas em conjunto em determinadas circunstâncias130. No entanto, uma combinação de sanções administrativas e criminais pode ser abrangida pela proibição131.
Se forem diferentes órgãos responsáveis pela avaliação de tais sanções, os contribuintes podem ter de se defender duas vezes, em primeiro lugar no que se refere à multa fiscal e, em segundo lugar, no que diz respeito à sanção penal. Isso pode colidir com a parte processual da proibição de dupla penalização (ou seja, não ser processado duas vezes pelos mesmos fatos – ne bis vexari), especialmente porque ambos os tipos de sanções muitas vezes têm um objetivo comum.
É precisamente no domínio do combate à fraude ao IVA que um contribuinte que soube ou deveria ter sabido de uma evasão cometida no bojo de sua cadeia de produção pode enfrentar um ônus triplo (a negativa de deduções e isenções, além de multa). Em suma, isso poderia equivaler a uma sanção sem condições subjetivas suficientes sob a perspectiva do contribuinte frente a tal reação dura do sistema jurídico132.
Por fim, a presunção de inocência (in dubio pro reo) implica que a culpa do acusado de uma infração fiscal deve ser provada (ônus da prova) para além de qualquer dúvida razoável (padrão da prova)133. As presunções da lei tributária podem colidir com isso.
Por fim, o princípio da proporcionalidade134 estabelece limites para as penalidades. Elas devem ser adequadas, necessárias e proporcionais (em sentido estrito). Penalidades excessivas são proibidas. Não obstante a prevenção ser um objetivo legítimo, as sanções que visam, primária e unilateralmente, aos objetivos dissuasivos podem violar a proibição de excesso. O princípio da proporcionalidade, porém, exige que o nível das penas se baseie em uma série de fatores objetivos e subjetivos, dentre os quais a gravidade da infração, a reincidência dos delinquentes e a sua situação econômica.
DIREITOS SUBSTANTIVOS
O princípio da igualdade
Introdução
O princípio da igualdade está consagrado em vários instrumentos jurídicos: Constituições nacionais e legislações infraconstitucionais, convenções/tratados fiscais bilaterais135 e outros acordos internacionais136. Os contribuintes podem contar com todos esses instrumentos. A proteção efetiva do princípio da igualdade é normalmente garantida por todos os tribunais, desde os tribunais inferiores às cortes supremas e tribunais constitucionais. Quando a controvérsia versar sobre lei supranacional ou acordos internacionais, tribunais supranacionais e/ou internacionais podem ser adicionados137.
O princípio da igualdade é o fundamento do direito tributário e esse princípio tem muitas manifestações. Em primeiro lugar, o princípio geral da igualdade é de extrema importância no direito tributário, pois garante a igualdade de tratamento – incluindo igual cobrança138
– dos impostos devidos por todos os contribuintes. Em segundo lugar, o princípio da capacidade contributiva, explicitamente reconhecido em algumas Constituições nacionais139, é uma expressão específica do princípio da igualdade. Em terceiro lugar, o princípio da igualdade resulta na neutralidade da concorrência. Em quarto e último lugar, visa à equidade e justiça entre os contribuintes.
Nos parágrafos seguintes, essas diferentes expressões internacionalmente reconhecidas do princípio da igualdade serão mais bem elaboradas.
O princípio geral da igualdade
O princípio geral da igualdade exige que os contribuintes sejam iguais perante a lei. Além disso, é o principal critério balizador do legislador, ao obrigá-lo a tratar igualmente as situações substancialmente iguais, em termos fiscais, e de forma desigual, no caso de as situações serem substancialmente desiguais140. Ademais, as autoridades fiscais devem
aplicar a legislação fiscal da mesma forma a todos os contribuintes. Ao mesmo tempo, o princípio da igualdade implica um tratamento coerente. Assim, o direito fundamental de propriedade previsto no art. 1 do 1º Protocolo à CEDH, tal como interpretado pelo TEDH, proíbe qualquer encargo individual e excessivo sobre uma pessoa ou grupo específico de contribuintes141.
O princípio da igualdade aplica-se a pessoas físicas e jurídicas, no caso de impostos diretos (por exemplo, imposto de renda) e indiretos (em particular, o IVA)142. Frequentemente, proíbe o tratamento desigual com base na nacionalidade, por exemplo, dentro da UE e ao abrigo de acordos de dupla tributação e de investimento143.
O princípio da capacidade contributiva
De acordo com o princípio da capacidade contributiva, os contribuintes com capacidades diferentes devem ser onerados de forma distinta. Muitas Constituições preveem expressamente isso144. O princípio da capacidade contributiva aplica-se sobretudo às pessoas físicas e, em alguns países, também às pessoas jurídicas145.
O princípio da capacidade contributiva pode trabalhar a favor do contribuinte, ao garantir a isenção fiscal das despesas mínimas vitais e a dedução da base de cálculo das despesas necessárias. As despesas necessárias de uma pessoa física compreendem as despesas pessoais, como alimentação, roupas, moradia e despesas comerciais, incorridas no curso normal dos negócios como um pré-requisito para obter lucros. Às vezes, um requisito de tributação progressiva é também derivado do princípio da capacidade contributiva. No entanto, a tributação progressiva pode ser mais bem fundamentada no princípio do Estado de Bem-Estar Social146. O princípio da capacidade contributiva ainda pode, desse modo, justificar uma carga tributária mais elevada147. Esse princípio pode garantir que haja tempo suficiente entre o fato gerador e o pagamento do imposto.
Muitos Estados-Membros da UE reconhecem a ligação entre o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva. Todavia, a nível da União Europeia, esse princípio desempenha apenas um papel secundário. Isso se deve às competências limitadas da União Europeia em matéria de direito tributário, especialmente de imposto sobre a renda. Apesar disso, o TJUE reconheceu o princípio da capacidade contributiva no quadro dos princípios de não discriminação das liberdades fundamentais148. Então, o princípio da capacidade contributiva pode não ser aplicado diretamente, mas ajuda a identificar violações às liberdades fundamentais149.
No caso dos impostos especiais, as alíquotas progressivas de impostos baseadas no volume de negócios ficam, em princípio, ao critério dos Estados-Membros da União Europeia150. Por conseguinte, essas alíquotas, mesmo que afetem principalmente empresas de outros Estados-Membros, normalmente não são discriminatórias. Pelo contrário, a tributação progressiva pode basear-se no volume de negócios, uma vez que, por um lado, o montante do volume de negócios constitui um critério de diferenciação neutro e, por outro lado, esse critério constitui um indicador relevante para a identificação da capacidade contributiva do sujeito passivo151.
Ainda não está claro se e em que medida deve haver uma aplicação internacional e transfronteiriça do princípio da capacidade contributiva em questões fiscais. O princípio da capacidade contributiva pode ser invocado contra a dupla tributação, visto que também deve justificar a obrigação de se ter em conta as despesas pessoais152 e mesmo as perdas finais das empresas153. Afinal, tributar o mesmo evento mais de uma vez nada tem a ver com tributação de acordo com a capacidade contributiva. Também onera os contribuintes que operam além-fronteiras. Isso é contrário ao mercado livre.
Contudo, continua difícil aplicar o princípio da igualdade, incluindo o princípio da capacidade contributiva, quando mais de uma jurisdição (fiscal) está envolvida. Isso ocorre já que a eliminação da dupla tributação requer a designação de um único Estado responsável ou a obrigação de dois ou mais Estados trabalharem juntos para eliminar a
dupla ou múltipla tributação. Ambos são difíceis de serem implementados pelos tribunais154.
Todavia, há um debate crescente em nível internacional sobre se a tributação uniforme é um princípio substantivo de tributação geralmente aceito. Isso está relacionado com a procura de coordenação fiscal internacional, que ganhou um impulso considerável no contexto do projeto BEPS. Este visa a evitar a dupla não tributação não intencional entre países, eliminando as disparidades fiscais com base no exercício consistente dos poderes tributários entre os países, ou seja, busca-se a tributação única155. Com efeito, o princípio da tributação única vem ganhando espaço no contexto dos esforços para uma tributação mínima global (GLoBE)156. É verdade que a ideia subjacente de um compromisso dos Estados com a tributação é de difícil conciliação com a soberania fiscal. Essa tendência internacional, porém, de tributação única pode levar a uma redução da dupla tributação e, portanto, a uma tributação que reflita melhor o princípio da capacidade contributiva.
Neutralidade da competição
O princípio da igualdade serve para evitar distorções na concorrência tanto no direito tributário como no direito da concorrência, e para manter a neutralidade fiscal. Os impostos não devem ser um fator que influenciem significativamente as decisões de negócios. Os contribuintes devem, logo, ser tratados de forma igual, mas isso não é viável em nível internacional, pois as alíquotas dos Estados são diferentes. Não obstante, estão sendo feitas tentativas no âmbito do projeto BEPS para harmonizar a tributação a fim de conter a concorrência fiscal prejudicial157. Nesse sentido, a recente proposta do GLoBE procura evitar uma espiral descendente de alíquotas e harmonizar as condições de concorrência por meio de uma tributação mínima.
Justiça e equidade no direito tributário internacional
O princípio da igualdade finalmente fornece a base para postulados gerais de justiça. Isso engloba, como mencionado, não apenas a justiça tributária horizontal entre destinatários com a mesma manifestação econômica, mas também a justiça tributária vertical entre destinatários com diferentes manifestações econômicas. Se e quais consequências jurídicas devem ser extraídas disso é controvertido158.
Nem a atual exigência de tributação internacional mínima prescreve a qualquer Estado o quanto deve tributar as suas empresas. Entretanto, os Estados com uma alíquota de imposto mais elevada podem reagir contra as alíquotas de imposto muito baixas em outros Estados, impondo tributação adicional ou não deduzindo os custos operacionais atrelados a estes últimos. Apesar disso, os rendimentos adicionais resultantes dessa tributação compensatória no Estado da residência de um investidor não devem necessariamente ser tributados neste. Possivelmente, deveriam ser repartidos com outros países, em particular com os países de onde provêm essas receitas. Todavia, isso diz respeito à distribuição justa dos recursos fiscais globais entre os Estados159 (fase 2 do projeto da ILA) e, destarte, afeta somente indiretamente os direitos dos contribuintes, o objeto deste trabalho.
Proteção de dados
O direito individual à proteção de dados e o interesse coletivo legítimo na transparência tributária exigem uma abordagem equilibrada no direito tributário internacional que tenha em conta esses dois valores fundamentais.
Bases jurídicas para a proteção da privacidade e dos dados
O direito à proteção de dados desenvolveu-se gradualmente como um direito individual separado do direito à privacidade e confidencialidade das informações pessoais. Essa evolução é visível com clareza na região europeia e foi provocada em parte pela legislação e em parte pela jurisprudência160. Quase todas as Constituições no mundo garantem o direito à privacidade e algumas garantem explicitamente o direito à proteção de dados161. O Supremo Tribunal indiano deriva o direito à privacidade, incluindo a proteção de dados, dos direitos fundamentais à vida e à liberdade. Segundo esse tribunal, o número de identificação fiscal biométrico (adhair) é admissível tendo em conta o legítimo interesse do Estado no combate à evasão fiscal162. Mesmo que isso não esteja explicitamente estabelecido na Constituição, quase todos os ordenamentos jurídicos respeitam o direito do contribuinte ao sigilo das informações que compartilha com o fisco163. A proteção das
informações fiscais pode, por conseguinte, ser considerada um padrão internacional mínimo.
Um regime de proteção de dados particularmente intenso, embora não para questões fiscais, foi desenvolvido na Europa. As bases jurídicas são o art. 8 da CEDH sobre o direito à privacidade e à vida familiar, e os arts. 7 e 8 da Carta da UE. O TEDH garantiu uma proteção de dados eficaz, em conformidade com os requisitos do direito à privacidade, notadamente em matéria fiscal, e em relação aos requisitos de liberdade de expressão ao abrigo do art. 10 da CEDH164.
Na União Europeia, o art. 7 da Carta da UE garante a proteção do direito à privacidade e o art. 8 da Carta da UE garante a proteção dos dados. Além disso, a proteção de dados está sujeita a disposições específicas do direito derivado da União, em particular do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR)165. Ao contrário de muitos Estados, no entanto, não existem regulamentos específicos para a proteção dos dados fiscais, sobretudo porque a UE não tem competência fiscal. Pelo contrário, a aplicabilidade do RGPD no domínio da tributação é limitada por várias razões: o art. 23 do RGPD permite expressamente restrições no domínio da tributação. Além disso, é aplicável principalmente aos dados pessoais dos indivíduos. O GDPR, portanto, oferece apenas uma proteção limitada, principalmente para os dados fiscais das empresas.
Em uma série de acórdãos, o TEDH especificou os direitos dos contribuintes quanto ao poder das autoridades fiscais de obter informações. Quando as autoridades fazem buscas nas instalações dos contribuintes e apreendem documentos, os procedimentos devem ser elaborados de forma a não deixar margem para abusos166. Contudo, copiar o conteúdo dos servidores não é o mesmo que apreensão. Assim sendo, a apreensão de uma cópia backup de todo o servidor não foi considerada uma violação da privacidade do contribuinte167. Mesmo no contexto das investigações criminais, a investigação sigilosa só é permitida se for absolutamente necessária, estiver em conformidade com a lei e perseguir um objetivo legítimo. Em particular, as regras de investigação devem ser claras e conter salvaguardas adequadas contra abusos168.
Em geral, o TJUE permite o armazenamento de dados apenas em condições extremamente restritas169. Todavia, isso não se aplica igualmente na área da fiscalidade. Em um Estado-
Membro, a transferência de dados fiscais de uma autoridade (seguro de saúde) para outra autoridade (fiscal) não é permitida sem informar a pessoa em tela170.
Direitos em situações transfronteiriças
O direito fundamental à proteção de dados e os direitos e garantias processuais daí decorrentes também se aplicam ao intercâmbio de informações no contexto da cooperação transfronteiriça entre autoridades fiscais. A assistência administrativa deve ser prestada de acordo com as disposições legais171, compreendendo os direitos processuais dos interessados172. O modelo de tratado fiscal assinado por 22 Estados africanos no âmbito do African Tax Administrative Forum (ATAF) garante expressamente a confidencialidade dos dados fiscais trocados, de acordo com o padrão do Estado destinatário. Em princípio, só podem ser usados no âmbito da Administração fiscal173. A troca de informações com base em acordos de assistência administrativa é, portanto, justificada em princípio e não viola o direito à privacidade174. Além disso, na região europeia, o art. 8 da CEDH não exige que todas as pessoas potencialmente afetadas sejam informadas com antecedência da transferência de seus dados fiscais para outro Estado175.
É provável que um padrão internacional emergente seja o de que apenas as informações previsivelmente relevantes possam ser transmitidas176. Solicitações insuficientemente especificadas ou fishing expeditions não são permitidas177. Os pedidos de grupo não
podem ser facilmente distinguidos destes178. Ao abrigo das CDTs e da legislação nacional179, a assistência administrativa é permitida normalmente se o Estado requerente fornecer as informações necessárias para identificar a(s) pessoa(s) envolvida(s) na investigação, em particular os seus nomes. Isso não é o caso de um pedido de grupo. Em vez disso, aplica-se a um grupo de pessoas para as quais existe uma probabilidade maior de não terem cumprido as suas obrigações fiscais no Estado requerente. O comentário sobre a Convenção-Modelo da OCDE e a proposta DAC 7 da UE180 enfatizam que os pedidos de grupo não são inadmissíveis per se181. Muito embora isso, essa norma deve ser interpretada de forma que, mesmo no caso de solicitações de grupo, seja possível identificar claramente as pessoas envolvidas. Caso contrário, nenhuma proteção legal efetiva poderá ser concedida a essas pessoas.
Questões jurídicas complexas surgem no caso de investigações fiscais conjuntas e simultâneas, que estão se tornando cada vez mais comuns182. Por exemplo, surge a questão de saber qual lei é aplicável, a lei do lugar onde a empresa está localizada (ius loci) ou a lei do país que envia os seus funcionários para outro país. E sob que lei e perante quais tribunais os contribuintes podem obter proteção legal? A reparação legal deve estar disponível no momento do início de tais procedimentos183, durante a investigação conjunta184 e, finalmente, em relação ao uso de dados fiscais confidenciais coletados durante investigações conjuntas ou simultâneas185.
Quando os dados são transferidos para países terceiros, pode ser examinado se, e em caso afirmativo, aí existe um nível de proteção adequado. O TJUE confirmou isso no acórdão do caso Schrems186. No entanto, resta saber em que medida essa avaliação também se aplica à área da tributação. Em qualquer caso, os contribuintes não podem ficar sem proteção, mesmo em tempos de BEPS.
Como resultado, há muitas novas constelações, em particular na cooperação transfronteiriça, nas quais é importante equilibrar o interesse geral da transparência fiscal, por um lado, com a proteção dos contribuintes, por outro lado.
Direitos dos intermediários (consultores, bancos etc.)
O âmbito material dos direitos fundamentais no domínio da fiscalidade abrange todos os contribuintes e todas as pessoas singulares e coletivas que atuam no âmbito da liquidação e/ou cobrança de impostos, como bancos e consultores (“intermediários”). No caso dos contribuintes, trata-se apenas de proteger os seus próprios direitos humanos, ao passo que, no caso dos intermediários, existem duas dimensões: a sua própria esfera jurídica e a do contribuinte envolvido. A proteção dos direitos profissionais é uma extensão funcional dos direitos do contribuinte individual, mas também objeto de proteção em separado, em particular o sigilo profissional inerente à relação advogado-cliente. A proteção efetiva dos direitos do contribuinte e da relação advogado-cliente exige a proteção da confidencialidade ainda em relação às demais profissões envolvidas. Caso contrário, nenhuma cooperação confiável entre os contribuintes e os seus consultores e advogados é possível. O sigilo profissional da mesma forma não deveria ser, desnecessária e desproporcionalmente, onerado para proteger o “direito coletivo” de cobrar impostos. Isso, igualmente, é demonstrado pela jurisprudência dos tribunais europeus em matéria de busca e apreensão em escritórios de advocacia187, na sede de uma sociedade188, sucursais e outros locais189, do sigilo profissional dos advogados190 e de apreensão de documentos bancários191.
Apesar disso, continua a ser possível que uma autoridade fiscal obtenha informações de um terceiro sem informar o contribuinte, dentro dos limites de seu poder discricionário, se
isso se justificar ponderando os interesses individuais com os interesses públicos192. Todavia, em particular, o DAC 6 agora exige que os intermediários (como instituições financeiras, bancos ou consultores) reportem planejamentos tributários que possam ser ilegais. Isso não só levanta problemas de segurança jurídica, mas também afeta os direitos à proteção de dados tanto dos contribuintes como dos intermediários, e prejudica a liberdade de profissão destes últimos. Outrossim, no âmbito do International Compliance Assurance Program (ICAP), os intermediários estão cada vez mais se tornando “assistentes” das autoridades fiscais e, às vezes, estão sujeitos a obrigações acessórias muito onerosas. Em parte, isso se deve ao FATCA. Os encargos (também financeiros) associados a tais mecanismos não devem ser desconsiderados. Ao invés de deixar que o mercado repasse os custos de tais serviços para os consumidores, os governos poderiam considerar um sistema especial de financiamento. Isso ainda poderia ajudar a reduzir as desigualdades resultantes dos fluxos de informação assimétrica entre os países.
Deve-se ter em mente que a proteção dos direitos profissionais em matéria tributária está intimamente ligada à proteção dos direitos dos contribuintes. Sem essa proteção, não pode haver um equilíbrio justo entre o interesse público e os direitos individuais193.
Direitos de propriedade
O direito humano de propriedade desempenha um papel bastante subordinado na tributação. Algumas Constituições, principalmente as africanas, afirmam explicitamente que as leis fiscais são compatíveis com a garantia da propriedade194. A esse respeito, os Estados têm ampla margem de manobra. Provavelmente é limitado apenas pela proibição de impostos confiscatórios. A evitação de tributação desproporcional e possivelmente confiscatória também representa um desafio particular se for baseada na dupla tributação internacional, ou seja, na interação de várias jurisdições fiscais195.
Tributação e proteção da propriedade ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Vale ressaltar, entretanto, que o TEDH (em contraste com a Corte Interamericana de Direitos Humanos196) proferiu numerosas sentenças sobre o direito fundamental à propriedade e à tributação.
A base da jurisprudência do TEDH é o art. 1 do 1º Protocolo à CEDH. Conclui-se que os impostos se encaixam no âmbito do direito humano de propriedade. Caso contrário, não haveria necessidade de esclarecimento no art. 1(2) do 1º Protocolo à CEDH. De acordo com seu § 1, isso “não prejudicará o direito de um Estado de aplicar as leis que julgar necessárias para controlar o uso da propriedade de acordo com o interesse geral ou para garantir o pagamento de impostos ou de outras contribuições ou penalidades”. Todavia, o direito fundamental de propriedade não é protegido na própria CEDH, mas apenas em um protocolo adicional197. Em vários países, os contribuintes permanecem, portanto, sem uma proteção mínima de seus direitos de propriedade sob a CEDH, porque esses países não ratificaram o protocolo adicional à CEDH198.
Uma análise da jurisprudência de mais de 60 anos de atividade mostra que a CEDH (e anteriormente a Comissão de Direitos Humanos) rejeitou a maioria das queixas relativas ao direito dos contribuintes à propriedade. Uma mudança nessa tendência geral ocorreu no início do milênio. Naquela época, a maioria das reclamações relacionadas a impostos eram apresentadas contra países da ex-União Soviética (ou aqueles que anteriormente tiveram regimes socialistas). Essas economias estavam se desenvolvendo naquela época. O TEDH foi, com efeito, chamado a estabelecer normas para a concepção de práticas fiscais baseadas no Estado de Direito199. Em consonância com essas normas, as violações ao direito de propriedade em questões fiscais incluem, em particular:
a omissão das autoridades em reembolsar ou permitir a dedução do IVA200;
as disposições legais imprecisas ou imprevisíveis que criam incerteza entre os contribuintes201;
as medidas tributárias que imponham uma carga tributária excessiva ao contribuinte202;
a ausência de garantias processuais que permitam os contribuintes a serem efetivamente representados em processos internos203; ou
a legislação tributária retroativa204.
E.G. Switzerland and Monaco. Cf. Council of Europe, chart of signatures and ratifications, https://www.coe.int/en/web/conventions/search-on-treaties/-/conventions/treaty/009/signatures?p_auth=mptwtxk9.
A maioria das medidas fiscais são testadas em relação ao princípio da proporcionalidade. O TEDH leva em consideração a ampla discricionariedade dos Estados, notadamente em matéria tributária. Na maioria dos casos, as medidas são aprovadas pelo teste de proporcionalidade previsto no art. 1 do 1º Protocolo à CEDH.
Tributação e proteção da propriedade na União Europeia
A redação do art. 17 da Carta da UE é bastante semelhante à redação do art. 1 do 1º Protocolo à CEDH, mas não contém referência específica à tributação. O art. 17 da Carta da UE apenas esclarece, em termos gerais, que o uso da propriedade pode ser regulamentado por lei e a sua privação pode ser permitida por razões de interesse público, se prevista em lei e sujeita a uma compensação justa. Segundo o art. 52(3) da Carta da UE, a proteção concedida pelo TEDH em relação ao direito de propriedade é uma norma mínima para a interpretação do art. 17 da Carta da UE. Assim, o TJEU pode garantir uma proteção mais ampla do direito de propriedade aos contribuintes. A despeito disso, não há jurisprudência a esse respeito205.
Tributação confiscatória
Submeter uma pessoa física ou jurídica a uma alíquota de imposto de 100% geralmente é considerado confiscatório. Não há, porém, um consenso além disso. Várias Constituições nacionais proíbem impostos confiscatórios sem estabelecer uma alíquota ou nível de imposto específico206. Em alguns casos, as Constituições207 ou decisões da suprema corte208 também proíbem penas confiscatórias. A determinação do caráter confiscatório é deixada para os tribunais. Eles determinam os impostos confiscatórios com base em uma análise de caso a caso. Ao fazê-lo, têm em consideração, designadamente, a capacidade contributiva do contribuinte, o princípio da proporcionalidade e se o imposto consome gravemente os rendimentos da atividade econômica onerada. No âmbito desse último critério, a alíquota do imposto novamente entra em jogo209.
O TEDH ainda não desenvolveu um limite quantitativo para impostos confiscatórios. Em alguns casos relativos à legislação húngara que introduziu uma alíquota de imposto sobre a renda de 98% sobre uma determinada parte da indenização paga em razão da demissão de funcionários públicos, constatou-se uma violação ao art. 1 do 1º Protocolo à CEDH210. No entanto, a alíquota extrema de um imposto como tal antes descrita não é suficiente. O TEDH, à semelhança de outros tribunais211, teve em consideração fatores adicionais, como a retroatividade da medida fiscal e o fato de o requerente ter sido confrontado com uma redução significativa de seus rendimentos durante um período de dificuldades pessoais consideráveis (ou seja, o desemprego após a reforma no setor).
Na ausência de um limite quantitativo comumente aceito para a definição da tributação confiscatória, este último conceito parece basear-se no princípio da capacidade contributiva, tendo em conta o mínimo vital212. Se um contribuinte permanecer sem qualquer quantia, após o pagamento do imposto, isso é frequentemente considerado uma tributação confiscatória.
OBSERVAÇÕES FINAIS
Não apenas a luta contra a elisão fiscal e uma distribuição justa e eficaz dos direitos tributários são preocupações de importância internacional. Um regime tributário internacional justo também e principalmente inclui os direitos dos indivíduos, compreendendo contribuintes e intermediários (como advogados e consultores). Em certas circunstâncias, pessoas jurídicas, do mesmo modo, podem ser titulares de direitos humanos específicos. A proteção dessas pessoas não deve, porém, minar as preocupações legítimas de transparência tributária e tributação global justa e eficaz. Deve-se, por consequência, encontrar um equilíbrio entre os interesses coletivos e os direitos individuais. Para fazer isso, contudo, a posição jurídica dos indivíduos no direito internacional deve precipuamente ser determinada.
Desde a Segunda Guerra Mundial, um desenvolvimento pode ser observado no direito internacional. O seu foco tem mudado dos direitos dos Estados para incluir os direitos individuais. Não apenas os Estados, mas cada vez mais os indivíduos, são reconhecidos como portadores de direitos no direito internacional. Por essa razão, os Estados não podem dispor livremente dos direitos dos contribuintes. Estes não são apenas objetos de acordos intergovernamentais, mas sujeitos de direito internacional com direitos próprios. Parece que esse desenvolvimento ainda não chegou totalmente ao mundo tributário. Desde que a
IFA se separou da ILA em 1938, as duas comunidades científicas têm seguido caminhos separados. Isso não é apropriado.
O art. 38(1) do Estatuto da CIJ enumera as fontes do direito internacional. Consequentemente, os direitos dos indivíduos podem surgir de convenções internacionais, costumes internacionais, como evidência de uma prática geral aceita como lei e princípios gerais de direito. As convenções internacionais em matéria fiscal referem-se, em particular, aos acordos de dupla tributação. Tratados de direitos humanos, mas também tratados de investimento, podem ser importantes. O direito internacional consuetudinário pode surgir desses acordos, complementado pelo chamado soft law e levando em consideração as práticas nacionais, como cada vez mais evidenciado nas cartas de direitos dos contribuintes. O soft law na forma de comentários às convenções-modelo da OCDE e das Nações Unidas desempenha um papel extremamente importante, principalmente no desenvolvimento do direito tributário internacional. Todavia, os princípios gerais de direito são mais difíceis de determinar. Entretanto, o TJUE estabeleceu de forma muito eficaz os direitos humanos como princípios jurídicos gerais do direito da União.
De acordo com seus diferentes significados de soberania fiscal, os direitos dos contribuintes são geralmente classificados da seguinte forma: direitos processuais, direitos relacionados às sanções e direitos substantivos. Os direitos processuais são os direitos mais concretos que podem ser invocados e estão sujeitos à revisão judicial visto que têm o menor impacto sobre a soberania fiscal; não questionam as prioridades legislativas em matéria de tributação. No caso dos direitos referentes às sanções, a questão principal é a proporcionalidade das medidas estatais para assegurar uma cobrança eficaz de impostos e, cada vez mais, o combate à elisão e fraude fiscais. Por fim, os Estados dispõem de uma maior margem de manobra na área dos direitos fundamentais substantivos, que dizem respeito à estrutura do sistema tributário. O princípio da igualdade é de fundamental importância e o elemento basilar de todo sistema tributário. Inclui subprincípios, em particular a capacidade contributiva e a neutralidade competitiva. A proteção de dados está se tornando cada vez mais importante, notadamente na cooperação administrativa internacional. O direito fundamental de propriedade, tradicionalmente de relevância marginal no direito tributário, é objeto de numerosos acórdãos do TEDH sobre o direito tributário, que afetaram frequentemente a estrutura do IVA nos Estados-Membros da Europa Oriental do Conselho da Europa.
O exame dessas três categorias de direitos dos contribuintes é aprofundado na fase 1, a ser concluída em breve, do projeto de pesquisa da ILA sobre direito tributário internacional aqui apresentado; a fase 2 diz respeito à divisão dos direitos fiscais (nexo) e a fase 3 à aplicação do direito tributário internacional através de tribunais e outros procedimentos. Todas as três áreas dizem respeito a questões genuínas de direito internacional público.
Destarte, o nosso grupo de pesquisa em direito tributário internacional tem como objetivo aproximar novamente o direito tributário e o direito internacional.