DA VEDAÇÃO AO APROVEITAMENTO FISCAL DO GOODWILL EM OPERAÇÕES DE F&A INTERNAS E O CASE GERDAU

PROHIBITION OF GOODWILL TAX ON INTERNAL M&A TRANSACTIONS AND THE CASE GERDAU


Fábia Léya S. Cabral


Advogada. Graduada pela Universidade Federal da Bahia. Salvador/BA. E-mail: leya.cabral@yahoo.com.br



Recebido em: 27-09-2019

Aprovado em: 28-11-2019


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-7155-rdtia-n6-5


RESUMO


Este artigo é uma análise sobre a vedação ao aproveitamento fiscal do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura em operações de F&A internas, isto é, em um mesmo grupo econômico. Para tanto é necessária uma contextualização do ágio através de alguns pressupostos contábeis relacionados às normas internacionais da contabilidade. Os conceitos estudados são ilustrados através do caso Gerdau, considerado um paradigma em matéria de ágio interno.

PALAVRAS - CHAVE: ÁGIO, REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA, EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA, PROPÓSITO NEGOCIAL, PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO


ABSTRACT


This article is an analysys of the prohibition of tax utilization of goodwill on an internal M&A transactions, in the same economic group. This requires a contextualization of the use of some accounting assumptions related to inter-national accounting standards. The concepts studied are illustrated throught the Gerdau case, considered a paradigm in internal goodwill.


KEYWORDS: GOODWILL, CORPORATE REORGANIZATION, BUSINESS PURPOSE, TAX PLANNING


  1. INTRODUÇÃO

    Sempre no primeiro trimestre de cada ano a Receita Federal do Brasil publica seu Plano Anual de Fiscalização contendo, além dos resultados da arrecadação do ano anterior, as principais operações sujeitas a fiscalização no ano corrente. E as operações envolvendo reorganização societária com aproveitamento de ágio estão sempre incluídas no rol de alvos prioritários em virtude da vedação trazida na Lei n. 12.973/2014 ao aproveitamento do goodwill gerado internamente, num mesmo grupo econômico.


    A proposta aqui é analisar as razões da vedação ao aproveitamento fiscal do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura em operações realizadas entre empresas relacionadas, além dos aspectos práticos envolvendo combinações de negócios entre sociedades relacionadas entre si e os pressupostos contábeis que envolvem a operação e a identificação do goodwill, como o Purchase Price Alocation PPA e a necessidade de realização do Teste de Impairment na fase pós-operação de F&A.

    Para ilustrar os conceitos será estudado o case Gerdau, considerado paradigma em reestruturação societária com aproveitamento fiscal do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura. A escolha desse leading case se deu em razão de se tratar de caso que envolve não só a esfera administrativa, mas também a judicial, com posicionamentos ora contrários e ora favoráveis ao contribuinte, além de ilustrar os conceitos mencionados neste breve estudo, possibilitando-se uma avaliação de maneira crítica à vedação ao aproveitamento do goodwill em operações de F&A realizadas entre empresas pertencentes a um mesmo Grupo econômico.


  2. CONVERGÊNCIA ÀS NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE E PRESSUPOSTOS CONTÁBEIS

    Com a globalização e a difusão de práticas comerciais internacionais, houve a necessidade de padronização contábil empresarial. A principal razão para a adoção de normas internacionais padronizadas é a necessidade de comparabilidade entre as demonstrações contábeis de empresas nacionais e internacionais, o que permitiria a captação de investimentos e a expansão de negócios a nível global.


    Inicialmente a padronização das normas contábeis se deu a partir do chamado IFRS 1 – First-time Adoption International Financial Reporting Standards, em 2003, cuja aplicação se daria a partir de 1º de janeiro de 2004. E com vistas a se adequar ao padrão contábil internacional foi sancionada a Lei n. 11.638/2007, que determinou que a Comissão de Valores Mobiliários – CVM deveria elaborar as suas normas em consonância com os padrões internacionais da contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.



    Assim, com base na referida Lei n. 11.638/2007 a CVM passou a editar Instruções normativas, em especial a IN n. 464/2008, que estabelece a elaboração e demonstrações financeiras consolidadas sob padrões internacionais.


    No entanto, por se tratar de mudança brusca no procedimento contábil adotado, era necessário um regime de transição, por essa razão é que em 2008 foi editada a Medida Provisória n. 449, de 2008, posteriormente convertida na Lei n. 11.941, de 2009, que instituiu o chamado Regime Tributário de Transição – RTT, implantando uma neutralidade tributária provisória com vistas a alcançar-se futuramente a padronização global da contabilidade.


    O RTT para os anos de 2008 e 2009 era facultativo, mas para o ano de 2010 se tornou obrigatório, cabendo às empresas ajustarem-se às novas práticas contábeis. Assim, a Receita Federal do Brasil determinou a utilização do LALUR – o Livro de Apuração do Lucro Real, que se tornou o procedimento padrão contábil. E em 2014 entrou em vigor a Lei n. 12.973, que extinguiu o RTT a partir de 2015 obrigatoriamente, sendo para o ano de 2014 facultativo, devendo ser declarada sua extinção na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF). A Lei n. 12.973/2014 estipulou que nas operações de F&A deveria haver a discriminação em contas separadas do custo da aquisição, da mais-valia e do ágio apurado com base na rentabilidade futura, o goodwill. Além disso trouxe como procedimento contábil padrão para as operações de F&A o Método de Equivalência Patrimonial – MEP ao determinar que o custo de aquisição possua equiparação que equivalha exatamente à demonstração contábil do patrimônio das sociedades envolvidas na operação.


    Assim, os demonstrativos contábeis apurados pelo Método de Equivalência Patrimonial possibilitam a compatibilidade das empresas, inclusive internacionais, e a determinação do valor justo dos ativos líquidos. Nesse sentido é o CPC 15, que estabelece as condições gerais de classificação dos ativos adquiridos e passivos assumidos.


    A avaliação do patrimônio líquido pelo Método de Equivalência facilita ainda a elaboração dos balanços consolidados entre as empresas envolvidas na operação de F&A. Isto porque, havendo o lançamento a débito ou a crédito em contas do ativo e passivo, tanto na adquirente quanto na adquirida, haverá uma correspondência entre as empresas envolvidas, que é fundamental para a determinação dos valores expressos no balanço consolidado.


    A mensuração desses elementos constantes nas demonstrações contábeis consiste segundo Iudícibus (2010, p. 46) em determinar os valores pelos quais o ativo, passivo e patrimônio líquido devem ser reconhecidos e apresentados no balanço patrimonial e na DRE – Demonstração de Resultados do Exercício. Tal mensuração é importante para a determinação do valor contábil e posteriormente do valor justo dos ativos, que é uma das



    fases do desdobramento de custo da aquisição prévia à identificação da expectativa de rentabilidade futura.


    Segundo o CPC 15, valor justo é o valor pelo qual um ativo pode ser negociado entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e independentes entre si, sem que haja fatores externos que pressionem para a liquidação da transação. Tal avaliação a valor justo dos elementos contábeis deve ser realizada antes da concretização da operação do negócio. Isto é, o reconhecimento do valor justo de ativos intangíveis deve ser realizado separadamente do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura, ainda que a avaliação do goodwill tenha sido ponderada antes da aquisição da empresa, sendo este um dos objetivos da operação.


    Perceba-se que não se confunde o valor justo com o valor contábil. O primeiro leva em consideração fatores externos, próprios do mercado. É um valor negociado, barganhado entre as partes, considerando as informações que estas possuem e os valores que estão dispostos a pagar por cada ativo separadamente.


    A mais-valia dos ativos ocorre sempre que o valor pago por eles em uma operação de F&A for maior que o seu valor patrimonial. É um dos fundamentos econômicos do ágio. Ocorrendo, no entanto, o contrário, isto é, uma aquisição de ativo por valor menor do que o seu valor patrimonial, haverá o que se chama de ganho por compra vantajosa. A empresa adquirente registra a mais-valia paga como custo adicional da operação. É importante ter esta conceituação em mente para que não se confunda com o fundamento econômico do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura.


    O custo da aquisição por sua vez deve ser formado pelo somatório dos valores justos dos ativos, passivos e demais títulos patrimoniais emitidos para pagamento correspondente à operação de F&A, refere-se, portanto, ao valor total da operação, considerando as variações próprias do mercado e numa avaliação mais genérica da operação e não dos ativos separadamente. Ilustre-se: pode uma empresa alienar um ativo intangível de duração indeterminada, como uma obra de arte, a valor justo, variante da própria negociação. Mas a mesma obra, avaliada em conjunto com os demais ativos da empresa que formam o custo da aquisição pode ter seu valor de mercado diminuído ou aumentado pela pertinência ao conjunto de ativos adquiridos. Esta compreensão é necessária para a diferenciação da mais- valia dos ativos em relação ao ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura.


  3. APROVEITAMENTO FISCAL DO ÁGIO FUNDADO EM EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA (GOODWILL)

    Ocorre a formação do goodwill ou ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura sempre que o custo de determinada aquisição em operação de F&A for maior que a soma do valor justo dos ativos à época da operação e este sobrevalor se der em razão de se tratar de empresa a que se espera advir um lucro maior posteriormente à aquisição.



    A rentabilidade futura de determinada empresa adquirida nada mais é do que o lucro que se espera obter com ela, dentro de determinado período, que é provisionado contabilmente e possui um benefício fiscal vindo de sua amortização de IRPJ e CSLL. Contabilmente o Comitê de Pronunciamento n. 15 já havia reconhecido e conceituado o ágio, como assinala Sérgio de Iudícibus em seu Manual da Contabilidade Societária, 2010 (p. 424):

    “Ágio por rentabilidade futura (goodwill) é definido no Apêndice A do CPC 15 como um ativo que representa benefícios econômicos futuros resultantes dos ativos adquiridos em combinações de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente reconhecidos.”

    Questão relevante apontada no CPC 15 diz respeito à indivisibilidade do goodwill em ativos separadamente, isto é, o ágio fundado em expectativa de rentabilidade não se refere individualmente a determinado ativo, mas sim à totalidade dos bens incorporados. A rentabilidade futura não está relacionada a determinado bem ou ativo, mas sim ao conjunto incorporado, a que se espera que advenha lucro no seu desempenho da atividade empresarial. Neste sentido Schoueri (2012, p. 23):


    “Na rentabilidade futura, os bens do ativo da controlada ou coligada já não mais são considerados a partir de seu valor isolado, como na hipótese do inciso I, nem tampouco se considera apenas a capacidade abstrata de gerar lucros, de um modo geral (inciso III); o que se tem é, antes, uma remuneração, ao vendedor, por conta de lucros que o empreendimento deve gerar, devidamente quantificados.”


    Ao ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura fora dado tratamento fiscal diferenciado permitindo a sua amortização, por esse motivo há sempre uma notória preferência na escolha desse tipo de ágio quando das operações de F&A. No entanto, para que seja possível haver o goodwill é necessário um laudo pericial, por auditores independentes, que deve ser elaborado antes da operação de F&A, na fase de desdobramento do custo da aquisição. Tal laudo técnico independente costuma levar em consideração, para determinação do valor do ágio, a rentabilidade da incorporada havida nos últimos anos e as projeções de mercado para os próximos.


    A criação do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura deu-se num contexto, em meados dos anos 90, quando o Governo Federal buscava incentivos estrangeiros na privatização de empresas estatais lucrativas e com sólido potencial de mercado. O Programa Nacional de Desestatização (PND) incentivava o investimento nas estatais brasileiras a preço maior do que aquele registrado contabilmente, gerando, portanto, um ágio, que seria dedutível perante o Fisco. Foram diversos os casos de privatização, gerando ágio, notadamente no campo da telefonia, do setor petroquímico e de mineração, além de setores ligados à produção energética. Para o poder público era vantajoso porque aumentava-se o custo da aquisição das estatais, e para os investidores havia a vantagem de



    poder deduzir o ágio pago acima do valor patrimonial das estatais. Nesse sentido é a explicação de José Otávio Haddad Faloppa (2008, p. 1064):


    “Com o tempo o benefício se tornou característica notória e relevante do ambiente de investimentos brasileiros, servindo de vetor que se não estimula ao menos facilita operações de aquisição de empresas fechadas e abertas, operações são necessárias para propiciar o investimento privado necessário a estimular a produção e a oferta de bens e serviços.

    Tanto é assim que a relevância do benefício fiscal de amortização do ágio se faz presente em vários segmentos de negócios da economia brasileira – no mercado de capitais para empresas abertas, no chamado mercado de private equity para empresas de menor tamanho ou maior risco e também nas transações privadas entre grandes grupos nacionais e estrangeiros.

    Estimula-se assim, o investimento em outras empresas e a reorganização societária, tão importante num contexto de baixo crescimento econômico do país. O investimento em outras empresas e a reorganização societária contribuem para o fortalecimento das bases da economia nacional.”


    O planejamento fiscal para aproveitamento do ágio, prévio e necessário em qualquer operação de F&A, é, assim, uma consequência da própria indução do Estado, utilizando-se da legislação do benefício fiscal, mas também uma própria dedução lógica contábil, veja-se da explicação de Paulo Cezar Aragão (2008, p. 385):


    “Este aspecto é curiosamente esquecido em algumas análises totalmente superficiais do fenômeno. De fato, se o comprador está pagando um sobrevalor em decorrência da sua expectativa de lucros futuros, adicionalmente ao valor contábil do investimento, mesmo considerando o método da equivalência patrimonial, este sobrevalor representa um lucro tributável do vendedor, sendo razoável que o comprador o possa deduzir na medida e que, respeitado o princípio contábil do emparelhamento (matching), forem se realizando os lucros esperados e que tenham justificado o pagamento de tal sobrevalor.”


    Atualmente o ágio é regido pela Lei n. 12.973/2014, resultado da conversão da Medida Provisória n. 627/2013, que também é responsável por extinguir o RTT – Regime Tributário de Transição e internalizar os padrões contábeis internacionais. Sua principal modificação, contudo, foi a operacionalização do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura e a expressa vedação nas operações realizadas entre partes dependentes ou relacionadas.


    1. Operacionalização do ágio


      Para a operacionalização do ágio há um procedimento básico a ser seguido quando da F&A com vistas a determinação do valor goodwill. Tal procedimento de identificação do custo de aquisição e alocação do ágio é chamado Purchase Price Allocation (PPA).


      O objetivo do Purchase Price Allocation PPA é fazer um desdobramento do custo de aquisição no qual as contas de ativo devem ser trazidas a valor presente através de uma avaliação de valor justo correspondente, para em seguida ser identificado o valor correspondente à expectativa de rentabilidade futura. É um processo muito detalhado e que pode variar de acordo com os auditores independentes que o realizarem, mas que possui 4 (quatro) requisitos comuns: (i) a identificação do adquirente, que obterá o controle da empresa e responsável pelo pagamento do custo da aquisição; (ii) a determinação da data da aquisição, que é a data em que o controle da adquirida será efetivamente repassado e é importante inclusive para fins de registro do laudo técnico no Cartório de registro de títulos; (iii) o custo da aquisição detalhado, que é o principal objetivo do laudo final do PPA e deve reconhecer separadamente os ativos identificáveis e os passivos assumidos pelo seu valor justo e (iv) a identificação e justificativa do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura.


      Assim, quando do desdobramento do custo de aquisição há primeiro que se avaliar o valor do patrimônio líquido da empresa adquirida na época da aquisição. Em seguida é aferido o valor da mais ou menos-valia dos ativos, que é obtido pela diferença do valor justo (valor de mercado) e o valor contábil de cada ativo. O último dos valores que compõem o custo de aquisição é o ágio por expectativa de rentabilidade futura, que tem, portanto, um caráter residual.

      A determinação do valor do goodwill se dá com base em laudo técnico de perito independente, conforme § 2º do art. 421 do RIR/2018. Este laudo deve ser protocolado na Secretaria da Receita Federal e seu sumário de exposições precisa ser registrado em Cartório de registro de títulos até o último dia útil do 13º mês subsequente ao da aquisição, no entanto quando da realização da operação já deve estar disponível para as partes envolvidas conforme disposto no art. 22, § 1º, I, da Lei n. 12.973/2014.


      O laudo de avaliação é fundamental para que possa haver o aproveitamento fiscal do ágio e deve apontar a situação econômica da sociedade adquirida, seu posicionamento no mercado e projeção de lucros para determinado período. Adiante quando do estudo de caso restará comprovada a relevância do Laudo de avaliação e sua imprescendibilidade para validação da operação de F&A.


      A Lei n. 12.973/2014 no seu art. 22, § 2º, estabelece contudo que o laudo pericial será desconsiderado na hipótese em que os dados nele constantes apresentem comprovadamente vícios ou incorreções de caráter relevante. É em verdade uma previsão bastante genérica que permite ao Fisco uma atuação ampla, com respado legal para inadimitir os laudos técnicos independentes e por consequência invalidar o aproveitamento fiscal do ágio. A Lei não especifica o que seriam estes vícios e incorreções de caráter relevante, razão pela qual o laudo há que ser realizado com base em elementos objetivos que permitam identificar o ágio e o custo de aquisição em geral.



      Feita a avaliação do custo de aquisição, e verificado o ágio por expectativa de rentabilidade futura, através de laudo pericial, tal valor deverá ser classificado contabilmente como ativo diferido e poderá ser amortizado nos moldes do art. 433 do RIR/2018, que transcreve o disposto no art. 22 da Lei n. 12.973/2014, sendo este dispositivo o responsável pelo aproveitamento fiscal do ágio na proporção de 1/60 mensalmente durante cinco anos.


      Além disso a Receita Federal por meio da recente Solução de Consulta n. 23, de 26 de junho de 2019 esclareceu que a contagem desses cinco anos em que se dará a amortização deve começar imediatamente, iniciando-se no primeiro período de apuração após a incorporação, não sendo possível postergar a amortização indefinidamente.


      Esta delimitação pode parecer óbvia, mas não sendo delimitado o marco inicial para aproveitamento do ágio, poder-se-ia iniciar o prazo muitos anos depois de efetivada a aquisição. E considerando o prazo prescricional para restituição/compensação de crédito da Fazenda este lapso temporal de aproveitamento poderia iniciar em até cinco anos após a aquisição, após o que restaria prescrito. Por esta razão é que é tão importante que seja determinado o início imediato do lapso temporal de aproveitameto do ágio previsto no art. 22 da Lei n. 12.973/2014.


      Para além deste aspecto temporal de limite para o aproveitamento do ágio, há ainda outros elementos que o Fisco vem acompanhando de perto, como indícios da artificialidade do ágio ou de simulação de negócio celebrado. Tais indícios são observados nas operações de F&A e por isso devem ser previstos pelo contribuinte. São eles: (i) a ausência do laudo técnico independente que justifique o custo da aquisição e identifique o fundamento do ágio; (ii) a falta de identificação da mais-valia dos ativos antes da apuração da rentabilidade futura, pois, conforme mencionado, este deve ser o primeiro ágio identificado, tendo o goodwill um caráter remanescente; (iii) operações realizadas entre empresas coligadas ou

      pertencentes ao mesmo grupo econômico; (iv) a ausência de um propósito negocial para a reorganização societária diferente do planejamento tributário; (v) a utilização de empresa veículo como meio de burlar a vedação ao aproveitamento do ágio interno etc. Tais fatores portanto devem ser analisados quando da operação de F&A com vistas a evitar eventual

      autuaçao do Fisco.


    2. Teste de impairment – desvalorização do goodwill


      Além disso, tendo sido realizado o aproveitamento fiscal do ágio há alguns efeitos decorrentes da escolha por esse benefício fiscal que devem ser observados pelo contribuinte na fase pós-aquisição. O primeiro destes efeitos é a necessidade de realização obrigatória do chamado Teste de Impairment, que é uma avaliação de perda de valor ou depreciação de determinado ativo.



      O Comité de Pronunciamento Contábil nº 01 discrimina detalhadamente como deve ser realizado o teste de valor recuperável – impairment. Em seu item 8 estabelece que a entidade deve avaliar, no mínimo ao fim de cada exercício social, se há alguma indicação de que um ativo possa ter sofrido desvalorização. E, em havendo a desvalorização, deve a entidade estimar qual seria o valor recuperável do ativo, produto da diferença entre o valor de mercado corrente quando do impairment e o seu valor contábil, e neste caso constituir uma provisão de perdas em seu relatório.


      O valor recuperável de um ativo é calculado individualmente ou em grupos de ativos quando estes individualmente não gerarem fluxo de caixa suficiente a aferir seu valor. Esse grupo de ativos com potencial financeiro é chamado Unidade Geradora de Caixa (CGU, do inglês Cash Generating Units). Um exemplo de uma CGU é uma unidade de franquia individual. No entanto, nem toda CGU é necessariamente física, pode ser também intangível, como uma concessão estatal para exploração de que decorra algum retorno financeiro.


      Diferentemente dos ativos tangíveis cujo teste não é obrigatório, em relação especificamente ao ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura, o CPC 01 estabelece a obrigatoriedade de realização do Teste de Impairment, não obstante não se tratar de um ativo separável em razão da característica de universalidade que possui.


      Assim, para que seja realizado o Impairment, o ágio decorrente do goodwill precisa ser ativado, isto é, alocado em determinado ativo, adotando-se para tanto as unidades geradoras de caixa – CGU. Nesse sentido são os itens 77 e 78 do CPC 01. No entanto existem algumas linhas de pesquisa em F&A que defendem que o ágio decorrente da expectativa de rentabilidade futura, em razão dessa natureza relativa a universalidade de bens e ativos deveria ser avaliado diretamente no Impairment, e não ativado como manda a norma através da unidade geradora de caixa. Segundo os defensores da avaliação direta do goodwill, seria mais útil para os investidores e leitores interessados nas demonstrações financeiras considerá-lo separadamente dada a sua relevância econômica e protagonismo na Purchase Price Allocation PPA, o desmembramento do custo de aquisição.


      Em sendo o valor recuperável do ágio maior que o valor contábil registrado anteriormente deverá ser considerada no Impairment como não estando desvalorizado. E caso seu valor recuperável seja menor do que o valor contábil a entidade deverá reconhecer a perda por desvalorização, conforme disposto no item 86 do CPC 01, que atribui a obrigatoriedade de realização do teste anualmente para o goodwill.


      Nesse sentido, o item 99 do CPC 01 vem disciplinar como deve ser realizada a baixa contábil da desvalorização do ágio. Neste caso o montante será inicialmente baixado diretamente contra a conta do próprio ágio, fazendo-o diminuir em seu valor. Apenas quando a conta em que o ágio fora alocado baixar completamente e estiver com seu valor contábil zerado



      é que os outros ativos serão impactos proporcionalmente ao seu valor contábil correspondente. Essas reduções proporcionais em cada ativo são igualmente classificadas como perda por desvalorização.


      Diversos fatores podem causar a desvalorização do valor recuperável do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura no Teste de Impairment. De acordo com Copeland, Koller e Murrin (2000, p. 119), o mais comum é que o goodwill tenha sido avaliado de maneira equivocada quando da operação de F&A e por essa razão o Teste de Impairment invariavelmente apontará uma desvalorização que deve ser classificada como perda.


      As principais razões que resultam numa má avaliação do goodwill quando do PPA são: (i) uma avaliação excessivamente otimista do potencial de mercado; (ii) erros de due diligence que possuam algum impacto financeiro no orçamento; (iii) superestimativa da sinergia entre as empresas envolvidas na operação de F&A; (iv) desinteresse dos empregados em manter o padrão até então praticado após a operação de F&A etc. Havendo qualquer desses motivos, ou outros relacionados, que impactem diretamente na avaliação prévia do goodwill quando do PPA, o Teste de Impairment indicará a desvalorização posterior do ágio, razão pela qual não é uma boa ideia deliberadamente superestimar o goodwill quando da operação de F&A com quaisquer escusas razões.


      Em se considerando, no entanto, que tenha sido realizada uma avaliação fidedigna do goodwill quando do PPA, suficientemente fundamentado no Laudo pericial independente, ainda assim o seu valor recuperável pode sofrer uma desvalorização posterior à operação de F&A por razões imprevisíveis ou mudanças posteriores no status quo.

      Tais mudanças no status quo posteriores à operação de F&A que podem influenciar no valor recuperável do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura podem ser tanto fatores internos quanto externos. Nesse sentido Seetharaman (2006, p. 347) enumera como fatores externos pós-F&A que podem afetar o valor do goodwill, causando-lhe desvalorização:

      • Mudanças significativas no mercado: mudanças no mercado, tais como crises econômicas podem levar a uma redução nas despesas de consumo e, consequentemente, aumentar a pressão competitiva entre as indústrias.

      • Competição inesperada: um estabelecimento concorrente de outra região pode entrar no mercado local ou um novo estabelecimento do mesmo segmento pode iniciar no mercado local com uma nova estratégia de negócios e isto pode criar barreiras para o desenvolvimento do negócio atual. Este novo ingresso pode tentar roubar clientes normais e potenciais, tornando o negócio mais competitivo e menos atrativo.

      • Ação adversa ou taxação por órgãos regulatórios: fatores legais e políticos podem também afetar os valores justos da companhia, em decorrência de um



        relacionamento estrangeiro negativo entre países, novas notificações proibitivas relacionadas com as matérias-primas ou os produtos acabados da companhia, novas políticas de impostos etc.


        Além dos fatores externos que são absolutamente imprevisíveis, há ainda fatores internos que podem depreciar o valor recuperável do ágio de rentabilidade futura, e que, mesmo tendo sido avaliado durante a operação de F&A, foram subestimados ou sofreram alterações posteriores, conforme descrito por Seetharaman (2006, p. 348), sendo eles:


      • Perda de pessoas-chave: empregados são vistos como o ativo mais valioso da companhia. O vendedor da aquisição sempre aumenta o preço do goodwill baseado no seu valioso capital humano. No entanto, pode haver um desperdício se a companhia adquirida falhar na retenção da sua força de trabalho. Empregados- chave que têm sido responsáveis pelo crescimento e sucesso, até o momento, da companhia que está sendo adquirida podem optar por sair ou ficar com a nova administração. Essa perda não pode ser ignorada, mas deve ser levada em consideração no teste de impairment.

      • Mudança no nome da companhia: a mudança de nome traz confusão para todos os stakeholders da companhia. Os investidores podem ter dúvidas em relação à estabilidade do negócio sob o novo nome. Os empregados podem duvidar se a força de trabalho será modificada ou se as suas posições na companhia serão mantidas. Fornecedores e distribuidores podem duvidar se a companhia administrará o negócio como da forma usual e os clientes podem hesitar por não estarem certos de que os produtos possuem o mesmo nível de qualidade. Isso pode trazer um efeito significante no valor justo da companhia.

      • Fracasso na administração da aquisição: administrar a companhia adquirida é sempre subestimado e problemas como comunicação, coordenação e controle podem se tornar reais depois da aquisição. O processo de tomada de decisão torna- se mais lento em decorrência da hierarquia da companhia tornar-se maior e a cooperação se torna difícil em decorrência das duas administrações terem dois modelos de gestão diferentes. Como resultado, o valor justo da companhia pode declinar em razão da ineficiência da administração.

      Tais perdas por impairment costumam ser reversíveis até o limite do valor original do ativo, isto é, se durante um ano houve sua desvalorização com redução do valor recuperável, no ano posterior tal redução pode ser corrigida através da valorização do ativo que pode voltar a seu valor original. No entanto, em se tratando de ágio por expectativa de rentabilidade futura, havendo uma desvalorização por Teste de impairment, sua perda não é recuperável. Então, ainda que haja uma melhora no fator externo ou interno que causou a desvalorização, o valor recuperável do goodwill jamais retornará ao montante original antes da baixa. Nesse sentido é o item 119 do CPC 01, ao estabelecer que “a desvalorização reconhecida para esse ágio (goodwill) não deve ser revertida em período subsequente”.



      A razão pela qual é vedada a reversão da desvalorização do goodwill está ligada ao fato de que eventual melhora na expectativa de rentabilidade futura é um indicador efetivado internamente pela entidade, diferentemente do valor original do ágio que provém de análise externa, através do PPA, por Laudo pericial independente. Nesse sentido é o item

      120 do CPC 01, que veda expressamente o reconhecimento do ágio decorrente de rentabilidade futura gerado internamente, ainda que através de reversão da desvalorização.

      Assim, dado o caráter irreversível da desvalorização do goodwill é necessária a adoção de medidas que possam minimizar as chances de perda do valor recuperável, não obstante se tratarem de fatores que costumam ser imprevisíveis. Um sistema de pós-F&A que alinhe os setores de controladoria e compliance pode diminuir os riscos de uma gestão ineficiente ou ineficaz que não seja capaz de prever potenciais problemas que possam surgir ou de desenvolver um plano de ação para lidar com eles.


    3. Demais efeitos do goodwill


      Além do Teste de Impairment, há ainda outros efeitos decorrentes do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura que devem ser avaliados quando da operação de F&A pois têm reflexos patrimoniais no investimento.


      O primeiro deles é a criação da Reserva especial do ágio que pode ser utilizada para subscrição do capital social. Isto é, na medida em que houver a amortização do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura, o crédito referente à redução do tributo pode ser destinado à integralização de capital social da empresa, conforme se extrai do art. 7º da Instrução Normativa CVM n. 319/1999.


      Em sendo a Reserva especial do ágio destinada à capitalização, esta se realizará em proveito do acionista controlador, conforme expressa previsão da referida Instrução Normativa. E não obstante haja a previsão no § 1º do art. 7º da Instrução Normativa CVM n. 319/1999 de que as ações preferenciais serão asseguradas aos acionistas minoritários, os valores relativos ao exercício dessa preferência serão entregues ao acionista controlador. Fica claro, portanto, que o verdadeiro beneficiário da Reserva especial do ágio em caso de utilização para capitalização será sempre o acionista controlador.


      Por sua vez, o § 2º estabelece que a parcela capitalizada proveniente da Reserva especial do ágio que corresponde ao benefício fiscal decorrente de seu aproveitamento, somente será realizada anualmente, ao término do exercício social e na medida em que represente efetivamente uma diminuição dos tributos pagos pela entidade. Mais uma vez o Impairment vai influenciar aqui, pois a capitalização em favor do acionista majoritário somente ocorrerá ao final do exercício social quando também é realizado o teste do valor recuperável do ágio. E, em havendo a desvalorização, por oportuno haverá igualmente uma redução na base de cálculo da capitalização em favor deste acionista majoritário. Além



      disso, se por qualquer outra razão externa não tiver sido realizado o aproveitamento fiscal do ágio, com a respectiva diminuição dos tributos pagos pela entidade, não poderá haver a capitalização da Reserva especial do ágio em favor do acionista majoritário pois não houvera a realização do benefício fiscal.


      De todo modo tal privilégio exercido pelo acionista controlador se restringe à capitalização da Reserva especial do ágio resultante do benefício fiscal adquirido, não vindo a afetar o fluxo de distribuição de dividendos entre os acionistas majoritários e minoritários que não sofrerá qualquer impacto em razão da Reserva. Assim, os dividendos decorrentes das ações detidas pelos sócios minoritários não poderão ser reduzidos em virtude do aproveitamento fiscal do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura ou da constituição de sua Reserva Especial.


      Outro efeito decorrente do aproveitamento fiscal do ágio é que com a criação da Reserva especial, mesmo que esta não venha a ser destinada à integralização do capital social, sua conta será registrada contabilmente no Patrimônio líquido da entidade. E a base de cálculos dos juros sobre capital próprio é o Patrimônio líquido da empresa.


      Assim, com o aumento da base de cálculos dos juros sobre capital próprio, causado pela inclusão da Reserva especial do ágio no Patrimônio líquido, a remuneração do capital dos acionistas, por consequência, será também maior. Ou seja, a Reserva especial do ágio é registrada no Patrimônio líquido da empresa, que por sua vez é a base de cálculo dos juros sobre capital próprio, assim, o valor creditado aos acionistas pela remuneração do capital será maior. É portanto uma vantagem adquirida pelos acionistas, majoritários ou minoritários, com a criação da Reserva especial do ágio.


      E mais, há ainda uma última vantagem para os acionistas em razão da criação da Reserva especial do ágio. Isto porque a legislação fiscal, através da Lei n. 9.249/1995 em seu art. 9º estabelece que a pessoa jurídica, para efeitos de apuração do lucro real, poderá deduzir como despesa financeira os juros pagos ou creditados aos acionistas a título de remuneração do capital próprio calculados sobre as contas do patrimônio líquido. Assim, o valor do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido será, portanto, menor, em virtude do aumento da remuneração sobre o capital causado pelo aumento na base de cálculos dos juros sobre capital próprio pela inclusão da Reserva Especial do Ágio no patrimônio líquido.


  4. DA VEDAÇÃO AO APROVEITAMENTO DO ÁGIO INTERNO

    Contabilmente só se fala em formação de nova entidade quando se tratar de combinações de sociedades independentes, que não possuem um controle comum. Em se tratando de entidades sob controle comum, a escrituração contábil se dará através da elaboração de demonstrações contábeis consolidadas que traduzem o patrimônio líquido que já



    pertenciam originalmente ao grupo controlador, há mera transferência de montantes entre entidades pertencentes ao mesmo grupo econômico.


    O CPC 15 também tratou de conceituar a combinação de negócios entre entidades sob controle comum através de seu item B1, como sendo “uma combinação de negócios em que todas as entidades ou negócios da combinação são controlados pela mesma parte ou mesmas partes, antes e depois da combinação de negócios, e esse controle não é transitório”.


    Muitos grupos econômicos realizam reorganizações societárias internas com vistas a desenvolver suas atividades de maneira mais concentrada e ordenada. E para cada operação de reorganização, em regra, é criada uma Conta Transitória para que as empresas envolvidas transfiram seu acervo líquido. Essa mudança de patrimônio, no entanto, representa mera transferência de valores internamente. Tal assertiva, fundamentalmente contábil e não fiscal, terá influência direta na operacionalização do ágio e principalmente na vedação ao aproveitamento do ágio internamente.


    Em razão do inegável benefício fiscal decorrente do aproveitamento fiscal do ágio, que permite à sociedade adquirente recuperar o valor que investiu a título de goodwill por meio da amortização fiscal no IRPJ e CSLL, muitos grupos econômicos realizam reorganizações societárias com a inclusão do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura.


    Até o advento da Lei n. 12.973/2014 a legislação atinente ao ágio era omissa em relação à possibilidade de aproveitamento do ágio entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico. A Lei n. 9.532/1997 não fazia distinção entre as operações com as partes independentes entre si e as partes relacionadas entre si. Assim, diante da ausência de vedação legal, fazia-se uso do benefício em operações internas, o que era possível dada a liberdade negocial que rege o mercado. Era, portanto, um planejamento fiscal legítimo.


    No entanto a CVM através do Ofício Circular n. 1/2007 passou a classificar a operação como sendo de geração de ágio artificialmente e baseando-se para tanto nos seguintes fundamentos:


    “Item 20.1.7. Ágio gerado em operações internas

    A CVM tem observado que determinadas operações e reestruturação societária de grupos econômicos (incorporação de empresas ou incorporação de ações) resultam na geração artificial de ágio.

    Em nosso entendimento, ainda que essas operações atendam integralmente os requisitos societários, do ponto de vista econômico-contábil é preciso esclarecer que o ágio surge única e exclusivamente quando o preço (custo) pago pela aquisição ou subscrição de um investimento a ser avaliado pelo método da equivalência patrimonial, supera o valor patrimonial desse investimento. E mais, o preço ou custo de aquisição somente surge quando há dispêndio para se obter algo de terceiros.



    Assim, não há, do ponto de vista econômico, geração de riqueza decorrente de transação consigo mesmo. Qualquer argumento que não se fundamente nessas assertivas econômicas configura sofisma formal, e, portanto, inadmissível.”


    Com base neste Ofício-Circular da CVM e nos argumentos ali veiculados o Fisco então passou a autuar diversos grupos econômicos que realizaram operações de F&A entre suas empresas dependentes. A justificativa no mais das vezes era em virtude de o ágio pressupor uma avaliação subjetiva da rentabilidade futura, quando do desdobramento do custo da aquisição, e que este pressupõe um processo de negociação não viciado, o que não seria possível quando se trata de operações realizadas no mesmo grupo econômico.


    Desta forma, num mesmo grupo econômico inexistiria controle sobre a precificação do custo da aquisição pois adquirente e alienante se confundiriam. Tal entendimento, no entanto, não era pacificado, de sorte que grande parte dos contribuintes continuaram realizando reorganização societária com o aproveitamento fiscal do ágio, dada a ausência de previsão legal de sua expressa vedação.


    Sobre o referido Ofício-Circular n. 1/2007 é a conclusão de Sérgio de Iudícibus (2010, p. 425):


    “Ora, o que se estava procurando? Como já dito: incentivar os órgãos normatizadores a mudarem as normas existentes para essas operações específicas. Não se estava dizendo que o que se fazia contrariava a norma em vigor.

    A própria CVM quando da emissão também do tão citado Ofício Circular nº 01/2007, não deixou de reconhecer isso, tanto que afirmou textualmente: Em nosso entendimento, ainda que essas operações atendam integralmente os requisitos societários, do ponto de vista econômico contábil.

    É um ponto de vista, diz a própria CVM, mas com a aceitação expressa de que em nada havia que recriminar a empresa que registrasse esse ágio porque não estaria infringindo qualquer norma da lei societária ou de qualquer ato normativo contábil. Os autores mostraram não gostar da situação, a CVM também, mas nada, absolutamente nada vedava esses registros.”


    Assim, ao autuar os contribuintes o Fisco agia como legislador, criando para estes uma vedação baseada unicamente em seus próprios fundamentos e sem respaldo legal; ignorando também que durante a Purchase Price Allocation PPA, isto é, o desdobramento do custo da aquisição, há a elaboração de um laudo técnico por peritos indepentes que levam em consideração critérios objetivos para determinação dos valores, tais como a rentabilidade de lucro dos últimos exercícios, a projeção de mercado, a distribuição de dividendos entre os acionistas etc.


    De fato, em sentido contábil talvez seja mais difícil a identificação dos critérios para desdobramento do custo de aquisição, no entanto, para fins de aproveitamento fiscal as premissas tributárias devem ser levadas em consideração, pois frise-se, trata-se de um



    procedimento eminentemente fiscal e não meramente contábil. A realidade existente para a ciência contábil não é automaticamente aplicável ao Direito Tributário sem antes haver uma adequação às premissas deste. Há, sem dúvidas, um esforço para intersecção entre a ciência contábil e o Direito Tributário, no entanto nem todos os conceitos contábeis surtem efeitos tributários, bem como os conceitos tributários não giram em torno unicamente de suas definições contábeis limitadas.


    Nesse sentido inclusive é o entendimento de Kelsen (1998, p. 3-4) segundo o qual determinado conceito somente adquire significação propriamente jurídica quando é abordado pela norma jurídica como seu objeto, ainda que este conceito já seja significado por outros ramos do conhecimento, não há uma importaçao direta e automática para a seara jurídica.


    No entanto, em 2011 o Comitê de Pronunciamento Contábil por meio do Pronunciamento

    n. 15 destinou item específico com orientação pela anulação do ágio interno como mecanismo contábil. A partir deste Pronunciamento contábil, que não considerou o ágio interno como ativo, o Fisco tomou como fundamento para de uma vez por todas inadmitir qualquer aproveitamento fiscal de ágio havido internamente. E, a partir da invalidade do ágio interno contábil, sem qualquer previsão legal, passou-se a aplicar a premissa de desconsideração da reorganização societária pela presunção absoluta de vício na operação. O roteiro utilizado pelo Fisco quando das autuações do aproveitamento fiscal do ágio fundamentava-se na ausência de propósito negocial da operação de reorganização societária, enquadrando-a como simulação do negócio jurídico que havia por única razão o aproveitamento do benefício fiscal.


    Nesse contexto de atuação arbitrária do Fisco foi editada a Medida Provisória n. 627/2013, posteriormente convertida na Lei n. 12.973/2014, que à época causou alvoroço na comunidade estudiosa do Direito Tributário por trazer alterações significativas no tratamento fiscal do ágio.


    Uma das maiores alterações trazidas pela Lei n. 12.973/2014 foi a mudança no próprio conceito de ágio que passou a corresponder à diferença entre o custo da aquisição e o valor justo dos ativos, isto é, o valor de mercado de cada um dos ativos somados. Assim, passou- se a aplicar um critério mais subjetivo (valor justo dos ativos) como parâmetro de apuração do ágio e não a diferença entre o custo da aquisição e o valor do patrimônio líquido tal como previsto antes da Lei n. 12.973/2014.


    E foi em razão desta mudança no parâmetro de identificação do ágio, que antes era o patrimônio líquido e passou a corresponder o valor justo dos ativos somados, que se fundamentou a impossibilidade de aproveitamento do ágio interno. Isso porque segundo a justificativa adotada à época da edição da Lei, o valor justo, ou valor de mercado, possui critérios de identificação muito subjetivos o que poderia vir a ser desvirtuado em uma



    operação realizada por empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico. E com isso houve um protagonismo maior dado à negociação entre as partes de uma operação de F&A e uma dificuldade na identificação de um propósito negocial independente que justificasse a reorganização societária realizada entre partes relacionadas entre si.


    Assim, o Fisco, agora com respaldo legal, passou a autuar os contribuintes que realizavam esse tipo de operação, ainda que ela fosse baseada em laudo de avaliação realizado por auditores independentes. No entanto certamente deve-se considerar que os contribuintes que efetuaram suas reorganizações societárias entre partes relacionadas antes da vigência da Lei n. 12.973/2014 não devem se submeter à vedação legal, somente aquelas realizadas após a edição da lei é que estariam limitadas pela norma. Isto porque antes da Lei n. 12.973/2014 não havia uma vedação implícita ao aproveitamento do ágio interno, como costuma afirmar o Fisco. Se houvesse de fato essa impossibilidade tácita em razão de conceitos contábeis aplicados pelo Fisco, como o Ofício-Circular n. 1/2007 da CVM, não haveria necessidade de edição de Lei expressa proibindo tal prática.


    O que almejamos que seja registado com este trabalho, conforme restará demonstrado após o estudo do leading case, é que o papel da contabilidade consagrado em seu principal brocardo é fornecer dados para a tomada de decisões negociais mais seguras e respaldadas, não é e nunca será o de estabelecer limites, por si só, e sem embasamento legal, para a livre atuação empresarial. A contabilidade sempre foi um instrumento, jamais um fim em si próprio. Por essa razão é que o Fisco não deveria fundamentar suas autuações em pressupostos contábeis que não encontram arrimo no Direito Tributário ou mesmo no ordenamento jurídico como um todo. O que ocorreu no caso da vedação ao aproveitamento do ágio interno nada mais foi do que uma atuação reversa da contabilidade, que deveria pautar-se inicialmente em normas legais e não dar ensejo per si a limitações para o gozo de benefícios fiscais.


    Por fim, há ainda uma derradeira questão referente ao aproveitamento do ágio internamente que deve ser abordada e refere-se à abrangência do conceito de partes relacionadas, nesse sentido é o art. 25 da referida Lei n. 12.973/2014:


    “Art. 25. Para fins do disposto nos arts. 20 e 22, consideram-se partes dependentes quando: (Vigência)

    1. – o adquirente e o alienante são controlados, direta ou indiretamente, pela mesma parte ou partes;

    2. – existir relação de controle entre o adquirente e o alienante;

    3. – o alienante for sócio, titular, conselheiro ou administrador da pessoa jurídica adquirente;

    4. – o alienante for parente ou afim até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro das pessoas relacionadas no inciso III; ou



    5. – em decorrência de outras relações não descritas nos incisos I a IV, em que fique

    comprovada a dependência societária.”


    Veja-se que o legislador nos incisos I a IV enumerou as situações nas quais seriam consideradas partes dependentes para efeitos de aproveitamento do ágio interno. No entanto em seu inciso V, numa tentativa de abranger tanto quanto possível as operações de reorganização societária, atribui à autoridade fiscal o poder de determinar o que seriam partes dependentes.


    Trata-se de verdadeira carta em branco dada ao Fisco para identificar qualquer operação de F&A como sendo realizada por partes dependentes, o que lhe impossibilitaria o gozo do benefício fiscal. Isto foge completamente ao princípio da tipicidade cerrada, é uma excessiva abertura num conceito determinante para definir se será possível ou não a amortização do ágio. Tal amplitude no entendimento dado ao Fisco tem gerado como resultado autuações infundadas atribuídas apenas à sua própria interpretação da estrutura societária envolvida, o que também gera extrema insegurança jurídica entre os contribuintes. É nesse contexto que surge o mais representativo dos casos envolvendo aproveitamento de ágio gerado entre partes relacionadas entre si.


  5. CASE GERDAU

    Menos pelos vultuosos valores envolvidos que pela relevância jurídica das teses discutidas nos autos, o case Gerdau é considerado o mais emblemático dos processos enfrentados no CARF. Os casos de aproveitamento fiscal do ágio em reorganização societária costumam ser acompanhados de perto pelos contribuintes e as sessões do CARF que envolvem julgamentos desta temática são as mais assistidas por membros do Fisco e por contribuintes. O protagonismo do case Gerdau se dá não só em virtude da complexidade das teses, mas também por envolver a esfera administrativa e judicial e gera ainda mais polêmica por envolver o voto de qualidade na Câmara Superior do CARF. É a final da Champions League com viradas emocionantes no entendimento da Câmara Baixa do CARF, da Câmara Superior e, recentemente, pela Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, onde espera o julgamento de segunda instância, embora certamente se arrastará até o Supremo Tribunal Federal. Mas vamos começar do princípio.


    No princípio era o verbo, era a intenção do Grupo econômico Gerdau, composto por um conglomerado de empresas, reestruturar sua organização societária de modo a facilitar sua administração. Assim, separaremos em etapas as operações de F&A realizadas pelo Grupo Gerdau e acompanharemos o entendimento dado pelo Fisco a cada um de seus institutos. Todos os conceitos abordados até aqui neste trabalho, como o Purchase Price Alocation, o valor justo dos ativos, o Teste de Impairment, são importantes para a compreensão deste caso prático que envolve questões tangenciais e secundárias como a incorporação reversa, a existência de ágio em subscrição de capital e a Reserva Especial do ágio.



    A primeira etapa da reorganização societária do Grupo Gerdau foi a elaboração de um Laudo de Avaliação Econômica da Gerdau Açominas S/A (GA) e Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda. (GI) realizado pela Metal Data Engenharia e Representações, em 21 de dezembro de 2004, uma empresa independente do Grupo Gerdau e especializada no objeto da GA e da GI. Através desse Laudo foi possível mensurar e monetizar o goodwill dessas empresas, por isso a necessidade de ser realizado por empresa independente e através de critérios objetivos.


    O segundo procedimento realizado pelo Grupo Gerdau foi o aumento de capital social da Gerdau Participações S/A (GP) em 29 de dezembro de 2004, numa Assembleia Geral Extraordinária na qual foi aprovada a emissão de novas ações da GP subscritas e integralizadas pela Gerdau S/A com participações sociais (quotas sociais) que possuía na GA e na GI, ambas recém avaliadas na primeira etapa. Essa subscrição de ações foi realizada com a inclusão de ágio decorrente da expectativa de rentabilidade futura da GA e da GI.


    Contabilmente é este o resultado da referida subscrição de capital social, conforme relatório do Acordão n. 1101-00.709, da 1ª Câmara do CARF:


    “As ações da Gerdau Açominas utilizadas pela Gerdau S/A para subscrever capital na Gerdau Participações representavam a totalidade da participação da Gerdau S/A na Gerdau Açominas (91,50%). Já na Gerdau Internacional Empreendimentos, a Gerdau S/A detinha 94,88% das quotas, mas utilizou apenas parte dessa participação (22,8%) para subscrição na Gerdau Participações.

    Por consequência, na contabilidade da Gerdau S/A foi efetuada a baixa da totalidade do investimento na Gerdau Açominas e de parte do investimento na Gerdau Internacional Empreendimentos, substituídos pelo investimento na Gerdau Participações. [...]

    Após a integralização a Gerdau Açominas passou a ser controlada diretamente pela Gerdau Participações, uma vez que esta detém a maior parte de suas ações integralizadas pela Gerdau S/A.”


    A terceira etapa crucial no processo de reorganização societária representa verdadeiro cumprimento daquilo que parte da doutrina acredita ser o terceiro requisito do planejamento fiscal, além do (i) primeiro requisito temporal de que seja realizado antes da ocorrência do fato gerador do tributo e do (ii) requisito legal, da licitude das condutas praticadas. Este terceiro requisito do planejamento tributário seria (iii) a validação da operação perante o Fisco.


    Assim, esta terceira etapa foi importante para validar a operação através de terceiro alheio ao Grupo Gerdau. Trata-se da subscrição e integralização de capital na Gerdau Participações (GP) pelo Banco Itaú BBA S/A. Em 6 de maio de 2005 foi a realização da



    Assembleia Geral Extraordinária na Gerdau Participações (GP) na qual foi aprovado o aumento de capital social da GP com ações subscritas e integralizadas pelo Itaú.


    A quarta etapa foi a incorporação da GP pela GA em 9 de maio de 2005. A GP, conforme transcrito do Acórdão n. 1101-00.709, possuía então 91,5% das ações da GA, era, portanto, sua controladora. Logo, trata-se de incorporação reversa entre a GP e a GA. O Protocolo de Intenções da incorporação reversa é datado de 28 de abril de 2005, portanto anterior ao aporte de capital do Itaú descrito na etapa anterior, ainda que a Assembleia de incorporação tenha se realizado após a aprovação da subscrição de capital pelo Banco Itaú, alheio ao Grupo Gerdau.


    O fato de haver um Protocolo de Intenções da incorporação reversa anterior ao aporte de capital do Banco Itaú primeiramente vem a significar a concordância de terceiro com os termos da operação de F&A, inclusive o custo da aquisição que contempla o ágio havido da GA, mas também em razão da sua natureza não vincula necessariamente a concretização da operação de incorporação. O Protocolo de Intenções não tem natureza contratual e não vincula as partes, a operação de F&A só vem a se concretizar quando da realização da Assembleia Geral Extraordinária. Outrossim, o fato de um terceiro alheio ao Grupo Gerdau ter tomado conhecimento da intenção de incorporação da GP pela GA, dada a natureza pública do Protocolo, e ainda assim ter aportado capital na GP certamente corrobora e dá aval à operação de F&A.


    Assim, após o aporte de capital do Banco Itaú é que fora aprovada a incorporação reversa da GP pela GA, sua controlada direta. Essa incorporação foi realizada a custo contábil, pelo valor patrimonial da GP. Seu valor patrimonial, no entanto, incluía o ágio decorrente da subscrição de capital que detinha na própria GA e obtido através do Laudo de Avaliação da Metal Data Engenharia, conforme primeira etapa descrita. Assim a GA que incorporou a GP recebe como parte do acervo líquido o ágio a ser amortizado.


    Após a incorporação reversa a GA registrou o ágio na parte B do LALUR, que vai sendo excluído à medida que for realizando a amortização. E durante os três primeiros meses após a operação de F&A a GA passou a amortizar o ágio absorvido da GP na proporção de 1/120 ao mês. Foi o início do aproveitamento fiscal do goodwill.


    Com isso veio a quinta e última etapa da reorganização societária do Grupo, a cisão da GA com a incorporação das parcelas cindidas por quatro sociedades: Gerdau Aços Especiais, Gerdau Aços Longos, Gerdau Comercial de Aços e Gerdau América do Sul. A partir de então a Gerdau Comercial (GC) e a Gerdau Aços Especiais (GE) passaram a amortizar o ágio remanescente que obtiveram com a parcela cindida da GA, tendo, no entanto, sofrido um ajuste de Impairment, razão pela qual fora alocada na conta diferida com ajuste de perda por desvalorização.



    Foram essas as operações de F&A realizadas pelo Grupo Gerdau em sua reorganização societária, havidas portanto com um ágio gerado internamente. E por essa razão o Fisco autuou a Gerdau Comercial por suposta amortização de ágio artificial. Os fundamentos da autuação dizem respeito a uma impossibilidade contábil de aproveitamento do ágio interno, segundo a qual “à luz da teoria da contabilidade é inadmissível o surgimento de ágio em uma operação realizada dentro de um mesmo grupo econômico” citando-se para tanto o CPC 15 e o Ofício Circular n. 01/2007 da CVM, estudado neste trabalho anteriormente. Ainda no entendimento do Fisco, a GP teria sido utilizada como mera empresa veículo para transportar o ágio, o que lhe reforçaria o caráter de simulação.


    Impugnada a autuação que fora mantida pelo Fisco, a 1ª Câmara da 1ª Turma Ordinária do CARF em sede de Recurso Voluntário, por maioria de votos, lhe deu provimento. Em voto vencido a Conselheira Edeli Bessa apontou, no entanto, que havia jurisprudência desfavorável ao caso, e que para que fosse possível a determinação do ágio seria necessária a aquisição de ações, com preço de custo, não sendo possível identificar ágio na subscrição de ações em outra empresa. Além disso aduziu à época que a finalidade de toda a operação realizada pela Gerdau era forjar a existência de ágio para a partir da redução da incidência tributária propiciar ganhos para os seus acionistas em razão do aumento na base de cálculo dos juros sobre capital próprio causado pela inclusão da Reserva Especial do ágio no patrimônio líquido da empresa.


    O voto sagrado vencedor na Câmara baixa do CARF, no entanto, fora prolatado pelo Conselheiro Carlos Eduardo Guerreiro, que tratou não só de afastar os fundamentos trazidos pelo Fisco como alcançou o âmago da discussão, conforme se extrai dos seguintes trechos do Acórdão n. 1101-00.709:


    “Como se vê, já no próprio título os autores (Fisco) deixam claro que sua preocupação é de cunho contábil e que admitem os efeitos tributários da operação (pois a classificam como caso de elisão), No decorrer do trabalho, os autores demonstram o problema da contabilização do ágio surgido em operação dentro do mesmo grupo. Conforme eles, o problema é que não há um ingresso de recursos no grupo. [...]

    Como visto, é a legislação tributária que define os efeitos tributários. No caso de ágio, é a legislação tributária (e não orientações de cunho contábil) que define os efeitos da subscrição e integralização que ‘a’ faz em ‘C’ com as ações que tem de ‘B’, que do ponto de vista de ‘C’ significa a aquisição das ações de ‘B’. [...]

    De fato, apesar da fiscalização alegar a inexistência de fundamento econômico, ela o faz se referindo a ausência de pagamento por terceiros, já que a aquisição foi por meio de aceitação das ações/quotas da investida como integralização de capital entre empresas do mesmo grupo. Assim, o Fisco duvida do fundamento econômico, por confundir fundamento econômico com pagamento de terceiro estranho ao



    grupo, e não faz qualquer esforço para contestar o laudo que é o instrumento legal que garante o fundamento econômico nos termos exigidos pela legislação fiscal. [...] Inclusive, é preciso destacar que a avaliação não foi questionada em nenhum momento pela legislação.

    É importante frisar que, nos termos da legislação tributária, se acaso se pretendesse sustentar que o valor das ações alienadas (na integralização) não tivessem fundamento econômico, seria preciso atacar os laudos de avaliação. [...] Do mesmo modo, qualquer alegação de cunho contábil que justifique determinada forma de contabilização, não pode afetar os efeitos tributários previstos nas regras voltadas especificamente para disciplinar a tributação. [...]

    De qualquer modo fica evidenciado os equívocos teóricos constante da autuação: 1º) limitar o conceito de aquisição ao de compra; 2º) confundir fundamento econômico do ágio com pagamento de compra ou entrega de ações, por terceiros estranhos ao grupo. Sem mencionar a pretensão de impor para fins fiscais percepções de cunho exclusivamente contábil.”


    Assim, a Câmara baixa, ao acompanhar o referido voto vencedor, por maioria, vem concordar com os referidos fundamentos no tocante à necessidade de separação entre a interpretação contábil e os limites fiscais. Além disso pontua-se no Acórdão o fato de que o Laudo de Avaliação, realizado por peritos independentes, sequer fora contestado pelo Fisco, sendo ele a origem do fundamento econômico do ágio, inerente ao desdobramento do custo da aquisição (de ações) quando da realização do Purchase Price Alocation PPA.


    O Fisco, no entanto, através de Recurso Especial, apontou a divergência do entendimento daquela Câmara em relação a outros julgados existentes no órgão, todos anteriores a 2015. E a Câmara Superior do CARF, ao julgar o caso, no Acórdão n. 9101-002.390 determinou fosse mantida a glosa referente à amortização do ágio, reformando o Acórdão da Câmara baixa em 13 de julho de 2016. As razões da reforma seguem o quanto apontado no voto vencido da Câmara baixa no sentido de que não teria havido um “custo” do ágio na subscrição de ações e reforçando as limitações de caráter contábil para o reconhecimento do ágio gerado internamente.


    Além disso, o Acórdão da Câmara Superior ainda fez referência à Lei n. 12.973/2014 que, no entanto, não se aplica ao case Gerdau por se tratar de aproveitamento de ágio ocorrido antes da edição da referida norma, conforme salientado na Câmara baixa. Segundo o Acórdão da Câmara Superior “a nova lei, ao dispor expressamente assim, nada mais fez do que esclarecer que, por óbvio (sic), ágio pressupõe sobrepreço pago por partes independentes, ou seja, a indedutibilidade do ágio interno para fins fiscais decorre do fato de ele não ser aceito sequer contabilmente”. Ora, se já estava implícita a vedação ao aproveitamento do ágio interno, em razão dos procedimentos contábeis adotados, não haveria a necessidade de edição de lei que discriminasse o ágio entre partes não dependentes.



    Em relação ao ingresso do Banco Itaú na GP através de aporte de capital anterior à incorporação reversa da sociedade, o referido Acórdão da Câmara Superior sustenta que:


    “O fato também de o Banco ter adquirido as participações societárias já com o valor atualizado (do ágio) não tem o condão de ‘validar’ a dedutibilidade da amortização do ágio, vez que o que se está discutindo nos autos é a dedutibilidade de um ágio que surgiu dentro de uma operação interna a um grupo econômico, em que nem incorporada, nem incorporadora arcaram com qualquer ônus sobre qualquer valor.”


    Assim, ao mesmo tempo em que tece severas críticas ao ágio gerado internamente em virtude de suposto subjetivismo na identificação do ágio entre partes relacionadas, rechaça o envolvimento de terceiro alheio ao Grupo Gerdau na operação, mesmo tendo ele adquirido a participação societária já com o sobrevalor decorrente do ágio, o que só vem a comprovar a sua consistência.


    Há ainda derradeira questão trazida no Recurso Especial que não havia sido abordada quando do julgamento da 1ª Câmara, razão pela qual fora apontada a falta de pré- questionamento da Fazenda. Trata-se da ausência de affectio societatis nas operações de F&A ocorridas no Grupo, o que, segundo o Fisco daria indício da artificialidade da criação do ágio. Veja-se que é mais uma contradição em suas razões, pois ao mesmo tempo em que reconhece-se o vínculo de dependência entre as partes envolvidas nas operações, com vistas a desconstituir a formação do ágio, aduz haver uma ausência de affectio societatis entre as mesmas empresas, que, segundo a teoria da contabilidade por eles mesmo empregada, compõem uma única entidade indistinta.


    Por fim, é de se registrar ainda que esse Acórdão da Câmara Superior foi decidido com voto de qualidade do presidente do CARF. E como sabemos, as presidências do Conselho e de suas Câmaras serão sempre exercidas por conselheiros representantes da Fazenda Nacional. Tal condição, de fato, não implica que necessariamente o voto do Presidente será favorável à tese do Fisco, mas sem dúvida afasta da esfera administrativa a noção básica de neutralidade do juiz natural.


    Tendo havido portanto o julgamento desfavorável ao contribuinte através do aludido Acórdão n. 9101-002.390 da Câmara Superior do CARF, o Fisco ajuizou respectiva Execução Fiscal n. 5024374-90.2017.4.04.7100 contra a Gerdau Aços Especiais S.A., e tendo ela garantido o juízo, opôs competentes Embargos à Execução n. 5058075-42.2017.4.04.7100/RS através dos quais levou-se aquela discussão travada no CARF para o âmbito judicial. E está aqui o ineditismo da decisão que faz com que o case Gerdau seja um dos julgamentos mais celebrados e discutidos em matéria de aproveitamento do ágio.


    Através desses Embargos à Execução o contribuinte pôde trazer à análise do Poder Judiciário todas essas questões levantadas no âmbito administrativo, inclusive questão referente ao próprio julgamento do CARF pois, como é de conhecimento público, em 2015



    fora deflagrada a Operação Zelotes, que tratou de investigar um esquema de corrupção naquele órgão envolvendo diversos processos, dentre eles o caso do Grupo Gerdau. Assim, tendo sido toda a matéria devolvida ao Poder Judiciário para análise, haveria possibilidade de um julgamento amplo e incólume, não atingido por questionamentos a respeito da transparência e do grau de fundamentação das decisões ou da integridade dos julgadores. Além disso, é também em razão da Operação Zelotes que os precedentes anteriores ao case Gerdau não encontram boa aceitação jurisprudencial. Por isso a relevância e o ineditismo do caso.


    Nos autos dos referidos Embargos foi prolatada Sentença, em 29 de maio de 2018, acolhendo os argumentos do contribuinte e extinguindo a Execução Fiscal. Essa Sentença foi por muitos celebrada, analisada e discutida, razão pela qual deve ser aqui esmiuçada. Preliminarmente, analisando-se a questão referente ao voto de qualidade, o juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul rejeitou a preliminar defendendo se tratar de critério legítimo e legalmente previsto para desempate em votações no âmbito administrativo.


    No mérito a Sentença abordou diretamente a pedra de toque de toda a discussão envolvida no case Gerdau que é a possibilidade de o contribuinte organizar-se de modo a diminuir sua carga tributária, utilizando-se para isso de meios legítimos e legalmente previstos no nosso ordenamento jurídico, como o aproveitamento fiscal do ágio fundado na expectativa de rentabilidade futura, operações de F&A e a subscrição de ações. Nesse sentido conclui o decisum:


    “Ou seja, apesar de amparadas em ensinamentos contábeis já existentes, somente com a vigência da Lei nº 12.973/2014 houve a aproximação expressa entre o conceito de ágio na contabilidade e no direito tributário.

    Inobstante, os movimentos societários que levaram ao surgimento do ágio glosado ocorreram em 2004 e 2005, conforme já exposto anteriormente. Assim, não é possível aplicar o que dispõe a Lei nº 12.973/2014 ou os princípios contábeis que fundamentaram – por afronta aos art. 106 e 109 do CTN.

    Ademais não se pode confundir elisão com evasão fiscal, diferenciadas pela adoção de uma conduta lícita ou ilícita, respectivamente, para atenuar o passivo tributário. [...] Pelo contrário, o nosso sistema jurídico resguarda a liberdade empresarial para organização dos negócios, inclusive para a exploração de lacunas e brechas legais que possibilitem economia lícita de tributos. [...] O cidadão e as empresas são, perante a lei, contribuintes e não devotos do Estado, a ponto de se submeterem a quaisquer imposições ilegítimas.”

    Com este precedente do case Gerdau o mundo jurídico-tributário voltou a efervescer em discussões sobre a possibilidade de aproveitamento de ágio fiscal gerado internamente, além de discussões ainda mais profundas relacionadas à própria natureza do planejamento



    tributário. Da referida Sentença houve Recurso de Apelação que até a elaboração deste trabalho ainda não havia sido analisada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e considerando as viradas no entendimento deste caso, ora favorável ao contribuinte, ora desfavorável, poderemos certamente contar com as expectativas não só do Grupo Gerdau, mas de todos os contribuintes e estudiosos da seara tributária e de F&A. É a mais emocionante, cara e aguardada partida de futebol jogada pelo Fisco e pelos contribuintes nesta seara tributária. Aguardemos o apito final.


  6. CONCLUSÃO

O que acreditamos ser de maior relevância no estudo do leading case da Gerdau é a influência da contabilidade no Direito Tributário, em como é deveras perigoso confundir pressupostos puramente contábeis com normas jurídicas. A distinção entre ágio em operações de F&A realizadas entre empresas relacionadas e aquele surgido em operações entre empresas sem vínculo não é relevante para fins fiscais, a personalidade jurídica das entidades é distinta.


Contabilmente, como vimos, só há o ingresso de nova receita se havida entre partes não relacionadas, pois quando pertencentes a um mesmo conglomerado de empresas esta é tida como entidade una, apenas para fins contábeis. Ou seja, o próprio conceito de personalidade jurídica não teria aplicação contábil mesmo sendo um instituto jurídico fundamental na seara empresarial. Assim, a alegação de que nas operações realizadas entre empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico não haveria ingresso de nova receita pressupõe uma desconsideração da personalidade jurídica das empresas que serão apenas consideradas conjuntamente. No entanto, as hipóteses legais de desconsideração da personalidade jurídica são previstas no nosso ordenamento jurídico e não preveem os casos de empresas relacionadas entre si como hipótese de incidência da desconsideração, não podendo decorrer da aplicação de interpretação puramente contábil.


Assim, é a legislação tributária que define os efeitos fiscais das operações de F&A. As distinções de natureza contábil (feitas apenas para fins contábeis de escrituração) não produzem efeitos fiscais e não devem ser tomadas pelo Fisco como fundamento para autuações, mesmo porque a Administração Pública como um todo, e nela se inclui o Fisco, encontra-se adstrita ao princípio da legalidade estrita. Ou seja, antes da edição da Lei n. 12.973/2014 o Fisco não podia autuar o contribuinte que realizara aproveitamento fiscal de goodwill em reorganização societária interna fundamentando-se exclusivamente em limitações contábeis, em razão da ausência de vedação legal para tanto. As referidas limitações contábeis, notadamente aquelas trazidas no CPC 01 e CPC 15, expostas acima, não possuem efeitos legais de vedação por si só.


Além disso, a própria Lei n. 12.973/2014 é passível de questionamento no tocante ao seu reconhecimento como ágio apenas aquele originário de operações de F&A celebradas entre partes não dependentes entre si, pois não se pode presumir em caráter absoluto a



existência de vício nas operações realizadas entre sociedades de um mesmo grupo econômico sem que as partes possam comprovar a existência de fundamentos jurídicos para o ágio que deverá ser discriminado no Laudo Pericial quando do desdobramento do custo da operação, o PPA.


E veja-se que mesmo nas operações realizadas entre partes relacionadas a imprescindibilidade de realização de Laudo de avaliação por perito independente para aferir a existência ou não de expectativa de rentabilidade futura reforça a ausência de subjetivismo da operação de F&A na medida em que esse terceiro responsável pela monetização do ágio não vai sofrer a influência das partes para a determinação do valor correspondente ao goodwill. É pra ele, o perito responsável pelo Laudo de Avaliação do investimento, irrelevante tratar-se de partes independentes entre si ou não, como também deveria o ser para efeitos jurídicos dada a personalidade jurídica distinta das entidades envolvidas, diferentemente do quanto aceito na seara contábil.

A classificação como “ágio artificial” tal qual descrito no case Gerdau não deveria ser uma consequência automática da realização de operações entre empresas relacionadas entre si, pois vai de encontro à teoria da empresa que respalda a personalidade jurídica distinta das entidades. Outrossim, a reorganização societária para ser legítima e produzir efeitos jurídicos fiscais, deve ter atos efetivamente existentes e não apenas artificialmente, mas através de documentação contábil que não faça confusão patrimonial entre empresas relacionadas entre si. A realização de atos societários simulados, isso sim, caracterizaria a existência de “ágio artificial” e autorizaria a glosa do Fisco sob esse fundamento, jamais poderia em operação de F&A regular entre partes pertencentes a um mesmo grupo econômico aplicar essa presunção absoluta de abuso de forma ou simulação.


É importante que se tenha em mente que o ágio representa valores efetivamente existentes no patrimônio da empresa investida, mas nela não contabilizados. A expectativa de rentabilidade futura é monetizada através do ágio. E ao realizar uma operação de F&A com a existência de ágio decorrente da expectativa de rentabilidade futura realiza-se um investimento que será recuperado gradualmente através do aproveitamento fiscal do custo pago em razão do ágio. Esse custo (ou sobrevalor em virtude do ágio) não está presente apenas na aquisição, mas pode fazer parte de qualquer operação de F&A, inclusive a subscrição de capital em outra empresa através de um valor agregado ao custo das ações subscritas e esse valor será recuperado através de seu aproveitamento fiscal.


Assim, permitir que uma adquirente externa possa recuperar esse sobrevalor pago pelo ágio, mas vedar a empresa pertencente ao mesmo grupo econômico vai de encontro ao princípio da isonomia tributária, pois está em igual situação, em igualdade de condições e, ainda que pertencentes ao mesmo grupo econômico, possuem personalidades jurídicas distintas, ao contrário do que é pregado na ciência contábil.



Esperamos que a reabertura da discussão do aproveitamento do ágio interno trazido pelo case Gerdau venha, portanto, fornecer a oportunidade de reavaliar o instituto do goodwill, bem como o papel da ciência contábil nesse processo, possibilitando uma análise das razões para a vedação trazida na Lei n. 12.973/2014 e uma aguardada mudança em relação à possibilidade de seu aproveitamento fiscal.


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