CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DAS REGRAS DE SUBCAPITALIZAÇÃO: ANÁLISE DA PROPOSTA DO PLANO DE AÇÃO 4 EM CONTRAPONTO ÀS REGRAS BRASILEIRAS

A CONTRIBUTION TO THE STUDYTION OF THE THIN CAPITALIZATION RULE: AN ANALYSIS OF OECD BEPS ACTION PLAN N. 4 IN LIGHT OF BRAZILIAN TAX RULES


Bruno Cesar Fettermann Nogueira dos Santos


Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Tributário e Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado em São Paulo. E-mail: brunocfns@gmail.com



Recebido em: 20-08-2019

Aprovado em: 28-11-2019


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-7155-rdtia-n6-4


RESUMO


Por este estudo, serão analisadas as regras de subcapitalização já existentes no ordenamento jurídico do Brasil e a eventual adequação de as propostas do Plano de Ações da OCDE n. 4 do BEPS serem ou não adotadas pelo legislador brasileiro.

PALAVRAS - CHAVE: REGRAS DE SUBCAPITALIZAÇÃO, DEDUTIBILIDADE DE DESPESA DE JUROS, PLANO DE AÇÕES N. 4 DO BEPS, OCDE


ABSTRACT


This paper analyses the already existing thin capitalization rules provided by Tax Law in Brazil and aims at evaluating if rules proposed by OECD BEPS Action Plan 4 should be adopted by Brazilian legislator.


KEYWORDS: THIN CAPITALIZATION RULES, DEDUCTIBILITY OF INTEREST EXPENSES, BEPS ACTION PLAN N. 4, OECD


  1. INTRODUÇÃO

    A erosão da base tributável e a transferência de lucros (“base erosion and profit shifting” – “BEPS”) para jurisdições de menor tributação sobre a renda não são fenômenos totalmente novos. Ninguém, no entanto, parece recusar que a globalização e o desenvolvimento dos grupos empresariais multinacionais (“multinational enterprises” – “MNEs”) contribuem para a expansão desses fenômenos.


    Foi, no entanto, a exposição, pela mídia, de casos de planejamentos tributários envolvendo estruturas e negócios globais de grupos multinacionais1 e a crise econômica deflagrada a partir do ano de 2008 que fizeram virar os holofotes sobre o fenômeno BEPS, tornando-o prioridade de política fiscal internacional e da agenda da própria sociedade civil2.


    Exatamente neste contexto que a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), provocada pelos países integrantes do G20, propôs um conjunto de 15 Planos de Ações3 que, inspirado no mantra de que toda renda gerada por um determinado contribuinte deve ser tributada em um só lugar e pelo menos em um lugar4, visa mitigar situações de dupla não tributação geradas por planejamentos tributários internacionais, por práticas fiscais danosas incorridas pelos próprios países e também pelas novas circunstâncias negociais decorrentes do comércio eletrônico.


    Dentre os 15 Planos de Ações arquitetados pela OCDE, debruçar-se-á, neste estudo, sobre o Plano de Ação 4, que tem como objetivo elaborar medidas de limitação à dedutibilidade de despesas de juros incorridas por empresas em prol de beneficiários residentes ou situados em países de menor tributação sobre a renda.


    Neste sentido, constata-se que a questão da dedutibilidade de juros – tal como abordada pela OCDE e a ser enfrentada neste artigo – está intimamente ligada ao financiamento das empresas e à problemática da subcapitalização.


    Afinal, como bem se sabe, o financiamento de uma empresa pode se dar por meio de capital próprio ou de terceiro. Pela primeira hipótese, a sociedade empresária é financiada por


    image

    1. Como os casos Google, Starbucks, Apple e Amazon.


    2. BRAUNER, Yariv. What the BEPS? Florida Tax Review v. 16, n. 2. Gainesville: Universidade da Flórida, 2014, p. 57-58.


    3. OECD. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting. Paris: OECD Publishing, 2013. Disponível em:

      <http://dx.doi.org/10.1787/978964202719-en>.


    4. COOPER, Graeme S. Some thoughts on the OECD’s recommendations on hybrid mismatches. Bulletin for International Taxation v. 69,

      n. 6/7. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 345.



      recursos dos próprios sócios, a título de integralização ou aumento de capital social, e estes, por sua vez, são remunerados (no geral) por dividendos calculados como repartição dos lucros empresariais. Pela segunda hipótese, por outro lado, a empresa é financiada por capital de terceiros, posto à disponibilidade da empresa por meio de empréstimo remunerado por juros.


      Do ponto de vista tributário, o pagamento de dividendos não costuma ser dedutível da base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica (“corporate income tax”), mas os juros, sim5. Justamente em razão dessa diferença de tratamento fiscal normalmente conferido a dividendos e a juros que economicamente costuma ser mais atrativo financiar determinada empresa por empréstimo e não por aumento de capital6, o que, em última medida, tende a estimular a subcapitalização dessas sociedades.


      Paralelamente a isso, denuncia-se que a possibilidade de dedutibilidade irrestrita de despesas de juros afeta a neutralidade de capital, uma vez que, na escolha da jurisdição onde investir, poderão ser privilegiados aqueles países em que a dedutibilidade de juros é ilimitada7.


      É neste cenário que o Plano de Ação 4 – tido como um dos mais promissores8 – traz novas propostas para edição de regra de subcapitalização (“regra de thin capitalization” ou “regra de thin cap”) enquanto instrumento de limitação de dedutibilidade de despesas de juros.


      O objetivo deste estudo, portanto, é analisar a proposta de regra de subcapitalização da OCDE e se (e como) tal regra poderia e deveria ser adotada pelo legislador brasileiro.

      Como se sabe, pelos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.279/2012, o legislador introduziu, no sistema tributário brasileiro, regras de subcapitalização que – em adição às regras de preços de transferência aplicáveis a pagamentos de juros, previstas no art. 22 da Lei n. 9.430/1996 e à regra geral de dedutibilidade de despesas operacionais do art. 47 da Lei n. 4.506/1964 – limitam a dedutibilidade de despesas de juros efetuadas em prol de partes relacionadas situadas no exterior ou mesmo de beneficiários que estejam alocados em países considerados paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados pela legislação brasileira.


      image


    5. VLEGGEERT, Jan. Interest deduction based on the allocation of worldwide debt. Bulletin for International Taxation v. 68, n. 2 . Amsterdam: IBFD, fevereiro de 2014, p. 103-107 (103).


    6. MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015. PLITZ, D. J. General report, international aspects of thin capitalization. IFA Cahiers de droit fiscal international v. LXXXIb, sec. IV., 1. Online Books: IBFD, 1996.


    7. VLEGGEERT, Jan. Public discussion draft on interest deductions proposes worldwide interest allocation rules. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 4/5. Amsterdam: IBFD, abril/maio de 2015, p. 297-305 (298).


    8. BRAUNER, Yariv. What the BEPS? Florida Tax Review v. 16, n. 2. Gainesville: Universidade da Florida, 2014, p. 89.



      Assim, a finalidade deste artigo é contrapor a regra brasileira de thin cap à regra proposta pela OCDE por meio do Plano de Ação 4.


      Destaque-se que não se pretende, aqui, analisar se a regra proposta pela OCDE deveria ser adotada pelo legislador brasileiro como medida adicional de combate à erosão da base tributável no Brasil – como aliás já foi devidamente abordado em interessante estudo de Phelippe de Oliveira9.


      A finalidade, enfim, do presente trabalho é analisar se a proposta de regra de subcapitalização da OCDE poderia, com base nos valores da capacidade contributiva, da praticabilidade e mesmo das regras presentes em Acordos para evitar a Dupla Tributação firmados pelo Brasil, substituir total ou parcialmente as regras brasileiras previstas pela Lei n. 12.249/2010 (mediante a devida alteração pelo Poder Legislativo evidentemente). Estudo semelhante foi feito, recentemente, por Diego Bonfim10 e, neste momento, trazem- se algumas contribuições adicionais sobre o assunto.

      Parte-se, então, da hipótese de que a proposta de regra de subcapitalização indicada no Plano de Ação 4 pode estar mais calibrada ao sistema tributário brasileiro do que a regra – tal como é hoje – prevista nos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010. Isso porque a referida proposta de regra da OCDE, sem deixar de atender aos anseios de simplicidade e praticabilidade, pode concretizar, em maior medida, o princípio da capacidade contributiva e atender às regras convencionais celebradas pelo Brasil.


      Para testar a procedência dessa hipótese científica, este trabalho analisará: (i) os fundamentos e os limites para a edição e aplicação das regas de subcapitalização; (ii) a relação entre as regras de subcapitalização e os Tratados para evitar a Dupla Tributação;

      (iii) o que dispõe a Lei n. 12.249/2010 sobre as regras de subcapitalização e as possíveis incompatibilidades enfrentadas pela regra brasileira; (iv) a proposta de regra de subcapitalização trazida pelo Plano de Ação 4 da OCDE; e (v) a possível (ou não) adoção, pelo legislador brasileiro, da regra proposta pela OCDE e os temperamentos necessários em caso de adoção dessa regra.


  2. OS FUNDAMENTOS E OS LIMITES PARA APLICAÇÃO DE REGRAS DE SUBCAPITALIZAÇÃO

    1. Os fundamentos das regras de subcapitalização



      image


      1. OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A Ação 4 do Projeto BEPS e a possível introdução de mais um critério de dedutibilidade de juros na legislação brasileira”. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1.


      2. BONFIM, Diego. Regras brasileiras de subcapitalização e de juros de transferência e o Plano de Ação 4 do Projeto BEPS. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e MOREIRA, Francisco Lisboa (coord.). Manual de preço de transferência: BEPS, Brasil & OCDE. São Paulo: Quartier Latin, 2018. v. 1, p. 409-440.



        Conforme demonstrado no IFA General Report11 e sustentado por parte da doutrina12, alguns países combatem o fenômeno da subcapitalização por meio da adoção de regras gerais antiabuso (“GAAR”). Alexandre Monteiro relata13 que, apesar das distintas formas de GAARs utilizadas, as mais comuns são a adoção de: (i) teorias de abuso de forma, pela qual se tem como abusiva a constituição e o financiamento da sociedade sem suficiente capital social para tanto; (ii) doutrina da substância sobre a forma, pela qual se considera que o endividamento excessivo, na verdade, esconde uma operação de integralização ou aumento de capital social; e (iii) critério arm’s lenght para avaliar o preço ou os juros praticados entre partes relacionadas como se independentes fossem.


        Por outro lado, há países que utilizam (por vezes em adição a uma GAAR) regras específicas antiabuso (“SAAR”) para combater a dedutibilidade excessiva de despesas de juros e que são tidas especificamente como regras de subcapitalização (“thin cap rules”). A este respeito, Johanna Hey aponta14 que os expedientes mais comuns para se evitar a dedutibilidade excessiva de juros são:


        1. regras para definir nível máximo de endividamento com partes relacionadas (pelos métodos fixed debt: ratio ou debt: assets ou mesmo a combinação de ambas ou mesmo pelo método de controle de preços de transferência pelo arm’s lenght);


        2. regras gerais de limitação de pagamento de juros (seja os decorrentes de endividamento com partes relacionadas seja com partes independentes);


        3. regras de não dedutibilidade de juros relacionados a receitas não tributáveis;


        4. imposição de imposto sobre a renda retido na fonte quando pagamento de juros.


        Este também é o relato de Ramon Tomazela Santos15, que, por sua vez, pontua que as regras de limitação de dedutibilidade de despesas de juros podem ser categorizadas em normas que seguem (i) o arm’s lenght approach; (ii) o substance over form approach; (iii) fixed debt- equity ratio approach; (iv) safe harbour approach; e (v) interest barrir rules.


        image


      3. PLITZ, D. J. General report, international aspects of thin capitalization. IFA Cahiers de droit fiscal international v. LXXXI b, sec. IV., 1. Online Books: IBFD, 1996.


      4. MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 2.


      5. MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 2.


      6. HEY, Johanna. Base erosion and profit shifting and interest expenditure. Bulletin for International Taxation v. 68, n. 6/7. Amsterdam: IBFD, 2014, p. 335-336.


      7. SANTOS, Ramon Tomazela. As regras brasileiras de subcapitalização e os acordos internacionais de bitributação – a incompatibilidade da Lei n. 12.249/2010 com o princípio arm’s lenght e com a cláusula de não discriminação. Revista Dialética de Direito Tributário n. 234. São Paulo: Dialética, 2011, p. 108-109.



        Por qualquer dos métodos, o que se constata é que regras de subcapitalização assemelham- se às regras de preços de transferência – que não são objeto do presente estudo – por terem como objetivo evitar a manipulação do lucro de empresas consideradas partes relacionadas. Ambas as regras, portanto, servem de instrumento para limitar a dedutibilidade de despesas de juros incorridas com partes relacionadas e resguardam determinado lucro tributável no país (apesar de as regras de subcapitalização normalmente limitarem o próprio endividamento enquanto que as regras de preços de transferência controlam a taxa de juros praticada entre partes relacionadas).

        A aludida finalidade das thin cap rules parece, de fato, confirmar tratar-se de regra (específica) antiabuso. De todo modo, há de se destacar que há quem entenda16 que tais normas representam, na verdade, regras de caráter alocativo. É dizer: por limitarem a dedutibilidade de despesas de juros e represarem, no Estado de Fonte, determinado montante de lucro tributário, tais regras funcionariam também como instrumento de alocação de riqueza (Verteilung des Steueraufkommens unter den beteiligten Staaten)17 entre o Estado Fonte e o Estado Residência apresentando um perfil alocativo semelhante ao que as normas de preços de transferência vêm assumindo18.


        De uma forma ou de outra, isto é, tanto como norma antiabuso quanto como norma alocativa de receitas tributárias, as regras de subcapitalização são normas de repartição de encargos fiscais e, como tais, dividem o ônus tributário de acordo com a capacidade econômica de cada contribuinte19. Ou seja: por seu caráter de norma fiscal, as regras de subcapitalização têm como fundamento o princípio da capacidade contributiva.


        Embora muito se discorra sobre tal princípio, adota-se, para os fins deste trabalho, a definição utilizada por Paulo Aires Barreto, que o entende como “a aptidão da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário, para suportar a carga tributária, sem o perecimento da riqueza lastreadora da tributação”20.


        Pela aludida definição, fica clara a relação entre o princípio da capacidade contributiva e o princípio da igualdade. Este, como se sabe, presume a comparação entre dois sujeitos a partir de um critério legítimo21, e, nessa linha, a capacidade contributiva constitui


        image

      8. BURNETT, Chloe. Intra-group debt at the crossroads: stand-alone versus worldwide approach. World Tax Journal v. 6, n. 1. Amsterdam: IBFD, fevereiro de 2014, p. 40-76.

        BROWN, P. General report: the debt-equity conundrum, 97b, Cahiers de droit fiscal international, 2012, p. 40.


      9. VOGEL, Klaus. Die Besteuerung von Auslandseinkünfte – Prinzipien und Praxix. Grundfragen des Internationalen Steuerrechts. Otto Schmidt, 1985, p. 3.


      10. SCHOUERI, Luís Eduardo. Arm’s lenght: beyond the guidelines of the OECD. Bulletin for International Taxation, IBFD, 2015, p. 691.


      11. ROCHA, Paulo Victor. Teoria dos direitos fundamentais em matéria tributária: restrições a direitos do contribuinte e proporcionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 180.


      12. BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001, p. 44.


      13. TIPKE, Klaus. Princípio de igualdade e ideia de sistema no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao professor Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 515-527, p. 520. Tipke fala na adoção de um “princípio”



        justamente o critério de comparação adotado pelo sistema tributário brasileiro para repartir o encargo tributário entre os contribuintes.


        Bastante oportuna, neste contexto, é a teoria da igualdade desenvolvida por Humberto Ávila, que destrincha a igualdade como uma relação comparativa entre sujeitos a partir de uma medida de comparação, que é identificada, no caso concreto, por elementos indicativos de comparação e é embasada numa finalidade de comparação22.


        Por essa matriz teórica, a capacidade contributiva representaria medida de comparação relevante, enquanto que um possível indicativo dessa medida de comparação seria justamente a renda.


        Especificamente no que tange ao sistema tributário brasileiro, não se pode negar que, independentemente de se perquirir se a Constituição Federal traz definição conceitual ou tipológica de renda – debate que não é objeto deste trabalho23 – o Direito Tributário opera com aproximações do que considera renda24.


        Neste sentido, Luís Eduardo Schoueri e Paulo Victor Vieira da Rocha consentem que o Direito Tributário não opera com a “rigorosa e exata apreciação da realidade”, mas sim com “versões aceitáveis dos fatos”25.


        É nessa linha que as regras de subcapitalização, assim com as regras de preços de transferência, compreendem verdadeiras ficções jurídicas, que são entendidas como versões da realidade e não negações desta26. Esclareça-se, todavia, que, enquanto a ficção refletida por estas regras assume que a renda das empresas que transacionam com partes relacionadas seja apurada segundo os mesmos critérios para apuração do lucro das entidades que negociam com partes independentes, a ficção criada pelas thin cap rules assume que o endividamento de empresas que se financiam por empréstimo dá ensejo à



        image


        para que se opere a comparação: “Sem um princípio, a comparação não é possível; falta um critério e, portanto, um fundamento para aplicação do mandamento da igualdade. Só se pode julgar se o mandamento da igualdade foi atendido ou ferido com base em um princípio relevante.” Tradução livre do original: “Ohne ein Prinzip ist Vergleichung nicht möglich, fehlt der Anwendung des Gleichheitssatzes der Maßstab und damit die Grundlage. Ob der Gleichheitssatz beachtet oder verletzt worden ist, kann nur aufgrund des einschlägigen, relevanten Prinzips beurteilt werden.” TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtsordnung. Köln: Otto Schmidt, 1993. v. I, p. 345.


      14. ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 45.


      15. Assunto que foi amplamente relatado, por exemplo, por GUTIERREZ, Miguel Delgado. Imposto de Renda: princípios da generalidade, da universalidade e da progressividade. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 41-59. De uma forma geral, sobre a discussão de tipos e conceitos,

        v. BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses, 2016, p. 52.


      16. ROCHA, Paulo Victor. Teoria dos direitos fundamentais em matéria tributária: restrições a direitos do contribuinte e proporcionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 179.


      17. SCHOUERI, Luís Eduardo. O arm’s lenght como princípio ou como standard jurídico. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothman. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 207; ROCHA, Paulo Victor. Teoria dos direitos fundamentais em matéria tributária: restrições a direitos do contribuinte e proporcionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 180.


      18. SCHOUERI, Luís Eduardo. O arm’s lenght como princípio ou como standard jurídico. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e BIANCO, João

        Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothman. São Paulo: Quartier Latin, 20 17, p. 205.



        subcapitalização quando ultrapassa certo valor determinado por critério definido na Lei Tributária.

        Ou seja: tais regras presumem que se o endividamento de determinada sociedade chega a tal valor, o capital social passa a se mostrar irrisório, apesar de, na realidade, poder ser ou não verdade concretamente.


        O que se depreende do exposto é que as regras de subcapitalização criam uma ficção jurídica27 por meio de presunções de qual seria o endividamento máximo legítimo de uma sociedade.


        Sobre isso, entende a doutrina que as presunções adotadas pelo Direito Tributário se justificam pela padronização e, portanto, pela simplificação que promovem. Sem dúvida, esse tipo de expediente atende a anseios de praticabilidade no Direito Tributário, mas também podem ou não promover a concretização do princípio da capacidade contributiva.


        Afinal, pelas padronizações e generalizações, buscam-se elementos que estão presentes na maioria dos casos28, o que invariavelmente leva à desconsideração das particularidades do caso concreto.


        O que se suscita para justificar a adoção dessas generalizações é que certa medida de praticabilidade acaba sendo necessária para que se efetive a tributação igualitária, isto é, em conformidade com critérios legítimos de comparação entre os contribuintes.


        Paulo Victor Vieira da Rocha chega a afirmar que não basta haver norma que promova o princípio da igualdade, sendo necessário que a aplicação de tais normas também seja igualitária29. Desta forma, a praticabilidade acaba sendo indispensável para que a norma tributária seja efetivamente aplicada e, portanto, o princípio da capacidade contributiva seja concretizado a contento.


        Vieira da Rocha faz, ainda, interessante provocação, asseverando, com precisão, que as padronizações se justificam em certa medida, uma vez que “para tributar conforme a capacidade contributiva, é preciso, em algumas circunstâncias, desconsiderar índices dessa capacidade”30.


        image

      19. SANTOS, Ramon Tomazela. As regras de subcapitalização introduzidas pela Lei 12.249/10. Revista Dialética de Direito Tributário n. 184. São Paulo: Dialética, p. 119; XAVIER, Alberto; e EMERY, Renata. Subcapitalização. Revista Dialética de Direito Tributário n. 176. São Paulo: Dialética, 2010, p. 8.


      20. SCHOUERI, Luís Eduardo. O arm’s lenght como princípio ou como standard jurídico. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothman. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 218; ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 89.


      21. ROCHA, Paulo Victor. Teoria dos direitos fundamentais em matéria tributária: restrições a direitos do contribuinte e proporcionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 181.


      22. ROCHA, Paulo Victor. Teoria dos direitos fundamentais em matéria tributária: restrições a direitos do contribuinte e proporcionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 182.



        Veja-se, por conseguinte, que essa lógica se aplica perfeitamente às regras de subcapitalização.


        Estas, em suma, podem ser entendidas como regras antiabuso ou alocativas de receitas tributárias, fundamentando-se, em ambos os casos, no princípio da capacidade contributiva. Para, enfim, repartir o encargo tributário e evitar a dedutibilidade abusiva de despesas de juros, tais regras adotam presunções de que a empresa só poderia se financiar por empréstimo até dado limite e, para tanto, vale-se de métodos para mensurar o endividamento legítimo.


    2. Os limites à adoção das regras de subcapitalização


      Assentada a premissa de que as regras de subcapitalização se valem de presunções, surge, então, a questão: quais os limites impostos ao legislador para criar essas presunções? Pode o legislador presumir, aleatória e arbitrariamente, qual o endividamento – tido como legítimo para fins tributários – será imposto como trava para dedutibilidade de despesas de juros?


      Certamente a resposta é negativa neste caso. Sobre as presunções, Luís Eduardo Schoueri esclarece31 que, no Direito Tributário, elas devem ser, necessariamente, relativas. Isso significa que as presunções devem poder ser afastadas, caso o contribuinte prove (ou, ao menos, apresente indícios) de que as peculiaridades do seu caso concreto – ignoradas, a priori, pela presunção – tornam a sua realidade não abarcada pela generalização promovida pela norma presuntiva.


      Neste caso, o contribuinte demonstrará que existe um meio mais preciso de apurar a sua renda (indicativo de medida de comparação) do que aquele predeterminado em norma que se vale de presunção. Ou seja, assim se demonstrará que a presunção, neste caso, não serve, em absoluto, para aferir a capacidade contributiva e, despegada deste princípio, a presunção torna-se uma generalização vazia que não pode ser aplicada.


      Sob outro enfoque, depreende-se das lições de Ávila32 que a padronização é compatível com a capacidade contributiva se obedecidos os seguintes critérios: (i) necessidade; (ii) generalidade; (iii) compatibilidade; (iv) neutralidade; (v) não excessividade; e (vi) ajustabilidade.


      Analisando-se cada um deles e considerando-se as regras de subcapitalização, tem-se necessidade ao se verificar que as aludidas regras presumem o endividamento legítimo máximo de uma empresa, para deixar de impor excessivo ônus ao contribuinte, que teria


      image

      1. SCHOUERI, Luís Eduardo. O arm’s lenght como princípio ou como standard jurídico. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e BIANCO, João

        Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothman. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 216.


      2. ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 94-113.



        de demonstrar que seu endividamento não gera efeitos de subcapitalização. Pode-se dizer, nesses casos, que a regra de subcapitalização é um safe harbor para o contribuinte33.


        Evidentemente que tal necessidade não basta. Para atender ao critério da generalidade, a presunção da regra de subcapitalização deve abranger um grande número de casos. Assim, se, por exemplo, a aludida regra adota o critério da margem fixa de endividamento, estatisticamente boa parte dos contribuintes devem se ver contemplados por tal margem, de modo que não haja nem muitos casos de “sub-” nem de “superendividamento”. Ou seja: não deveria haver muitos contribuintes que possuem endividamento muito inferior ou muito superior ao quanto determinado a partir da regra presuntiva.

        No que tange à compatibilidade, por sua vez, a regra de subcapitalização deve ser compatível com a realidade (no que está ligada também à generalidade da padronização), enquanto que pela neutralidade, entende-se que a padronização não possa refletir interferência estatal injustificada que pudesse gerar carga excessiva sobre uns em detrimento de outros.

        Nessa mesma linha, a padronização, para atender ao que se chama de necessidade de não excesso, não deve gerar situações de confisco.


        E, por último, uma thin cap rule, por valer-se de presunção jurídica, só pode ser considerada legítima à luz da igualdade tributária se garantir a ajustabilidade ao contribuinte. Aqui se repisa o entendimento já exposto de que, embora padronização sirva como regra geral, deve ela poder ser afastada caso “implique efeito mais intensivo sobre um determinado contribuinte, cujas circunstâncias particulares o afastam da regra geral”34.

        Neste sentido, o critério da ajustabilidade das regras de subcapitalização confirmam seu caráter de safe harbor, eis que as suas presunções imanentes devem poder ser aplicadas pelo contribuinte para lhe poupar ônus de prova excessivo ou ser afastadas, ajustadas, caso se comprove que a realidade atingida pela presunção, em determinado caso concreto, revela capacidade contributiva muito distinta da presumida.


        Ou seja: as regras de subcapitalização deveriam poder ser afastadas se o contribuinte – por outro critério que não o adotado pelo legislador – demonstrasse que seu endividamento


        image


      3. Luís Eduardo Schoueri é que faz constatação semelhante ao afirmar que a adoção de margens pelas regras brasileiras de preços de transferência deve ser encarada como um safe harbor para o contribuinte. SCHOUERI, Luís Eduardo. O princípio arm’s lenght em um panorama internacional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2013. v. 4, p. 226. Especificamente sobre as regras de subcapitalização, Diego Bonfim trata dos parâmetros fixos estabelecidos pelas regras brasileiras de subcapitalização como safe harbour, cf. BONFIM, Diego. Regras brasileiras de subcapitalização e de juros de transferência e o Plano de Ação 4 do Projeto BEPS. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e MOREIRA, Francisco Lisboa (coord.). Manual de preço de transferência: BEPS, Brasil & OCDE. São Paulo: Quartier Latin, 2018. v. 1, p. 409-440 (425).


      4. SCHOUERI, Luís Eduardo. O arm’s lenght como princípio ou como standard jurídico. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e BIANCO, João

        Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothman. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 219.



        não dá ensejo à subcapitalização e não representa abuso, (que é o objeto imediato das thin cap rules, enquanto normas específicas antiabuso).


        Por todo exposto, fica evidente que as normas de subcapitalização valem-se de presunções relativas que devem poder ser afastadas caso a padronização de que se valem não seja capaz de refletir minimamente a capacidade contributiva de determinados contribuintes. Isso só faz confirmar, portanto, que o princípio da capacidade contributiva é, ao mesmo tempo, fundamento e limite para a edição e aplicação de regra de subcapitalização.


  3. A RELAÇÃO ENTRE AS REGRAS DE SUBCAPITALIZAÇÃO E OS TRATADOS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO

    Para além dos aludidos limites impostos às regras de subcapitalização, há de se destacar que os Tratados para evitar a Dupla Tributação podem bloquear a aplicação de tais regras se não houver compatibilidade delas com as normas convencionais.


    Neste ponto, é importante mencionar que a função de bloqueio dos Tratados para evitar a Dupla Tributação não decorre de suposta relação de hierarquia ou especialidade das normas convencionais frente às normas de direito interno, mas sim da delimitação de soberania fiscal, promovida por tais acordos internacionais.


    Como bem afirma Schoueri, por meio de tratados internacionais, um país firma compromisso, frente à comunidade internacional, de que está limitando sua própria jurisdição35. Uma vez delimitada sua jurisdição, define-se, de igual modo e em mesma medida, o âmbito de incidência de normas jurídicas internas, de sorte que os Tratados para evitar a Dupla Tributação acabam por imprimir limites à incidência das normas internas aos casos concretos36.


    Ainda sobre a relação dos tratados internacionais com a legislação interna, nunca é demais relembrar a lição do Professor Klaus Vogel, segundo a qual os Tratados para evitar a Dupla Tributação funcionam como uma máscara posicionada sobre a legislação interna: os dispositivos que não se encontrarem encobertos pela “máscara” seguem sendo aplicáveis, enquanto que os demais ficam bloqueados37.


    Dadas as aludidas premissas, entende-se que os dispositivos convencionais que podem, eventualmente, limitar a aplicação de regras de subcapitalização são o art. 9 (1) e os arts. 24



    image


    1. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 109.


    2. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 14.


    3. VOGEL, Klaus. Doppelbesteuerungsabkommen der Bundesrepublik Deutschland auf dem Gebiet der Steuern vom Einkommen und Vermögen. Kommentar auf der Grundlage der Musterabkommen. 3. ed. Munique: Beck, 1996, p. 121.



      (4) e 24 (5) dos acordos firmados nos moldes do Modelo da OCDE para Tratado para evitar a

      Dupla Tributação (“MOCDE”).


      O art. 9 (1) do MOCDE tem como escopo – em exceção às demais regras convencionais – aplacar situações de bitributação econômica38, uma vez que trata dos ajustes a serem realizados sobre o lucro auferido por empresas em operações com partes relacionadas.


      De acordo com esse dispositivo, os lucros auferidos em transações com partes relacionadas podem ser ajustados, majorados pelas autoridades fiscais de determinado país, para que correspondam a lucros que teriam sido auferidos entre partes relacionadas.

      A decorrência lógica do quanto exposto é de que o art. 9 (1) adota o critério do arm’s lenght e, por conseguinte, só tolera ajustes a serem realizados no lucro tributável de determinada empresa se forem efetuados com base no aludido critério arm’s lenght.


      Isso significa, portanto, que quaisquer regras antiabuso que se destinem a reapurar o lucro tributável de determinada empresa residente num dos países contratantes – e entre elas, as de subcapitalização – podem não conflitar diretamente com o art. 9 (1) do MOCDE, desde que – como pontua Monteiro39 – promovam ajustes consentâneos com o critério arm’s lenght.


      Por outro lado, no que tange ao art. 24 do MOCDE, vê-se que tal dispositivo prevê regras de não discriminação a serem aplicadas pelos Estados contratantes, visando evitar efeitos de injustificada “sobretributação” (“overtaxing”) de não residentes em comparação às residentes40.


      Dentre as regras previstas sob este artigo, as mais relevantes para o caso das regras de subcapitalização são o art. 24 (4) e o art. 24 (5).


      O primeiro tem como escopo evitar que a lei doméstica de um dos países contratantes atribua efeito tributário distinto a pagamentos feitos dentro do próprio país ou para país estrangeiro.


      image


    4. Luís Flávio Neto explica que a bitributação econômica ocorre com o perfazimento de três identidades, quais sejam: (i) a identidade de pressuposto (que pode ser entendido como o critério material de incidência tributária); (ii) a identidade de tributo; e (iii) a identidade de período. Assim, a bitributação econômica diferencia-se da jurídica, uma vez que esta ocorre não só com a verificação das três identidades mencionadas, mas também da identidade de sujeito tributado. (NETO, Luís Flávio. Direito tributário internacional: “contextos” para interpretação e aplicação de acordos de bitributação. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 70). Na mesma linha: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 26.


    5. MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 12.


    6. HASLEHNER, W. C. Chapter 1 Nationality Non-Discrimination and Article 24 OECD Model: Perennial Issues, Recent Trends and New Approaches in Non-Discrimination in Tax Treaties: Selected Issues from a Global Perspective (D. (Dennis) Weber & P. Pistone eds., IBFD 2016), Online Books IBFD.



      No MOCDE, a referida regra surgiu na versão de 1977 do Modelo e é designada na doutrina como “regra de não discriminação de deduções” (“deduction non-discrimination provision”41).


      De acordo com tal dispositivo, a legislação interna dos países contratantes não poderá conferir diferentes tratamentos tributários a pagamentos feitos a residentes de um ou do outro Estado contratante, com exceção dos casos abarcados pelos arts. 9 (1), 11 (6) e 12 (4) do MOCDE.


      Neste estado de coisas, há quem entenda – como Monteiro42 – que regras de subcapitalização poderiam ser consideradas discriminatórias, a menos que – repise-se – se verificasse que os ajustes gerados por tais regras nos lucros tributáveis atendem ao critério do arm’s lenght.

      Afinal, neste caso, thin cap rule estaria abarcada pelo escopo do art. 9 (1) do MOCDE e, portanto, estaria abrangida pela hipótese que excepciona a aplicação do art. 24 (4).


      Entendemos, no entanto, que as regras de subcapitalização, em geral, não compreendem medidas discriminatórias43 nos termos do art. 24 (4), independentemente de ensejarem ou não ajustes pelo critério arm’s lenght.


      Isso porque, como ensina Alexander Rust44 (em interessante análise sobre a proposta de

      primary e defese rules do Plano de Ação 2 do BEPS à luz do art. 24 (4) do MOCDE), o art. 24

      (4) impede que normas internas deem azo à discriminação com base no critério da residência. Assim, se as regras de subcapitalização não adotam a residência como critério de diferenciação, não serão consideradas discriminatórias para fins de aplicação do art. 24 (4).


      O mesmo raciocínio se aplica para o art. 24 (5) do MOCDE. Conquanto este artigo impeça que determinado país contratante trate distintamente uma empresa pelo fato de ser ela controlada por residente ou não residente, tal dispositivo, igualmente, não bloqueia, no geral, a aplicação das regras de subcapitalização. Afinal, como explica Monteiro45, a


      image

    7. AVERY JONES, J. F. et al. The non-discrimination article in tax treaties. Amsterdam: International Bureau of Fiscal Documentation, 1991, p. 342.


    8. MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 12.


    9. Em sentido contrário, v. SANTOS, Ramon Tomazela. As regras brasileiras de subcapitalização e os acordos internacionais de bitributação

      • a incompatibilidade da Lei n. 12.249/2010 com o princípio arm’s lenght e com a cláusula de não discriminação. Revista Dialética de Direito Tributário n. 234. São Paulo: Dialética, 2011, p. 108-109. XAVIER, Alberto; e EMERY, Renata. Subcapitalização. Revista Dialética de Direito Tributário n. 176. São Paulo: Dialética, 2010, p. 14.


    10. RUST, A. Der BEPS Aktionspunkt 2 zur Neutralisierung der Effekte hybrider Gestaltungen und seine Vereinbarkeit mit den Diskriminierungsverboten der Doppelbesteuerungsabkommen und des AEUV, in: Grundfragen des Europäischen Steuerrechts. MPI Studies in Tax Law and Public Finance 5, 2015, p. 93.


    11. MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 14.



      residência da empresa de controle das empresa situadas em um dos países contratantes não é o critério que desencadeia a adoção das thin cap rules.


      Neste sentido, fundamental é a lição de Vogel e Lehner46 ao ensinar que o escopo de aplicação dos arts. 24 (4) e 24 (5) é estreito, de modo que tais regras só impedem a aplicação de regras domésticas que gerem discriminações com base no critério da residência. Ensinam, nessa linha, que as aludidas regras convencionais não foram editadas para combater a “discriminação indireta” (versteckte Form der Diskriminierung).


      Sendo assim, não cabe outra conclusão senão a de que as regras de subcapitalização podem vir a ser bloqueadas por Tratados para evitar a Dupla Tributação, caso, nos termos do art. 9 (1), deem ensejo a ajustes ao lucro tributável que não atendam ao critério arm’s lenght, mas não nos termos dos arts. 24(4) e 24(5) do MOCDE (a menos que se adote o critério da residência para aplicação das regras de subcapitalização).


  4. A REGRA DE SUBCAPITALIZAÇÃO DA LEI N. 12.249/2010 E OS OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PELA REGRA BRASILEIRA

    1. As regras previstas pela Lei n. 12.249/2010


      Em junho de 2010 foi editada a Lei n. 12.249/2010, após conversão da Medida Provisória n. 472/2009, que institui regras de subcapitalização no sistema tributário brasileiro. Embora o fenômeno da subcapitalização – consistente na excessiva desproporção entre o endividamento e o capital social da pessoa jurídica47 – tenha também efeitos nocivos no âmbito do Direito Comercial, pois poderia esvaziar eventual segurança de satisfação de crédito de credores da sociedade, o intuito da regra brasileira é de ordem essencialmente tributária.


      Isso porque, a normas encampadas pelos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010 limitam a dedutibilidade das despesas de juros pagos ou creditados a partes relacionadas residentes no exterior ou mesmo a residentes – de uma forma geral – em país com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado.


      Neste sentido – e ainda quanto ao objetivo das aludidas regras – chama a atenção o teor da exposição de motivos da Medida Provisória n. 472/2009, que assume o caráter antielisivo das regras criadas. Fica consignado em exposição de motivos que a regra criada “visa evitar a erosão da base de cálculo de IRPJ e da CSL mediante o endividamento abusivo”, por meio



      image


      1. VOGEL, K.; e LEHNER, M. (Hrsg). Doppelbesteuerungsabkommen Kommentar 6. Auflage. C. H. Beck, 2014, p. 2152.


      2. SANTOS, Ramon Tomazela. As regras de subcapitalização introduzidas pela Lei 12.249/10. Revista Dialética de Direito Tributário n. 184. São Paulo: Dialética, 2011, p. 116.



        do qual uma pessoa jurídica, no Brasil, efetuaria “capitalização de valor irrisório,

        substituindo o capital social necessário à sua constituição e atuação por um empréstimo”.


        Ademais, a exposição de motivos é clara em pretender combater a economia tributária de 19% decorrente do pagamento de juros que, por outro lado, está sujeito a imposto de renda retido na fonte de 15% e que, por outro, gera despesa dedutível na apuração do lucro real à alíquota efetiva de 34%.


        No final das contas, além de seu efeito fiscal, de contribuir para aumento da arrecadação de IRPJ e CSL, a regra de subcapitalização tem efeito extrafiscal indutor de incentivar a capitalização das empresas por capital próprio48.


        Para cumprir tal finalidade, a Lei n. 12.249/2010 institui regras de subcapitalização com o mencionado método de “base em frações fixas”49. Ou seja, a dedutibilidade de despesas de juros estará limitada também a determinado nível de endividamento da pessoa jurídica e este, por sua vez, deverá observar um determinado percentual entre dívida e patrimônio líquido. É de se concluir, então, que a legislação tributária brasileira adotou o fixed rate approach de debt/equity.


        Esclareça-se, de todo modo, que a dedutibilidade das despesas de juros depende não só do cumprimento das regras da Lei n. 12.249/2010, mas também do cumprimento de regras de preços de transferência da Lei n. 9.430/1996 e da regra geral de dedutibilidade de despesas disposta no art. 47 da Lei n. 4.506/1964.


        Mais especificamente sobre a Lei n. 12.249/2010, tem-se que o seu art. 24 trouxe limites distintos de endividamento para a pessoa jurídica brasileira frente a partes relacionadas, quais sejam: (i) quando a pessoa jurídica residente no exterior tiver participação na pessoa jurídica brasileira, o valor do endividamento de tal mutuante não deve ser superior a duas vezes o valor da participação da vinculada no patrimônio líquido da sociedade brasileira; e

        (ii) o valor de endividamento com a pessoa jurídica residente no exterior que não tenha participação na pessoa jurídica brasileira, será de até duas vezes o patrimônio líquido da sociedade sediada no Brasil50.


        image


      3. Ramon Tomazela menciona, inclusive, que a legislação tributária brasileira já prevê outras duas regras que têm este mesmo intuito, quais sejam: a que concede isenção de imposto sobre a renda sobre dividendos e a que permite a dedutibilidade, na apuração do lucro real, de despesas incorridas para pagamento de Juros sobre Capital Próprio. SANTOS, Ramon Tomazela. As regras de subcapitalização introduzidas pela Lei 12.249/10. Revista Dialética de Direito Tributário n. 184. São Paulo: Dialética, 2011, p. 117.


      4. CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Reflexões sobre os princípios constitucionais aplicáveis às regras de subcapitalização brasileiras veiculadas pela Med. Prov. 472/2009 e eficácia de sua conversão na Lei 12.249/2010 para fins de IRPJ e CSL. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 96. São Paulo: ABDT, 2011, p. 221-240.


      5. SANTOS, Ramon Tomazela. As regras de subcapitalização introduzidas pela Lei 12.249/10. Revista Dialética de Direito Tributário n. 184. São Paulo: Dialética, 2011, p. 117. CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Reflexões sobre os princípios constitucionais aplicáveis às regras de subcapitalização brasileiras veiculadas pela Med. Prov. 472/2009 e eficácia de sua conversão na Lei 12.249/2010 para fins de IRPJ e CSL. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 96. São Paulo: ABDT, 2011, p. 221-240 (223).



        Tanto para um caso quanto para o outro, o art. 24, inciso III, da Lei n. 12.249/2010 prevê que a despesa de juros será considerada dedutível desde que que o valor total do somatório dos endividamentos não seja superior ao somatório das participações de todas as pessoas vinculadas no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil (limite global)51.


        Quanto aos valores a serem considerados na aludida proporção, a Lei prevê que montante do endividamento da sociedade brasileira em face de partes vinculadas residentes no exterior deverá ser apurado quando da apropriação da despesa de juros e, conforme o § 4º do art. 24 da Lei n. 12.249/2010, tanto o endividamento quanto o patrimônio líquido da pessoa jurídica brasileira deverão ser obtidos a partir da média ponderada mensal de tais valores.


        Menciona-se, ainda, que o § 2º do art. 24 da Lei n. 12.249/2010 estende a aplicação das regras de subcapitalização brasileiras às operações de endividamento da pessoa jurídica brasileira em que parte vinculada seja avalista, fiador, procurador ou interveniente. Diz-se, com isso, que as regras brasileiras impõem o mesmo limite de subcapitalização aos back-to-back loan e às participações indiretas52, o que indica que o legislador parece presumir como abusivos todos os empréstimos contraídos por pessoa jurídica brasileira com a intervenção de terceiros.


        Embora não seja o escopo deste trabalho, vale, de todo modo, pontuar a crítica de boa parte da doutrina a essa presunção adotada pela legislação. Afinal, muitas vezes por razão de sinergia ou mesmo das distintas condições patrimoniais de pessoas jurídicas que pertencem a um mesmo grupo econômico, é comum que uma determinada sociedade do grupo contrate empréstimo com terceiro não relacionado e faça outros “subempréstimos” às demais integrantes do grupo, buscando apenas a maior eficiência negocial e as melhores condições de financiamento frente a terceiros53.


        Note-se, por outro lado, que o legislador brasileiro, por meio do § 6º da Lei n. 12.249/2010, expressamente excluiu as operações de repasse do âmbito de aplicação. Por meio das aludidas operações, uma instituição financeira brasileira obtém linha de crédito frente a uma entidade no exterior e repassa os montantes emprestados à pessoa jurídica brasileira nas mesmas condições em que os recursos foram captados. Neste caso, os juros decorrentes


        image

      6. XAVIER, Alberto; e EMERY, Renata. Subcapitalização. Revista Dialética de Direito Tributário v. 176. São Paulo: Dialética, 2010, p. 13.


      7. CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Reflexões sobre os princípios constitucionais aplicáveis às regras de subcapitalização brasileiras veiculadas pela Med. Prov. 472/2009 e eficácia de sua conversão na Lei 12.249/2010 para fins de IRPJ e CSL. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 96. São Paulo: ABDT, 2011, p. 221-240 (223).


      8. CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Reflexões sobre os princípios constitucionais aplicáveis às regras de subcapitalização brasileiras veiculadas pela Med. Prov. 472/2009 e eficácia de sua conversão na Lei 12.249/2010 para fins de IRPJ e CSL. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 96. São Paulo: ABDT, 2011, p. 221-240 (223). GALHARDO, Luciana Rosanova. As regras de subcapitalização e a atuação de bancos nacionais e estrangeiros de operações de financiamento externo de empresas nacionais. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga. O direito tributário e o mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2010. v. 2. JANSSENS, Pascal; LEDURE, David; VANDEPITTE, Bertrand; e LOOS, Jelle. The end of intra-group financing... or not just yet?

        • part 1. European Taxation v. 55, n. 7. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 279-284.



          do mútuo são pagos pela pessoa jurídica brasileira ao banco brasileiro, que, por sua vez, repassa tais valores ao credor situado no exterior, cobrando-se uma taxa de intermediação financeira do mutuário sediado no Brasil.


          Para além das regras de subcapitalização instituídas para os casos de empréstimos com partes relacionadas no exterior, a Lei n. 12.249/2010, por meio de seu art. 25, instituiu limite de dedutibilidade de juros pagos a pessoas situadas em paraísos fiscais ou em países com regime fiscal privilegiado, independentemente de se tratarem ou não de pessoas vinculadas.


          Conforme o aludido dispositivo, os juros pagos a mutuante sediado em paraíso fiscal e localidade de regime fiscal privilegiado serão dedutíveis, se (i) o valor da dívida com a referida mutuante for menor ou igual a 30% do patrimônio líquido do mutuário brasileiro e (ii) se o valor total das dívidas contraídas em face de pessoas sediadas em paraísos fiscais e locais de regime fiscal privilegiado for igual ou menor a 30% do patrimônio líquido da empresa brasileira54. A este respeito, mencionam Alberto Xavier e Renata Emery que o dispositivo em comento – tal como o art. 24 da mesma lei – teria estabelecido (i) um limite individual e (ii) um limite global55.


          São três, portanto, as principais conclusões a respeito do perfil das regras de subcapitalização adotadas pelo legislador brasileiro.


          Primeiro, observa-se que as aludidas regras têm como efeito a indedutibilidade dos valores pagos por pessoa jurídica brasileira em caso de endividamento em excesso – não havendo, portanto, a reclassificação dos juros para dividendos56.


          Segundo, verifica-se que as regras de subcapitalização brasileiras não se aplicam a todos os empréstimos contraídos por pessoas jurídicas brasileiras, mas tão somente aos casos específicos selecionados pelo legislador como sendo os mais propensos a abusos por parte do contribuinte brasileiro.


          Terceiro, não há dúvidas de que o método adotado pelo legislador brasileiro para a regra de subcapitalização foi o da base fixa (“fixed rate approach”), o que, como se verá, pode trazer algumas incompatibilidades com o princípio da capacidade contributiva.


          image


      9. CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Reflexões sobre os princípios constitucionais aplicáveis às regras de subcapitalização brasileiras veiculadas pela Med. Prov. 472/2009 e eficácia de sua conversão na Lei 12.249/2010 para fins de IRPJ e CSL. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 96. São Paulo: ABDT, 2011, p. 221-240 (223).


      10. XAVIER, Alberto; e EMERY, Renata. Subcapitalização. Revista Dialética de Direito Tributário v. 176. São Paulo: Dialética, 2010, p. 13.


      11. Sobre este assunto, Diego Bonfim, inclusive, menciona que a reclassificação dos juros indedutíveis para dividendos teria a vantagem de evitar a dupla tributação econômica, apesar de trazer mais complexidade para a legislação brasileira, cf. BONFIM, Diego. Regras brasileiras de subcapitalização e de juros de transferência e o Plano de Ação 4 do Projeto BEPS. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e MOREIRA, Francisco Lisboa (coord.). Manual de preço de transferência: BEPS, Brasil & OCDE. São Paulo: Quartier Latin, 2018. v. 1, p. 409-440 (421-422).



    2. As incompatibilidades da regra de subcapitalização brasileira com o princípio capacidade contributiva

      Em análise sobre o fixed rate approach, Johanna Hey57 bem discerniu as vantagens e as desvantagens da adoção do referido método. Inegável, por um lado, o método em apreço tem a vantagem de simplificar a aplicação da norma tributária. Afinal, por meio dele, presume-se haver subcapitalização quando o endividamento de determinada pessoa jurídica se mostra superior à relação, definida em lei, entre dívida e patrimônio líquido.


      Como se constatou, este é o caso da regra brasileira: no caso de pessoa jurídica vinculada, presume-se que há endividamento excessivo – para fins de dedutibilidade de juros – se este for duas vezes maior que o patrimônio líquido da pessoa jurídica brasileira ou duas vezes maior que a participação da pessoa vinculada na empresa situada no Brasil.


      Por outro lado, aponta Hey que este tipo de método tem a desvantagem de presumir um determinado nível de endividamento legítimo para fins de dedutibilidade de juros que é único para todos os contribuintes independentemente de suas particularidades. Isso quer dizer que o legislador presume que todos os setores da economia e todos os players de cada um desses setores devem apresentar exatamente o mesmo nível de endividamento.


      Parece bastante evidente, no entanto, que diferentes empresas podem vir a ter diferentes níveis de endividamento e isso em razão não só do setor em que atuam, mas também de seu porte e de seu estágio de desenvolvimento. Veja-se, por exemplo, que é muito provável que uma microempresa, em seu início de atividade, apresente muito mais endividamento do que empresas mais robustas. Mais do que isso, esta empresa de nosso exemplo pode estar mais endividada no início de suas atividades (quando, enfim, está se estabelecendo no mercado e ainda não recebe tanto retorno) do que uma empresa de mesmo porte que já esteja consolidada no setor em que atua.


      Como se pode ver, o apontamento feito por Hey é bastante contundente e exige que se aplique o método do fixed rate de forma bastante cautelosa para que este não se torne um método presuntivo de identificação do que é endividamento legítimo, para fins de dedutibilidade de juros, que gere demasiadas distorções na realidade concreta dos contribuintes.


      Mais uma vez, então, é necessário voltar às premissas desse estudo para repisar que as regras de subcapitalização valem-se de presunções que devem sempre estar fundamentadas e limitadas pelo princípio da capacidade contributiva.


      image


      1. HEY, Johanna. Base Erosion and Profit Shifting and interest expenditure. Bulletin for International Taxation v. 68, n. 6/7. Amsterdam: IBFD, 2014, p. 342-343.



        Enquanto presunção jurídica, a regra de subcapitalização brasileira vale-se de padronizações, generalizações que – como demonstramos com base nas lições de Ávila – estarão em conformidade com o princípio da capacidade contributiva (e, por conseguinte, da igualdade tributária) se atenderem aos critérios da (i) necessidade; (ii) generalidade; (iii) compatibilidade; (iv) neutralidade; (v) não excessividade; e (vi) ajustabilidade.


        Pois bem, ao se analisar a regra brasileira de subcapitalização sob essa matriz teórica, tem- se a seguinte análise de critérios definidos por Ávila.

        Quanto à necessidade, parece não haver discussão em torno da aplicação da regra de subcapitalização brasileira. Afinal, repise-se, a instituição de um percentual de debt/equity pela legislação brasileira para definir o que seria endividamento em excesso e o que seria subcapitalização parece atender à necessidade de simplificar a aplicação da legislação tributária e de amenizar o ônus do contribuinte de, em cada caso concreto, produzir prova complexa de que seu endividamento não o leva à situação de subcapitalização.


        No que tange, por sua vez, aos demais critérios, percebe-se que a regra brasileira de subcapitalização pode não os atender.


        Afinal, a legislação brasileira define uma relação de endividamento sobre patrimônio líquido (ou participação societária) que – conforme mencionado – pode não corresponder à realidade de muitos contribuintes. É evidente que padronizações, enquanto tais, possuem o efeito de não contemplar exatamente a situação individual de cada contribuinte. A grande questão é que a regra brasileira não prevê uma “válvula de escape”, isto é, não atende ao critério da ajustabilidade e, com isso, joga numa “vala comum” a realidade de todos os contribuintes que se financiam também por empréstimo com partes no exterior.


        A falta de ajustabilidade da regra brasileira invariavelmente levará a situações em que a padronização promovida pelos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.240/2010 será absolutamente distinta da realidade de determinado contribuinte e, com isso, não refletirá a capacidade contributiva deste.


        Não há como negar que, numa situação como esta, a regra estará, de igual modo, transgredindo também o critério da neutralidade e da não excessividade, dado o excessivo impacto que a limitação da dedutibilidade de juros pode causar em determinados casos concretos.

        Mais do que isso, não se tem notícia de o Poder Legislativo – e tampouco o Poder Executivo

        – ter, antes da edição da referida regra, promovido estudos para comprovar que a relação 2:1 ou mesmo de 30% de endividamento sobre patrimônio líquido corresponde à realidade de boa parte dos contribuintes.



        Isso quer dizer, no fim das contas, que a regra brasileira tanto pode estar penalizando boa parte dos contribuintes (que podem apresentar endividamento legítimo superior a tal percentual), como pode estar sendo benevolente demais (caso se constate que este é um nível demasiado alto de endividamento e, por consequência, de dedutibilidade de despesas de juros).


        O que se quer dizer é que tal estudo seria fundamental para que se conhecesse a realidade das empresas brasileiras e da necessidade de elas se financiarem mediante empréstimos com partes relacionadas que consigam captar recursos em mercados onde o crédito seja menos custoso. Aliás, para corroborar a necessidade de financiamento dentro do próprio grupo econômico, vale mencionar que o mercado de capitais brasileiro ainda é pouco desenvolvido como fonte de financiamento, o crédito conferido por instituições financeiras privadas, geralmente, é precificado a juros que podem aumentar, demasiadamente, o custo do capital das empresas brasileiras e o crédito dado por bancos públicos, conquanto menos oneroso, é limitado e está suscetível a orientações políticas de governo de maior ou menor intervenção do Estado na economia58.


        Dada essa realidade econômica brasileira e sem os dados concretos da média das empresas atuantes no Brasil, a presunção criada pela regra brasileira pode, de um lado, ser tão rígida, que afronta a capacidade contributiva dos contribuintes, eis que despesas de juros de endividamento legítimo, não abusivo, estarão sendo desconsideradas. E pode, por outro lado, ter estabelecido limite demasiado alto a ponto de, dentro deste, as empresas poderem incorrer em despesas de juros abusivas e tomar dedutibilidade delas na apuração do lucro real.


        É evidente que as presunções sempre terão – repise-se – o efeito de desconsiderar as particularidades dos casos concretos. O ponto é que, pela aleatoriedade da presunção criada, pode ser que ela apresente um ou outro efeito não só em casos pontuais, mas na grande maioria deles – o que, portanto, demonstraria a imprestabilidade da presunção, descolada, estatisticamente, da maior parte dos casos concretos.


        É dizer: a referida norma não atende aos critérios da generalidade e da compatibilidade, na medida em que, pela falta de base empírica para adoção de tal presunção do que é endividamento em excesso, pode estar levando a “super-” ou a “subendividamento” em boa parte dos casos controlados por tal regra.


        Em razão disso, concluímos que as regras brasileiras podem, em determinados casos, ser incompatíveis com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que não há


        image

      2. Num contexto distinto do que ora se analisa, João Luiz Frossard Pestana da Silva analisa as diferentes formas de financiamento de uma joint venture sediada no Brasil e trata de algumas particularidades do financiamento empresarial por capital próprio e por capital de terceiros (mais especificamente por crédito cedido por bancos públicos e bancos privados), cf. SILVA, João Luiz Frossard Pestana.

        Alternativas de non equity funding para joint ventures internacionais sediadas no Brasil. Revista de Direito Bancário e do Me rcado de Capitais v. 84. São Paulo: RT, 2019, p. 173-195.



        demonstração de que a referida regra não causa os mencionados efeitos e que o contribuinte não pode demonstrar, por outros meios que não presuntivo, que seu nível de endividamento não leva à subcapitalização.


    3. As incompatibilidades da regra de subcapitalização brasileira com os Tratados para evitar a Dupla Tributação


      Conforme pontuamos no item 3 deste trabalho, entendemos que as regras de subcapitalização podem ser incompatíveis com o art. 9 (1) do MOCDE caso levem a ajustes no lucro tributável que não atendam ao critério do arm’s lenght.


      Na realidade brasileira, nota-se que os Tratados para evitar a Dupla Tributação firmados pelo Brasil reproduzem o art. 9 (1) do MOCDE em seus arts. 959. Isso significa, no fim das contas, que o Brasil e seus parceiros entendem que, de fato, os ajustes em lucros tributáveis de uma empresa situada em um dos Estados contratantes devem ser arm’s lenght.


      Neste estado de coisas, a conclusão a que se chega neste estudo é a mesma de Monteiro60 e Vicentini61, segundo a qual as regras de subcapitalização brasileiras podem ser bloqueadas pelos tratados brasileiros de bitributação, caso não se demonstre que os ajustes no lucro real, promovidos pelas aludidas thin cap rules, estão em conformidade com o critério arm’s lenght.


      Ressalvadas essas exceções, entende-se que o contribuinte protegido por um dos demais Tratados para evitar a Dupla Tributação poderá invocar o art. 9 para evitar a aplicação da regras dos arts. 24 e 2562 da Lei n. 12.249/2010.


      Por outro lado, poder-se-ia, em tese, suscitar a aplicação do art. 24 dos Tratados para evitar a Dupla Tributação para bloquear os efeitos do art. 25 da Lei n. 12.249/2010 (que – repise-se

      – prevê a aplicação automática de regras de subcapitalização para contribuintes que façam pagamentos de juros a países com tributação favorecida ou regimes fiscais privilegiados), uma vez que essa regra pauta-se no critério da residência do beneficiário do pagamento para limitar a dedutibilidade de despesas de juros. Na prática, no entanto, o Brasil não possui – até o momento da publicação deste estudo – Tratados de Bitributação com países considerados de baixa tributação.


      image


      1. SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 442.


      2. MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015, p. 12.


      3. VICENTINI, Marcelo Fonseca. Subcapitalização no direito tributário brasileiro. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Roberto Quiroga Mosquera. São Paulo, 2014, p. 121.


      4. No momento do presente estudo, o Brasil não possui tratados de bitributação com paraísos fiscais. Sendo assim, a regra do art. 25 da Lei

        n. 12.249/2010 só poderá ser bloqueada por eventuais tratados com países que sejam considerados regimes fiscais privilegiados.



        Deve-se, ainda, ressaltar que parte dos tratados de bitributação firmados pelo Brasil aponta em Protocolo63, que os países contraentes ajustaram que as regras de subcapitalização instituídas pelos países signatários não estarão em desconformidade como art. 24 dos Tratados.


        De todo modo, poderiam ser suscitados, por seu turno, como regra de bloqueio do art. 25 da Lei n. 12.249/2010, os arts. 24 dos Tratados para evitar a Dupla Tributação firmados com países que possuem os considerados regimes fiscais privilegiados (como é o caso, por exemplo, da Dinamarca64, dos Países Baixos65, da Espanha66 e da Áustria67, por exemplo).


  5. A PROPOSTA DO BEPS ACTION PLAN 4

    Feitas as devidas considerações sobre os fundamentos e os limites das regras de subcapitalização, bem como sobre as próprias regras desta estirpe previstas no ordenamento jurídico brasileiro, cumpre, no presente momento, analisar como a OCDE debruçou-se sobre o assunto por meio do Plano de Ação 4, para, na sequência, se contraporem as propostas dessa organização internacional ao quanto já disposto pela regra brasileira.


    Antes de mais nada, é importante esclarecer, com base na lição de Gomes, Medeiros e Pereira68, que o planos de ação traçados pela OCDE para combater o fenômeno BEPS – dentre eles, naturalmente se incluindo o Plano de Ação 4 – foram estruturados com base em três pilares, quais sejam: (i) deve-se buscar coerência nas leis internas que tenham efeitos tributários sobre operações internacionais; (ii) deve-se privilegiar a substância sobre a forma, de modo que a tributação ocorra onde houver atividade econômica e geração de lucros ou desenvolvimento de ativos; e (iii) almeja-se aumentar a transparência e a segurança jurídica para os negócios e governos.


    Com base nesses ideais é que o Plano de Ação 4 foi traçado para desenvolver recomendações relativas às melhores práticas para elaboração de regras internas que limitem a dedutibilidade de pagamentos de juros utilizados para gerar deduções excessivas do lucro tributável ou para financiar a produção de rendimentos isentos ou diferidos69.


    image


    1. Exemplos disso são os Tratados para evitar a Dupla Tributação firmados entre Brasil e África do Sul, Brasil e Chile, Brasil e Israel e Brasil e Peru.


    64 Art. 2º, III, da IN n. 1.037/2010.


    65 Art. 2º, IV, da IN RFB n. 1.037/2010.


    66 Art. 2º, VIII, da IN RFB n. 1.037/2010.


    67 Art. 2º, XI, da IN RFB n. 1.037/2010.


    1. GOMES, Edgard Santos et al. O Plano de Ação n. 4 do Projeto BEPS da OCDE – limites à erosão da base tributária através de dedução de juros e outras compensações financeiras. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós- BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 268.


    2. OCDE. Limiting base erosion involving interest deductions and other financial payments. Action 4 – 2015 final report. Paris: OECD, 2015,



      Por tratarem de propostas para limitação da dedutibilidade de juros, o referido Plano de Ação sugere medidas coordenadas com as recomendações do Plano de Ações 2 – relativa ao combate ao uso de instrumentos e entidades híbridos –, do Plano de Ações 3 – referente à adoção das CFC rules – e do Plano de Ações 8 – que é um dos que aborda a questão das regras de preços de transferência.


      Mais especificamente o Relatório Final do Plano de Ações 4 sugeriu a adoção, pelos países, de uma fixed ratio rule, que é uma regra de base fixa de endividamento que deve limitar o montante incorrido, por determinado contribuinte, a título de despesa de juros dedutível de seu lucro tributável70. É importante destacar que a regra proposta pela OCDE teria aplicação irrestrita a quase todo tipo de endividamento, seja com partes relacionadas ou independentes – com exceção das dívidas contraídas com partes independentes para financiamento de projetos de interesse público sujeito a condições.


      Pela sugestão da OCDE, os países, ao instituir suas regras de subcapitalização, deveriam utilizar um percentual fixo do lucro da entidade considerada. Optou-se pela utilização do lucro antes dos juros, tributos, depreciação e amortização (“EBITDA”)71 como forma de lucro a ser considerado para fins de definição da base fixa de endividamento.


      A ideia da adoção do EBITDA como parâmetro a delimitar o endividamento da entidade considerada é justamente vincular o nível de dívida de uma empresa à sua geração de ganhos – e, portanto, de receita tributável – para determinado país. Assim, por este critério, tanto maior será o limite de dedutibilidade de despesas de juros, quanto maiores forem os lucros gerados por uma empresa em determinado país e, por conseguinte, oferecidos à tributação naquela jurisdição.


      No mais, a OCDE, no Relatório Final do Plano de Ação 4, sugeriu a adoção de percentual entre 10% e 30% do EBITDA como limite de endividamento das empresas. Tais percentuais foram delimitados a partir de estudo desenvolvido pela PwC, com base em dados da Standard & Poors, no qual se apontou que é dentro dessa margem percentual que se encontra a maior parcela de juros considerada como indedutível72.


      image


      p. 15.


    3. OCDE. Limiting base erosion involving interest deductions and other financial payments. Action 4 – 2015 final report. Paris: OECD, 2015,

      p. 25, 43-45. GOMES, Edgard Santos et al. O Plano de Ação n. 4 do Projeto BEPS da OCDE – limites à erosão da base tributária através de dedução de juros e outras compensações financeiras. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internaci onal na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 274.


    4. OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A Ação 4 do Projeto BEPS e a possível introdução de mais um critério de dedutibilidade de juros na legislação brasileira. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 297.


    5. GOMES, Edgard Santos et al. O Plano de Ação n. 4 do Projeto BEPS da OCDE – limites à erosão da base tributária através de dedução de juros e outras compensações financeiras. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós- BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 275.



      É dizer: pelo estudo apontado, as despesas de juros tomadas abaixo de tais percentuais (que variam de país a país conforme seu ambiente de negócios e suas particularidades macroeconômicas) tendem a se referir a endividamento legítimo dentre as empresas que foram objeto de tal pesquisa.

      De outro lado, a proposta da OCDE também sugere a possibilidade de a fixed rate rule ser complementada pela adoção de uma group ratio rule, pela qual o limite máximo de endividamento legítimo de uma empresa corresponderá à relação entre o lucro da entidade sobre o lucro de todo o grupo em âmbito mundial73.


      Essa abordagem permitiria que entidades deduzissem despesas de juros até o valor do percentual, não de seu EBITDA, mas do EBITDA de todo o grupo, o que pode favorecer, como pontua Phelippe de Oliveira, grupos que possuem alto nível de endividamento com partes não relacionadas74.


      Ademais disso, o Plano de Ação 4 destaca-se por prever algumas regras específicas que

      funcionam como “válvula de escape” ou como flexibilização da regra de subcapitalização.


      Em primeiro lugar, sugere-se, no Relatório Final, a adoção de um patamar mínimo (“de minimus thresold”) para a aplicação dos limites das fixed rate rule e group rate rule. A ideia é que para empresas que tenham endividamento abaixo deste patamar não estejam sujeitas às presentes regras de limitação de dedutibilidade de despesas de juros, o que permite que as autoridades fiscais de cada país foquem esforços nos contribuintes que, de fato, podem incorrer em práticas que levem à erosão da base de cálculo e à transferência de lucros75.


      Em segundo lugar, a OCDE propõe, ainda, que juros pagos a terceiros em empréstimos para financiar projetos de infraestrutura não sejam incluídos sob o limite de dedutibilidade fixado pelas regras propostas. Tal exceção seria possível dentro do adimplemento de determinadas condições e para os casos dos países que necessitem de financiamento por meio de empréstimos para projetos de tal magnitude76.


    6. OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A Ação 4 do Projeto BEPS e a possível introdução de mais um critério de dedutibilidade de juros na legislação brasileira. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 297; OCDE. Limiting base erosion involving interest deductions and other financial payments. Action 4 – 2015 final report. Paris: OECD, 2015, p. 57-58.


    7. OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A Ação 4 do Projeto BEPS e a possível introdução de mais um critério de dedutibilidade de juros na legislação brasileira. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 297.


    8. OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A Ação 4 do Projeto BEPS e a possível introdução de mais um critério de dedutibilidade de juros na legislação brasileira. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 298.


    9. Ibidem.



      Em terceiro lugar, prevê-se, ademais, que os países possam adotar regras de carry forward e de carry back, que permitiriam, respectivamente, que a parcela de juros dedutível eventualmente não utilizada em determinado período pudesse ser carregada para o período seguinte ou que a parcela considerada indedutível em determinado período pudesse igualmente ser levada para o futuro77. A ideia por trás dessas regras é de neutralizar a volatilidade a que está sujeito o EBITDA da entidade (o que afetaria diretamente o limite de endividamento legítimo da empresa) e neutralizar o eventual descompasso de tempo que pode existir entre a necessidade de endividamento da empresa (num primeiro momento) em contraponto à aferição de lucros (em um segundo momento).


      Com base neste panorama geral sobre a proposta da OCDE para regras de limitação de dedutibilidade de juros, passa-se, na sequência, a analisar, se e, em que medida tais regras poderiam ser utilizadas pelo legislador brasileiro, a fim de melhor concretizar o princípio da capacidade contributiva e atender também ao quanto disposto nos Tratados para evitar a Dupla Tributação firmados pelo Brasil.


  6. O QUE A PROPOSTA DO PLANO DE AÇÃO 4 PODERIA APRIMORAR NA REGRA DE SUBCAPITALIZAÇÃO BRASILEIRA

    Em breve resumo do quanto exposto, tem-se que a proposta da OCDE, pelo Relatório Final do Plano de Ação 4, abrange a adoção de: (i) uma fixed rate rule; (ii) a EBITDA para o cálculo da proporção entre debt/equity na definição do limite de endividamento legítimo; (iii) uma group rate rule como alternativa à primeira regra de limitação de dedutibilidade de juros;

    (iv) um minimum thresold abaixo do qual não se aplicariam as regras de limitação de dedutibilidade de juros; e (v) regras de carry forward e carry back para aproveitamento de limite de dedutibilidade em momentos distintos do de sua apuração.


    Diante deste cenário, cumpre contrapor cada um desses aspectos em face dos aspectos das regras brasileiras de subcapitalização, para avaliar se a proposta da OCDE poderia aprimorar o quanto disposto pelas normas existentes no Brasil.

    Neste sentido, nota-se, em primeiro lugar, que a adoção de uma fixed rate rule pela proposta da OCDE coincide parcialmente com o critério das regras brasileiras. A coincidência está justamente na adoção de uma base fixa para cálculo de endividamento máximo para fins de dedutibilidade de juros. Uma das diferenças, no entanto, encontra-se na abrangência da regra e na escolha do percentual para cálculo sobre a aludida base fixa.


    Quanto a essas diferenças, tem-se, por um lado, que o escopo da regra brasileira é mais adequado à finalidade de se prevenir o abuso na utilização de despesas de juros para


    image

    1. OCDE. Limiting base erosion involving interest deductions and other financial payments. Action 4 – 2015 final report. Paris: OECD, 2015,

      p. 67-68; OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A Ação 4 do Projeto BEPS e a possível introdução de mais um critério de dedutibilidade de juros na legislação brasileira. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1, p. 299.



      diminuir o lucro tributável das empresas. Ao propor a limitação de dedutibilidade de despesas de juros a partes relacionadas e independentes, a OCDE expandiu em demasia o escopo da regra proposta, de modo que não há o que ser alterado pela regra brasileira neste ponto – por se tratar justamente de uma regra antiabuso.


      Por um lado, é de se destacar que a OCDE propôs o percentual de 10% a 30% a ser aplicável sobre a relação endividamento/EBITDA a partir de estudos técnicos que avaliaram qual costuma ser o grau de endividamento legítimo das empresas pesquisadas. Independentemente de se questionar a forma e o resultado dessa pesquisa – o que não compõe o escopo deste trabalho – fato é que a adoção dos percentuais de 10% a 30% pela proposta da OCDE não foi aleatória, mas parece ter partido de uma análise de como costuma ser a realidade econômica envolvida nesses casos, o que revela a preocupação da mencionada organização internacional em propor uma regra que se adéque à maior parte dos casos de financiamento das empresas por dívida.


      Na realidade brasileira, não se tem notícia – nem tampouco constou da exposição de motivos da Medida Provisória que deu origem às regras de subcapitalização dos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010 – de que as autoridades brasileiras tenham adotado os percentuais de 2:1 e de 30% do endividamento/patrimônio líquido (ou participação societária) a partir de estudos sobre a realidade econômica das empresas brasileiras.


      Diante disso, esclareça-se que não se está propondo que a legislação brasileira adotasse a mesma percentagem adotada pela do Relatório Final da OCDE, nem apontando qual seria melhor ou pior percentual. O que chama atenção, no entanto, é que a escolha de percentual pelo legislador brasileiro parece não levar conta um estudo empírico que demonstrasse em quanto as empresas precisam se financiar por empréstimo – por limitações de investimento em capital próprio ou mesmo por incipiência do mercado de capitais brasileiro.


      Com isso, é possível que os percentuais definidos pelas regras brasileiras possam corresponder ou a valor acima do necessário – o que corresponde a permitir a erosão do lucro tributável no Brasil pela dedução de despesas abusivas de juros – ou a valor abaixo do necessário – de modo que as regras de subcapitalização estariam punindo boa parte dos contribuintes brasileiros por precisar se financiar por capital de terceiro.


      O que se quer dizer, de volta às lições de Humberto Ávila, é que a presunção adotada pela regra brasileira, enquanto padronização, pode não atender aos critérios de generalização, da compatibilidade, da neutralidade e do não excesso, caso se demonstre que os percentuais definidos nos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010 não correspondem à realidade das empresas brasileiras.



      Neste sentido, as regras brasileiras estariam demasiadamente descoladas da realidade e não poderiam, enquanto presunções jurídicas, servir como simplificações de fatos que reflitam capacidade contributiva, revelando-se, enfim, arbitrárias e contrárias ao princípio da igualdade tributária.


      Num passo adiante, quanto à adoção do EBITDA pela recomendação do Relatório Final da OCDE, nota-se, aqui, uma distinção em relação à lei brasileira, que utiliza a relação endividamento sobre o patrimônio líquido ou sobre a participação societária como critério para cálculo da base fixa de endividamento – embora a OCDE também aceite a adoção da relação debt/assets value.


      Neste ponto, a escolha do legislador brasileiro é mais acertada por privilegiar a previsibilidade e, portanto, a segurança jurídica do contribuinte quando do cálculo do limite de dedutibilidade de despesas de juros. Conforme entende Vleggert78, a adoção do EBITDA para cálculo da base fixa de endividamento por ensejar demasiada volatilidade e flutuação dos limites de dedutibilidade de juros, uma vez que – como não poderia deixar de ser – os lucros de uma empresa variam de ano para ano.


      Mais do que isso, ao utilizar o EBITDA como critério para cálculo de limitação de dedutibilidade de juros, a OCDE claramente demonstra seu interesse em alinhar a possibilidade de dedutibilidade de despesas de juros com a geração de lucros em determinado país. É dizer: pela regra proposta pela OCDE, tanto maior será a dedutibilidade de juros quanto maiores forem os lucros auferidos pela empresa.


      Isso significa que a proposta de regra da OCDE pode gerar grandes distorções em casos em que a empresa sofra prejuízo ao final do período e não possa deduzir qualquer montante a título de despesa de juros – o que atenta contra a capacidade contributiva.


      É bem verdade que a adoção do patrimônio líquido ou da participação societária como critério para cálculo da base fixa de endividamento, pela legislação brasileira, pode também não ser perfeito, até mesmo por estar sujeito a maior manipulação79. De todo modo, por não estar atrelado ao lucro da entidade, é mais estável (portanto, gera mais previsibilidade ao contribuinte e também às autoridades fiscais) e, salvo situações extremas em que a empresa acumule prejuízos que superem os valores de capital social e, portanto, gerem valores negativos de patrimônio líquido não impedirá a empresa de tomar a dedutibilidade de despesas de juros (como uma regra de subcapitalização que utiliza o EBITDA como parâmetro impediria, de plano, a cada ano de prejuízo).


      image


    2. VLEGGEERT, Jan. Public discussion draft on interest deductions proposes worldwide interest allocation rules. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 4/5. Amsterdam: IBFD, abril/maio de 2015, p. 297-305 (304).


    3. VLEGGEERT, Jan. Public discussion draft on interest deductions proposes worldwide interest allocation rules. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 4/5. Amsterdam: IBFD, abril/maio de 2015, p. 297-305 (304).



      Isso, portanto, revela como o critério de regra brasileira concretiza, em maior medida, o princípio da capacidade contributiva e parece mais adequado que a proposta da OCDE neste ponto.

      Em terceiro lugar, quanto à adoção de uma group rate rule como forma alternativa de cálculo da base fixa de endividamento, andou muito bem a proposta da OCDE. Ao contrário da regra brasileira de subcapitalização, a recomendação da OCDE prevê um caminho alternativo ao contribuinte que se veja limitado pela fixed rate rule.


      Neste sentido, a proposta do Relatório Final do Plano de Ação 4 admite que a adoção de uma base fixa de endividamento pode levar a situações de distorção e em que a capacidade contributiva da empresa pagadora dos juros não seja devidamente refletida pela presunção de que se valem as regras de subcapitalização. Exatamente por isso, a OCDE propôs “uma válvula de escape”, um limite alternativo de endividamento que se basearia não mais no EBITDA da própria empresa, mas sim do grupo a que ela pertence.

      Diante dessa recomendação, entende-se que, de lege ferenda, seria adequado que a regra brasileira, de igual modo, previsse um método alternativo para cálculo do endividamento máximo das empresas brasileiras.


      De volta, uma vez mais, à matriz teórica, proposta por Ávila, para o estudo das padronizações em face da igualdade tributária, repisa-se que a adoção, pela legislação, de um meio alternativo de cálculo do endividamento máximo a ser considerado para fins de dedutibilidade de despesas de juros atende, em maior medida, ao princípio da capacidade contributiva e, por conseguinte, ao da igualdade tributária.

      Conforme demonstrado, a ajustabilidade é um critério essencial a ser seguido pelas regras tributárias que operem por meio de presunções jurídicas. Nessa linha, conferir ao contribuinte a possibilidade de não aplicar o limite de endividamento previsto pela fixed rate rule, mas sim o previsto por outro método atende perfeitamente ao critério da ajustabilidade80.


      Diante disso, a proposta da OCDE poderia muito bem ser adotada pelo legislador brasileiro, que deveria, então, prever método alternativo aos contribuintes que se vissem em situação demasiadamente prejudicial pela aplicação dos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010.

      A grande questão é se o legislador deveria adotar também o método do group rate rule – tal como recomendado no Relatório Final do Plano de Ação 4 – ou se deveria adotar ainda outro método.



      image


    4. Essa é também a posição de Alberto Xavier e Renata Emery cf. XAVIER, Alberto; e EMERY, Renata. Subcapitalização. Revista Dial ética de Direito Tributário n. 176. São Paulo: Dialética, 2010, p. 13.



      Para realizar essa escolha, o legislador deve ponderar qual dos métodos melhor atende ao critério da capacidade contributiva e que está em maior conformidade com o quanto disposto nos Tratados para evitar a Dupla Tributação firmados pelo Brasil.


      Sob essas circunstâncias, entende-se que o legislador não estaria, a princípio, impedido de adotar o group rate rule. De todo modo, deve-se ponderar que este método igualmente se vale de uma presunção, no que, em alguma medida, pode, em dados casos concretos, igualmente não refletir a capacidade contributiva das empresas. Com isso a group rate rule poderia apresentar incompatibilidades semelhantes à regra que relaciona endividamento e patrimônio líquido.

      Ademais disso, é possível que os ajustes previstos pelo método da group rate rule não estejam, a depender do caso, em conformidade com o critério arm’s lenght e, por isso, a regra que previsse tal método poderia ser bloqueada pelo art. 9 de alguns dos tratados de bitributação firmados pelo Brasil.


      Sendo assim, a lição que fica da proposta da OCDE, neste ponto, é a da necessidade de o legislador brasileiro prever um método alternativo para cálculo de endividamento máximo para fins de dedutibilidade de despesas de juros. Acompanhados por Tomazela Santos81, entendemos, aqui, que o ideal seria que o legislador brasileiro previsse o método arm’s lenght como válvula de escape para as regras dos arts. 24 e 25 a Lei n. 12.249/2010.


      Conquanto esse método peque pela falta de praticidade (e talvez pela imposição de maior ônus de prova ao contribuinte), fato é que ele seria aplicado em casos excepcionais, conforme o interesse do contribuinte, e funcionaria como instrumento para maior concretização do princípio da capacidade contributiva, sem deixar de atender ao art. 9 dos Tratados para evitar a Dupla Tributação de que o Brasil é parte.


      Não bastasse a adoção de um método alternativo de cálculo de endividamento máximo, entende-se, em quarto lugar, que o legislador brasileiro deveria – tal como proposta da OCDE – prescrever um minimum thresold, abaixo do qual as regras dos arts. 24 e 25 não seriam aplicáveis.


      Essa medida é relevante não só para que as autoridades fiscais possam focar seus esforços nos contribuintes que, efetivamente, têm potencial de reduzir o lucro tributável por meio de despesas de juros abusivas, como beneficia os próprios contribuintes. De acordo com apontamento do próprio Relatório Final do Plano de Ação 4, as empresas maiores têm mais facilidade de atingir níveis menores de endividamento82, o que, talvez, reforce o argumento


      image

    5. SANTOS, Ramon Tomazela. As regras de subcapitalização introduzidas pela Lei 12.249/10. Revista Dialética de Direito Tributário n. 184. São Paulo: Dialética, 2011, p. 120.


    6. OCDE. Limiting base erosion involving interest deductions and other financial payments. Action 4 – 2015 final report. Paris: OECD, 2015, p. 53.



    de que as empresas de menor porte precisam mais de efetivo financiamento por capital de terceiros.


    Nessa linha, nada impede que o legislador adote o que se cunhou de “anti-fragmentation rule” no Relatório Final do Plano de Ação 4. Tais regras nada mais são do que regras antiabuso que impediram as empresas de segregar suas atividades para que fossem consideradas, individualmente, como pequenas e, portanto, não sujeitas às regras de subcapitalização. Assim, o que se propõe é que a adoção de um minimum thresold venha acompanhada de uma regra antiabuso que evitaria a segregação de empresas apenas para escapar da aplicação das regras de subcapitalização.

    Por fim, quanto às regras de carry forward e carry back, vale ressaltar que elas foram propostas no Relatório Final da Ação 4 com a finalidade bastante específica de neutralizar a volatilidade da fixed rate rule proposta pela OCDE, uma vez que a referida regra toma o EBITDA como parâmetro.


    Apesar de essa especificidade não estar presente na regra brasileira – que, portanto, tende a ser mais estável, uma vez que toma como critério o patrimônio líquido ou a participação societária de partes relacionadas na pessoa jurídica brasileira – entende-se que as regras de carry forward e carry back não são, de todo, dispensáveis.

    Isso porque, mais uma vez em prol da ajustabilidade das presunções utilizadas pelas regras dos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010, a possibilidade de carregar limites de dedutibilidade ou juros deduzidos em excesso para o futuro atende ao princípio da capacidade contributiva.


    Ao adotar esse tipo de regra, o legislador brasileiro contemplaria os casos de contribuintes que, por circunstâncias determinadas, contraíssem maior endividamento em determinados períodos (como de crise financeira ou mesmo de expansão das atividades em que não houvesse a possibilidade maior de capitalização da pessoa jurídica pelos sócios). Assim, também para estes casos especiais, a regra de subcapitalização estaria mais devidamente calibrada para refletir a capacidade contributiva das empresas sediadas no Brasil.


  7. CONCLUSÕES

Por meio do presente estudo, concluiu-se que as regras de subcapitalização valem-se de presunções jurídicas para definir o que se entende por endividamento excessivo, para fins de dedutibilidade de despesas de juros.


Nessa linha, ficou claro que o princípio da capacidade contributiva é, ao mesmo tempo, fundamento e limite para essas presunções, de tal modo que a utilização de padronizações pelo legislador deve atender a alguns critérios para que estas não se tornem generalizações



arbitrárias que não refletem qualquer capacidade econômica e que, por conseguinte, estão em desacordo com o princípio da igualdade tributária.


Sob essas premissas, analisaram-se os arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010 e as particularidades das regras brasileiras de subcapitalização, dando-se principal enfoque às incompatibilidades de tais regras com o princípio da capacidade contributiva e, possivelmente, com os Tratados para evitar a Dupla Tributação firmados com o Brasil.


Diante desse contexto, pretendeu-se, por meio deste trabalho, contrapor as regras brasileiras de subcapitalização às regras recomendadas pela OCDE por meio do Relatório Final do Plano de Ação 4.


A partir dessa análise, constatou-se que a recomendação poderia servir de parâmetro – ao menos parcialmente – ao legislador brasileiro em alguns aspectos.


Em primeiro lugar, a lei brasileira, antes de adotar percentual para cálculo da base fixa de endividamento, deveria estar embasada em estudo econômico que revelasse qual costuma ser o endividamento necessário constatado nas empresas que atuam no mercado brasileiro, para que a regra de subcapitalização, enquanto presunção jurídica, melhor atenda aos critérios da generalidade, da compatibilidade, da neutralidade e do não excesso.


Em segundo lugar, seria adequado que o legislador brasileiro, tal como a proposta da OCDE, adotasse um minimun thresold, que, quando verificado, dispensasse a adoção de limites de dedutibilidade de juros por meio de regras de subcapitalização. De igual modo, seria recomendável, pela nossa visão, que a legislação tributária brasileira adotasse regras de carry forward e carry back, que permitissem que os contribuintes carregassem limites excedentes de dedutibilidade de juros ou mesmo quantias de juros pagas em excesso para o futuro.


Em terceiro lugar, a Relatório Final da Ação 4 traz uma proposta bastante interessante de recomendação para que os países adotem uma regra alternativa à da base de endividamento fixo (fixed rate rule) – o que, de lege ferenda, deveria ser incorporado pelo legislador brasileiro. A proposta da OCDE menciona, particularmente, a adoção, com método alternativo, da group rate rule e, conquanto não haja restrições absolutas para incorporação de tal método pelo legislador pátrio, entende-se que o mais adequado seria adoção do método arm’s lenght como “válvula de escape” para o cumprimento dos arts. 24 e 25 da Lei n. 12.249/2010.


A utilização do método arm’s lenght parece ser o mais adequado, não só por compreender melhor instrumento de concretização da capacidade contributiva, mas por representar método que está em conformidade com o art. 9 dos tratados brasileiros de bitributação.



Em quinto e último lugar, entendemos que a regra brasileira não deveria expandir seu escopo de aplicação – tal como a proposta pela OCDE – e que de todas as propostas sugeridas pelo Relatório Final do Plano de Ação 4, a que de fato não traria qualquer melhoria à regra brasileira seria a adoção do EBITDA para cálculo do endividamento máximo, para fins de dedutibilidade de juros, das pessoas jurídicas brasileiras. Apesar de tanto as regras brasileiras como as propostas pela OCDE valerem-se de fixed rate rules, as primeiras pautam-se na relação endividamento sobre patrimônio líquido (ou participação societária), a segunda sugere definir o montante de endividamento legítimo a partir da relação entre dívida e EBIDTA. Diante desse contraponto, constata-se que andou melhor o legislador brasileiro, eis que as regras brasileiras conferem maior previsibilidade aos contribuintes brasileiros e causam menores distorções nos casos em que a empresa brasileira possui endividamento legítimo (considerado não abusivo) apesar de amargar prejuízos em determinados períodos.


Por todo exposto, confirmou-se, parcialmente, a hipótese de pesquisa deste artigo, ao se demonstrar que a proposta do Relatório Final do Plano de Ação 4 da OCDE poderia, se adotada pelo legislador brasileiro, em certa medida, calibrar melhor as regras de subcapitalização brasileiras conforme o princípio da capacidade contributiva e as regras dispostas nos Tratados para evitar a Dupla Tributação assinados pelo Brasil.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVERY JONES, J. F. et al. The non-discrimination article in tax treaties. International Bureau of Fiscal Documentation, 1991.

ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.


BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2001.


        . Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses, 2016.


BONFIM, Diego. Regras brasileiras de subcapitalização e de juros de transferência e o Plano de Ação 4 do Projeto BEPS. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e MOREIRA, Francisco Lisboa (coord.). Manual de preço de transferência: BEPS, Brasil & OCDE. São Paulo: Quartier Latin, 2018. v. 1.


BRAUNER, Yariv. What the BEPS? Florida Tax Review v. 16, n. 2. Gainesville: Universidade da Flórida, 2014.

BROWN, P. General report: the debt-equity conundrum, 97b, Cahiers de droit fiscal international, 2012.



BURNETT, Chloe. Interest deductions and multinational enterprises: goldilocks and the brave new world. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 6/7. Amsterdam: IBFD, 2015.


        . Intra-group debt at the crossroads: stand-alone versus worldwide approach. World Tax Journal v. 6, n. 1. Amsterdam: IBFD, fevereiro de 2014.


CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Reflexões sobre os princípios constitucionais aplicáveis às regras de subcapitalização brasileiras veiculadas pela Med. Prov. 472/2009 e eficácia de sua conversão na Lei 12.249/2010 para fins de IRPJ e CSL. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 96/2011.


COOPER, Graeme S. Some thoughts on the OECD’s recommendations on hybrid

mismatches. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 6/7. Amsterdam: IBFD, 2015.


GALHARDO, Luciana Rosanova. As regras de subcapitalização e a atuação de bancos nacionais e estrangeiros de operações de financiamento externo de empresas nacionais. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga. O direito tributário e o mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2010. v. 2.


GOMES, Edgard Santos et al. O Plano de Ação n. 4 do Projeto BEPS da OCDE – limites à erosão da base tributária através de dedução de juros e outras compensações financeiras. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1.


GUTIERREZ, Miguel Delgado. Imposto de renda: princípios da generalidade, da universalidade e da progressividade. São Paulo: Quartier Latin, 2014.


HASLEHNER, W. C. Chapter 1 Nationality Non-Discrimination and Article 24 OECD Model: Perennial Issues, Recent Trends and New Approaches in Non-Discrimination in Tax Treaties: Selected Issues from a Global Perspective (D. (Dennis) Weber & P. Pistone eds., IBFD 2016), Online Books IBFD.

HEY, Johanna. Base erosion and profit shifting and interest expenditure. Bulletin for International Taxation v. 68, n. 6/7. Amsterdam: IBFD, 2014.


JANSSENS, Pascal; LEDURE, David; VANDEPITTE, Bertrand; e LOOS, Jelle. The end of intra-group financing... or not just yet? – part 1. European Taxation v. 55, n. 7. Amsterdam: IBFD, julho de 2015.


MILLÁN, Emilio C.; e SOLER ROCH, María T. Limit base erosion via interest deduction and others. Intertax v. 43, n. 1. Amsterdam: Kluwer Law International, 2015.



MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Brazil – the Brazilian thin capitalization rules and tax treaties: a critical approach. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 11. Amsterdam: IBFD, 2015.


NETO, Luís Flávio. Direito tributário internacional: “contextos” para interpretação e

aplicação de acordos de bitributação. São Paulo: Quartier Latin, 2018.


OECD. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting. Paris: OECD Publishing, 2013. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/978964202719-en>.


        . Limiting base erosion involving interest deductions and other financial payments.

Action 4 – 2015 final report. Paris: OECD, 2015.


OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A Ação n. 4 do Projeto BEPS e a possível introdução de mais um critério de dedutibilidade de juros na legislação brasileira. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 1.

PLITZ, D. J. General report, international aspects of thin capitalization. IFA Cahiers de droit fiscal international v. LXXXIb, sec. IV., 1. Online Books: IBFD, 1996.


ROCHA, Paulo Victor. Teoria dos direitos fundamentais em matéria tributária: restrições a direitos do contribuinte e proporcionalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2017.


RUST, A. Der BEPS Aktionspunkt 2 zur Neutralisierung der Effekte hybrider Gestaltungen und seine Vereinbarkeit mit den Diskriminierungsverboten der Doppelbesteuerungsabkommen und des AEUV. Grundfragen des Europäischen Steuerrechts, MPI Studies in Tax Law and Public Finance 5, 2015.


SANTOS, Ramon Tomazela. As regras brasileiras de subcapitalização e os acordos internacionais de bitributação – a incompatibilidade da Lei n. 12.249/2010 com o princípio arm’s lenght e com a cláusula de não discriminação. Revista Dialética de Direito Tributário

n. 234. São Paulo: Dialética, 2011.


        . As regras de subcapitalização introduzidas pela Lei 12.249/10. Revista Dialética de Direito Tributário n. 184. São Paulo: Dialética, 2013.


SCHOUERI, Luís Eduardo. Arm’s lenght: beyond the guidelines of the OECD. Bulletin for International Taxation, IBFD, 2015.


        . Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017.


        . O arm’s length como princípio ou como standard jurídico. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; e BIANCO, João Francisco (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Gerd Willi Rothman. São Paulo: Quartier Latin, 2017.


        . O princípio arm’s lenght em um panorama internacional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 2013. v. 4.


        . Preços de transferência no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2013.


SILVA, João Luiz Frossard Pestana. Alternativas de non equity funding para joint ventures internacionais sediadas no Brasil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais v. 84/2019.


TAVARES, Diogo Ferraz Lemos et. al. A Ação 2 do Projeto BEPS da OCDE e seus possíveis efeitos no Brasil. In: GOMES, Marcus Lívio; e SCHOUERI, Luís Eduardo. A tributação internacional na era pós-BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.


TIPKE, Klaus. Princípio de igualdade e ideia de sistema no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao professor Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984.


        . Die Steuerrechtsordnung. Köln: Otto Schmidt, 1993. v. I.


TRAVERSA, Edoardo. Interest deductibility and the BEPS Action Plan: nihil novi sub sole? British Tax Review n. 5. Londres: Sweet & Maxwell, 2013.


VICENTINI, Marcelo Fonseca. Subcapitalização no direito tributário brasileiro. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Roberto Quiroga Mosquera. São Paulo, 2014.

VLEGGEERT, Jan. Interest deduction based on the allocation of worldwide debt. Bulletin for International Taxation v. 68, n. 2. Amsterdam: IBFD, fevereiro de 2014.


        . Public discussion draft on interest deductions proposes worldwide interest allocation rules. Bulletin for International Taxation v. 69, n. 4/5. Amsterdam: IBFD, abril/maio de 2015.


VOGEL, Klaus. Die Besteuerung von Auslandseinkünfte – Prinzipien und Praxix.

Grundfragen des Internationalen Steuerrechts. Otto Schmidt, 1985.


        ; e LEHNER, M. (Hrsg). Doppelbesteuerungsabkommen Kommentar 6. Auflage, C. H. Beck, 2014.

XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


        ; e EMERY, Renata. Subcapitalização. Revista Dialética de Direito Tributário n. 176. São Paulo: Dialética, 2010.