TRIBUTAÇÃO DA ECONOMIA DIGITAL

– PROPOSTAS DOUTRINÁRIAS, OCDE E O PANORAMA BRASILEIRO

TAXATION OF THE DIGITAL ECONOMY SCHOLAR PROPOSALS, OECD AND THE BRAZILIAN BACKGROUND


Antônio Augusto Souza Dias Júnior


Mestre em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Procurador da Fazenda Nacional em Campinas/SP. E-mail: toniaugusto@hotmail.com



Recebido em: 16-09-2019

Aprovado em: 28-11-2019


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-7155-rdtia-n6-1


RESUMO


O presente artigo visa abordar diferentes aspectos e desafios da tributação da economia digital. As inovações tecnológicas têm proporcionado questionamentos sobre conceitos tributários outrora consolidados. Dentre os temas relacionados com tais inovações, serão discutidas questões relativas ao estabelecimento permanente, propostas de tributação na fonte do pagamento, bem como alternativas específicas em relação ao comércio eletrônico internacional. Durante a apresentação desses temas, será demonstrado como as inovações tecnológicas e as novas realidades econômicas são responsáveis pela redefinição de conceitos tributários ou mesmo do perfil do imposto de renda. O enfoque do ponto de vista brasileiro também será objeto de breves considerações. Nesse domínio, será necessário abordar o princípio da legalidade, e sua particular configuração no Direito Tributário Brasileiro. É preciso ter em mente, como esse artigo sustenta, que nem todas as expressões utilizadas pelo direito tributário possuem um significado estático ou imutável. Mesmo o sentido do princípio da legalidade, assim, é sujeito a novas percepções.

PALAVRAS - CHAVE: ECONOMIA DIGITAL, TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL, COMÉRCIO ELETRÔNICO INTERNACIONAL, DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO, LEGALIDADE


ABSTRACT


The current paper aims to approach different aspects and challenges of the digital economy taxation. Technological innovations have provided questionings about tax concepts once consolidated. Among the themes related to these innovations, it will be addressed issues about the permanent establishment, proposals on withholding tax, as well as specific alternatives concerning international e-commerce. The focus of Brazilian standpoint will also be an object of brief considerations. In this realm, it will be necessary to approach the principle of legality, and its particular configuration in Brazilian Tax Law. One must bear in mind, as this article upholds, that not all expressions used by tax law have a static or immutable meaning. Even the meaning of the principle of legality, thus, is subject to new perceptions.

KEYWORDS: DIGITAL ECONOMY, INTERNATIONAL TAXATION, INTERNATIONAL E-COMMERCE, BRAZILIAN TAX LAW, LEGALITY


  1. INTRODUÇÃO

    As várias formas de atividade econômica proporcionadas pela economia digital desenvolveram-se com uma rapidez inimaginável nos últimos anos. A explosão da economia de compartilhamento, o surgimento de inúmeras aplicações de software e as transações com criptomoedas são alguns dos exemplos de uma alteração substancial na economia mundial por conta do desenvolvimento tecnológico.


    Um outro aspecto das mudanças no cenário tributário provocadas pela evolução tecnológica diz respeito ao próprio questionamento de padrões teóricos da tributação, a nível nacional e internacional, como, por exemplo, as ideias a respeito de segurança jurídica, legalidade tributária, territorialidade e universalidade.


    Diante da incapacidade dos tradicionais sistemas tributários alcançarem essas novas realidades econômicas, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) desenvolveu um trabalho de fôlego a respeito desse tema, que culminou, em 2015, no relatório da Ação 1 do Plano BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). Ali se concluiu que não só os planejamentos tributários abusivos ou agressivos, mas também as novas formas de se fazer negócios, proporcionadas pela evolução tecnológica, são uma grande ameaça à base tributária dos Estados.


    Apesar do empenho dos envolvidos no trabalho, e da qualidade do material oferecido, o resultado prático no que diz respeito ao apontamento de possíveis soluções às incertezas da economia digital foi insatisfatório. Fato indicativo disso foi o reconhecimento da



    utilização de medidas unilaterais pelos países, principalmente diante da ausência de orientações concretas da OCDE para lidar com os desafios da economia digital.


    Diante disso, serão abordadas a seguir algumas questões atuais envolvendo a conexão da renda com o território dos Estados, mais especificamente no que atine aos desafios impostos pela economia digital. Alguns casos práticos serão tratados para facilitar a visualização das complexidades envolvidas.


    O presente texto também se dedicará a expor propostas sobre como evitar o deslocamento artificial de lucros propiciado pela alta mobilidade dos investimentos. Por fim, serão levantados alguns pontos relevantes sobre a posição do Brasil na presente discussão, levando em consideração a difundida adoção na doutrina nacional do chamado princípio da “legalidade cerrada” (ou “tipicidade fechada”).


  2. A TERRITORIALIDADE NA ECONOMIA DIGITAL

    A tributação de fatos econômicos por um Estado soberano exige um elemento de conexão, ou seja, um link que estabeleça uma relação suficientemente sólida que permita a exigência de um tributo por um Estado em face de determinada pessoa (física ou jurídica).


    A doutrina ensina que o poder de tributar pode se basear na vertente pessoal (baseada na nacionalidade, como ocorre nos Estados Unidos e nas Filipinas) ou ainda na vertente territorial. Na acepção mais tradicional do chamado princípio da territorialidade, as leis tributárias só seriam aplicáveis aos fatos ocorridos no território do respectivo Estado, independentemente de outros fatores, como nacionalidade, domicílio ou residência do sujeito passivo (XAVIER, 2015).


    Vale notar, contudo, que é possível compreender a territorialidade em sentido pessoal ou em sentido real. No primeiro caso, a legislação de um Estado adota como elementos de conexão relevantes com o seu território aspectos subjetivos (desde que diversos da nacionalidade, que estaria fora da territorialidade), tais como sede, residência ou domicílio do contribuinte (nesse caso, portanto, a territorialidade poderia depender do domicílio ou residência). Já na territorialidade em sentido real, os elementos relevantes de conexão com o território do Estado teriam aspectos objetivos, como, por exemplo, o local da situação de bens, o local de exercício de uma atividade, o local da fonte de produção ou a fonte de pagamento.


    Todavia, o entendimento majoritário é o de que a territorialidade diz respeito apenas aos aspectos objetivos, possuindo uma relação estreita com o princípio da fonte. Os aspectos pessoais ou subjetivos estariam relacionados com o princípio da universalidade (XAVIER, 2015).



    No presente estudo, o foco recairá sobre a tributação de um Estado soberano baseada na vinculação de uma atividade com o seu território, guardando relação, portanto, com o sentido objetivo da territorialidade, de acordo com a doutrina majoritária.


    Nos tributos que recaem sobre a propriedade de bens imóveis, a conexão é mais evidente, não se apresentando grande resistência à exigência do tributo pelo Estado onde o imóvel se localiza. Num outro extremo, a tributação sobre a renda possui contornos que tornam a conexão com o território mais nebulosa, principalmente diante das múltiplas possibilidades de se auferir renda na economia digital.


    Constatada essa dificuldade de se atrelar a produção da renda a um território específico em atividades que envolvem mais de uma jurisdição, é preciso destacar a advertência de alguns autores, segundo a qual um dos efeitos da economia digital é contribuir para a adoção de uma tributação territorial da renda (SANTOS apud FARIA et al., 2018). Nesse sentido, a proposta de reforma tributária aprovada nos Estados Unidos no final de 2017 representou um retorno à tributação baseada na territorialidade, curiosamente no país que é considerado o precursor no que diz respeito à tributação em bases universais. Como aponta Ramon Tomazela Santos, existe uma tendência também em países europeus no sentido de se adotar uma tributação mais voltada à territorialidade, tendência essa favorecida pelo atual estágio de desenvolvimento econômico, em que as multinacionais possuem uma mobilidade cada vez maior (SANTOS apud FARIA et al., 2018).


    Dentre os critérios para se estabelecer a conexão entre a renda auferida e um determinado território de um Estado soberano estão a existência de um estabelecimento permanente (local de exercício de uma atividade – unidade fixa de negócios) e a fonte de pagamento.


    Desse modo, é possível enxergar o estabelecimento permanente como uma fonte de produção de rendimentos, fonte econômica ou fonte objetiva, termos utilizados por Alberto Xavier para designar o local em que é exercida a atividade, em que são utilizados os fatores de produção ou em que se situam os bens ou direitos de que provém. O mesmo autor considera o estabelecimento permanente um dos mais importantes elementos de conexão objetivos no Direito Tributário Internacional (XAVIER, 2015).


    Já a fonte de pagamento estaria associada a um critério ainda mais objetivo, correspondente ao local a partir do qual se realiza um pagamento. Por isso, a fonte de pagamento também é chamada de fonte financeira (XAVIER, 2015).


    Esses tópicos serão tratados separadamente, a começar pelos desafios atuais em relação à tributação territorial com base no estabelecimento permanente.


    1. Os atuais problemas da tributação territorial com base no Estabelecimento Permanente



      O conceito tradicional de estabelecimento permanente (EP), previsto no art. 5 do Modelo da OCDE, refere-se a um local fixo de negócios, pelo qual uma multinacional realiza operações e desenvolve uma atividade econômica com uma relativa estabilidade em outro país, denominado de país da fonte. A concepção tradicional de EP exclui as atividades meramente preparatórias ou auxiliares.


      O estabelecimento permanente corporifica o que é tributável de forma separada no país da fonte. Em outras palavras, o estabelecimento permanente é o nexo econômico necessário para a tributação no país da fonte (PRZEPIORKA, 2017).


      A definição tradicional da OCDE do que configuraria um EP exige uma combinação de fatores funcionais e geográficos (SCHAFFNER, 2013). Os fatores geográficos, como se verá a seguir, são cada vez mais desafiados pelas novas formas de atividades econômicas propiciadas pela constante profusão de novidades tecnológicas.


      Exemplos de estabelecimentos permanentes seriam a filial, um local de administração, um escritório ou ainda locais de exploração de recursos naturais. Há ainda uma classificação de estabelecimentos permanentes em diversas categorias: EP físico, EP pessoal (ou de agência), EP de serviços, EP de seguros etc. (SCHAFFNER, 2013).


      Deve-se observar, contudo, que o conceito de estabelecimento permanente não oferece alternativas à maneira como a renda a ele imputada deva ser tributada. Questões mais específicas como a alíquota e a formação da base de cálculo devem ser tratadas pela legislação doméstica.


      No campo da tributação internacional, um dos maiores desafios impostos pela revolução digital é a atualização desse conceito de estabelecimento permanente. Nessa linha, a Comissão Europeia entende que as atuais regras tributárias não capturam os modelos de negócios de serviços digitais que geram lucro em um território sem que haja ali uma presença física do destinatário das receitas (NEUVEL; JONG; UCEDA, 2018).


      Diante desse desafio, surge o questionamento: como tributar o lucro obtido em um território sem que se consiga verificar a presença física da empresa que oferece uma utilidade aos residentes daquela jurisdição?


      A Comissão Europeia oferece duas alternativas, quais sejam, o estabelecimento permanente virtual e o tributo sobre serviços digitais (EUROPEAN COMMISSION, 2018). Essa última proposta consiste em uma solução intermediária para tributar certas receitas de atividades digitais que atualmente não são tributadas.


      O estabelecimento permanente virtual seria uma solução de longo termo e duradoura, que buscaria tributar os lucros gerados em um território sem a presença física do empresário. De modo a se firmar como uma contraposição a alternativas unilaterais dos Estados, a solução do estabelecimento permanente virtual ou digital seria mais apropriada do ponto



      de vista qualitativo para atender às novas necessidades da economia digital (BRAUNER; PISTONE 2018).


      É possível, contudo, vislumbrar um paradoxo no conceito de estabelecimento permanente virtual, pois o direito tributário internacional sempre associou a configuração de um estabelecimento permanente com a constatação da presença física de um não residente em dado território. Assim é que o nexo exigido no art. 5 do Modelo da OCDE, local fixo de negócios, não mais atende às realidades contemporâneas de negócios digitais (NEUVEL; JONG; UCEDA, 2018), que podem ser executados à distância e até mesmo por intermédio de estruturas tecnológicas automatizadas.


      Essas novas realidades culminam num consenso generalizado de que não se exige mais, para a configuração de um EP, a presença de um corpo de pessoal estabelecido num território que terá direito a parcela da tributação da renda gerada (SCHAFFNER, 2013). A OCDE, no Plano de Ação 1 do Projeto BEPS, sugere, por exemplo, um tributo chamado de “equalisation levy” devido nos casos de uma presença econômica significativa (a presença física já não é mais mencionada nessa hipótese).


      A presença não física pode ser, de modo mais específico, uma presença digital, pela qual uma empresa não residente interage com consumidores de determinado território por meio da Internet ou ainda por meio de ferramentas automatizadas (OECD, 2018).


      Esse cenário expõe a insuficiência da utilização exclusiva do critério geográfico ou da exigência de presença física. Imagine-se, por exemplo, a dificuldade da utilização de um critério geográfico em face de serviços realizados basicamente por servidores virtuais (HINNEKENS, 1998)1, ou ainda no caso de uma administração de negócios realizada por meio de comunicação eletrônica.


      A realidade organizacional dos grupos internacionais permite que estes executem importantes funções de administração em qualquer lugar do mundo, ou até mesmo em vários lugares ao mesmo tempo, através de videoconferência (OECD, 2012)2.


      Nesse sentido, o critério geográfico utilizado na definição do estabelecimento permanente deve ser coerente com a maior ou menor mobilidade das diversas atividades econômicas.


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      1. “The location of a company’s server in a country is hardly determinant for a person’s tax residence in that country, even if that person lives in an online virtual community at a Website built by that Internet company and offering to that person a homestead where he goes (tele-)shopping, banking, working, commuting, recreating, goes to school, etc. That person continues to be a resident of the State which is primarily designated by his permanent home as a physical nexus.” HINNEKENS, L. The challenges of applying VAT and income tax territoriality concepts and rules to international electronic commerce. Intertax v. 26. Kluwer Law lnternational 1998.


      2. “[…] the terms ‘physically perform’ as a test for attributing entitlement to intangible related return may not be adapted to the organization of international groups managed globally in today’s world of digital communications, with management and control functions exercised by individuals located anywhere in the world, in charge of geographic and/or operational divisions spread across multiple countries, and participating in management committees where key strategic decisions are made, which take place each time in different parts of the world, or do not even take place physically but via videoconference instead.” The comments received with respect to the discussion draft revision of the special considerations for intangibles in chapter VI of the OECD transfer pricing guidelines and related provisions. Disponível em: <http://search.oecd.org/ctp/transfer-pricing/Intangibles_Comments.pdf>. Acesso em: 01 set. 2018.



        Atividades como transporte de bens ou pessoas e consultoria não podem ter o mesmo enfoque que uma indústria de aço ou a extração de minério, por exemplo. Diante da maior mobilidade de certas atividades, surge a questão a respeito de até que ponto o local de negócios pode mudar e ainda assim permanecer um estabelecimento permanente (SCHAFFNER, 2013).


        Além disso, a utilização de um critério econômico e substancial deveria prevalecer em detrimento do critério geográfico nos casos de comércio eletrônico, em que o beneficiário da renda auferida não precisa estar fisicamente presente no território cujo mercado consumidor é explorado. A consideração de questões afetas à substância da atividade econômica pode se mostrar como uma das alternativas para enfrentar a dinâmica das novas tecnologias.


    2. Os atuais problemas da tributação territorial com base na fonte de pagamento


      Outro elemento objetivo utilizado pelo princípio da territorialidade para definir o país que tributará determinada renda é a fonte de pagamento. Contrapõe-se à residência do contribuinte que recebe a renda, pois nos casos de operações internacionais, as partes contratantes se encontram em jurisdições diversas.


      Os países importadores de capital costumam ser grandes defensores do critério da fonte de pagamento, já que esse grupo costuma ter uma economia baseada na importação de capitais3. Ao efetuarem remessas de pagamentos por bens ou serviços prestados por não residentes, a tributação com base na fonte de pagamento serviria, para esses países, como uma forma de preservar a base tributária, sendo uma medida de compensação pela remessa de recursos ao exterior.


      Outro fator, destacado por Luís Eduardo Schoueri (2001), é o relativo a questões de justiça. Para o professor, a tributação pela fonte evita uma acumulação de competência tributária sobre a residência.


      A discussão sobre a fonte de pagamento adquire contornos especiais em relação aos serviços técnicos. Alguns países importadores de tecnologia, sabedores do déficit das transações internacionais referentes a serviços técnicos, firmaram uma posição clara de se afastar do modelo da OCDE nesse ponto, no intuito de preservar uma parte considerável de suas receitas (ARNOLD, 2011)4. Os exemplos do Egito e da Índia são esclarecedores.


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      1. No ano de 2017, por exemplo, as despesas de residentes no Brasil com royalties e serviços de assistência técnica totalizaram 2.121 milhões de dólares, enquanto as receitas com royalties e serviços de assistência técnica contabilizaram 592 milhões de dólares. Dados disponíveis em: <http://www.inpi.gov.br/sobre/estatisticas/arquivos/outras-estatisticas-de-propriedade-industrial/bp-tecnologico- 2002_2017_xlsx.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2018.


      2. “The erosion of the source country’s tax base by payments for technical services and the inability of the source country to tax such payments have led some countries to add specific provisions to their tax treaties to allow them to tax payments for technical services on a gross basis. [...] there seems to be some recognition that source countries should be entitled to tax interest, royalties and fees for technical services that constitute business profits, even if the absence of a PE – possibly because these payments reduce the source country’s tax base.” B. J. Arnold. The taxation of income from services under tax treaties: cleaning up the mess – expanded version. 65 Bull. Intl. Taxn. 2, 2011, Bulletin for International Taxation IBFD, p. 17.



        Conforme dados do Fundo Monetário Internacional, esses países apresentaram sucessivos déficits nas transações internacionais envolvendo o setor tecnológico entre os anos de 1998 e 2008 (ABDELLATIF KHALIL, 2011).


        Em relação às metodologias para se atingir tal objetivo, os Estados contratantes possuem vários meios para definir a tributação das remessas de serviços técnicos pela fonte. Dentre as possibilidades estão a expansão do conceito de royalties no protocolo do tratado e a criação de um artigo específico para serviços técnicos no corpo do tratado, ou ainda a inclusão dos serviços técnicos no próprio art. 12. O modelo da ONU, que busca atender a alguns interesses de países em desenvolvimento, incluiu uma disposição específica a respeito da tributação dos serviços técnicos na fonte (art. 12-A do novo modelo de 2017 para acordos contra a bitributação).


        Essa solução proposta pelos países em desenvolvimento é defendida também em relação a outras atividades econômicas que não a prestação de serviços técnicos. Também as transações digitais em geral poderiam ser tributadas pelo critério da fonte, o que seria uma alternativa ao EP digital ou virtual.


        Uma das críticas que se faz à tributação na fonte das novas atividades da economia digital é a tendência de se desconsiderar as especificidades de modelos distintos entre si. As formas de criação de valor e as margens de lucro dos diferentes modelos digitais são muito discrepantes (KOFLER; MAYR; SCHLAGER, 2017)5, prejudicando a realização da isonomia tributária e da capacidade contributiva.


        Outro problema oriundo da proposta de privilegiar a tributação na fonte das mais variadas atividades econômicas é a descaracterização do imposto de renda como um imposto pessoal, que visa medir o acréscimo patrimonial do contribuinte, o que não é possível pela desconsideração das despesas, intrínseca à tributação de uma quantia bruta na fonte.


        A tendência de se privilegiar o papel do mercado consumidor na geração de riqueza, conquanto razoável, tem a desvantagem de colocar em cheque a própria distinção entre o imposto de renda e os impostos sobre o consumo (BIANCO; SANTOS, 2016). A esse respeito cabe destacar que o professor Marco Aurélio Greco (2000), há décadas, já alertava para a crise do imposto de renda em sua feição tradicional não só em relação à tributação internacional, mas também do ponto de vista interno. A modificação das características do imposto de renda, desse modo, não é uma novidade, mas sim uma tendência em evolução. Some-se a isso o fato de que até mesmo a distinção entre residência e fonte já se tornou uma zona cinzenta, ou até mesmo obsoleta (SCHÖN, 2009).


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      3. “Under a withholding tax, as a ‘standalone option’, i.e. the assessment of a uniform, final gross withholding tax, all business models in the digital economy would ultimately be ‘lumped together’. This would disregard the fact that value creation and margins under various business models are very different”. G. W. Kofler; G. Mayr; e C. Schlager. Taxation of the digital economy: “quick fixes” or long-term solution? 57 Eur. Taxn. 12 (2017), Journals IBFD.



        Ainda, há também a possibilidade de a tributação na fonte não se revelar apta a alcançar as transações nas quais são utilizadas criptomoedas como meio de pagamento, que tendem a se tornar cada vez mais populares com o passar do tempo.


        Apesar dessas desvantagens, não se pode negar que, diante de uma realidade cada vez mais complexa e da utopia de uma tributação que consiga mensurar com precisão o efetivo acréscimo patrimonial do contribuinte, a tributação na fonte revela-se como uma medida que confere maior praticabilidade na aplicação do direito tributário. Dessa maneira, a ineficiência para se medir com precisão a capacidade contributiva do beneficiário da renda seria superada pelos ganhos obtidos na praticabilidade da tributação. Nesse sentido, a tributação na fonte sobre uma receita bruta parece ser um mal necessário no contexto da economia digital (BRAUNER; MORENO, 2015).


        Não se deve perder de vista que também a tributação baseada na residência do contribuinte possui diversas falhas, como a possibilidade de cada país definir o que se entende por residência, assim como a possibilidade de manipulação dos critérios eleitos pelas multinacionais que operam em diversas jurisdições (CAVELTI; JAAG; ROHNER , 2017).


        Outros fatores positivos decorrentes da tributação na fonte consistem na redução da tendência de dupla não tributação, no desestímulo à utilização de paraísos fiscais em planejamentos tributários arrojados e na redução das vantagens tributárias que as multinacionais desfrutam em comparação a empresas de pequeno e de médio porte (OBERMAIR; JARASS, 2015). Some-se a isso a valorização do mercado consumidor como um fator de produção da renda.


        Assim, em que pese serem legítimas as críticas feitas à utilização da fonte de pagamento como critério da tributação internacional da renda, os ganhos nos quesitos da simplicidade e do combate à evasão tributária são notórios (SCHOUERI, 2001). Não obstante os casos difíceis que surgem na aplicação do conceito de fonte, as regras de tributação na fonte permanecem coerentes no seu núcleo (KANE, 2015).


    3. Casos práticos – estabelecimento permanente, tributação na fonte e territorialidade


      O caso a seguir envolvendo a problemática referente à caracterização de um estabelecimento permanente conforme o modelo proposto pela OCDE exemplifica os desafios que as inovações tecnológicas representam à noção tradicional do estabelecimento permanente: empresa não residente fornece acesso a banco de dados contendo artigos acadêmicos, legislação e jurisprudência de diversas jurisdições; disponibiliza cursos via streaming, que podem ser assistidos por usuários de todo o mundo, a qualquer hora do dia; oferece cursos presenciais sob medida a empresas e órgãos governamentais, e até mesmo serviços de assessoria de política legislativa (FALCÃO; MICHEL, 2014).



      O negócio acima é um exemplo da “desterritorialização” das atividades econômicas. Atividades que antes exigiam presença física agora podem ser realizadas virtualmente, aproveitando a internet para alcançar mercados consumidores longínquos.


      O problema com a estrutura acima exposta é que, à luz da Convenção Modelo da OCDE, os rendimentos oriundos dessas atividades não seriam tributáveis pelo Estado da Fonte, pois não haveria um estabelecimento permanente, ou seja, não haveria um local fixo de negócios (GALENDI JUNIOR et al. apud GOMES et al., 2016).


      Por outro ângulo, é inegável a relevância do mercado consumidor dos serviços para o sucesso e a continuidade da atividade empresarial referida, de modo que a não tributação pela fonte revela-se injusta.


      A alternativa dada pela OCDE nos Comentários (§ 17.3 dos Comentários ao art. 12) da Convenção Modelo poderia ser assim enunciada: no caso de acesso a banco de dados e em relação aos cursos transmitidos por streaming, considera-se que o pagamento é contraprestação pela aquisição de um sinal digital, que não constitui pagamento de royalty, estando sujeito à cláusula geral do art. 7 da Convenção Modelo da OCDE. Isso porque a empresa não possui no caso qualquer equipamento ou estrutura física na jurisdição em que o conteúdo e o serviço são consumidos.


      A retenção na fonte, ainda que sujeita a uma repartição com a residência, pareceria uma alternativa mais justa e equânime, devendo-se prestigiar, de alguma maneira, a jurisdição que proporciona o mercado consumidor essencial para a existência e o desenvolvimento da atividade empresarial.


      É possível ainda considerar uma situação similar, com o diferencial de o curso ser prestado presencialmente, por professores estrangeiros que permanecem no Brasil por um período de dias ou semanas, o que não é suficiente para a configuração de um estabelecimento permanente.


      Nesse caso, também não há o preenchimento do requisito “presença significativa” para a configuração de um estabelecimento permanente, não havendo portanto um local fixo de negócios.


      Desse modo, surge o problema de uma empresa atuar fisicamente por um curto período de tempo, mas sem se estabelecer pelo período necessário para a configuração do estabelecimento permanente. A jurisdição do Estado da Fonte de pagamento, apesar de não tributar tais rendimentos, tributados pelo art. 7, participa do sucesso da atividade empresarial. Por isso, uma possível solução ou alternativa seria a atribuição de parcela da competência tributária para o Estado da Fonte de pagamento, de modo a prestigiar a jurisdição do mercado consumidor.



      Outro caso prático relativo à concepção da tributação do estabelecimento permanente é o referente ao modelo negocial em que uma rede varejista de comércio eletrônico necessita, para o sucesso do empreendimento, de armazéns e depósitos localizados em uma região próxima ao mercado consumidor. Nessa situação, a tradicional exceção constante anteriormente do modelo da OCDE, no sentido de que não se constituiria estabelecimento permanente as atividades meramente auxiliares ou preparatórias, como armazéns e depósitos utilizados para estoque de mercadorias, não atendia a realidade desse negócio varejista, pois os locais de depósito são essenciais para a atividade empresarial.


      Pensando nessa nova realidade propulsionada pela expansão do comércio eletrônico global, a OCDE passou a prever em seu modelo que a exceção à configuração de um estabelecimento permanente, nos casos de armazenamento de bens e mercadorias, não será aplicável quando tal atividade auxiliar fizer parte de uma operação negocial coesa, sendo fundamental para o objeto social da empresa.


      Aqui é possível constatar mais uma situação em que a importância do mercado consumidor na economia digital e as novas possibilidades de realização de negócios são responsáveis pela alteração de dogmas do regime tributário internacional, baseado sobremaneira na jurisdição da residência para a tributação da renda e do capital. Vale o alerta, contudo, de que caso o conceito de estabelecimento permanente seja modificado, será necessário redesenhar os tratados contra bitributação para alterar o art. 5, que trata de estabelecimentos permanentes (SAPIRIE, 2018).


  3. PROPOSTAS PARA EVITAR O DESLOCAMENTO DE LUCROS

    1. Tributação com base no destino em oposição à tributação na fonte


      Declaradamente como uma resposta às questões levantadas pelo projeto BEPS da OCDE (inclusive as problemáticas da tributação da economia digital), a proposta ora abordada, de autoria do professor Ulrich Schreiber (2018), possui como objetivo o combate não só ao deslocamento de lucros, mas também à migração de investimentos por razões tributárias.


      Tal estudo clama, de antemão, uma atuação conjunta para que seja possível uma efetiva redução do deslocamento internacional de lucros e investimentos por contribuintes, o que é favorecido pelas novas tecnologias e pela utilização de intangíveis como ferramenta de planejamento tributário. A cooperação entre Estados, assim, é vista como uma premissa necessária para atacar a queda de receitas tributárias resultante da mobilidade de atividades e ativos das multinacionais. A dependência de um consenso entre Estados seria um dos pontos fracos do modelo, já que não parece haver indícios de que vários países concordariam em mudar o paradigma de uma tributação baseada na residência para uma tributação baseada na fonte (SCHREIBER, 2018)6.


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      1. “[…] to be effective it would seem likely that many taxing countries would have to adopt this system. […] It is not clear, however, that



        Todavia, uma tributação do fluxo financeiro baseada no princípio do destino representaria também um distanciamento do imposto de renda e se aproximaria do imposto sobre o consumo, o qual não é inclinado à promoção de funções redistributivas, nem leva em consideração as características pessoais do contribuinte, não se prestando a realizar o princípio da capacidade contributiva.


        A proposta de Ulrich Schreiber, diante desse cenário, consiste em duas versões da divisão de lucro baseado em vendas: uma divisão de lucro transacional baseada em vendas (que se aproxima do transactional profit split method da OCDE) e uma divisão de lucro do grupo baseada em vendas (que se aproxima de um formulary apportionment baseado em vendas).


        A orientação da proposta através do destino das vendas se dá pelo fato de este fator não ser de fácil manipulação pelas multinacionais, ao contrário do que ocorre em relação aos lucros e aos investimentos. Enquanto as novas regras de preços de transferência da OCDE visariam apenas o combate à transferência de lucros, Schreiber preocupa-se também com a transferência de investimentos motivada por razões tributárias.

        O autor reconhece, ainda, que a atribuição de receitas tributárias com base no destino das vendas pode levar a um cenário de iniquidade, já que alijaria de receitas os países que não possuem um mercado consumidor estabelecido. Para solucionar esse impasse, recomenda- se a adoção de um mecanismo de crédito em benefício das jurisdições que não se caracterizam como destino das vendas. Tais jurisdições podem ser, por exemplo, aquelas em que se localizam unidades fabris, sede diretiva ou ainda o local de distribuição de produtos.


        A despeito de tal mecanismo de crédito, não se pode deixar de reconhecer a tendência da proposta em basear a tributação do lucro das multinacionais na fonte. Trata-se de uma tendência de enfraquecimento do princípio arm’s length e de uma tributação baseada na fonte, no destino (HANLON, 2018)7. Nessa linha, a proposta aqui exposta afasta-se tanto do tradicional conceito de estabelecimento permanente, quanto da nova abordagem da OCDE de preços de transferência com base nas funções exercidas, nos ativos usados e nos riscos assumidos.


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        despite the increasing inertia of international tax cooperation, the interests of countries are such that a fundamental reori tentaion of the residence-source paradigm would be readily accepted, particularly where imbalances of sales or concerns about where sales would be considered to take place are possible.” WILKIE, Scott J. An inverted image inspires a question: comments on Professor Ulrich Schreiber’s “sales-based apportionment of profits”. Bulletin for International Taxation. IBFD, April/May 2018.


      2. Tal tendência, acreditam alguns, seria reforçada pela Ação 13 do BEPS (Country by Country Reporting – Relatório País a País): “[…] it seems that CbCR will potentially contribute to increased conflicts between countries or even constitute a step towards the abolishment of the arm’s length principle for an international tax system more based on source, destination or formulary apportionment.” HANLON, Michelle. Country-by-country reporting and the international allocation of taxing rights. Bulletin for International Taxation. IBFD, April/May 2018.



        Outra proposta de tributação baseada no destino é apresentada por Alan Auerbach, Michael P. Devereux, Michael Keen e John Vella. Tais autores também se mostram adeptos do “destination-based cash flow taxation” (DBCFT), frisando que a adoção desse critério inviabilizaria o deslocamento de lucros pela manipulação de preços praticados em operações intragrupo (AUERBACH , 2017).


        No que diz respeito aos intangíveis, os mesmos autores destacam que no sistema existente há um incentivo para que as multinacionais transfiram ativos intangíveis para jurisdições de baixa tributação, onde haverá o recebimento de royalties pagos a partir de países de alta carga tributária. Esse incentivo, advertem os autores, não existiria com a adoção da tributação do fluxo de caixa baseada no princípio do destino (DBCFT). Isso porque a utilização do ativo intangível (detido em país de baixa tributação) nos países de alta carga tributária seria tratada como uma importação. Por outro lado, a manutenção de sistemas tributários baseados na fonte cria um incentivo para a alocação de ativos intangíveis em países de baixa tributação já que a tributação sobre os royalties ali recebidos seria nula ou irrisória, ao mesmo tempo em que os mesmos royalties não tributados seriam deduzidos no país onde o pagamento é realizado (AUERBACH, 2017).


        Apesar das vantagens práticas e operacionais da tributação com base no destino, não se pode deixar de notar que sua inspiração acaba se distanciando do que se entende tradicionalmente como tributação da renda como acréscimo patrimonial, com fulcro no princípio da capacidade contributiva.


        Como já afirmado anteriormente, tem-se mais uma vez uma proposta que coloca em xeque a própria identidade do imposto de renda como tal (BRAUNER; BAEZ, 2017)8.


    2. Proposta sobre a tributação do comércio eletrônico internacional (ou global)


      Uma proposta mais peculiar para evitar a erosão da base tributária advinda dos negócios beneficiados pela alta mobilidade é a que recai sobre a tributação do comércio eletrônico internacional, da autoria de Rifat Azam (2011-2012).


      O autor foca no comércio eletrônico justificando economicamente sua ênfase, já que empresas como Amazon e E-Bay movimentam, anualmente, centenas de bilhões dólares, desafiando o atual regime tributário internacional baseado na dicotomia entre residência e fonte. Assim, não haveria compatibilidade entre o atual regime tributário internacional e as características do comércio eletrônico, o que ocasionaria uma subtributação da renda oriunda do comércio eletrônico transfronteiriço.


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      1. Registra-se, contudo, a posição de Brauner e Baéz, para os quais tal crítica é sobretudo de nomenclatura e gera um debate estéri l. Para esses autores, não haveria uma relevância significativa no fato de a tributação na fonte ser considerada uma tributação sobre o consumo. BRAUNER, Yariv; e BAEZ, Andrés. Withholding taxes in the service of BEPS Action 1: address the tax challenges of the digital economy (02 de fevereiro de 2015). WU International Taxation Research Paper Series no. 2015 – 14, p. 42.



        Sua proposta envolve apenas o comércio eletrônico transfronteiriço, qual seja, aquele que envolve duas partes de uma transação situadas em países diferentes. Ainda para uma compreensão conceitual de seu trabalho, o comércio eletrônico abordado pela proposição pode ser de produtos tangíveis, intangíveis ou de serviços. O qualificativo “eletrônico”, por sua vez, significaria a realização de transações por intermédio da rede mundial de computadores.


        Azam entende que apenas uma tributação supranacional seria capaz de fazer frente aos desafios colocados pelo comércio eletrônico global. Isso porque uma renda auferida globalmente deveria ser tributada de modo igualmente supranacional. Apesar de essa construção parecer lógica, o problema de sua implementação reside, principalmente, na ausência de aquiescência dos Estados em renunciar a parte de sua soberania e transferir seu poder tributário a uma instituição supranacional. Por outro lado, a perda de arrecadação diante da inadequação do atual regime tributário internacional poderia compelir os Estados a renunciarem parte de sua soberania tributária em prol de um aumento de receitas.


        Diante de tal cenário, a proposta do autor é a criação de um tributo sobre o comércio eletrônico global. O “global” teria três sentidos: a base tributária seria global, abarcando a atividade de comércio eletrônico transfronteiriço e excluindo o comércio eletrônico interno, conduzido inteiramente dentro de um único país. Segundo, esse tributo seria exigido e disciplinado por uma instituição supranacional, e não por Estados soberanos individualmente. Terceiro, as receitas arrecadadas com a cobrança do tributo sobre o comércio eletrônico global seriam utilizadas para financiar bens públicos igualmente globais, tais como meio ambiente, estabilidade climática, estabilidade financeira, redes de internet, questões globais de saúde pública etc.


        Essa proposta é peculiar, diferindo das mais comuns propostas de tributação da renda na fonte do pagamento. Em que pese suas virtudes, como por exemplo a potencialidade de ampliação da base tributária, sua implementação exige um consenso sobre temas sensíveis que nos parece muito difícil de se alcançar. As decisões sobre o destino da arrecadação e a quantia a ser destinada para bens públicos globais de maior interesse de certas nações, por exemplo, poderia, na prática inviabilizar a continuidade de tal proposta, caso implementada. Além disso, as contribuições dos países para a criação e manutenção do fundo tributário global também poderiam ser palco para um constante dissenso entre as nações envolvidas.


        Por fim, a não adesão de poucos países de grande relevância econômica poderia inviabilizar o sucesso de um tributo sobre o comércio eletrônico global, impossibilitando o próprio reconhecimento de sua feição global, caso, exemplo, Estados Unidos, Rússia e China não adiram aos termos da proposta.



        Uma visão menos ousada sobre a tributação do comércio eletrônico internacional seria a de Roland Paris (2003). Este autor defende que a tributação do comércio eletrônico exige uma coordenação internacional abrangente. Segundo sua ótica, nem todos os Estados soberanos irão acolher a globalização da tributação de uma forma imediata ou uniforme. Contudo, se as principais potências econômicas do mundo concordarem em uma tributação transfronteiriça do comércio eletrônico que seja fundada na coordenação e colaboração entre os Estados, os demais países não terão muita escolha que não seja aceitar altos níveis de coordenação e cooperação no que diz respeito a política tributária.


  4. O BRASIL E A TRIBUTAÇÃO DA ECONOMIA DIGITAL ALGUMAS QUESTÕES PRÁTICAS ATUAIS

    No que diz respeito à posição brasileira diante de tantas complexidades na tributação da economia digital, é possível dizer que o Brasil se encontra no passado e no futuro ao mesmo tempo.


    Se considerarmos que hoje há muitos autores de tributação internacional defendendo a tributação na fonte como medida de praticidade nas operações internacionais, é possível dizer que a posição brasileira de tributação da renda na fonte vai ao encontro de novas propostas como as de Yariv Brauner e Andrés Baez (2015) de um tributo de retenção na fonte como a melhor alternativa para encarar os desafios da economia digital.


    Nesse sentido, João Francisco Bianco e Fabiana Carsoni (2018) enfatizam que a opção do Brasil de não tributar os lucros auferidos por estabelecimentos permanentes aqui situados e o foco na incidência na fonte sobre as remessas ao exterior como remuneração pela prestação de serviços, como medida de praticidade, estaria sendo referendada pelo reconhecimento de que o conceito de estabelecimento permanente tal como preconizado pela OCDE revela-se cada vez mais obsoleto. De acordo com os autores:


    “Hoje em dia, em que o conceito de estabelecimento permanente como local fixo de negócios tornou-se ultrapassado, o mundo se volta para a tributação na fonte da renda auferida com a economia digital, exigida pelo país onde se localiza o mercado consumidor dos produtos ofertados. Exatamente como o Brasil sempre fez. Se no passado, portanto, alguma crítica poderia ser feita à política fiscal brasileira, hoje em dia nada há a reparar, pois a maneira mais prática, simples e fácil de tributar a economia digital é mediante a exigência do imposto retido na fonte sobre a remuneração percebida pelos seus integrantes.” (BIANCO; DA SILVA apud FARIA et al., 2018)


    Diferentemente, ao se considerar as celeumas internas entre Estados e Municípios da Federação brasileira sobre tributação de software e outras tecnologias, como streaming, software as a service, dentre outros, há uma falta de maturidade quanto à investigação dos



    conceitos e das novas realidades, vez que as discussões são fundadas, basicamente, em pretensões arrecadatórias.


    Os Estados vêm defendendo que a exigência de o bem ser físico não mais se justifica diante da revolução tecnológica, enquanto os Municípios buscam alargar a base tributária relativa aos serviços. Esses conflitos podem ser visualizados no que diz respeito à tributação de software, considerado como mercadoria pelo Estados e como serviço pelos Municípios.

    Ainda em relação à tributação de software, é sintomático que, enquanto ainda pende de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) a discussão sobre a possibilidade de os Estados tributarem o programa de computador adquirido por meio de transferência eletrônica de dados (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.945), o estágio atual da tecnologia já caminha para a ampla utilização do software as a service, cujo sistema não fica armazenado em um dispositivo específico, mas sim na nuvem.


    De qualquer modo, diante das constantes disputas entre diversos entes acerca da materialidade de novas tecnologias, é possível apontar como uma alternativa a ser adotada uma tributação sobre a receita a cargo da União, estabelecendo-se regras de repartição da receita tributária.

    Além do conflito de competência em torno do conceito de software, um outro ponto do direito tributário brasileiro que costuma ser criticado em face do desenvolvimento da economia digital é a impossibilidade de controle de preços de transferência aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada9, prevista no art. 18, § 9º, da Lei n. 9.430/1996 (dispositivo aplicável às operações de importação)10.


    O dispositivo em questão vincula a não submissão ao controle dos preços de transferência à subordinação às condições de dedutibilidade constantes da legislação vigente (Lei n. 4.506/1964, arts. 52 e 71), o que explicita mais uma vez a fundamental importância conferida à praticabilidade tributária. Uma vez que os complexos controles de preços de transferência são renunciados em prol de limites fixos de dedutibilidade nas transações envolvendo pagamento de royalties, há uma renúncia à maior exatidão na aferição da transferência de lucro, em troca de uma garantia de base tributária proporcionada pelo limite de dedução.


    Essa vedação do art. 18, § 9º, da Lei n. 9.430/1996, como já adiantado, é amplamente criticada por impossibilitar a estimação dos valores gerados pelos intangíveis nas indústrias que


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    1. Para um estudo mais detalhado, ver a dissertação de mestrado “Preços de transferência de intangíveis: recomendações da OCDE e sua compatibilidade com o regime constitucional-tributário brasileiro” (DIAS JÚNIOR, 2019).


    2. Lei n. 9.430/1996, art. 18, § 9º: “O disposto neste artigo não se aplica aos casos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou assemelhada, os quais permanecem subordinados às condições de dedutibilidade constantes da legislação vigente.”



      concentram suas atividades em criação de novas tecnologias, como por exemplo a indústria de softwares (BORGES; BRANDÃO apud FARIA et al., 2018)11.


      Por fim, é preciso ainda destacar, no que diz respeito à situação do Brasil em face da tributação da economia digital, a falta de sintonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário nas discussões sobre o tema, bem como o papel do princípio da legalidade tributária na questão.


      Enquanto a Administração Tributária (Poder Executivo) surge com um certo pioneirismo, algumas vezes ensejando debates entre Fisco e contribuintes a respeito da tributação de novas realidades econômicas, os Poderes Legislativo e Judiciário se encontram menos inseridos no debate.


      O Legislativo ainda ensaia uma reforma tributária que prevê um imposto único sobre bens e serviços, que abarcaria também a tributação de intangíveis. Enquanto isso, as novas tecnologias propiciam infindáveis discussões a respeito do enquadramento de negócios ou atividades em expressões utilizadas pelo constituinte décadas atrás.


      O Judiciário, por sua vez, tem no STF o órgão máximo para se pronunciar a respeito das materialidades eleitas pelo constituinte para a delimitação de competências tributárias. Seus 11 ministros, contudo, possuem especialização acadêmica em diversas áreas (como direito civil e direito penal), o que muitas vezes dificulta o aprofundamento em questões que exigem imensa dedicação de estudiosos, como cloud computing e criptomoedas. E como já mencionado, há casos relativos a tributação de tecnologias da década de 1990 que sequer foram definitivamente julgados ainda pelo STF, como, por exemplo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.945, que discute a incidência do ICMS sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados.


      Nesse panorama, eventuais propostas de encaminhamento da tributação nacional ou internacional de novas tecnologias pelo Brasil devem levar em conta as capacidades institucionais dos órgãos brasileiros com atribuições para criar e aplicar as regras, bem como para julgar eventuais conflitos. Como bem lembra Sergio André Rocha, uma teoria que não leva em conta as capacidades institucionais possui grandes probabilidades de falhar no mundo real (ROCHA, 2018). Dentre os Três Poderes, aquele que se apresenta como o mais apto do ponto de vista técnico a liderar o debate sobre tributação de novas tecnologias é o Executivo (Administração Tributária).


      Surge nesse ponto a limitação ao poder de tributar imposta pelo princípio da legalidade tributária, da forma como entendida no Brasil. A Constituição consagra o preceito de que


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    3. Os autores sustentam que seria possível vislumbrar uma compra e venda de licenças de uso de software, como se fossem bens tangíveis, mesmo em caso de software na nuvem. Curiosamente, essa proposta representa uma concessão à tese de que o software poderia ser considerado uma mercadoria.



      não se pode exigir tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I), o que configura um impeditivo a soluções que desconsiderem a legislação vigente, por mais defasada que seja.


      Apesar dessa limitação, a existência de termos econômicos nas normas constitucionais que atribuem competência tributária, como, por exemplo, a expressão “renda e proventos de qualquer natureza” representa uma possibilidade de adequação do texto constitucional (e, consequentemente, das normas instituidoras do respectivo tributo) às novas realidades que surgem. Tendo em vista a inexistência de uma apreensão precisa da materialidade “renda”, a qual é sujeita a concepções e interpretações que, em última instância, serão definidas pelo Judiciário.


      A admissão de “conceitos mediante termos indeterminados” (LAVEZ, 2019, p. 382) na configuração constitucional e legal de alguns tributos, assim, revela um maior espaço para adaptação das normas tributárias ao cenário de mudanças constantes que surgem na atualidade.


      Em consonância com a visão aqui defendida de uma abertura semântica da materialidade do imposto de renda no direito brasileiro, é possível encontrar o pensamento do Professor titular da Universidade de São Paulo, Luís Eduardo Schoueri (prefácio em OLIVEIRA, 2008), para quem realidade especial desse tributo justifica, por exemplo, a presença de cláusulas gerais e conceitos indeterminados na legislação do imposto de renda.


      Por essa razão, se mostra necessária uma releitura e flexibilização do princípio da legalidade tributária, principalmente no que diz respeito à tributação da renda. A se considerar as novas formas de se gerar valor e riqueza na economia digital, conferir ao contribuinte o monopólio da capacidade de inovar e se adaptar pode significar um drástico esvaziamento das bases tributárias dos países, além de representar um desequilíbrio entre o poder de tributar e os direitos e liberdades do contribuinte, os quais possuíam, à época da Constituição de 1988, atributos completamente distintos dos atuais. A manutenção de bases teóricas firmadas em uma maior estabilidade de relações sociais e econômicas de outrora, estabilidade essa que inexiste nos dias atuais, pode representar um afastamento da configuração das limitações ao Estado e dos direitos e garantias dos contribuintes da forma como desenhada pelo constituinte12.


      Diante disso, a edição de leis tributárias que confiram um maior espaço ao poder normativo da Administração Tributária, principalmente no que tange à tributação da renda de novas tecnologias, se afigura como uma medida mais consentânea com a atual realidade a ser regulada pelo Direito. Expressões legais mais abertas (sem que se perca um sentido claro para fins de controle) se mostram mais adequadas às constantes mudanças. Em outra


    4. Não é esse o espaço para um estudo profundo sobre a necessidade de um novo pensamento no Direito Tributário do Brasil. Não obstante, o presente artigo defende que a Constituição acolhe uma tributação da renda baseada em uma noção indeterminada do que seria “renda”, noção essa a ser buscada de acordo com a realidade econômica.



    quadra, não se pode esquecer do papel do intérprete e do julgador na construção de sentido das normas jurídicas, as quais devem ser interpretadas com um olhar voltado para os fatos apreciados.


  5. CONCLUSÕES

O papel cada vez mais relevante das tecnologias digitais na criação de valor dos negócios empresariais tem desafiado os estudiosos da tributação.


Diante dessa mudança de paradigmas na economia, surgem novas propostas de se definir o local de criação de valor e, consequentemente, da alocação de receitas tributárias. Jurisdições que possuem um mercado consumidor pujante tendem a argumentar que o consumo de bens e serviços, bem como a coleta de dados de seus consumidores são fatores que adicionam valor aos negócios digitais. Essa proposta, contudo, representa uma quebra da lógica que guiou a maioria dos acordos de bitributação nos últimos anos, o que pode dificultar sua aceitação.


A dificuldade de se estabelecer um consenso razoável entre os vários países envolvidos nessa problemática é um fator levado em consideração pela OCDE. Dentre as opções abordadas pela força tarefa sobre economia digital da OCDE, as alternativas ao conceito de estabelecimento permanente, o withholding tax e o equalization levy não foram abraçadas por uma visão comum dos países. Nessa conjuntura, iniciativas unilaterais têm dado a tônica da tributação internacional na economia digital.


Além disso, privilegiar o papel do mercado consumidor na criação de valor parece uma tendência que deve ser seguida pelos novos contornos da tributação da renda.


Dentro dessa discussão, o Brasil pode ser visto como um país pioneiro no que diz respeito à tributação na fonte dos rendimentos, em privilégio do mercado consumidor. Não obstante, há ainda uma série de questões que ainda precisam ser debatidas pelas autoridades administrativas, pelos parlamentares e pelos tribunais brasileiros, como por exemplo a tributação de cloud computing e criptomoedas.


Nesse novo contexto, a adoção de uma legalidade estrita corre o risco de reduzir o direito tributário à tributação de poucos negócios que poderiam ser abarcados pelo ritmo de evolução das normas elaboradas pelo Poder Legislativo. Uma compreensão mais aberta e flexível de certas expressões utilizadas pela Constituição e pelas leis tributárias (como a “renda”, por exemplo) tende a representar uma necessária adaptação das normas emanadas do Poder Legislativo que tenham como objeto a tributação de novas tecnologias.


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