CASO ALCATEL E A INSEGURANÇA JURÍDICA NA TRIBUTAÇÃO DOS SERVIÇOS TÉCNICOS

ALCATEL CASE AND THE LEGAL UNCERTAINTY IN THE TAXATION OF TECHNICAL SERVICES


Leonardo Aguirra de Andrade

Doutor e mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo.LLM em Direito Tributário Internacional pela Georgetown University.Advogado em São Paulo. E-mail: leonardo.andrade@andrademaia.com



Recebido em: 24-05-2020

Aprovado em: 25-06-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-7155-rdtia-n7-10


RESUMO


Este estudo tem por objetivo analisar o Caso Alcatel, recentemente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, a fim de identificar e avaliar em que fase da evolução do debate sobre a tributação da importação de serviços técnicos ele está inserido; o acerto da interpretação adotada pela Corte Superior; e a insegurança jurídica no tema e nas questões que ainda remanescem controversas nessa seara.

PALAVRAS - CHAVE: SERVIÇOS TÉCNICOS, IMPOSTO RETIDO NA FONTE, DUPLA TRIBUTAÇÃO, INSEGURANÇA JURÍDICA


ABSTRACT


This study aims to analyze the Alcatel Case, recently judged by the Superior Court of Justice, in order to identify and evaluate at what stage of the evolution of the debate on the taxation of the import of technical services it is inserted; the correctness of the interpretation adopted by the Court; and the legal uncertainty on the theme and on the issues that still remain controversial in this area.

KEYWORDS: TECHNICAL SERVICES, WITHHOLDING TAX, DOUBLE TAXATION, LEGAL UNCERTAINTY


INTRODUÇÃO

No dia 19 de maio de 2020, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial n. 1.618.897, interposto pela Alcatel-Lucent Submarine Networks S.A., contra o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, proferido nos autos do mandado de segurança impetrado por essa empresa estrangeira para afastar a cobrança de IRRF sobre as remessas ao exterior da remuneração pelos serviços técnicos por ela prestados sem transferência de tecnologia, sob o argumento de que o art. 7º do acordo para evitar dupla tributação celebrado em Brasil e França afastaria essa exigência (“Caso Alcatel”).


Ocorrido em meio a uma pandemia mundial – quiçá, a maior da história –, período no qual, em geral, as pessoas estão mais sensíveis e com as emoções mais à flor da pele, o julgamento do Caso Alcatel pode despertar nos estudiosos do Direito Tributário Internacional sentimentos diversos.


Em primeiro lugar, o referido julgamento pode dar ensejo, ao mesmo tempo, a uma nostalgia e um alívio, porque o Caso Alcatel se iniciou em 2010, quando a controvérsia jurídica se referia à prevalência, ou não, dos critérios adotados pelo Ato Declaratório Normativo Cosit n. 1/2000 em relação ao referido art. 7º do acordo Brasil-França. A sinalização dada por essa decisão do Superior Tribunal de Justiça, reafirmando a sua jurisprudência no sentido de que o Ato Declaratório Normativo Cosit n. 1/2000 continha equívocos técnicos, é reconfortante, podendo resultar aos estudiosos do tema uma certa felicidade e, por que não, uma esperança de que o Poder Judiciário seja capaz de proferir, cada vez mais, decisões acertadas, como essa, em matéria de Direito Tributário Internacional.

Por outro lado, o julgamento do Caso Alcatel pode dar a sensação de que estamos ficando velhos, pois as controvérsias de hoje já não são mais como as de antigamente. Isso porque, nos últimos dez anos, ocorreram diversas alterações nas orientações expedidas pela Receita Federal do Brasil a respeito da tributação da importação de serviços técnicos, dando-nos a impressão de que o Caso Alcatel está datado e, talvez, até ultrapassado no tempo.


Nesse sentido, o julgamento em questão ocorreu em um momento em que já não há mais controvérsia, no âmbito administrativo, sobre o critério jurídico originalmente debatido no caso. A própria Receita Federal do Brasil passou a admitir, a partir de 2014, a aplicação do art. 7º dos acordos para evitar dupla tributação (“ADTs”) especificamente nas hipóteses em que os respectivos protocolos não equiparam os royalties e a remuneração de serviços técnicos e de assistência técnica, como é o caso do acordo entre Brasil e França, avaliado no Caso Alcatel.



Para compreensão desse cenário, este artigo tem como propósito inicial analisar a evolução do tratamento dado pelas autoridades fiscais brasileiras à importação de serviços técnicos. Essa a primeira tarefa deste trabalho: situar o Caso Alcatel na linha do tempo das quatro fases do debate a respeito do assunto.


Em um segundo momento, este artigo busca examinar as principais questões enfrentadas na recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme a fase em que o Caso Alcatel está inserido. Ademais, uma vez que surgiram discussões adicionais posteriores àquelas pertinentes ao Ato Declaratório n. 1/2000, este trabalho examina as questões controversas remanescentes (não debatidas no Caso Alcatel) no âmbito do contencioso relativamente à incidência de IRRF sobre a importação de serviços técnicos.


Por fim, o estudo do Caso Alcatel também aflora outros sentimentos, tais como insegurança, desalento e preocupação, em função da instabilidade no tratamento jurídico dado à matéria nos últimos anos, associada à demora do Poder Judiciário para corrigir os equívocos na cobrança de débitos de IRRF decorrentes da não aplicação (indevida) de acordos para evitar dupla tributação. Nesse ponto, chama atenção o fato de que o Caso Alcatel demorou dez anos para ter o seu desfecho. A partir disso, surge a última tarefa deste artigo: identificar os efeitos deletérios decorrentes da insegurança jurídica acerca do tema no Brasil, avaliando-se em que medida esse atributo pode prejudicar a imagem do País como local seguro para realização de investimentos.


  1. AS QUATRO FASES DA EVOLUÇÃO DO TEMA

    Antes de examinar os detalhes do Caso Alcatel, é oportuno, para fins didáticos, situá-lo dentre as fases da evolução do tratamento fiscal dado às remessas realizadas por empresas brasileiras na contratação de serviços técnicos efetuados por estrangeiros sem estabelecimento permanente no País e domiciliados em países com os quais o Brasil celebrou ADTs. Adota-se aqui a divisão didática do Prof. Alberto Xavier, que segmenta a evolução histórica do tema em quatro fases (XAVIER, 2015, p. 643).


    1. Primeira fase: inserção dos rendimentos de prestação de serviços técnicos no conceito

      de “lucros” para fins do art. 7º dos ADTs


      Até o ano 1999, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) admitia, em soluções de consulta, a aplicação do art. 7º dos ADTs aos pagamentos de serviços técnicos realizados por estrangeiros, sem transferência de tecnologia, de modo a afastar a exigência de IRRF sobre as respectivas remessas para o exterior.


      A título de exemplo, destaca-se a Decisão n. 9E97F007, do ano de 1997, proferida pelo Chefe da Divisão de Tributação da RFB de Curitiba, no Processo Administrativo n. 10980.006598/97-98, de interesse da Renault do Brasil S.A. Naquele caso, a RFB avaliou o tratamento a ser dado à remuneração do serviço de estudo de engenharia, sem



      transferência de tecnologia, que seria efetuado por empresa francesa (controladora da Renault), para construção de uma fábrica montadora de veículos no Brasil (LEONARDOS, 1999, p. 41).

      Examinando a aplicabilidade do art. 7º do ADT Brasil-França (lucros da empresa, sem estabelecimento permanente no Brasil, tributáveis apenas na França) ou do art. 12 desse ADT (royalties, tributáveis no Brasil), o Fisco brasileiro concluiu que seria indevida a exigência de IRRF sobre a referida remuneração, uma vez que: (i) a empresa francesa prestadora de serviços receberia remuneração apenas pelos serviços prestados, e não pela cessão do direito de uso de patente ou pela transferência de know-how na área industrial (ou seja, não haveria transferência de tecnologia); (ii) no Protocolo do ADT Brasil-França não haveria um dispositivo estendendo o conceito de royalties à assistência técnica e aos serviços técnicos; (iii) o fato de o contrato de prestação de serviço envolver conhecimentos técnicos seria insuficiente para considerá-lo um contrato de transferência de tecnologia, e, portanto, a sua remuneração não teria natureza de royalties; e (iv) dado que essa remuneração não poderia ser classificada no art. 12 do ADT Brasil-França, então, admitiu- se a aplicação do art. 7º do mesmo ADT para afastar a exigência de IRRF sobre as respectivas remessas para o exterior, consideradas lucros da prestadora de serviços estrangeira (DUARTE FILHO, 2015, p. 251).


      A referida decisão, favorável aos contribuintes, foi elogiada por muitos tributaristas, como Luciana Galhardo, dado o seu alinhamento com a doutrina de Direito Tributário nacional e internacional, principalmente para fins da definição da competência do Estado de residência para tributar a remuneração da prestação de serviços técnicos, sem a fixação de estabelecimento permanente no Estado de fonte (GALHARDO, 1998, p. 39)1. Para ilustrar o referido alinhamento com a doutrina, destaca-se o entendimento de Klaus Vogel, segundo o qual o art. 7º da Convenção Modelo da OCDE contemplaria “a maior parte dos rendimentos provenientes da atividade econômica internacional”. Assim, para Vogel, os rendimentos da atividade empresarial, como regra geral, devem ser classificados no art. 7º, a não ser que o Protocolo do ADT estabeleça regras especiais (tais como aquelas aplicáveis aos dividendos) (VOGEL, 1990, p. 356).


    2. Segunda fase: exclusão dos rendimentos de prestação de serviços técnicos do conceito de lucros para fins do art. 7º dos ADTs


      Com a edição do Parecer Cosit n. 58, de 1º de outubro de 1999, a Receita Federal do Brasil alterou o seu entendimento a respeito do conceito de lucro, especificamente para fins da aplicação do art. 7º do ADT Brasil-França. Na ocasião, o Fisco brasileiro manifestou o entendimento de que a remuneração paga em contrapartida à prestação de serviços


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      1. Os serviços examinados seriam serviços de engenharia vinculados à assistência para implantação da montadora de veículos da marca Renault no Brasil, contemplando serviços logísticos, de engenharia, de estrutura de custos e de exploração, de assistência na organização, direção, estratégia e implementação de projeto.



        técnicos, realizada por empresa estrangeira no interesse de empresa brasileira, não teria natureza de lucro, e sim de rendimento, de acordo com a legislação brasileira, e, com efeito, não poderia ser classificada no art. 7º do ADT Brasil-França.


        Para justificar a aplicação da legislação interna na definição de lucro, a Receita Federal considerou que o ADT Brasil-França não adotou o art. 21 da Convenção Modelo da OCDE (em regra, art. 22 dos acordos brasileiros), que trata dos “rendimentos não expressamente mencionados nos artigos anteriores”, e, consequentemente, o Brasil e a França teriam acordado “implicitamente que casos desta espécie deverão ser solucionados à luz do direito interno comum de cada país”, o que autorizaria a exigência de IRRF sobre as respectivas remessas para o exterior de acordo com a legislação brasileira2.


        Ampliando o entendimento acima (aplicável, a princípio, apenas para o acordo Brasil- França, em razão da ausência do art. 21), o Fisco brasileiro editou o Ato Declaratório Normativo Cosit n. 01, de 5 de janeiro de 2000, que, em linhas gerais, afastou a aplicabilidade do art. 7º dos acordos celebrados pelo Brasil à hipótese de importação de serviços sem transferência de tecnologia, para determinar a sua tributação na condição de “rendimentos”, conforme previsto, via de regra, no art. 22 desses acordos. Com efeito, haveria incidência de IRRF, à alíquota de 25%, sobre a remessa de “rendimentos” para o exterior como remuneração de serviços técnicos, com base no art. 685, inciso II, alínea “a”, do Decreto n. 3.000/1999, vigente à época.

        Na visão do saudoso Professor Gerd Willi Rothmann, a interpretação conjunta do Parecer Cosit n. 58/1999 e do Ato Declaratório Normativo Cosit n. 01/2000 permitiria a conclusão de que o entendimento das autoridades fiscais brasileiras, à época, seria no seguinte sentido:

        (i) os rendimentos pagos por fonte brasileira pela prestação de serviços técnicos com

        transferência de tecnologia são classificados no art. 12 dos acordos, sendo tratados como royalties, passíveis de tributação no Brasil; (ii) por outro lado, os rendimentos pagos por fonte brasileira pela prestação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia seriam enquadráveis no art. 22 dos acordos, e, portanto, passíveis de serem tributados em ambos os Estados Contratantes; (iii) caso o acordo para evitar dupla tributação não contenha o art. 22 (outros rendimentos), como é o caso do ADT Brasil-França, tais rendimentos seriam, da mesma forma, passíveis de tributação em ambos os Estados Contratantes; e (iv) em nenhuma hipótese, o art. 7º dos acordos seria aplicável aos referidos rendimentos, uma vez que a legislação brasileira diferenciaria rendimentos e lucros (ROTHMANN, 2002, p. 33). Essa diferenciação é um ponto central no Caso Alcatel.


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      2. Os arts. 22 dos ADTs brasileiros seguem a redação do art. 21 da Convenção Modelo da OCDE, que prevê a competência cumulativa dos dois Estados contratantes sobre os “outros rendimentos” não previstos na convenção. Para o Brasil, portanto, a adoção, ou não, do artigo que trata desses “outros rendimentos” tem pouca relevância prática, na medida em que a aplicação desse artigo tem o mesmo efeito da não aplicação da convenção.



        Ademais, o Professor Gerd também ensina que, como seria muito difícil, na prática, verificar se determinado serviço técnico resulta, ou não, em transferência de tecnologia, a Receita Federal buscou atribuir ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) essa difícil tarefa. Seria necessário distinguir a hipótese em que o Protocolo do ADT enquadra os rendimentos de prestação de serviços técnicos com ou sem transferência de tecnologia no art. 12 (royalties) daquela em que o Protocolo nada diz nesse sentido. Havendo, no Protocolo, essa extensão do conceito de royalties, seria exigível IRRF no Brasil pela aplicação do art. 12; mas, por outro lado, se não houvesse tal determinação no Protocolo, o rendimento da prestação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia seria, segundo o entendimento da RFB da época, igualmente tributado no Brasil pela aplicação do art. 22 do ADT, na medida em que o art. 7º somente se aplicaria a lucros, e não a rendimentos. Ou seja, a distinção seria meramente classificatória, pois o resultado seria sempre o mesmo: tributação no Brasil (ROTHMANN, 2002, p. 33-40).


        O Ato Declaratório Normativo Cosit n. 01/2000 foi amplamente criticado pela comunidade acadêmica no Brasil, o que é aqui ilustrado pela referência aos trabalhos dos Professores Alberto Xavier, Luís Eduardo Schoueri e Sergio André Rocha.


        Alberto Xavier aponta que o entendimento que constava do Ato Declaratório Normativo Cosit n. 01/2000 representava uma posição “absolutamente isolada, não tendo nós conhecimento de que tenha sido defendida, no Brasil ou qualquer outro país, por estudioso da tributação internacional ou pela jurisprudência”. Esse entendimento, na visão de Xavier, ficará registrado como uma “infeliz curiosidade histórica” (XAVIER, 2015, p. 647; XAVIER, 2010, p. 565).


        Para Luís Eduardo Schoueri, a tributação da importação dos serviços técnicos sem transferência de tecnologia como “rendimentos”, e não como “lucros”, como pretendia o Ato Declaratório n. 01/2000, não estava de acordo com o contexto de nenhum dos acordos celebrados pelo Brasil e ensejava diversas consequências indesejadas pelos ADTs brasileiros. Como o art. 22 dos ADTs brasileiros permite a tributação desses “outros rendimentos” em ambos os Estados Contratantes, na prática, a remissão ao art. 22 dos acordos brasileiros representava negar a desoneração almejada pelos acordos (SCHOUERI, 2004, p. 196).


        Sergio André Rocha destaca que a escolha do art. 21 do modelo da OCDE como base para a tributação brasileira não encontra respaldo na literatura e na experiência internacionais. Para Rocha, o Ato Declaratório Normativo Cosit n. 01/2000 seria um “caso de estudo de má técnica legislativa”, ao determinar a sua utilização do art. 21 do modelo da OCDE mesmo na hipótese em que a ADT não contenha essa cláusula (como é o caso do ADT Brasil-França, objeto do Caso Alcatel). Tal norma da Receita Federal seria, para Sergio André Rocha, uma expressão de “completa falta de razoabilidade e carência de fundamentos jurídicos” (ROCHA, 2013, p. 283).



        Foi nesse contexto em que se iniciou o Caso Alcatel, que, ao ter o Ato Declaratório n. 01/2000 como fundamento litigioso, estava baseado em uma posição das autoridades fiscais bastante controversa.


    3. Terceira fase: rejeição jurisprudencial do entendimento da Receita Federal


      Em maio de 2012, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão, sob a relatoria do Ministro Castro Meira, no chamado Caso Copesul, Recurso Especial n. 1.161.467/RS, em que foi afastada a exigência de IRRF sobre as remessas para o exterior, efetuadas a título de pagamento de serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, prestados por estrangeiros.


      No caso, a Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) ajuizou a Ação Declaratória n. 0006530.43.2002.404.7100, perante a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, com objetivo de afastar a retenção de IRRF sobre as remessas para o exterior, a título de pagamento pela prestação de serviços de reparação, revestimento e beneficiamento de fornos industriais, realizados por empresas alemãs e canadenses (MATARAZZO, 2010, p. 247; LAVEZ, 2012, p. 295).

      Duas questões centrais foram examinadas no Caso Copesul, quais sejam: (i) os limites de aplicação do art. 7º dos ADTs envolvidos e sua contraposição com os respectivos arts. 21 (ADT Brasil-Canadá) e 22 (ADT Brasil-Alemanha)3, correspondentes a “outros rendimentos não mencionados expressamente” naqueles acordos; e (ii) a relação entre os ADTs e a legislação interna de cada Estado Contratante.


      Quanto à primeira questão, o Ministro Castro Meira rejeitou o argumento do Fisco de que lucro, para fins do art. 7º dos ADTs, corresponderia ao lucro real previsto na legislação tributária brasileira. Adotando a legislação interna como parâmetro para definição do conceito de lucros previsto no art. 7º dos ADTs, o Ministro Castro Meira observou que: (i) a legislação brasileira apresentaria “diversas modalidades de lucro”; e (ii) não seria admissível a escolha de uma modalidade que viesse a tornar o art. 7º inaplicável (como ocorreria se fosse adotado o conceito de lucro real), sob pena de se privilegiar uma interpretação que levaria a uma conclusão “absurda”4. Com base nessa premissa, o Ministro Castro Meira concluiu que o art. 7º do ADT Brasil-Alemanha e do ADT Brasil-Canadá versaria sobre o lucro operacional, vale dizer, aquele decorrente imediatamente da venda de mercadoria e prestação de serviços, e não sobre o lucro real, somente auferido ao final de um período de apuração. Portanto, a remuneração de uma prestadora de serviços técnicos sem


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      1. À época da propositura de ação, em 2002, ainda estava em vigor o ADT-Brasil-Alemanha, que veio a ser denunciado, pela Alemanha, em abril de 2005, perdendo vigência em janeiro de 2006.


      2. Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho do voto condutor do acórdão em exame: “Portanto, ‘lucro da empresa estrangeira’ deve ser interpretado em acepção mais ampla do que ‘lucro real’, sob pena de tornar sem valia o dispositivo e acolher a bitributação internacional como regra na Convenção, que objetiva, justamente, coibi-la. Para tornar o dispositivo minimamente aplicável é preciso equiparar ‘lucro da empresa’ a ‘lucro operacional’. Esse entendimento não desborda da legislação brasileira que consagra, expressamente, diversas modalidades de ‘lucro’”.



        transferência de tecnologia, desprovida de estabelecimento permanente no País, estaria contemplada no art. 7º dos ADTs, e, com efeito, não seria possível a sua tributação no Brasil.

        Quanto à segunda questão, o Ministro Castro Meira adotou o critério de lex specialis, para concluir que o art. 7º dos ADTs deveria prevalecer sobre a lei interna, (i) por ser norma especial, e (ii) porque seria aplicado com um objetivo único, qual seja, evitar a dupla tributação, em conformidade com a doutrina nacional (SCHOUERI, 2008, p. 563).


        Dessa maneira, prevaleceu, no julgamento do Caso Copesul, a interpretação favorável aos contribuintes, no sentido de que o art. 7º dos ADTs se aplicaria às remessas para o exterior a título de pagamento pela prestação de serviços técnicos, sem transferência de tecnologia. É nessa fase em que foi proferido o acórdão de 2ª instância no Caso Alcatel. Embora o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, a respeito do Caso Copesul, já tivesse sido publicado nessa data, ele deixou de ser considerado no referido acórdão de 2ª instância no Caso Alcatel.


    4. Quarta fase: a adaptação do entendimento da RFB – aplicação do art. 7º dos ADTs, porém com ressalvas


      Em agosto de 2013, o Fisco brasileiro editou a Nota Técnica Cosit n. 23, na qual, inicialmente, demonstrava-se uma preocupação com o ofício apresentado pelo Ministério das Finanças da Finlândia, de 27 de fevereiro de 2013, que apontava a intenção do Governo da Finlândia de denunciar o ADT Brasil-Finlândia, caso se confirmasse o entendimento constante do Ato Declaratório n. 01/2000, favorável à tributação no Brasil de remessas em pagamento de serviços técnicos realizados por empresas finlandesas.


      Nesse sentido, a Nota Técnica noticiava que as autoridades da Finlândia manifestaram o entendimento de que a tributação de rendimentos de tais serviços deveria ocorrer exclusivamente no país de residência, com base na tributação de lucros, mediante a aplicação do art. 7º do ADT Brasil-Finlândia. Interessante notar o desconforto demonstrado pela Receita Federal com a situação, sob o argumento de que o referido Ato Declaratório “desgastava a imagem da RFB, por se tratar de interpretação isolada nos fóruns internacionais”.


      Ademais, a Nota Técnica Cosit n. 23/2013 concluiu que, em regra, o art. 7º dos ADTs deveria ser aplicado às remessas realizadas para pagamento pela prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, a menos que fossem aplicáveis duas regras especiais, quais sejam: (i) caso os Protocolos dos ADTs autorizassem tratar como “royalties” (art. 12) os rendimentos de prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, deveria ser afastada a aplicação do art. 7º e empregado o art. 12, para permitir a tributação no Brasil; (ii) havendo previsão em ADT (ou Protocolo) que autorizasse a tributação, no Brasil, da prestação de serviços técnicos de caráter profissional, realizada por pessoa ou grupo de pessoas, os rendimentos dessa prestação de serviços deveriam ser submetidos ao tratamento previsto no art. 14



      (Profissionais Independentes). Ao final, a Receita Federal é assertiva ao criticar o Ato Declaratório Normativo Cosit n. 01/2000, ao reconhecer que a posição ali adotada traduziria uma “interpretação equivocada das disposições dos acordos para evitar a dupla tributação e está em desacordo com o entendimento da doutrina internacional, o que gera violação dos tratados e motivos para sua denúncia”5.


      Meses depois, a PGFN elaborou a Nota n. 1.291, de novembro de 2013, dando indícios de uma mudança no foco das autoridades fiscais a respeito do tema. Além disso, a PGFN sinalizou uma possível saída para o problema: a ampliação do conceito de royalties. Desse modo, buscando enquadrar todos os serviços técnicos e de assistência técnica no conceito de royalties, o Procurador da Fazenda Nacional Moisés de Sousa Carvalho Pereira questionou na referida Nota: “se a intenção dos Estados Contratantes era limitar a aplicação do Artigo 12 do TDT aos serviços técnicos prestados em caráter acessório ao contrato de transferência de tecnologia, por que tal restrição não foi prevista no próprio texto do Protocolo?”6.


      Esse questionamento indicava uma possível saída técnica para tributar os serviços técnicos: bastaria enquadrá-los em outro artigo dos ADTs, que permitisse a tributação no Brasil, para reduzir a relevância do art. 7º dos ADTs. Como essa matéria (extensão do conceito de royalties) não foi objeto de análise pelo STF no Caso Copesul (LAVEZ, 2012, p. 295), o novo posicionamento da Procuradora da Fazenda Nacional não estaria em contradição com a jurisprudência.


      A origem dessa posição pode ser encontrada no Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 4/2006, que versou sobre o tratamento (de royalties, art. 12) a ser dado para os serviços técnicos, com ou sem transferência de tecnologia, no âmbito do ADT Brasil-Espanha. Ou seja, já em 2006, a Receita Federal buscava reduzir – em caráter pontual, isto é, apenas quanto ao ADT Brasil-Espanha – o âmbito de aplicação do art. 7º, mediante a ampliação do escopo dos arts. 12 e 14 dos ADTs.


      No mês de dezembro de 2013, a PGFN editou o Parecer n. 2.363/2013 para se curvar ao entendimento do STJ, manifestado no Caso Copesul, autorizando tratar, ressalvadas algumas exceções, as remessas para pagamento de serviços técnicos sem transferência de tecnologia como lucros7. Nota-se que o aludido questionamento, constante da Nota n. 1.291/2013 (acima mencionada), surtiu efeito na posição da PGFN, a ponto de se aceitar a aplicação do art. 7º dos ADTs, porém, em caráter subsidiário.



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      1. RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Nota Técnica Cosit n. 23/2013. Disponível em: http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/455398/RESPOSTA_PEDIDO_16853001251201686.pdf. Acesso em: 24 maio 2020.


      2. PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL. Nota PGFN/COCAT n. 1.291/2013. Disponível em: http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/notas/resource/12912013. Acesso em: 24 maio 2020.


      3. PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL. Parecer PGFN/CAT n. 2.363/2013. Disponível em: http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres/resource/23632013. Acesso em: 24 maio 2020.



        Diante desse cenário, Alberto Xavier manifestou o entendimento de que, para os contribuintes domiciliados em países com os quais o Brasil tem ADT, cujo Protocolo inclui os serviços técnicos no conceito de royalties, a decisão do STJ no Caso Copesul teria sido uma “vitória de Pirro”, pois a superação da diferenciação entre lucros e rendimentos para fins da aplicação do art. 7º dos ADTs não foi suficiente para afastar a exigência de IRRF nas remessas ao exterior na importação de serviços técnicos (XAVIER, 2015, p. 649). Essa constatação deve ser vista com ressalvas, porque, na verdade, a dinâmica de aplicação das regras distributivas de competência tributária nos ADTs (entre os arts. 7º, 12, 14 e 21) não é propriamente uma novidade (VOGEL, 1990, p. 356).


        Há, de fato, no exame da relação entre os referidos artigos, um debate sobre a natureza residual, ou não, do art. 7º dos ADTs, uma vez que os arts. 12 e 14 seriam “regras mais específicas”, conforme aponta Rafael Lavez (2012, p. 302) – posição essa que, aparentemente, foi adotada pela PGFN/CAT n. 2.363/2013, e que é criticada pelo Professor Alberto Xavier (2015, p. 649). No entanto, existem outros pontos problemáticos, quais sejam:


        1. a utilização, ou não, da legislação interna para avaliar qual conceito de royalties será empregado para fins de interpretação dos ADTs, em paralelo com a definição do grau de limitação do emprego do art. 3º, § 2º, da Convenção Modelo da OCDE, segundo o qual, na ausência de definição de um termo ou expressão nos ADTs, o seu significado deveria ser obtido na legislação interna (XAVIER, 1999, p. 15); (i.a) caso a resposta seja no sentido da utilização da legislação interna, seria necessário avaliar se a legislação brasileira traria um conceito de serviços técnicos e assistência técnica útil à solução dessa dúvida; (i.b) nessa hipótese, também seria oportuno examinar se o conceito da lei brasileira poderia resultar na classificação dos serviços técnicos sem transferência de tecnologia no art. 12 dos ADTs, ou seja, se poderia a lei brasileira restringir o alcance do art. 7º dos ADTs, o que, a nosso ver, não deveria ser admitido;

        2. a interpretação do conceito de royalties nos protocolos dos ADTs celebrados pelo Brasil. Isso porque, com exceção dos acordos celebrados com Áustria, Finlândia, França (no que diz respeito ao Caso Alcatel), Japão e Suécia, os Protocolos dos ADTs celebrados pelo Brasil apontam para a inclusão da assistência técnica e dos serviços técnicos no escopo de aplicação do art. 12. Nesse particular, o cerne da questão seria, igualmente, a possibilidade, ou não, do enquadramento de todo e qualquer serviço técnico, sem transferência de tecnologia, no art. 12 dos ADTs. Nesse ponto, é oportuno refletir sobre a questão apresentada pela PGFN acerca da relevância do fato de os Protocolos dos ADTs não terem limitado o conceito de royalties à hipótese de transferência de tecnologia, havendo fortes argumentos no sentido da irrelevância da ausência de limitação expressa nos Protocolos dos ADTs, dado que a sua interpretação não poderia ser literal (XAVIER, 2015, p. 656). Também é pertinente questionar se o fato de os referidos Protocolos terem estabelecido que “os rendimentos provenientes de assistência técnica e da prestação de serviços



          técnicos” estariam no âmbito de aplicação do art. 12 dos ADTs seria suficiente para classificar nesse artigo os rendimentos de quaisquer serviços técnicos, mesmo na hipótese de não haver transferência de tecnologia (FONSECA, 2014, p. 45; LAVEZ, 2012, p. 312);

        3. além disso, é oportuno avaliar a eficácia das Portarias publicadas pelo Brasil na

          tentativa de incluir os serviços técnicos e de assistência técnica no art. 12 dos ADTs, cujos Protocolos não contêm dispositivo nesse sentido. A título de exemplo, observa-se que a Portaria MF n. 287, de 23 de novembro de 1972, pretendeu ampliar o âmbito de incidência do Protocolo do ADT Brasil-França, o que certamente deve ser objeto de crítica, dado o seu caráter unilateral e o descumprimento do procedimento que garante a legalidade dos Protocolos (XAVIER, 2015, p. 666).


          Nesse contexto de dúvidas decorrentes da mudança de foco, por parte das autoridades fiscais, quanto ao tratamento a ser dado, nos ADTs, aos serviços técnicos, foi editado o Ato Declaratório Interpretativo n. 5, de 16 de junho de 2014, cujo conteúdo desperta as seguintes reflexões:

          1. segundo a Receita Federal, a remessa para o exterior a título de pagamento por serviços técnicos e de assistência técnica, com ou sem transferência de tecnologia, deveria ser classificada no art. 12 dos ADTs celebrados pelo Brasil (e, portanto, sujeitos à exigência de IRRF), desde que os respectivos acordos tenham, em seus Protocolos, disposições no sentido de tratar tais serviços como royalties. Dessa maneira, a existência de disposição, em Protocolo, nesse sentido foi considerada, pelo Fisco do Brasil, como critério de discrímen para exigência, ou não, de IRRF na importação de serviços8. De modo diverso, a importação de serviços técnicos austríacos, finlandeses, franceses, japoneses e suecos (países cujos ADTs com o Brasil não têm Protocolo com a referida disposição), por prestadores de serviços sem estabelecimento permanente no Brasil, pode ter se tornado mais interessante, na medida em que, nessas hipóteses, seria possível afastar a cobrança de IRRF sobre as respectivas remessas para o exterior, aplicando a contrario sensu o ADI n. 5/2014;

          2. de acordo com a Receita Federal, não sendo possível enquadrar a remessa para o exterior no art. 12 dos ADTs brasileiros (em razão da extensão do Protocolo), seria necessário examinar a aplicabilidade do art. 14 dos ADTs, que trata das profissões independentes (suprimido da Convenção Modelo da OCDE (OECD, 2010, p. 225), porém mantido nos ADTs brasileiros). Com exceção daqueles celebrados com Áustria, África do Sul, China, Finlândia, França, Índia, Israel, Japão, Holanda, Peru, Suécia e Ucrânia, os ADTs celebrados pelo Brasil possibilitam incluir, no art. 14, rendimentos auferidos por pessoas jurídicas (e não apenas por pessoas físicas). O


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      4. Esse tratamento pode ser encontrado nos ADTs celebrados pelo Brasil com os seguintes países: África do Sul, Argentina, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Equador, Eslováquia, Filipinas, Hungria, Israel, Itália, Luxemburgo, México, Noruega, Peru, Port ugal, República Tcheca, Rússia, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia e Venezuela.



        ponto central aqui seria a definição de quais espécies de serviços (empresariais, pessoais, intelectuais etc.) seriam passíveis de enquadramento no art. 14. Nesse particular, é pertinente registrar que o art. 14 dos ADTs brasileiros, em geral, faz referência ao termo serviços; os únicos ADTs que não contêm esse termo, em seu art. 14, são aqueles celebrados com Japão, França, Áustria, China, Portugal, Israel e a Turquia. A nosso ver, todavia, apenas os serviços típicos dos profissionais liberais, relacionados em cada ADT, estão enquadrados no art. 14 (XAVIER, 2015, p. 665);

        1. conforme o Fisco brasileiro, estaria superada a questão da diferenciação entre

        rendimentos e lucros para fins da aplicação do art. 7º dos ADTs (afastando, portanto, o Ato Declaratório n. 01/2000), no sentido de reconhecer a competência tributária exclusiva do Estado de residência do prestador estrangeiro de serviços técnicos (sem transferência de tecnologia) desprovido de estabelecimento permanente no Brasil. No entanto, a aplicação do art. 7º dos ADTs somente seria cabível caso os rendimentos a serem remetidos para o exterior não fossem enquadrados nos arts. 12 ou 14. Verifica-se aqui uma tomada de posição das autoridades fiscais quanto à natureza subsidiária da aplicação do art. 7º dos ADTs brasileiros, o que merece críticas, tendo em vista a autonomia da natureza das materialidades tratadas em cada artigo (lucro das atividades empresariais, royalties e rendimentos do exercício de profissões liberais). A nosso ver, não parece haver, nos ADTs, uma relação de subsidiariedade ou especialidade, e sim disposições sobre riquezas diferentes.


        Para ilustrar os critérios adotados no Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 5/2014, apresenta-se o seguinte quadro-resumo (cuja elaboração deixa de lado, para fins didáticos, a questão da subsidiariedade, e busca apenas retratar o entendimento da Receita Federal):


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        Como se vê, os ADTs celebrados com Áustria, França e Japão restaram ilesos na aplicação dos dois “filtros” (art. 12 e art. 14 dos ADTs), conforme o racional do Ato Declaratório Interpretativo n. 05/2014. Assim, mesmo após a edição desse Ato, as remessas para Áustria,



        França e Japão, a título de pagamento de serviços técnicos, não são tributadas pelo Brasil, desde que os prestadores de serviços estrangeiros não tenham estabelecimento permanente no País, em conformidade com a visão do Fisco brasileiro.


        Ao longo das quatro fases acima mencionadas, houve mudanças relevantes nos parâmetros considerados para se verificar a incidência de IRRF sobre as remessas para o exterior a título de pagamento de serviços técnicos. A metodologia adotada pela Receita Federal não é propriamente nova. Isso porque, na Solução de Consulta formulada pela Renault, já era possível identificar a pretensão de aplicação dos art. 7º e 21 de maneira subsidiária, em relação às regras supostamente especiais dos art. 12 e 14 dos ADTs brasileiros.


        A novidade não está no método, está no conteúdo. A mudança de postura do Fisco brasileiro se identifica pela criação de uma norma, com caráter geral para todos os ADTs, sinalizando a tentativa de ampliação no campo de incidência do art. 12, que trata dos royalties, e do art. 14, que versa sobre profissões independentes. A referência ao caráter geral se justifica pelo fato de que, no passado, a Receita Federal já havia buscado, pontualmente, apenas com relação ao ADT Brasil-Espanha, ampliar o campo de aplicação dos arts. 12 e 14, e reduzir o âmbito de incidência do art. 7º, conforme se observa no art. 3º do Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 4, de 17 de março de 20069. Para ilustrar essa evolução, apresenta-se o seguinte quadro-resumo:


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      5. Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 4/2006. “Art. 3º Com relação a royalties e a serviços técnicos, deve ser observado o seguinte: I – incluem-se no conceito de royalties, para fins de aplicação da Convenção, todos os serviços técnicos ou de assistência técnica, independentemente de que, em si mesmos, suponham ou não transferência de tecnologia, à exceção do disposto no inciso II; II – aplica- se o art. 14 da Convenção (‘Profissões independentes’) aos serviços técnicos de caráter profissional relacionados com a qualificação técnica de uma pessoa ou grupo de pessoas;

        III – não se aplica, em nenhuma hipótese, o art. 22 da Convenção (‘Rendimentos não expressamente mencionados’) aos serviços técnicos prestados por uma empresa de um Estado contratante no outro Estado contratante; IV – considerase reduzido o âmbito de aplicação do art. 7º da Convenção (‘Lucros das empresas’) no tocante aos serviços compreendidos nos incisos I, II e III”.



        Assim, a discussão a respeito do conceito de lucros para fins da incidência do art. 7º dos ADTs, que era o pano de fundo para o questionamento do Ato Declaratório Normativo Cosit n. 01/2000, tornou-se menos relevante em face do detalhamento, pelas autoridades fiscais, dos critérios pertinentes à aplicação dos arts. 12 e 14 dos ADTs. Em outras palavras,

        novas condições (leiam-se: obstáculos) foram instituídas para a aplicação do art. 7º dos ADTs e para o consequente afastamento da exigência de IRRF.

        Ressalta-se, no entanto, que em 2015 o Superior Tribunal de Justiça reafirmou seu entendimento ao analisar, no Recurso Especial n. 1.272.897/PE (Caso Iberdrola Energia), a aplicação do art. 7º do ADT Brasil-Espanha, afastando o IRRF sobre a importação de serviços técnicos. Conforme essa decisão, não é qualquer serviço que pode ser considerado técnico em sentido de transferência de tecnologia, de modo que nem todo serviço especializado poderá ter seu pagamento considerado como royalties. Esse posicionamento contraria o que tem defendido a Receita Federal, no sentido de alargar o conceito de royalties.


        O estudo acima colabora para a melhor compreensão do momento em que o Caso Alcatel está situado, bem como ilustra a insegurança jurídica decorrente da instabilidade nas orientações do Fisco brasileiro.


  2. CASO ALCATEL

    1. Fatos e argumentos controversos


      A Alcatel-Lucent Submarine Networks S.A. (“Alcatel”) é uma empresa francesa que se dedica à construção e à manutenção de cabos submarinos, nos quais são instaladas fibras ópticas de telecomunicações. Ela foi contratada pela Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. (“Embratel”) para projetar, supervisionar, construir e efetuar a manutenção de infraestrutura de cabos submarinos situados fora do Brasil.


      Quando do pagamento da Embratel à Alcatel pela realização desses serviços, as instituições financeiras brasileiras, responsáveis por efetivar as remessas dos respectivos valores ao exterior, exigiram da Embratel a demonstração do recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). Nesse cenário, com o objetivo de afastar essa exigência de IRRF, a Alcatel impetrou o Mandado de Segurança n. 2010.51.01.012788-7, perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro, alegando violação ao 7º do ADT Brasil-França.


      Em resumo, a Alcatel sustenta que, uma vez que ela não tem estabelecimento permanente no Brasil, o art. 7º do ADT Brasil-França seria aplicável para afastar a exigência de IRRF sobre a remuneração dos serviços técnicos por ela prestados. Além disso, o Ato Declaratório

      n. 01/2000 seria ilegal por contrariar o referido acordo para evitar dupla tributação. Por fim, destaca-se que não existe no ADT Brasil-França o art. 21 do modelo da OCDE (“outros rendimentos não expressamente mencionados”), e, portanto, a contraprestação de serviços



      técnicos (sem transferência de tecnologia) não poderia ser tratada como “outros

      rendimentos”.


      Por outro lado, o Fisco brasileiro defendeu que o ADT Brasil-França teria uma lacuna na definição do conceito de “lucros” e “rendimentos”, e, consequentemente, seria necessário adotar a definição da legislação interna a respeito desses termos, conforme os comentários ao art. 7º da Convenção-Modelo da OCDE. Além disso, as autoridades fiscais brasileiras alegaram que a diferenciação entre “lucro” e “rendimento”, conforme a legislação interna, obstaria tratar as remessas feitas pela Embratel à Alcatel como “lucros”, na medida em que estes pressuporiam o confronto entre receitas e despesas, razão pela qual, em seu valor bruto, elas teriam natureza de meras “receitas operacionais”. Por fim, o Fisco brasileiro sustentou que o Ato Declaratório Cosit n. 01/2000 estaria em “plena conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro”, na medida em que apenas sistematizaria e interpretaria as normas tributárias em vigor.


    2. A decisão recorrida do Tribunal Regional da 2ª Região


      Avançando para a segunda instância do processo, verifica-se que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região concluiu que o entendimento das autoridades fiscais estaria correto no Caso Alcatel. Em primeiro lugar, segundo aquele Tribunal, a remuneração pela prestação de serviços técnicos teria natureza de “rendimento”, e não de “lucro”, sendo, portanto, inaplicável o art. 7º do ADT Brasil-França. Para tanto, diferenciaram-se os conceitos de “rendimentos” e de “lucros”, sob o argumento de que os valores pagos pela Embratel à Alcatel seriam meros “rendimentos”, e não “lucro”.


      Além disso, acolheu-se o entendimento de que, como o ADT Brasil-França não teria fixado os conceitos de rendimentos e lucros a que alude, seria necessário “buscá-los na legislação interna”. Nesse sentido, a legislação interna (art. 247, caput e § 1º, do Regulamento do Imposto de Renda; art. 31 do Decreto-lei n. 1.598/1977; art. 11 e o item 2 do Parecer Normativo

      n. CST 102/1978) autorizaria a conclusão no sentido de que o pagamento de prestação de serviços em questão seriam meros rendimentos, e não o próprio lucro.


    3. A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça


      Recentemente, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial n. 1.618.897, interposto pela Alcatel, em acórdão sob a relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, concluindo pela aplicação do art. 7º do ADT Brasil-França, para afastar a exigência de IRRF sobre os serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, por empresa sem estabelecimento permanente no Brasil.


      O entendimento da Corte Superior se pautou na jurisprudência das Cortes Superiores e na doutrina brasileira para definir que as Convenções e os Acordos Internacionais devem prevalecer quando em confronto com a legislação tributária interna infraconstitucional,



      em razão da sua especialidade, ressalvada a supremacia da Constituição Federal. Apontou- se que, apesar de o Brasil não ser membro da OCDE, o País tem adotado o modelo proposto por essa organização, segundo o qual “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse mesmo Estado”, e “o alcance dos termos e dos conceitos utilizados nos instrumentos normativos internacionais deve ser o acordado entre os Estados signatários”.


      Sendo assim, o Ministro Relator concluiu que o conceito de “lucro” não pode ser interpretado como “lucro real”, e sim como resultado das atividades, principais ou acessórias, que decorrem do exercício do objeto social da empresa, de modo que o “rendimento” é parte integrante do “lucro” e, consequentemente, está dentro do escopo de aplicação do art. 7º dos acordos para evitar dupla tributação. Portanto, diante do caso concreto em que a Alcatel não tem um estabelecimento permanente no Brasil, os rendimentos provenientes para sua prestação de serviços de “construção e manutenção de cabos submarinos” devem ser tributados no país onde localizada a sua sede, ou seja, a França.


  3. ANÁLISE CRÍTICA DO CASO ALCATEL

    O critério adotado na decisão de segunda instância no Caso Alcatel estava equivocado e desatualizado, o que fica claro no exame da evolução do tema retratado neste artigo. Recorde-se que aquela decisão de segunda instância adotou o entendimento de que “o pagamento de prestação de serviços às empresas prestadoras de serviços, conquanto componham parcela de seus lucros, são efetivamente rendimentos, e não o próprio lucro”, em conformidade com o Ato Declaratório n. 01/2000.


    No entanto, já naquela época em que proferida tal decisão (ano de 2013), os comentários da OCDE ao art. 7º da sua Convenção Modelo, em sua versão de 2010 (OECD, 2010, p. 149), indicavam que o conceito de lucros, nos acordos para evitar dupla tributação, possui um significado amplo e, como tal, contempla todo o rendimento auferido na condução de uma empresa10. No mesmo sentido, a própria doutrina de Klaus Vogel, apontada pelo Fisco como fundamento para suas razões, também já ensinava, há muito tempo, que o termo lucros deveria ser interpretado como rendimentos da atividade empresarial (VOGEL, 1990, p. 356).


    A parte do Ato Declaratório n. 01/2000 que buscava a aplicação do art. 22 dos ADTs também estava equivocada, pois, como ensinava o Professor Gerd Rothmann, tal artigo tem um escopo muito restrito, pertinente tão somente aos rendimentos não empresariais (tais


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    1. “Although it has not been found necessary in the Convention to define the term ‘profits’, it should nevertheless be understood that the term when used in this Article and elsewhere in the Convention has a broad meaning including all income derived in carrying on an enterprise. Such a broad meaning corresponds to the use of the term made in the tax laws of most OECD member countries.” (Destaque nosso.)



      como anuidade de previdência social, prêmios de jogo e loteria etc.) (ROTHMANN, 2002, p. 41).

      Tratava-se, claramente, de um indevido treaty override (revogação de tratado por norma interna posterior), com efeito indevido de determinar uma competência ilimitada para o Estado da fonte em relação a uma hipótese contemplada pelo art. 7º do ADT Brasil-França. Nesse ponto, cabe recordar que o ordenamento jurídico brasileiro não admite o treaty override, pois, como ensina o Prof. Luís Eduardo Schoueri, os acordos para evitar a dupla tributação definem o alcance da jurisdição nacional e, portanto, “uma vez definida a jurisdição pelo meio próprio, não pode uma lei dispor sobre assunto que ultrapasse os limites impostos pelo tratado, por falta de competência” (SCHOUERI, 2013, p. 419).


      Para interpretar os limites da competência definida pelos acordos, deve-se buscar a interpretação do seu “contexto”, evitando ao máximo o emprego da legislação interna, para privilegiar os termos da convenção, conforme a Convenção de Viena (CASTRO, 2015, p. 109; ROCHA, 2008, p. 146). Deve-se, portanto, rejeitar a legislação interna como fonte normativa exclusiva – como pretendia o Fisco no Caso Alcatel – para a solução dos limites dos acordos celebrados pelo Brasil. Cabe extrair do contexto do acordo a sua interpretação, quando os acordos não tenham previsão expressa no sentido de se utilizar conceitos da legislação doméstica. Adota-se aqui, portanto, a tese da autonomia conceitual entre os termos de um ADT e da legislação doméstica (NETO, 2018, p. 127-139).


      Diante disso, parece acertada a decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o recurso especial interposto pela Alcatel, em conformidade com a sua própria jurisprudência. Ademais, a própria Procuradoria da Fazenda Nacional parece ter se curvado ao entendimento jurisprudencial fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Caso Copesul (que igualmente versava sobre o Ato Declaratório Normativo n. 01/2000), como é possível observar na “Nota Justificativa”, elaborada para motivar a não interposição de recurso naquele caso, com base na prevalência das normas inseridas nos ADTs em relação à legislação doméstica, em função da sua especialidade11. A referida ausência de litigiosidade, especificamente em casos envolvendo o ADT Brasil- França, fica ainda mais evidente diante da Solução de Consulta Cosit n. 153, de 17 de junho de 2015, na qual a Receita Federal manifestou entendimento no sentido de afastar a exigência de IRRF sobre as remessas destinadas a prestadores de serviços técnicos franceses, por força da aplicação do art. 7º do referido acordo.


      Por essas razões, a decisão em exame nos parece correta e bem fundamentada, ao reconhecer que o termo lucro engloba o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados, mas também qualquer “resultado das atividades, principais ou acessórias, que



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    2. PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL. Parecer PGFN/CAT n. 2.363/2013. Disponível em: http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres/resource/23632013. Acesso em: 24 maio 2020.



    constituam objeto da pessoa jurídica”. A conclusão não poderia ser diferente, pois a exigência de apuração de “lucro real” no Brasil, por empresa sem estabelecimento permanente no País, como condição para a aplicação do art. 7º dos ADTs resultaria na absoluta impossibilidade do emprego desse dispositivo. Isso porque a identificação e apuração das receitas operacionais e as despesas necessárias para a realização da respectiva atividade – como sustentava o Fisco brasileiro à época do início do Caso Alcatel

    – somente seria possível por meio da existência de um estabelecimento permanente, que, se houvesse, ensejaria a tributação no Brasil, conforme dispõe o referido art. 7º. Portanto, tal interpretação por parte das autoridades fiscais, constante do Ato Declaratório n. 01/2000, tinha como resultado prático negar a própria vigência do art. 7º dos acordos, o que tem efeitos negativos no ambiente de negócios e para a imagem do Brasil na comunidade internacional, como exposto a seguir.


  4. OS EFEITOS DELETÉRIOS DECORRENTES DA INSEGURANÇA JURÍDICA NO TEMA

    A decisão do Superior Tribunal de Justiça no Caso Alcatel pode trazer um alento e uma esperança para os estudiosos do Direito Tributário Internacional no sentido de que o Poder Judiciário pode contribuir para a estabilização jurídica nessa seara, como dito na introdução deste artigo. Entretanto, cabe notar que a demora – de dez anos – para dar a melhor solução para o caso – aliás, a primeira decisão no caso, depois de duas instâncias com decisões que aplicaram o Ato Declaratório n. 01/2000 – tem efeitos deletérios para a segurança jurídica no tema.


    Por um lado, a demora na obtenção de uma resposta segura em matéria fiscal prejudica o processo interno de tomada de decisões gerenciais pelo contribuinte, aumentando custos e riscos empresariais e gerando “perda financeira que acaba por ser repartida pela coletividade como um todo” (ROCHA, 2010, p. 88).


    Por outro lado, a sinalização clara feita por um governo no sentido de que, na prática, o seu país não cumpre com os compromissos internacionais por ele assumidos (no caso, a desoneração dos lucros auferidos por empresa sem estabelecimento permanente no país) tem consequências danosas de diversas naturezas. Não por outro motivo, a própria Receita Federal mostrou preocupação, por meio da Nota Técnica Cosit n. 23/2013 (acima examinada), com a imagem do Brasil na comunidade internacional em função da “interpretação isolada nos fóruns internacionais” a respeito do art. 7º dos seus ADTs.


    A avaliação conjunta desses fatores (vale dizer, a demora para afastar cobranças ilegais pelo Poder Judiciário e a adoção pelo Brasil de atos interpretativos que negam a aplicação de acordos internacionais) contribuíram, em muito, para a redução da segurança jurídica em matéria de tributação da importação de serviços técnicos prestados. Se, por um lado, o Caso Alcatel exemplifica o encerramento de umas das controvérsias jurídicas nessa seara



    (consubstanciado no afastamento do Ato Declaratório n. 01/2000), o que deve ser celebrado, por outro lado, a evolução do tema a ele subjacente evidencia que as questões litigiosas remanescentes sobre a tributação de serviços técnicos (tal como a busca pela ampliação do conceito de royalties e a alegada natureza subsidiária da aplicação do art. 7º dos acordos brasileiros em relação aos arts. 12 e 14, como retratado acima) reafirmam a referida insegurança jurídica.


    As reiteradas práticas do chamado “hermeneutic override”, isto é, o descumprimento de ADT sob o argumento de se estar apenas realizando a sua interpretação restritiva (ROCHA, 2013, p. 287), prejudicam o Brasil não apenas do ponto de vista de atração de investimentos, mas também da perspectiva arrecadatória. A ampliação (ilegal) da competência tributária brasileira (na condição de Estado da fonte), em contrariedade aos acordos para evitar dupla tributação (como ocorria no Ato Declaratório Normativo n. 01/2000 e ainda ocorre no Ato Declaratório Interpretativo n. 5/2014), reduz a confiabilidade dos agentes econômicos no Estado brasileiro, o que pode ter efeito em cadeia prejudicial ao País, abrangendo desde a redução das chances de novas empresas estrangeiras se instalarem no Brasil, sob o argumento de que o governo local sequer cumpre os compromissos que assume, até o aumento das dificuldades para o desenvolvimento de negócios já existentes.


    Esse cenário tende a favorecer a diminuição da geração de novas riquezas disponíveis para tributação no País, o que pode, inclusive, ter o efeito reverso indireto de desfavorecer a arrecadação que o Fisco pretende proteger.


  5. CONCLUSÃO

O Caso Alcatel tem como pano de fundo a evolução do tratamento fiscal dado, no Brasil, às remessas para o exterior a título de pagamento de serviços técnicos realizados por empresas estrangeiras sem estabelecimento permanente no País. O estudo desse caso aflora sentimentos diferentes, tais como, por um lado, um alívio pelo reconhecimento da superação do Ato Declaratório n. 01/2000, mas, por outro, uma preocupação com a insegurança jurídica em matéria de tributação da importação de serviços técnicos.


A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Caso Alcatel deve ser celebrada, porque deu prevalência ao art. 7º do ADT Brasil-França, afastando o entendimento (constante do Ato Declaratório n. 01/2000) de que a remuneração por serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, prestados por empresa estrangeira sem estabelecimento permanente no Brasil teria natureza de “rendimentos”, e não de “lucros”. Prevaleceu a melhor interpretação do art. 7º dos acordos celebrados pelo Brasil no sentido de que “rendimentos” são parte do “lucro” e devem ser tributados apenas no Estado de residência da empresa estrangeira sem estabelecimento permanente no País.


Em contrapartida, a superação do Ato Declaratório n. 01/2000 (confirmada pela jurisprudência) é acompanhada de uma nova busca do Fisco brasileiro pela redução do



âmbito de aplicação do art. 7º (que permite afastar a exigência de IRRF no Brasil) e, ato contínuo, pela tentativa de majoração do escopo de incidência do art. 12 dos ADTs celebrados pelo Brasil (que autoriza a exigência de IRRF no Brasil). Essa busca consta do Ato Declaratório Interpretativo n. 5/2014, que está vigente na atualidade.


Ademais, a demora no julgamento de casos, como o da Alcatel, pelo Poder Judiciário, associada à instabilidade nas orientações expedidas pela Receita Federal nessa temática, desperta preocupações com a insegurança jurídica. Assim como a Alcatel, diversos contribuintes foram obrigados a judicializar a questão, arcando com os ônus dessa medida, com o objetivo de afastar a exigência ilegal de retenção de IRRF em hipóteses semelhantes à do Caso Alcatel, em decorrência da postura do governo brasileiro de negar a aplicação de ADTs.


Essa postura do Fisco brasileiro prejudica sobremaneira a segurança jurídica e tem efeitos deletérios na imagem do Brasil para a atração de investimentos, para o desenvolvimento de negócios e, até mesmo, para fins arrecadatórios. Assim, se o Caso Alcatel indica a vitória da tese jurídica mais consistente, o contexto no qual ele está inserido aponta para a existência de prejuízos recorrentes à segurança jurídica nessa seara.


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