O REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO DOS INVESTIDORES NÃO RESIDENTES E A IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO FINAL
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Especialista em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Graduanda em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras – FIPECAFI. Advogada em São Paulo/SP. E-mail: saralanapcf@gmail.com
Recebido em: 09-11-2020
Aprovado em: 13-12-2020
DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-7155-rdtia-n8-7
O presente artigo aborda o regime especial de tributação dos investimentos estrangeiros nos mercados financeiro e de capitais brasileiros. Analisa-se ainda a obrigação imposta pela Receita Federal de identificação das pessoas naturais beneficiárias finais do investimento estrangeiro, a fim de demonstrar que a referida exigência não tem o condão de atestar a aplicabilidade dos benefícios fiscais aos investidores não residentes, na medida em que a legislação tributária brasileira não veda estruturas de round-tripping e não exige a presença de beneficiário final não residente no País ou em paraíso fiscal para a concessão do regime especial de tributação. Por fim, avalia-se as figuras da fraude, do dolo e da simulação, hipóteses em que a jurisdição do investidor direto poderá ser legitimamente desconsiderada na determinação da origem do investimento para fins de aplicação dos benefícios fiscais.
This article describes the special tax regime applicable to foreign investments in the Brazilian capital markets. It also addresses the obligation imposed by the Brazilian Federal Revenue to identify the natural person who is the final beneficiary of the foreign investment, in order to demonstrate that this information cannot be used to attest the applicability of the tax benefits to nonresident investors, considering that the Brazilian tax law does not forbid round-tripping structures and does not require a nonresident investor outside tax havens as the final beneficiary. At last, this article describes situations of fraud, willful misconduct and simulation in which the jurisdiction of the direct investor may be legitimately disregarded in determining the origin of the investment for the special taxation regime application purposes.
INTRODUÇÃO
Em consonância com a política nacional de atração de investimentos estrangeiros1, a legislação tributária brasileira estabelece regime especial de tributação para investimentos realizados por não residentes nos mercados financeiro e de capitais do País, desde que atendidas as condições fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e que os recursos não sejam oriundos de países com tributação favorecida, popularmente denominados “paraísos fiscais”2.
Para o investidor residente no Brasil que pretende investir no mercado financeiro e de capitais nacionais, pode-se dizer que o caminho natural seria o investimento direto, a exemplo da aquisição de ações em bolsa ou de títulos de dívida pública ou privada pelo próprio residente.
Contudo, observa-se também situações em que o investidor residente investe indiretamente no País a partir de estrutura no exterior, mecanismo este denominado round-tripping. Estas estruturas de investimento indireto de residentes podem assumir diversas formas, como a constituição de empresa em outro país ou a participação em fundo estrangeiro, que, por sua vez, investirão em ativos nacionais.
Neste cenário, as autoridades fiscais demonstraram preocupação com a identificação do real investidor, sendo questionado se o investidor não residente que acoberta a atuação de residente nos mercados financeiro e de capitais brasileiros ainda seria beneficiado pelo regime especial de tributação, ou se a presença de residentes no País ou em paraíso fiscal na estrutura de investimento, ainda que indiretamente, comprometeria a aplicação dos benefícios fiscais.
Atualmente, a Receita Federal exige a abertura da cadeira societária até a identificação das pessoas naturais caracterizadas como beneficiárias finais para diversas entidades, inclusive aquelas residentes no exterior que detenham, no País, ativos no mercado financeiro e de capitais. O cumprimento de exigências cadastrais poderá levar a Receita Federal a identificar beneficiários finais de aplicações financeiras residentes no País ou em paraíso fiscal. No entanto, como será demonstrado adiante, a expressão “beneficiário final” não encontra previsão na legislação tributária brasileira, que, ao estabelecer regime tributário diferenciado, se refere apenas a beneficiário residente ou domiciliado no exterior, individual ou coletivo. Assim, um dos principais desdobramentos desse tema reside em definir se a origem do investimento é definida pela residência fiscal do investidor direto ou de seu beneficiário final, ou mesmo pela jurisdição de demais investidores indiretos existentes ao longo da estrutura de investimentos.
Cumpre, portanto, indagar até que ponto deve ir a análise do real investidor, e se, à vista do ordenamento jurídico pátrio vigente, as operações de round-tripping podem ser consideradas legítimas para fins de aplicação do regime especial de tributação próprio dos investidores não residente. Neste contexto, objetiva-se com o presente artigo apresentar as particularidades do tema, os avanços já observados, principalmente com a publicação do Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 5/2019, bem como os desafios que permanecem aos investidores não residentes e seus representantes.
AS MODALIDADES DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO
O investimento estrangeiro no Brasil pode ser classificado em três diferentes modalidades3:
(i) investimento estrangeiro direto, (ii) operações financeiras, e (iii) investimento estrangeiro nos mercados financeiro e de capitais do País, também conhecido como investimento em portfólio (MOURÃO, 2011).
O investidor estrangeiro direto compreende a pessoa física ou jurídica ou entidade de investimento coletivo que, tendo residência, domicílio ou sede no exterior, adquire bens e direitos no Brasil. Referidos investimentos diretos são regulados pela Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962, que considera capitais estrangeiros os bens, máquinas e equipamentos,
entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.
As operações financeiras abarcam as operações de crédito externo concedido a residentes ou domiciliados no País por residentes ou domiciliados no exterior, através de: empréstimo externo, inclusive mediante a emissão de títulos; financiamento externo; e arrendamento mercantil financeiro externo. Neste módulo também se incluem os contratos entre residentes e não residentes que preveem transferências financeiras ao exterior a título de royalties, ou decorrentes da prestação de serviços técnicos.
O investimento em portfólio, por sua vez, se refere às aplicações no mercado financeiro e de capitais do País por não residentes, comumente identificados como Investidor não Residente (INR). Esta modalidade é atualmente regulamentada pela Resolução CMN n. 4.373, de 29 de setembro de 20144 (Resolução n. 4.373/2014), e constitui o foco do presente artigo.
O INVESTIDOR NÃO RESIDENTE – INR
O conceito de INR abarca as pessoas físicas ou jurídicas, os fundos ou outras entidades de investimento coletivo, com residência, sede ou domicílio no exterior, que possuem aplicações nos mercados financeiro ou de capitais brasileiros.
De acordo com a Resolução n. 4.373/2014, as aplicações do INR estão sujeitas a registro no Banco Central do Brasil (BACEN), na forma prevista em seu Regulamento Anexo I. O registro no BACEN compreende o lançamento das informações requeridas no Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen) – Registro Declaratório Eletrônico (RDE), no módulo referente aos investimentos de capitais estrangeiros nos Mercados Financeiro e de Capitais (RDE – Portfólio).
A Resolução n. 4.373/20145 determina que, previamente ao início de suas operações no Brasil, o INR deve: (i) constituir representante legal no País6; (ii) obter registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM)7; (iii) constituir custodiante autorizado pela CVM; e (iv) designar
representante tributário, que será responsável pelo cumprimento das obrigações tributárias decorrentes das operações que realizar por conta e ordem do representado8. Apesar de o representante legal não se confundir, necessariamente, com aquele exigido pela legislação tributação, na prática, observa-se que estas funções acabam sendo atribuídas a uma mesma pessoa.
Para atuar regularmente no País, o INR também precisa se inscrever no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ)9 ou no Cadastro das Pessoas Físicas (CPF), conforme o caso, observando para tanto o regramento estabelecido pela Receita Federal.
O CNPJ compreende as informações cadastrais das entidades de interesse da administração tributária. Conforme dispõe o art. 19 da Instrução Normativa RFB n. 1.863/2018 (IN RFB n. 1.863/2018), a inscrição no CNPJ de entidade domiciliada no exterior para realizar aplicações no mercado financeiro ou de capitais decorre automaticamente de seu registro na CVM como investidor não residente, sendo destinada exclusivamente à realização das aludidas aplicações.
Desde já, destaca-se que, com a publicação da Instrução Normativa RFB n. 1.634, em 9 de maio de 2016 (IN RFB n. 1.634/2016) (revogada), passaram a ser exigidas, via de regra, para a emissão e manutenção do CNPJ de INR, informações sobre seus representantes legais e cadeia de participação societária até que sejam alcançados os respectivos beneficiários finais. Esta obrigação, observadas as exceções previstas na norma, foi mantida pela IN RFB
n. 1.863/201810, e, como será tratado a frente, tem gerado questionamentos e insegurança aos INRs e seus representantes.
O escopo da atuação dos não residentes nos mercados financeiro e de capitais brasileiros é moldado a partir da combinação de regras de natureza cambial e do próprio mercado de capitais (FONSECA; CASTILHO, 2020). De modo geral, desde que cumpridas as condições estabelecidas e respeitadas algumas restrições, os INRs estão autorizados a investir nos mesmos instrumentos disponíveis para os investidores residentes no País11. No entanto, com exceção das hipóteses previstas no art. 19 da Instrução CVM nº 560/2015, os INRs
apenas podem negociar valores mobiliários nos mercados organizados, compostos pelas bolsas de valores, de mercadorias e de futuros e assemelhadas.
O PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE E O ELEMENTO DE CONEXÃO
Antes de adentrar nas particularidades do regime tributário especial aplicável ao INR, importante apresentar os fundamentos para a tributação pelo Estado brasileiro dos rendimentos e ganhos auferidos por não residentes nas aplicações realizadas nos mercados financeiro e de capitais nacionais.
De acordo com Schoueri (2005), a territorialidade em matéria tributária é um princípio geral que delimita a soberania fiscal dos Estados, de modo que estes somente possam tributar ganhos que com eles guardem um elemento de conexão. O fundamento teórico do aludido princípio poderia ser identificado na própria soberania estatal, e também em um costume do Direito Internacional adotado pelos Estados.
O princípio da territorialidade, reconhecido como princípio fundamental do Direito Tributário Internacional, exige a existência de suficiente nexo entre o Estado tributante e a situação tributada para legitimar a tributação. Sem referida conexão entre um dado ordenamento jurídico e as pessoas, bens e fatos aos quais a pretensão tributária é dirigida, o Estado estaria impossibilitado de legitimamente tributar referidas situações.
A exigência de elemento de conexão representa verdadeiro limite à tributação, impedindo que os Estados atinjam rendas com as quais não guardam qualquer relação. Ressalta-se, contudo, que o reconhecimento do princípio da territorialidade não implica a limitação da tributação a fatos ocorridos em um território, mas sim a exigência de uma conexão entre a situação tributável e o poder tributante.
A conexão apta a fundamentar a tributação pode ser real ou pessoal. No sentido pessoal da territorialidade, exige-se que a tributação se limite a pessoas sediadas, domiciliadas ou residentes no Estado tributante, ou que sejam seus nacionais; enquanto no sentido real a situação tributada deve ter vínculo com o próprio território, a exemplo das fontes de pagamento e de produção de determinado rendimento nele localizadas (SCHOUERI, 2005).
No que diz respeito à tributação sobre a renda, os elementos de conexão normalmente reconhecidos são a residência e a nacionalidade12, no caso das pessoas físicas, e o local de constituição ou de administração efetiva, no caso das pessoas jurídicas. Além disso, é comum a adoção de elementos de conexão lastreados na origem econômica da renda (fonte de produção ou fonte de pagamento), sendo que a existência de qualquer um dos referidos nexos permitiria que o Estado exercesse sua pretensão tributária (SILVEIRA, 2016).
Como destaca Schoueri (2005), ao se desdobrar o princípio da territorialidade nos princípios da fonte, da residência e da nacionalidade, cumpre, primeiramente, esclarecer que o princípio da fonte não se confunde com o princípio da territorialidade, estando com ele em uma relação de conteúdo (fonte) e continente (territorialidade), de forma que, ao adotar o princípio da fonte, o Estado tributará todo rendimento cuja origem esteja localizada em seu território.
Em segundo lugar, destaca-se que fonte e residência não são situações incompatíveis. Um mesmo ordenamento pode prever a tributação de todos os residentes, em bases universais, e, simultaneamente, alcançar os rendimentos de fontes locais, qualquer que seja seu beneficiário, podendo, portanto, existir situações de dupla conexão.
Ademais, cumpre diferenciar fonte de produção da fonte de pagamento. Para o referido autor, enquanto a primeira reflete um conceito de índole econômica, exigindo um nexo causal entre a renda e o fato que a determina, a segunda, numa acepção fática, vincula-se àquele de cujo patrimônio foram extraídos os recursos para o respectivo pagamento.
Feitas as considerações acima, deve-se reconhecer que o princípio da territorialidade permeia os diversos ordenamentos jurídicos, legitimando o exercício da soberania fiscal dos diferentes países, inclusive em relação aos rendimentos auferidos por não residentes, não sendo diferente no Brasil.
O Brasil tributa a renda de seus residentes com base no princípio da universalidade13, ao lado da tributação dos não residentes com base no princípio da fonte, utilizando, respectivamente, os elementos de conexão residência14 e fonte. Isso porque tributa a renda das pessoas físicas e jurídicas residentes no País independentemente do local em que foram originadas e produzidas, bem como tributa os rendimentos de não residentes produzidos por fonte brasileira, seja pela cumulação de fonte de pagamento e produção de renda, ou pela presença de apenas uma destas formas (CASTRO, 2015).
Assim, enquanto os residentes no território brasileiro são submetidos a uma tributação em bases universais, em que são tributados todos os seus rendimentos, tanto de fonte interna quanto de fonte externa (princípio da residência), os não residentes estão sujeitos a uma obrigação tributária limitada, que abrange apenas os rendimentos decorrentes de fontes localizadas no País (princípio da territorialidade em sentido restrito ou da fonte).
Segundo Xavier (2015), a tributação “limitada” dos não residentes é de regra no mundo moderno. Isso por se entender que o Estado da fonte não pode, em face do Direito Internacional Público, estender o âmbito espacial das suas leis a rendimentos auferidos no exterior por pessoas que não residam em seu território, dada a ausência de elemento de conexão apto a legitimar a tributação.
Dessa forma, adotando-se o princípio da territorialidade em sua acepção de princípio da fonte, as pessoas domiciliadas no exterior são tributadas no Brasil apenas pelos rendimentos que aqui tenham sido produzidos, ou seja, por rendimentos imputáveis a fontes nacionais (XAVIER, 2015). Como será explorado adiante, esta limitação é exemplificada pelo regime tributário aplicável aos INRs, na medida em que apenas seus rendimentos conexos com o Brasil, ou seja, aqueles decorrentes de fontes brasileiras, podem sofrer a incidência da tributação brasileira.
O REGIME TRIBUTÁRIO DO INR
O presente tópico trata do regime tributário aplicável aos rendimentos auferidos pelo INR, buscando evidenciar o tratamento benéfico que lhe é assegurado pelo ordenamento jurídico brasileiro, quando atendidos os requisitos legais e regulatórios. Para tanto, serão apresentadas as diferenças entre o regime geral de equiparação a residentes no Brasil e o regime especial de investimentos estrangeiros sujeitos às normas do Conselho Monetário Nacional e não oriundos de paraísos fiscais.
Como regra geral15, os residentes ou domiciliados no exterior estão sujeitos às mesmas normas de tributação pelo imposto de renda previstas para os residentes ou domiciliadas no País em relação aos: (i) rendimentos decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa e em fundos de investimento; (ii) ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas; (iii) rendimentos auferidos em COE e nas operações de swap; e (iv) ganhos líquidos auferidos na alienação de ouro, ativo financeiro, e em operações realizadas nos mercados de liquidação futura, fora de bolsa.
Todavia, buscando promover investimentos estrangeiros de portfólio no País com vistas ao crescimento do mercado financeiro e de capitais brasileiros, foi instituído regime especial de tributação16 para os não residentes que, cumulativamente: (i) cumprem as regras
do CMN, atualmente veiculadas pela Resolução CMN n. 4.373/2014, e (ii) não residem em países com tributação favorecida17.
Como destaca Xavier (2015), os investimentos estrangeiros nos mercados financeiro e de capitais brasileiros se beneficiarão do regime especial de tributação quando atenderem às normas e condições fixadas pelo CMN, e não forem oriundos de paraíso fiscal. Caso descumpram quaisquer destes requisitos, sujeitar-se-ão ao regime geral de equiparação aos residentes ou domiciliados no País.
A fim de evidenciar o tratamento benéfico concedido aos investidores de portfólio estrangeiros, a tabela18 abaixo resume as principais diferenças entre a tributação dos investidores residentes (pessoa física e pessoa jurídica) e dos INRs não residentes em países com tributação favorecida que atuam nos mercados financeiro e de capitais brasileiros em conformidade com as normas e condições estabelecidas pelo CMN, considerando, para tanto, aplicações em diversas classes de ativos:
Tabela 1 – Tributação dos Investimentos nos Mercados Financeiro e de Capitais Brasileiros
Residentes | Não Residentes19 | ||
Pessoa Física | Pessoa Jurídica | PF e PJ | |
Renda Fixa20 | |||
Regra geral | IRRF conforme o prazo da aplicação21: 22,5% (até 180 dias) 20% (181 a 360 dias) 17,5% (361 a 720 dias) 15% (acima de 720 dias) | Regra geral PF residente | IRRF de 15% sobre rendimentos22 |
Títulos Públicos Federais | Regra geral | Regra geral | Alíquota zero de IRRF sobre rendimentos23 |
CDB, LF e Debêntures | Regra geral | Regra geral | Regra geral |
Debêntures de Infraestrutur a | Alíquota zero de IRRF sobre rendimentos24 | IRRF de 15% sobre rendimentos25 | Alíquota zero de IRRF sobre rendimentos26 |
LH, CRI, LCI, CDA, WA, CDCA, LCA, CRA e CPR | Isenção de IR27 | Regra geral | Isenção de IR para PF, inclusive em paraíso fiscal28; Regra geral para os demais |
Swap | Regra geral29 | Regra geral | IRRF de 10% sobre rendimentos30 |
COE | Regra geral31 | Regra geral | Regra geral |
Renda Variável32 | |||
Regra geral33 | IR de 15% sobre ganhos líquidos mensais (IRRF de 0,005%)34; Day trade: IR de 20% sobre ganhos líquidos mensais (IRRF de 1% sobre rendimento)35 | Regra geral PF residente (com exceção das hipóteses de isenção para PF) | Isenção de IR para ganhos auferidos em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhados, e nas operações com ouro ativo financeiro fora de bolsa36; IRRF de 10% nas operações realizadas em mercados de liquidação futura, fora de bolsa37; |
Fundos de Investimento (fi) |
Fundo de Investimento em geral38 | FI de longo prazo: IRRF no resgate a alíquotas regressivas, conforme o prazo da aplicação: 22,5% (até 180 dias) 20% (181 a 360 dias) 17,5% (361 a 720 dias) 15% (acima de 720 dias) FI de curto prazo: IRRF no resgate a alíquotas regressivas, conforme o prazo da aplicação: 22,5% (até 180 dias) 20% (acima de 180 dias) *FI abertos: come-cotas semestral (15% para FI de longo prazo e 20% para FI de curto prazo), com tributação complementar no resgate39. | Regra PF residente | IRRF de 15% sobre rendimentos (sem come- cotas)40; Isenção de IR para rendimentos e ganhos produzidos por FI cujos cotistas sejam exclusivamente investidores estrangeiros, desde que atendidas as condições legais41; Isenção de IR para ganho auferido na alienação de cotas em mercados organizados42 |
Fundo de Investimento em ações | IRRF de 15% exclusivamente no resgate (sem come-cotas)43 | Regra PF residente | IRRF de 10% sobre rendimentos (sem come- cotas)44; Isenção de IR para ganho auferido na alienação de cotas em mercados organizados45 |
FIP, FIC-FIP e FIEE | IRRF de 15% sobre rendimentos no resgate e amortização; IR de 15% sobre o ganho líquido, na alienação em bolsa, ou sobre o ganho de capital, na alienação fora de bolsa46 | IRRF de 15% sobre rendimentos no resgate e amortização; IR de 15% sobre o ganho líquido, na alienação em bolsa ou fora de bolsa47 | Como regra geral, IRRF de 15% sobre rendimentos48; Atendidas as condições legais, alíquota zero de IRRF sobre rendimentos e ganhos49; |
Fundo de Investimento Imobiliário | Como regra geral, IRRF de 20% sobre rendimentos; Isenção de IR para os rendimentos distribuídos, se atendidas as condições legais; IR de 20% sobre ganho líquido na alienação em bolsa, e sobre ganho de capital na alienação fora de bolsa50 | IRRF de 20% sobre rendimentos; IR de 20% sobre ganho líquido, na alienação em bolsa ou fora de bolsa51 | Como regra geral, IRRF de 15% sobre os rendimentos; Isenção de IR para os rendimentos distribuídos a PF, inclusive em país com tributação favorecida, se atendidas as condições legais52; Isenção de IR para ganho auferido na alienação de cotas em mercados organizados53 |
Fundo de Índice de Renda Fixa | IRRF sobre rendimentos e ganhos conforme prazo médio de repactuação da carteira: 25% (até 180 dias) 20% (181 a 720 dias) 15% (superior a 720 dias)54 | Regra PF residente | Como regra geral, IRRF de 15% sobre rendimentos (sem come-cotas)55; Isenção de IR para rendimentos e ganhos, se a carteira do fundo apresentar prazo de repactuação superior a 720 dias56; Isenção de IR para ganho auferido na alienação de cotas em mercados organizados57 |
Fundo de Índice de Renda Variável | IRRF de 15% sobre rendimentos (sem come- cotas)58; IR de 15% sobre o ganho líquido, na alienação em bolsa (IRRF de 0,005%)59; IR de 15% a 22,5% sobre o ganho de capital, na alienação fora de bolsa60. | IRRF de 15% sobre rendimentos (sem come- cotas)61; IR de 15% sobre o ganho líquido, na alienação em bolsa (IRRF de 0,005%)62; Na alienação fora de bolsa, ganho de capital estará sujeito à tributação corporativa63. | IRRF de 10% sobre rendimentos (sem come- cotas)64; Isenção de IR para ganho auferido na alienação de cotas em mercados organizados65. |
Fonte: Autor (2020).
Como demonstrado acima, os INRs que aplicam seus recursos nos mercados financeiro e de capitais brasileiros observando as normas e condições estabelecidas pelo CMN e que não sejam residentes ou domiciliados em paraísos fiscais estão sujeitos a tratamento fiscal diferenciado, mais benéfico do que aquele aplicável aos residentes ou domiciliados no País.
Este regime especial de tributação visa atrair o capital estrangeiro para a economia brasileira.
Destaca-se, neste sentido, a Medida Provisória n. 281, publicada em 16 de fevereiro de 2006 e posteriormente convertida na Lei n. 11.312, de 27 de junho de 2006, que reduziu a zero a alíquota de imposto de renda incidente sobre rendimentos de não residentes produzidos por títulos públicos federais e auferidos nas aplicações em Fundo de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE), Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Participações (FICFIP) e Fundos de Investimento em Participações (FIP), quando atendidos os requisitos legais.
De acordo com a exposição de motivos da referida Medida Provisória66, ao propor a redução a zero da alíquota de imposto de renda incidente sobre os rendimentos de investidores não residentes em títulos públicos federais, o governo vislumbrava atrair o investidor estrangeiro, e, por conseguinte, melhorar o perfil da dívida pública:
“A possibilidade de aumentar a participação de investidores não residentes poderá resultar em importantes benefícios na administração da dívida pública federal e em economia na despesa na conta de juros. Isso porque, a maior participação do investidor estrangeiro pode ajudar a diminuir a percepção de risco associada à dívida e, destarte, o prêmio pago pelo Tesouro Nacional na emissão de seus títulos.”
De maneira complementar, a redução a zero da alíquota de imposto de renda incidente sobre os rendimentos auferidos por investidor não residente em FIEE, FIP e FICFIP, desde que atendidas certas condições, estava associada à proposta de incentivar o desenvolvimento do segmento de capital de risco (venture capital). Nos termos da exposição de motivos da Medida Provisória n. 281/2006, esta iniciativa buscou equiparar o tratamento dado aos rendimentos obtidos pelos investidores não residentes na indústria de venture capital àquele já conferido nas transações desses investidores com ações em bolsa.
A análise da participação dos investimentos de INR no mercado brasileiro após a publicação da Medida Provisória n. 281, em 16 de fevereiro de 2006, revela um aumento da participação dos investimentos estrangeiros na dívida pública brasileira, o que permite concluir que a concessão de incentivos fiscais aos investidores não residentes surtiu o efeito pretendido, promovendo o acesso dos mesmos ao mercado doméstico.
Conforme Relatório Anual da Dívida Pública Federal referente ao ano de 2006 (SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL, 2007), a média do estoque aplicado em títulos públicos por investidores estrangeiros, que foi de R$ 2,7 bilhões entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2006, passou para R$ 10,7 bilhões entre março e dezembro de 2006. Referido
relatório registra ainda que o montante aplicado pelos investidores estrangeiros em Fundos de Investimento Financeiro, compostos em quase sua totalidade por títulos públicos, também apresentou crescimento considerável após a edição da Medida Provisória n. 281/2006, mantendo uma média de R$ 13,3 bilhões entre março e dezembro de 2006, frente a R$ 5,0 bilhões no mesmo período em 2005.
A IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO FINAL
Com a publicação da IN RFB n. 1.634, em 9 de maio de 2016, para dispor sobre o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, a Receita Federal introduziu a obrigatoriedade de identificação dos representantes, bem como de abertura da cadeia societária até alcançar as pessoas naturais caracterizadas como beneficiárias finais, para diversas entidades nacionais e estrangeiras.
A IN RFB n. 1.863/2018, ao revogar a IN RFB 1.634/2016, manteve referidas exigências, prevendo em seu art. 8º que as informações cadastrais das entidades que especifica “devem abranger as pessoas autorizadas a representá-las, bem como a cadeia de participação societária, até alcançar as pessoas naturais caracterizadas como beneficiárias finais ou qualquer das entidades mencionadas no § 3º”.
Dentre os obrigados à abertura das informações societárias até a identificação do beneficiário final, ressalvadas as exceções elencadas pela norma, estão os clubes e fundos de investimento constituídos segundo as normas da CVM, e as entidades domiciliadas no exterior que, no Brasil, sejam titulares de direitos sobre imóveis, veículos, embarcações, aeronaves, contas correntes bancárias, aplicações no mercado financeiro e de capitais, ou ainda participações societárias constituídas fora do mercado de capitais.
Por beneficiário final, entende-se: (i) a pessoa natural que, em última instância, de forma direta ou indireta, possui, controla ou influencia significativamente a entidade; ou (ii) a pessoa natural em nome da qual uma transação é conduzida. Presume-se influência significativa quando a pessoa natural, direta ou indiretamente: (i) possui mais de 25% (vinte e cinco por cento) do capital da entidade, ou (ii) detém ou exerce a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da entidade, ainda que sem controlá-la67.
O § 3º do art. 8º da IN RFB n. 1.863/2018, por sua vez, excepciona determinadas entidades da obrigação de prestar informação sobre seus beneficiários finais. De modo geral, observa-se que as entidades isentas de prestar informações sobre a cadeia societária e beneficiário final já têm estes dados públicos e, portanto, acessíveis à Receita Federal.
Dentre outras hipóteses, incluem-se na categoria de entidades dispensadas de prestar informações sobre beneficiário final: (i) as entidades de previdência, fundos de pensão e instituições similares, desde que reguladas e fiscalizadas por autoridade governamental competente no País ou em seu país de origem; (ii) fundos de investimento nacionais regulamentados pela CVM, desde que seja informado à Receita Federal, na e-Financeira, o CPF ou CNPJ dos cotistas de cada fundo por eles administrado; (iii) veículos de investimento coletivo domiciliados no exterior cujas cotas ou títulos representativos de participação societária sejam admitidos à negociação em mercado organizado e regulado por órgão reconhecido pela CVM, ou que atendam a requisitos mais específicos.
Para as entidades domiciliadas no exterior que investem no mercado financeiro e de capitais brasileiros, a divulgação das informações cadastrais exigidas pela IN RFB n. 1.863/2018 deve observar o disposto em seu art. 19, que especifica as exigências considerando as particularidades existentes. Em relação aos INRs isentos de prestar informação sobre o beneficiário final, por exemplo, a norma ainda exige a prestação de informações do quadro de sócios e administradores e, quando solicitado, a apresentação de outros documentos.
Em caso de descumprimento do dever de identificar o beneficiário final ou de apresentar os documentos especificados, a norma prevê a suspensão da inscrição no CNPJ, bem como o impedimento para transacionar com estabelecimentos bancários, inclusive quanto à movimentação de contas correntes, à realização de aplicações financeiras e à obtenção de empréstimos. Para o INR, a suspensão do CNPJ nas hipóteses acima será ainda comunicada à CVM.
OS IMPACTOS DA IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO FINAL NA TRIBUTAÇÃO DO INR
A exigência de abertura da cadeia de participação societária até alcançar as pessoas naturais caracterizadas como beneficiárias finais, nos termos apresentados acima, visa aumentar a transparência de entidades registradas no CNPJ, bem como combater práticas de sonegação fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro. Referida medida também está em consonância com o movimento internacional de cooperação e troca de informações tributárias entre países68.
No caso dos INRs, a identificação do beneficiário final desperta especial atenção, considerando o risco de desenquadramento do regime especial de tributação em
decorrência de possíveis questionamentos fiscais quanto à efetiva origem dos recursos aplicados no País.
Destaca-se, neste sentido, a preocupação já manifestada pela Receita Federal de que, por trás do investidor direto não residente, possa existir investidor localizado em paraíso fiscal ou mesmo investidor residente no Brasil (round-tripping). Tal preocupação está associada ao entendimento de que o regime especial de tributação foi assegurado apenas aos investimentos de portfólio com capital original e exclusivamente estrangeiro que atendem os requisitos legais, de modo que a presença de residentes no País ou em paraísos fiscais na estrutura de investimento, ainda que indiretamente, comprometeria sua aplicação (MONGUILOD, 2020).
Como exemplo, pode-se mencionar as autuações sofridas por gestoras de recursos que teriam falhado na identificação da identidade de cotistas estrangeiros (FILGUEIRAS, 2019). Conforme veiculado, a Receita Federal estaria exigindo que fundos de investimento em participação comprovassem que seus cotistas são de fato não residentes, para que então fizessem jus à alíquota zero de imposto de renda em suas aplicações.
Aparentemente, o objetivo da Receita Federal nas referidas fiscalizações seria identificar a existência de eventuais investidores residentes no Brasil ou em paraísos fiscais que invistam nos FIPs indiretamente na qualidade de beneficiários finais. Isso considerando que, na visão da autoridade fiscal, a existência de investidores indiretos residentes no Brasil ou em países com tributação favorecida poderia afastar a aplicação da alíquota zero de imposto de renda mencionada acima, concedida com a finalidade de atrair capital estrangeiro ao País.
Neste contexto, diversos cenários poderiam ser alvo de questionamentos, como aqueles em que se tem: (i) um residente no Brasil ao final da cadeia de investimento, ainda que com seus investimentos devidamente declarados à Receita Federal, (ii) um residente em paraíso fiscal ao final da cadeia de investimentos, ou mesmo (iii) um residente no Brasil ou em paraíso fiscal no meio da cadeia de investimentos cujo investidor final esteja fora do Brasil e fora de paraíso fiscal (MONGUILOD, 2020). Passou a ser discutido, então, até onde deveria ir a análise de uma cadeia de investimentos, principalmente para fins de aplicação do regime especial tributário dos INRs.
Diante das incertezas, a Receita Federal surpreendeu positivamente ao publicar, em 20 de dezembro de 2019, o Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 5 (ADI RFB n. 5/2019)69, declarando que a aplicação do regime especial de tributação assegurado a não residentes que detêm investimentos nos mercados financeiro e de capitais no Brasil será determinada
com base na jurisdição do investidor direto no País, exceto nos casos de dolo, fraude ou simulação.
Considerando a legislação vigente, a interpretação veiculada pelo referido ADI se mostra acertada, validando a aplicação do regime tributário especial para o INR qualificado70 direto, mesmo nos casos, contanto que legítimos, em que se tem residente no País ou em paraíso fiscal no meio ou ao final da cadeia de investimentos.
Neste tocante, importante esclarecer que a IN RFB n. 1.863/2018 constitui norma com finalidade meramente cadastral. Apesar de exigir informações sobre a cadeia societária e respectivos beneficiários finais, referida norma não atribui quaisquer consequências fiscais aos mesmos, não tendo também o condão de alterar o regime especial de tributação do INR, sendo necessário diferenciar as exigências cadastrais impostas pela Receita Federal dos requisitos legais para fruição pelo investidor não residente de benefícios fiscais.
A expressão “beneficiário final” não encontra previsão legal no sistema tributário brasileiro71 que, ao especificar o tratamento tributário favorecido dos INRs, apenas se refere ao beneficiário residente ou domiciliado no exterior, individual ou coletivo72. Assim, em linha com o ADI RFB n. 5/2019, importante reconhecer que as informações da cadeia societária e da pessoa natural beneficiária final não são úteis para descaracterizar os benefícios fiscais do INR.
Nos termos do caput do art. 16 da MP n. 2.189-49/2001, e do art. 88 da IN RFB n. 1.585/2015, o regime especial tributário “aplica-se a investidor residente ou domiciliado no exterior, individual ou coletivo, que realizar operações financeiras nos mercados de renda fixa ou de renda variável no País, de acordo com as normas e condições estabelecidas pelo CMN”. Ou seja, a norma não faz menção aos eventuais investidores indiretos, não havendo, portanto, exigência de que todos os recursos investidos derivem originalmente de investidores localizados fora do Brasil e de paraísos fiscais.
O § 2º do art. 16 da MP n. 2.189-49/2001, por sua vez, estabelece que “o regime de tributação referido no caput não se aplica a investimento oriundo de país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota inferior a vinte por cento, o qual se sujeitará às mesmas regras
estabelecidas para os residentes e domiciliados no País”. Novamente, não há exigência legal relativa à jurisdição original dos recursos, pois a expressão “investimento oriundo” remete à jurisdição na qual se encontra o investidor direto.
No caso das estruturas de round-tripping, em que os veículos de investimento estrangeiro têm como beneficiário final pessoa natural residente no Brasil, a aplicação do regime tributário especial parece ainda mais acertada. Isso porque o investidor brasileiro em dia com suas obrigações fiscais já será devidamente tributado quando realizar os ganhos e rendimentos decorrentes de seus investimentos no exterior, sendo beneficiado apenas por eventual diferimento da tributação73.
Adequadamente, contudo, o ADI RFB n. 5/2019 também consigna que a limitação ao investidor não residente direto, para fins de aplicação do regime especial de tributação, não se mantém nos casos de fraude, dolo e simulação74.
De acordo com o art. 72 da Lei n. 4.502/1964, fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, a evitar ou diferir o seu pagamento.
A figura do dolo nos remete à violação intencional da legislação tributária, enquanto a simulação, nos termos do § 1º do art. 167 do Código Civil, ocorre quando: (i) os negócios jurídicos aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem, (ii) os negócios jurídicos contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; ou (iii) os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
No que diz respeito à simulação, a doutrina (CASTRO, 2015) ainda distingue a simulação absoluta, em que a declaração falsa tem por objetivo fingir uma realidade inexistente, da simulação relativa (ou dissimulação75), em que a declaração falsa finge não existir uma realidade efetivamente existente. Para a legislação civil, será nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
Todavia, no universo tributário, independentemente da validade jurídica dos atos praticados, haverá incidência tributária se concretizado o fato gerador do tributo76.
Nos termos definidos acima, fraude, dolo e simulação77 constituem, portanto, as hipóteses de exceção, nas quais se reconhece a necessidade de as autoridades fiscais não aceitarem apenas a jurisdição do investidor não residente direto para validar a aplicação do tratamento fiscal favorecido. Apenas nestas situações, o fisco poderia, por exemplo, se valer de informações cadastrais referentes à estrutura de investimento para analisar a origem do investimento e a aplicabilidade do regime especial de tributação.
Dessa forma, pode-se dizer que, caso um residente no País adquira cotas de um fundo estrangeiro, que aplica em diversos países, inclusive em ativos brasileiros, a princípio, não haverá motivos para a autoridade fiscal questionar a aplicação do regime tributário especial ao fundo, considerando que o investidor direto é não residente e não existem indícios de fraude, dolo ou simulação78. De igual modo, se uma pessoa física residente no Brasil em dia com suas obrigações fiscais constituir empresa no exterior para aplicar nos mercados financeiro e de capitais brasileiros, cumpridos os requisitos legais e não comprovados quaisquer dos vícios referidos acima, também deverá ser reconhecida a aplicabilidade do regime tributário especial à empresa estrangeira.
A análise deve ser conduzida considerando as particularidades de cada estrutura de investimento, de modo que, atendidas as demais exigências legais para fruição do regime de tributação especial pelo INR, sua aplicação somente seja legitimamente questionada se efetivamente caraterizada hipótese de fraude, dolo ou simulação. A caracterização desses vícios deve observar as definições existentes no ordenamento jurídico pátrio, nos termos expostos acima. Assim, por exemplo, para alegar simulação, a autoridade fiscal deverá observar os contornos definidos pelo Código Civil, apresentando evidências suficientes do intuito de violar a lei tributária e esconder a ocorrência do fato gerador do tributo.
CONCLUSÃO
Em consonância com um movimento internacional para tornar os fluxos de capital mais transparentes, visando combater práticas de sonegação fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro, identificamos como positiva a iniciativa da Receita Federal para obter
informações sobre beneficiários finais, inclusive dos não residentes que investem no mercado financeiro e de capitais brasileiros.
No entanto, a despeito da exigência introduzida pela norma cadastral, os dados dos beneficiários finais nada dizem sobre a legitimidade do investimento de portfólio estrangeiro para fins de aplicação do regime especial de tributação. Isso porque inexiste na legislação tributária interna exigência de que haja pessoa natural beneficiária final residente no exterior fora de paraíso fiscal para que o investimento de portfólio estrangeiro seja beneficiado pela tributação favorecida.
Como demonstrado no presente trabalho, o investidor não residente que aplique seus recursos nos mercados financeiro e de capitais do País de acordo com a normas e condições do Conselho Monetário Nacional, e que não seja residente ou domiciliado em paraíso fiscal, está abrangido pelo regime especial de tributação. Para a aplicação do referido regime, a legislação fiscal não faz menção aos beneficiários finais dos rendimentos e ganhos, nem mesmo aos demais investidores indiretos eventualmente existentes na cadeia de investimento, o que permite concluir que a mesma nos remete apenas ao investidor direto no Brasil.
Assim sendo, imperioso concluir que, no Brasil, não há vedação legal ao round-tripping. Ainda que o beneficiário final seja residente no País, esta situação, por si só, não compromete a legitimidade do investimento de portfólio estrangeiro, e, por conseguinte, a aplicação dos benefícios fiscais ao investidor não residente direto.
Em um cenário de insegurança para INRs e seus representantes, o ADI RFB n. 5/2019 veio a calhar ao formalizar que a origem do investimento, para fins de aplicação do regime especial de tributação, deve ser determinada com base na jurisdição do investidor direto no País, salvo nos casos de dolo, fraude ou simulação.
Contudo, apesar do avanço observado com a publicação do referido ato declaratório interpretativo, a discussão sobre o tema não se encerra. Resta ainda acompanhar a interpretação e o enquadramento que serão dados pelas autoridades fiscais e tribunais pátrios às figuras da fraude, do dolo e da simulação diante dos casos concretos, na expectativa de que a pretensão tributária não extrapole mais uma vez os limites da legislação interna vigente. Importante reconhecer que a mera existência de residentes no Brasil ou em paraíso fiscal como investidores indiretos não caracteriza, necessariamente, os vícios referidos acima.
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