A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE LUCRO LÍQUIDO E OS TRATADOS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO – LEI N. 13.202/2015 EM PERSPECTIVA

THE SOCIAL CONTRIBUTION ON NET PROFITS AND THE DOUBLE TAX CONVENTIONS – LAW N. 13,2002/2015 UNDER ANALYSIS

Michell Przepiorka

Mestrando pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Juiz do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo e Advogado em São Paulo. E-mail: przepiorka@tpa.adv.br



Recebido em: 05-12-2019

Aprovado em: 25-05-2020


DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-7155-rdtia-n7-11


RESUMO


O presente artigo pretende analisar a extensão do escopo objetivo dos tratados assinados pelo Brasil para evitar a dupla tributação à contribuição social sobre o lucro líquido. Para isso verificaremos o resultado do julgamento proferido no Processo Administrativo n. 12897.000715/2009-41 pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais

– CARF, bem como os efeitos da Lei n. 13.202/2015 na interpretação destes tratados.


PALAVRAS - CHAVE: TRATADOS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO, INTERPRETAÇÃO


ABSTRACT


The present paper aims to analyze to which extent the objective scope of the double tax conventions signed by Brazil encompasses the social contribution on net profits. To do so, we will analyze a decision issued by the Administrative Council of Tax Appeals Council at the Administrative Proceeding n. 12897.000715/2009-41, as well as the effects of Law 13,202/2015 on the interpretation of Double Tax Conventions.


KEYWORDS: DOUBLE TAX CONVENTION, SOCIAL CONTRIBUTION ON NET PROFITS, INTERPRETATION.


INTRODUÇÃO

O Tratado para evitar Dupla Tributação (“TDT”) é fruto de um complexo processo de negociação, que se inicia com um estudo em que o Estado define a necessidade do acordo para atender seus interesses econômicos. A negociação travada passa por uma série de etapas em que se definem além das regras substantivas, o escopo subjetivo (quem está coberto) e o escopo objetivo (que tributos estão cobertos)1.


Apesar de não divulgar um modelo, o estudo dos TDTs assinados pelo Brasil revela uma preponderância da redação da Convenção Modelo da OCDE de 1963, com notas da Convenção Modelo da ONU, principalmente em relação a rendimentos passivos (dividendos, juros e royalties). No que diz respeito ao objeto deste artigo, a redação do art. 2 de seus TDTs, entretanto, difere bastante dos modelos citados, principalmente em relação aos §§ 1 e 2, na medida em que adotam um modelo que é muito mais direto e menos abrangente, muito em conta das peculiaridades da distribuição de competências tributárias aqui adotadas2.


Não significa, contudo, que os referidos modelos, principalmente o da OCDE, devam ser negligenciados como parâmetros de estudo e comparabilidade, razão pela qual em muitas partes do presente artigo a ele faremos referência, para verificarmos em que medida a redação adotada em língua portuguesa transmite o real alcance e a vontade das partes quando negociaram o acordo.


A definição do art. 2 do TDT impacta ambos os Estados contratantes, não podendo ser ampliado ou restringindo em um deles sem a expressa concordância do outro. A inclusão da contribuição social ao lucro líquido dentro do escopo objetivo dos TDTs é uma preocupação que ultrapassa as barreiras nacionais3, devendo ser objeto específico durante a negociação para evitar quaisquer constrangimentos quando da aplicação do TDT.


O presente trabalho busca analisar o tratamento que o Conselho Administrativo de

Recursos Fiscais (“CARF”) concedeu à Contribuição Social sobre o Lucro (“CSLL”) em um


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  1. Sobre o tema: SANTOS, Ramon Tomazela. O procedimento de negociação dos acordos de bitributação. Revista Dialética de Direito Tributário n. 236. São Paulo: Dialética, maio de 2015.


  2. O Brasil adota posicionamentos em relação à redação modelo indicada pela OCDE de forma a atender a Constituição Federal. Segundo consta: “6. Brazil wishes to use, in its conventions, a definition of income tax that is in accordance with its constitutional legislation. Accordingly, it reserves the right not to include paragraph 2 in its conventions.”


  3. V. os estudos de HEIJ, Gitte. The definition of tax. Asia-pacific tax bulletin vol. 7, n. 4, abril de 2001, p. 74-79; JIMÉNEZ, Adolfo J. Martín. Defining the objective scope of income tax treaties: the impact of other treaties and EC law on the concept of tax in the OECD Model. Bulletin for International Taxation vol. 59, n. 10, outubro de 2005, p. 432-444; e LANG, Michael. “Taxes covered” – what is a “tax” according to article 2 of the OECD Model? Bulletin for International Taxation vol. 59, n. 6, junho de 2005, p. 216-223.



    contexto de aplicação de TDTs, tendo por base a decisão proferida no Processo Administrativo n. 12897.000715/2009-414, Acórdão n. 1201-001.0245, de relatoria do Conselheiro Marcelo Cuba Netto.


    Inicialmente descreveremos os fatos que motivaram o auto de infração e as razões que orientaram o voto do relator, a partir de então passaremos à análise específica da CSLL. Por fim, teceremos nossas considerações sobre o art. 11 da Lei n. 13.202/2016, que introduziu unilateralmente a “CSLL” sob o escopo dos “acordos e convenções internacionais celebrados pelo Governo da República Federativa do Brasil para evitar dupla tributação da renda”.


    1. DESCRIÇÃO DOS FATOS E VOTO DO RELATOR

      No caso em análise, a administração fiscal autuou a empresa brasileira Rexam Beverage Can South America S/A por supostamente não haver oferecido os lucros de sua controlada domiciliada no Chile – Rexam Chile S/A – à tributação do Imposto de Renda na Pessoa Jurídica (IRPJ) e da CSLL. A autoridade fiscal alegou, em breve síntese, que a convenção firmada entre Brasil e Chile (“TDT/BR-CH”) não impediria que os lucros disponibilizados pela controlada fossem tributados no Brasil6, e que a dupla tributação seria evitada pelo art. 22, § 2, do TDT, que autoriza a dedução do IRPJ devido o imposto pago por sua controlada no Chile.


      A contribuinte sustentou, de sua parte, que referidos lucros não seriam tributáveis no Brasil, já que se tratariam de rendimentos oriundos da atividade empresarial, cobertos, portanto, pelo art. art. 7º da referida Convenção7. Significa dizer, que os lucros auferidos pela empresa chilena somente seriam tributado s no Brasil caso fossem obtidos através de um estabelecimento permanente aqui localizado.


      Além disso, argumentou que a Convenção possui regra específica a determinar o momento em que os lucros auferidos pelas controladas e coligadas seriam tributados no Brasil, qual seja, o efetivo recebimento dos dividendos8.


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  4. O contribuinte apresentou recurso especial que, até a data de fechamento da obra, não foi apreciado.


  5. “Ementa: Tratados para evitar a dupla tributação. Segundo o artigo 10 da convenção firmada entre o Brasil e o Chile com vistas a evitar a dupla tributação do imposto sobre a renda, os dividendos distribuídos pela empresa controlada no Chile podem ser tributados em sua controladora no Brasil. Tratados para evitar a dupla tributação. A convenção firmada entre o Brasil e o Chile com vistas a evitar a dupla tributação não alcança a contribuição social sobre o lucro líquido.”


  6. Decreto n. 4.852, de 2 de outubro de 2003.


  7. Decreto n. 4.852/2003, art. 7º, § 1: “Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante somente podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça ou tenha exercido sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado. Se a empresa exerce ou tiver exercido sua atividade na forma indicada, seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas somente na medida em que forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente.”


  8. Decreto n. 4.852/2003, art. 10: “6. Quando uma sociedade residente de um Estado Contratante obtiver lucros ou rendimentos provenientes do outro Estado Contratante, esse outro Estado não poderá exigir nenhum imposto sobre os dividendos pagos pela sociedade, exceto na medida em que esses dividendos forem pagos a um residente desse outro Estado ou na medida em que a participação geradora dos dividendos pagos estiver vinculada efetivamente a um estabelecimento permanente ou a uma base fixa situados nesse outro Estado, nem submeter os lucros não distribuídos da sociedade a um imposto sobre os mesmos, ainda que os dividendos pagos ou os lucros não



    A contribuinte alegou que tais argumentos seriam suficientes para afastar não somente a incidência do IRPJ, como também a da CSLL, tendo em vista que ambos estão sujeitos às mesmas normas de apuração e de pagamento, o que seria o entendimento da doutrina e do próprio CARF. Outros pontos salientados em sua impugnação foram a inconstitucionalidade do art. 74 da Medida Provisória n. 2.158-35/20019, por violação aos princípios da capacidade contributiva e do não confisco.


    O Conselheiro Marcelo Cuba Netto, relator, inicia seu voto analisando a suposta inconstitucionalidade do art. 74 da MP n. 2.158-35/2001 em relação a controladas fora de paraíso fiscal, uma das hipóteses que não foram decididas na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.588/DF10, e termina por afastar o argumento à luz da Súmula n. 2 do CARF11 e do art. 26-A do Decreto n. 70.235/197212.


    Adotada a constitucionalidade do referido artigo como premissa13, o relator passa então à distinção entre lucro auferido e lucro disponibilizado (distribuído ou dividendo), afirmando que não há vedação constitucional para que a União exija imposto de renda sobre ambos, tampouco que isso significaria bis in idem, pois se trataria de relações jurídicas diversas (Fisco-PJ, Fisco-PF ou Fisco-PJ).


    Na sequência, o relator afirma que não há vedação constitucional para que o Brasil exija imposto de renda sobre o lucro auferido por pessoa jurídica domiciliada no exterior, na condição de contribuinte, desde que fosse controlada por uma pessoa domiciliada no Brasil,


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    distribuídos consistam, total ou parcialmente, de lucros ou rendimentos provenientes desse outro Estado.”


  9. “Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento. Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.”


  10. A leitura do acórdão nos permite concluir pela inconstitucionalidade do art. 74 da MP n. 2.158 -35/2001 em relação a coligadas fora de paraísos fiscais e, de outro lado, sua constitucionalidade em relação a coligadas localizadas em paraísos fiscais.


  11. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.


  12. “Art. 26-A. No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar

    tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.”


  13. Com relação à controlada situada fora de paraíso fiscal, o Pleno do Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela constitucionalidade do art. 74 da MP n. 2.158-35/2001 nos autos do Recurso Extraordinário n. 541.090, assim ementado:

    “Constitucional. Tributário. Imposto de renda. Lucros provenientes de investimentos em empresas coligadas e controladas sediadas no exterior. Art. 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001. 1. No julgamento da ADI 2.588/DF, o STF reconheceu, de modo definitivo, (a) que é legítima a aplicação do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 relativamente a lucros auferidos por empresas controladas localizadas em países com tributação favorecida (= países considerados “paraísos fiscais”); e (b) que não é legítima a sua aplicação relativamente a lucros auferidos por empresas coligadas sediadas em países sem tributação favorecida (= não considerados ‘paraísos fiscais’). Quanto às demais situações (lucros auferidos por empresas controladas sediadas fora de paraísos fiscais e por empresas coligadas sediadas em paraísos fiscais), não tendo sido obtida maioria absoluta dos votos, o Tribunal considerou constitucional a norma questionada, sem, todavia, conferir eficácia erga omnes e efeitos vinculantes a essa deliberação. 2. Confirma-se, no presente caso, a constitucionalidade da aplicação do caput do art. 74 da referida Medida Provisória relativamente a lucros auferidos por empresa controlada sediada em país que não tem tratamento fiscal favorecido. Todavia, por ofensa aos princípios constitucionais da anterioridade e da irretroatividade, afirma-se a inconstitucionalidade do seu parágrafo único, que trata dos lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2002. 3. Recurso extraordinário provido, em parte.” (RE n. 541.090, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Rel. p/ Acórdão: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 10.04.2013, publicado 30.10.2014, destacamos)



    opção não contemplada pelo legislador pátrio, que preferiu, ao invés, tributar o lucro disponibilizado.


    Nessa linha, sustenta ainda que o art. 7 serviria apenas para resguardar o lucro auferido por coligadas no exterior, se e somente se a legislação brasileira permitisse a tributação da coligada como contribuinte. O que merece transcrição:


    “Ainda não há no Brasil, como já afirmado, previsão legal para incidência do IRPJ sobre o lucro auferido por pessoa jurídica no exterior. Se e quando isto vier a ocorrer, os lucros auferidos por Rexam Chile S/A, controlada pela ora recorrente, ficarão excluídos da tributação pelo IRPJ, por força do referido artigo 7 da Convenção.”


    Considerando que o art. 7 não seria aplicável, pois no caso estar-se-ia diante de hipótese de lucro disponibilizado, passa, então, à análise do art. 10 do TDT/BR-CH, do que conclui que este não se restringiria a permitir a tributação dos dividendos no momento de sua efetiva disponibilização, pois, do que dependesse da vontade do sujeito passivo, o Brasil jamais veria esses dividendos, de forma que o artigo também acaba sendo aplicável aos dividendos fictos.


    Por fim, afirma que o art. 2 do TDT/BR-CH não abrange a contribuição social, pois o tratado em questão foi assinado em 3 de abril de 2001 e a CSLL foi instituída pela Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988. De forma que, se pretendessem incluí-la no escopo do TDT, o teriam feito expressamente. Além disso, ressalta que o art. 2 não se refere a tributos sobre a renda, e sim ao “imposto federal sobre a renda”.


    Um último ponto trazido foi que o argumento segundo o qual a similitude entre o IRPJ e a CSLL, consagrada no art. 57 da Lei n. 8.981/1995 e no art. 28 da Lei n. 9.430/1996, não socorre a contribuinte porque tais dispositivos apenas equiparam as formas de tributação adotadas pelo sujeito passivo em um mesmo período.


    1. APLICAÇÃO DOS TRATADOS BRASILEIROS À CSLL

      1. Alcance objetivo do art. 2


        O relator trouxe dois pontos interessantes que merecem nossa atenção, a saber (i) o fato de o art. 2 cobrir somente impostos e (ii) a relação temporal entre o TDT/BR-CH e a legislação que introduziu a contribuição no ordenamento.


        Iniciaremos com o ponto (i), alertando desde logo que um dos objetivos do art. 2 é ampliar ao máximo o campo de aplicação dos TDTs, evitando a necessidade de uma nova negociação cada vez que a legislação doméstica é alterada14. Então, iniciaremos nossa


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  14. OCDE. Model Tax Convention on income and on capital. Condensed version (as it read on 15 july 2014), p. 77.



    análise a partir do alcance da expressão tax utilizada na Convenção Modelo da OCDE (“CM- OCDE”)15 e nos tratados brasileiros em língua inglesa16.


    Se um dos objetivos é dar maior alcance possível ao TDT, podemos aceitar que a expressão tax seja traduzida por impostos, ignorando completamente as contribuições? Ou onde se lê impostos sobre a renda devemos ler tributos sobre a renda? (GODOY, 2012, p. 609). A discussão é importante na medida em que o § 1 define o escopo da Convenção, determinando sua aplicação pela administração pública, pelas Cortes e pelos contribuintes (BRANDSTETTER, 2010, capítulo 1, item 1.1), assegurando-lhes a previsibilidade em suas ações.


    Discordamos de Troianelli, quando este afirma que, considerando o fato de o Brasil não ter oposto ressalvas à aplicação do Modelo às contribuições e que a intenção dos TDTs celebrados de acordo com o CM-OCDE é evitar ao máximo a dupla tributação, os TDTs abrangeriam necessariamente as contribuições, e, no que interessa aqui, a CSLL (2004, p. 131).


    Isto porque o Brasil poderia não ter feito qualquer ressalva ao modelo, sem isso significar a sua aceitação plena. De se afirmar ainda que o Brasil desvia da CM-OCDE em muitos pontos, aproximando-se da Convenção Modelo da ONU (CMONU), o que desde logo afastaria, de certa forma, a argumentação trazida. Lembramos ainda que a doutrina e mesmos os tribunais quando consultados tendem a identificar os comentários à CM-OCDE como soft law, não sendo vinculante nem para os países membros da OCDE.


    Embora não seja vinculante, sua análise permite que tenhamos indícios da prática internacional e indica caminhos de interpretação possíveis que não podem ser ignorados. Motivo pelo qual decidimos verificar a redação dos TDTs brasileiros em cotejo com aquela da CM-OCDE.

    Nessa linha, o art. 2, § 2, da CM-OCDE veicula o que se entende por tax sobre o rendimento e sobre o capital. É importante notar que os §§ 1 e 2 importam uma definição mais ampla do aspecto objetivo do art. 2, quando comparados ao § 3, que traz uma lista de taxes abrangidas.


    A questão da taxatividade ou não da lista presente no art. 2, § 3, pode repercutir na aplicação do TDT. A doutrina discute se prevaleceria a definição geral ou a lista, um tributo que não incide sobre o rendimento ou o capital poderia estar incluído no tratado se expressamente apontado na lista do art. 2, § 3 (LANG, 2005, p. 221)? Ou aqui, no que importa, um tributo que não esteja consagrado na lista, a CSLL, poderia estar incluído sob o escopo do TDT caso


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  15. V. HEIJ, Gitte. The definition of tax. Asia-pacific tax bulletin vol. 7, n. 4, abril de 2001, p. 74-79.


  16. Vide, por exemplo, o TDT assinado entre Brasil e África do Sul disponível em: http://www.gov.za/sites/www.gov.za/files/29073_0.pdf e http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/africa-do- sul/decreto-no-5-922-de-3-de-outubro-de-2006.



    possa ser incluído nas definições gerais? Passemos, então, à delimitação do alcance dos §§ 1 e 2.


    Para Godoy é a compulsoriedade e a destinação do valor arrecadado para os cofres públicos que marcam o alcance da expressão tax contida no art. 2, dando uma concepção bem ampla a expressão “imposto sobre o rendimento ou sobre o capital”. O autor contrapõe os conceitos de tax, imposts, excises e duties, para salientar que tax corresponderia a tributos (GODOY, 2012, p. 610-611).


    Nessa linha, Santos e Bianco asseveram que o termo tax em língua inglesa possui um sentido amplo e genérico, que inclui quase todos os valores cobrados pelos Estados baseados no exercício de sua soberania. De sorte que, ao comparar o instituto tax aos institutos adotados no sistema jurídico brasileiro, tudo indica que a melhor equiparação seria ao instituto “tributo”, tal como definido pelo art. 3º do Código Tributário Nacional (SANTOS – BIANCO, 2016, 3.2.3. The meaning of the word “tax”).


    A expressão tax é definida pela OCDE como um pagamento compulsório e sem contrapartidas realizado para um Governo, em contraposição aos pagamentos realizados em contraprestação a um benefício direto. Tal critério, entretanto, é de difícil aplicação, na medida em que nem sempre é possível averiguar se o benefício direto corresponde ao montante pago ou não (SANTOS – BIANCO, 2016).


    As taxas cobradas em função da prestação de um serviço público que são diretamente relacionadas a um benefício direto não estariam sob o escopo do art. 2 dos TDTs segundo a definição apontada pela OCDE (LANG, 2005, p. 218). Porém, situação mais difícil diz respeito à inclusão ou não das contribuições sociais, em grande parte devido à variedade de espectros possíveis que pode alcançar.


    Os comentários à CM-OCDE pouco dizem a respeito da matéria, apenas um parágrafo17, que quando interpretado pela doutrina internacional leva a conclusão de que sim, as contribuições poderiam estar cobertas pelo TDT18, desde que possam ser consideradas tax on income (JIMÉNEZ, 2005, p. 433-434). Segundo Bianco:


    “um tributo para, para ser considerado idêntico ou mesmo semelhante em sua essência ao imposto de renda, deve necessariamente ter por pressuposto – ou por elemento objetivo do seu fato gerador – um acréscimo patrimonial auferido pelo



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  17. Social security charges, or any other charges paid where there is a direct connection between the levy and the individual benefits to be received, shall not be regarded as “taxes on the total amount of wages”.


  18. No mínimo, aquelas impostas sobre empregados que não sejam atreladas a um benefício individual direto. Nesse sentido, RAAD, Kees van. The concept of tax in the OECD Model. Disponível em: http://www.eatlp.org/uploads/public/part_III_the_concept_of_tax_in_the_oecd_model_05_05_02.pdf, p. 5.



    contribuinte, ou um ganho, ou um plus, ou uma mais-valia, ou a aquisição de um

    novo direito” (BIANCO, 2004, p. 258).


    Ao que acrescentamos a visão de Tôrres, para quem a CSLL tem, para a empresa, idêntica estrutura de impostos, além de não ser diretamente associada a uma contraprestação estatal, podendo, portanto, ser considerada como uma tax (TÔRRES, 2001, p. 613), nos termos da linguagem do tratado em língua inglesa.


    Diante desse quadro, concluímos que a expressão “imposto brasileiro federal sobre a renda” deve ser entendida como “tributo federal sobre a renda” para fins de aplicação do art. 2, § 4, dos TDTs. O que não significa dizer, como veremos, que a CSLL está abrangida por todos os tratados brasileiros para evitar a dupla tributação.


    Com isso, discordamos da leitura literal proposta pelo relator e passamos, então, a análise do ponto (ii).

      1. Alcance temporal do art. 2


        Adotando como premissa a possibilidade de as contribuições estarem sob o escopo do art. 2, que não veicularia, portanto, apenas impostos, importa saber agora se a inclusão da CSLL na lista é necessária, ou não, e se o tempo de assinatura do TDT em relação à sua instituição no ordenamento jurídico brasileiro tem alguma influência na resposta.


        Na CM-OCDE há uma ressalva na redação do art. 2, § 3, que permitiria a discussão acerca da exaustividade ou não da lista, a expressão “particularmente” deixa espaço para a sua interpretação como meramente exemplificativa19. O Brasil, entretanto, adota uma redação em seus TDTs que indica a exaustividade da lista, a saber: “Os impostos aos quais se aplica esta Convenção são”20.


        Nesse caso, fica bastante claro que a política fiscal brasileira é de limitar o alcance dos tratados aos tributos listados, o que geralmente restringe-se ao “imposto federal sobre a renda”, opção adotada em quase todos os TDTs assinados pelo Brasil21. Diante deste cenário ganha relevo o art. 2, § 4º, incluído nos tratados brasileiros que autoriza a aplicação do tratado a tributos instituídos posteriormente à assinatura do TDT, in verbis:


        “4. A Convenção aplicar-se-á igualmente aos impostos de natureza idêntica ou substancialmente análoga que forem estabelecidos após a data da assinatura da mesma, seja em adição aos mencionados no parágrafo anterior, seja em sua


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  19. O art. 2 da CM-OCDE apresenta a seguinte redação: “3. The existing taxes to which the Convention shall apply are in particular.”


  20. Marcelo M.D.F. Rosa verificou a existência de três redações básicas cujas diferenças, entretanto, não trazem implicações práticas relevantes (ROSA, Marcelo Miranda Dourado Fontes. A contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) e os tratados para evitar a dupla tributação. In: MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e; e UCHÔA FILHO, Sérgio Papini de Mendonça. Tributação, comércio e solução de controvérsias internacionais. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 148).


  21. Como exceção vide, por exemplo, os tratados com Portugal, Paraguai, Singapura, Suíça, Uruguai, entre outros.



    substituição. As autoridades competentes dos Estados Contratantes comunicar-se- ão anualmente as modificações significativas ocorridas em suas respectivas legislações tributárias.”22


    Com as considerações que fizemos no tópico 2.2, verificamos que a princípio a CSLL estaria abrangida caso tivesse sido instituída após a assinatura do TDT, análise que deve ser verificada em cada caso concreto, em relação a cada tratado.


    A doutrina diverge quanto à aplicabilidade dos TDTs à CSLL. Parte dela sustenta que o marco temporal determinante para sua inclusão é a Lei n. 7.689/1988, de 15 de dezembro de 1988, que instituiu a contribuição.


    Nessa toada, os TDTs anteriores a esta data cobririam a CSLL por força do art. 2, § 4º, no que se refere aos tratados assinados posteriormente, apenas aqueles que a incluíssem expressamente no tratado, a exemplo do assinado com Portugal em 2001 (ROSA, 2011, p. 152), cobririam a contribuição, pois os Estados já teriam conhecimento de sua existência e teriam optado por restringir o escopo do tratado.


    Para Xavier tem relevância o fato de a CSLL ser aplicada em bases universais só a partir de 1999, com a MP n. 1858-7/1999, momento que referida exação constituiria um “fato gerador novo equiparável à instituição de tributo em adição àquele já existente”. Nessa linha, para o autor, seria possível sustentar que as convenções celebradas posteriormente à Lei n. 7.689/1988 e anteriormente à consagração da universalidade cobririam também automaticamente a CSLL (2015, p. 142).


    Em sentido contrário, Amaro afirma que o fato de a contribuição incidir sobre bases territoriais “não é relevante para dirimir a questão sobre a aplicabilidade dos tratados a esta contribuição”. Desta forma, dada a semelhança ou identidade desta ao imposto sobre a renda o TDT seria aplicável, independentemente de qualquer relação temporal (AMARO, 1997, p. 163-164 e PONTES, 1997).


    Em relação aos TDTs posteriores à MP n. 1858-7/1999, Xavier afirma que a ausência de uma inclusão explícita da CSLL no texto do tratado não alteraria o entendimento de que esta estaria abrangida pelo art. 2, na medida em que alguns TDTs a incluem expressamente no protocolo, mas que, por sua vez, teriam “caráter meramente declaratório interpretativo, visando apenas esclarecer a real extensão do art. 2º” e não ampliar seu âmbito de aplicação (2015, p. 143-144).


    O raciocínio se apoiaria na interpretação da redação do protocolo do TDT/BR-Portugal, e

    de outras convenções, quando este dispõe que “fica entendido que, nos impostos visados



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  22. Redação do TDT/BR-CH veiculado pelo Decreto n. 4.852, de 2 de outubro de 2003.



    no Artigo 2º, nº 1, alínea a), está compreendida a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

    (CSLL), criada pela Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988”23.


    Considerando então que (i) as disposições do protocolo normalmente possuem caráter interpretativo e que (ii) “seria inimaginável que uma interpretação oficial possa ser válida para um país e desconsiderada para outro”, o autor conclui que os tratados seriam aplicáveis à CSLL independentemente do período, pelas razões expostas (2015, p. 144)24.


    Apesar da clareza do raciocínio apresentado entendemos que existem algumas falhas, primeiro porque cada TDT passa por um longo processo de negociação em que cada Estado contratante faz concessões recíprocas de acordo com sua política fiscal25, objetivando alcançar um acordo que o beneficie. Nessa linha de raciocínio, os Estados podem incluir, ou não, tributos diversos no aspecto objetivo do TDT assinado, em que pese suas políticas fiscais.


    Além disso, a redação do TDT/BR-Trinidad e Tobago, assinado em 23 de julho de 2008, depõe contra o raciocínio acima exposto, na medida em que se utiliza da expressão “compreende também”, dando claramente a ideia de inclusão da CSLL, e não um caráter meramente interpretativo26. Assim, não poderíamos entender a cláusula presente no protocolo como uma mera interpretação, ou uma vontade das partes contratantes, sem que haja qualquer indício de que seria esse o teor das negociações27.


    Em uma análise dos onze TDTs assinados após 199928, considerando a metodologia adotada pelo autor, verificamos que a cláusula que inclui a CSLL expressamente sob o escopo do art. 2, só se encontra no protocolo de quatro deles: Bélgica, Portugal, Trinidad e Tobago e Turquia. Diante do que é fácil concluir que quando o Brasil quis incluir a CSLL em um TDT o fez expressamente.


    Acrescentamos ainda que a prática brasileira na assinatura de TDT vai no sentido de utilizar o protocolo com o intuito de desviar das previsões da CM-OCDE, como, por exemplo, a previsão que garante à remessa de pagamentos referente a serviços técnicos as


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  23. Decreto n. 4.012, de 13 de novembro de 2001.


  24. No mesmo sentido, A. T. Tavolaro entende que a cláusula do TDT/BR-PT serviria para sustentar que a CSLL estaria acobertada pelos TDTs assinados posteriormente, em razão da existência de cláusula de natureza idêntica ou semelhante (TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Impostos abrangidos pelos tratados de dupla tributação. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, vol. V, p. 91).


  25. “Fruto de um processo de negociação que envolve concessões recíprocas, cujo resultado circunscreve o exercício da jurisdição tributária pelos países contratantes, o estudo das particularidades envolvidas na sua negociação pode contribuir significativamente para sua interpretação.” (SANTOS, Ramon Tomazela. O procedimento de negociação dos acordos de bitributação. Revista Dialética de Direito Tributário n. 236, maio de 2015, p. 127)


  26. Decreto n. 8.335, de 12 de novembro de 2014, Protocolo, a) para os fins do parágrafo 1 do Artigo 2, a expressão “imposto brasileiro” compreende também a “Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”, instituída pela Lei n. 7. 689, de 15 de dezembro de 1988.


  27. Como uma troca de intenções, atas de negociações.


  28. Considerando o aditamento entre o Brasil e a Bélgica assinado em 20 de novembro de 2002.



    mesmas consequências que na remessa de pagamentos referente a royalties, do que não se pode inferir um caráter meramente interpretativo.


    Por fim, apesar de o autor entender que a inclusão da CSLL no protocolo de alguns TDTs representaria uma “interpretação oficial” do Estado Brasileiro, a verdade é que as autoridades fiscais adotaram entendimento muito diverso, por exemplo, em 2008 foi promulgada a Solução de Consulta DISIT n. 23, que entendeu que a CSLL não estaria coberta pelo TDT/BR-Dinamarca, ainda que este tenha sido assinado e promulgado antes da instituição da Lei n. 7.689/1988 e que possuísse a abertura prevista no art. 2, § 4.


    Outro exemplo pode ser verificado em relação ao TDT/BR-ARG, também anterior à instituição da Lei n. 7.689/1988. Uma pesquisa no site do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF apontou um precedente favorável29 e um contrário30 aos contribuintes, acerca da matéria. O que indica, no mínimo, a pretensão fazendária em autuar esses casos, negando a aplicação dos tratados à CSLL.


    Em relação aos TDTs posteriores, o Caso Rexam em análise que se encerrou com a decisão pela restrição do TDT/BR-CH ao imposto sobre a renda, sob os seguintes fundamentos (i) o TDT/BR-Chile é posterior à instituição da CSLL; (ii) a redação do art. 2, § 3, trata tão somente do “imposto federal sobre a renda”; e (iii) a similitude entre o IRPJ e a CSLL, consagrada no art. 57 da Lei n. 8.981/1995 e no art. 28 da Lei n. 9.430/1996 não socorre a contribuinte porque tais dispositivos apenas equiparam as formas de tributação adotada pelo sujeito passivo em um mesmo período.


    Embora a decisão seja passível de inúmeras críticas, podemos concordar com o relator em um único ponto, quando da assinatura do TDT/BR-CH os negociadores brasileiros e chilenos já conheciam acerca da incidência da CSLL sobre bases universais, e se quisessem incluí-la, deveriam tê-lo feito expressamente no corpo do art. 2 ou, ao menos, no protocolo.


    Os exemplos acima servem a demonstrar que a matéria não estava pacificada na práxis brasileira até o advento da Lei n. 13.202/2015, abaixo analisada.

      1. Outras críticas ao acórdão


        O relator entende que não há proibição ao bis in ibidem, como se o caso descrito assim pudesse ser classificado. Entendemos, entretanto, que a situação descrita no caso


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  29. “Convenção Brasil/Argentina – Empresa de transporte aéreo – De acordo com o art. VIII da Convenção Brasil/Argentina, os lucros provenientes do tráfego aéreo internacional obtido por empresa de transporte aéreo só são tributáveis no Estado Contratante em que estiver situada a sede de efetiva da empresa. Sendo a CSLL tributo substancialmente semelhante ao imposto de renda, o art. VI II da Convenção a ela se aplica, tendo em vista o disposto no número 4 do Artigo II da Convenção.” (CARF, Processo Administrativo n. 19515.002971/2004-54, Acórdão n. 1102-00.089, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, sessão de 05.11.2009)


  30. “Lucros no exterior. Art. 74 da MP 215835/2001. Tratado Brasil-Argentina para evitar a dupla tributação. A contribuição social sobre o lucro, apesar de guardar semelhança com o imposto de renda, possui base de cálculo própria, bem como destinação distinta, e não se encontra abrangida pela Convenção Brasil-Argentina.” (CARF, Processo Administrativo n. 10880.729239/2011-11, Acórdão n. 1102001.247, Rel. Cons. João Otávio Oppermann Thomé, sessão de 25.11.2014)



    caracterizaria clara hipótese de dupla tributação econômica, quando na transação, parte do rendimento ou do capital é tributado por, ao menos, dois Estados diferentes, durante o mesmo período, mas na mão de diferentes contribuintes (VOGEL, 1997, p. 10), o que, apesar de não ser proibido, não é recomendável de uma perspectiva econômica, na medida em que poderia afastar eventuais investimentos (AVI-YONAH, 2007, p. 10).


    Outro ponto que nos chama a atenção, embora não seja o objetivo deste trabalho, foi a posição adotada pelo relator em relação à interpretação do art. 7 do TDT, que não pode escapar às nossas críticas31. Tal linha de interpretação não se coaduna com o objetivo e alcance do art. 7º, que cobre os lucros empresariais. Não custa recordar que o Brasil adota em seus tratados redação bem semelhante à do Modelo proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)32.


    Não é verdade que o art. 7 tenha sua aplicabilidade restrita à situação descrita, qual seja a de evitar que um Estado tribute uma controlada localizada em outro Estado como contribuinte, desde que a controladora esteja em seu território. Em verdade, seu conteúdo é muito mais extenso, implicando que “o residente de um Estado, pessoa física ou jurídica, que desenvolve uma atividade econômica qualquer com objetivo de lucro, terá os lucros auferidos com o exercício dessa atividade tributados exclusivamente no Estado onde reside, ou seja, onde está sujeito a imposto” (BIANCO, 2012, p. 137).


    Em relação ao tema aqui específico tratado, importa a lúcida lição de Xavier, para quem o referido artigo contempla uma norma de exclusão de competência, impedindo a “tributação extraterritorial dos lucros de uma empresa em razão do controle, reconhecendo o princípio de separação entre subsidiária e sociedade-mãe com o fim de evitar que os lucros da primeira possam ser tributados no país de residência da segunda” (2015, p. 477). E para fechar o raciocínio, trazemos ainda a lição de Schoueri:


    “O raciocínio assim desenvolvido peca, entretanto, ao não perceber que não é verdade que o artigo 7º se limita a proteger do imposto brasileiro as empresas sediadas no exterior. O escopo do artigo 7º não é subjetivo (as empresas), mas objetivo (os lucros das empresas). Assim, é falso o dilema que examina quem assume o ônus do imposto: a limitação do artigo 7º alcança os lucros de uma empresa de um Estado Contratante. Pouco interessa, in casu, indagar quem suporta o encargo. Seja a empresa estrangeira, seja a nacional, o que importa é que nem uma nem outra



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  31. Acima relatado de que o art. 7 somente protegeria os lucros auferidos diretamente pela coligada caso o Brasil a tributasse diretamente.


  32. Bianco verificou que as redações dadas ao art. 7 nas versões em língua inglesa dos tratados brasileiros com a África do Sul e com o Canadá são idênticas ao Modelo, do que conclui que “(e)sse fato evidencia que a versão em português dos nossos tratados deve ser tradução fiel e exata do texto em inglês da Convenção Modelo. Isso porque a versão em português desses dois tratados é a mesma empregada em todos os demais tratados firmados pelo Brasil.” (BIANCO, João Francisco. Os lucros das empresas e o art. 7 dos tratados contra a dupla tributação. In: VASCONCELLOS, Roberto et al (coord.). Estudos avançados de direito tributário. Tributação internacional: normas antielisivas e operações internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 130)



    estão sujeitas ao imposto brasileiro calculado sobre o lucro da empresa localizada

    no exterior” (2013, p. 74).


    Não se sustenta, portanto, a afirmação do relator que pretendeu fulminar o escopo do art. 7, que para nada serviria. Não bastasse isso, o relator ainda aplica o art. 10 do tratado, por entender que o Brasil está tributando dividendos ou lucros disponibilizados. Ocorre que o referido artigo não trata de dividendos fictos ou distribuídos fictamente, como bem evidenciou o Conselheiro Marcos Takata, ao relatar o Processo Administrativo n. 12897.000193/2010-1133.


    Ao interpretar o art. 10 do Tratado Brasil-Holanda para evitar a Dupla Tributação, verificou que este, em seus §§ 1, 2, 3 e 6, refere-se sempre a dividendos pagos ou distribuídos, não sobrando espaço para que se considerem como dividendos os distribuídos fictamente, principalmente, porque entraria em colisão com o alcance do art. 7, conforme acima demonstramos34.


    Nesta linha de raciocínio a lição de Xavier, que afirma que o art. 74 da MP n. 2.158-35/2001 dispunha sobre o momento em que deve ser realizado o cômputo a que alude o art. 25 da Lei n. 9.249/1995, que por sua vez trata da adição ao lucro da pessoa jurídica brasileira dos próprios lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior, o que seria confirmado pelo fato de os lucros serem computados por seus valores integrais, independentemente do tributo pago no exterior (XAVIER, 2010, 417-418)35.


    Pelo exposto, entendemos que não se trata da aplicabilidade do art. 10, mas do art. 7, apesar de a jurisprudência administrativa ter se inclinado à tese fazendária (XAVIER, 2015, 482-483).


    1. LEI N. 13.202/2015 – PERSPECTIVAS

    A Lei n. 13.202/2015, conversão da Medida Provisória n. 685/2015, trouxe em seu art. 1136, a previsão de que sim, a CSLL está abrangida pelos TDTs, resolvendo, em muito, os casos que trouxemos até aqui. Mas como tal lei se enquadra no panorama internacional, visto que


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  33. “IRPJ – lucros de controladas na Holanda – dividendos fictos – lucros – tratado – art. 10 ou art. 7º. 1 – A tributação do art. 74 da MP 2.158/01 não recai sobre dividendos fictos. Não se pode empregar ficção legal para alcançar materialidade ou se antecipar seu aspecto temporal quando a Constituição Federal usa essa materialidade na definição de competência tributária dos entes políticos. Ademais, o a rt. 10 do Tratado Brasil-Holanda trata dos dividendos pagos, não permitindo que se considerem como dividendos os distribuídos fictamente. O problema da qualificação de dividendos é resolvido pelo próprio art. 10 do Tratado Brasil-Holanda. Inaplicabilidade do art. 10 do tratado.” (CARF, Processo Administrativo n. 12897.000193/2010-11, Acórdão n. 1103-001.122, Rel. Cons. Marcos Takata, publicado em 31.03.2015)


  34. As mesmas conclusões podem ser alcançadas se interpretarmos o Tratado Brasil-Chile dada a similitude da redação dos artigos.


  35. Sobre a aplicabilidade das ideias aqui expostas ao novel regulamento introduzido pela Lei n. 12.973/2014, v. TAKATA, Marcos Shigueo. Lucros no exterior, equivalência e tributação da “parcela do ajuste do valor do investimento” à luz dos acordos de bitributação brasileiros. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2015, vol. 6, p. 334-374, na mesma obra outros artigos de igual teor crítico podem ser verificados.


  36. Lei n. 13.202/2015, art. 11: “Para efeito de interpretação, os acordos e convenções internacionais celebrados pelo Governo da República Federativa do Brasil para evitar dupla tributação da renda abrangem a CSLL. Parágrafo único. O disposto no caput alcança igua lmente os acordos em forma simplificada firmados com base no disposto no art. 30 do Decreto-lei no 5.844, de 23 de setembro de 1943.”



    impacta diretamente na aplicação dos TDTs? Seria um treaty override37? Seria uma declaração unilateral?


    Entendemos que sim, de forma que, cumpre-nos esclarecer que a declaração unilateral vincula seu emissor diante de suas contrapartes internacionais em decorrência do princípio da boa-fé, desde que cumpridos certos requisitos38, ao menos, esse foi o entendimento exarado pela Corte Internacional de Justiça ao julgar o “Caso dos testes nucleares”39, cuja racionalidade entendemos totalmente aplicável ao caso brasileiro.


    Em relação a terceiros países, o art. 11 da Lei n. 13.202/2015 poderia ser equiparado a uma declaração unilateral interpretativa do Brasil. Se for este o caso, cumpre lembrar que o Comitê de Direito Internacional da ONU em seu projeto de orientações sobre reservas em tratados (Draft Guidelines on Reservations to Treaties) entende que as “declarações interpretativas” não são vinculantes para o outro Estado, buscando apenas informá-lo acerca do significado e escopo que o país que o emitiu dará a determinada disposição do tratado40.


    Mas traz algumas dificuldades: trata-se realmente de uma lei ou declaração de conotação interpretativa ou está inovando no ordenamento jurídico? Tratando do alcance do art. 106,

    I, do CTN, Troianelli esclarece que


    “Dizer que uma norma, para retroagir, deva ser ‘expressamente interpretativa’ significa que o caráter interpretativo da norma, meramente declaratório em relação a um estado de dúvida legislativa precedente, deve transparecer inequivocamente com a simples leitura da regra, que revelará o seu caráter mediante expressões do tipo ‘para efeito do disposto na norma tal, considera-se...’, ou semelhante, não podendo uma regra ser considerada interpretativa se as expressões nela contidas



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  37. Nesse sentido a provocação de Santos e Bianco: “The domestic legal provision introduced by Law 13,202/2015 is currently generating much debate as to whether it constitutes a treaty override, as it is later domestic law superseding and extending, in certain cases, the scope of article 2 of the tax treaties concluded by Brazil, i.e. those tax treaties signed after 1 January 1989 that do not include the CSLL in their substantive scope. This is the case with the tax treaties that Brazil has concluded with Chile, China, Finland, Israel, Korea (Rep.), Mexico, the Netherlands, South Africa and Ukraine.” (SANTOS, Ramon Tomazela; e BIANCO, João Francisco. The social contribution on net profits and the substantive scope of Brazilian tax treaties – treaty override or legislative interpretation? Bulletin for International Taxation vol. 70, n. 9, setembro de 2016, item 5.1. Law 13,202/2015: a treaty override?)


  38. “The statement’s context is important: it must be made publicly; a receiving State must be able to take cognisance of the declaration. The most important aspect of the binding nature is the (subjective) intention of the declaring State, as this distinguishes the statement from other, nonbinding statements. However, the (objective) trust and confidence that is placed in the statement by the receiving State is paramount to the creation of an obligation; here good faith acts as the norm regulating the legal effect of the act.” (REINHOLD, Steven. Good faith in international law. UCL Journal of Law and Jurisprudence vol. 2, 2013, p. 40-63. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2269746)


  39. “One of the basic principles governing the creation and performance of legal obligations [...] is good faith. Trust and confidence are inherent in international cooperation, in particular in an age when this cooperation in many fields is becoming increasingly essential. Just as the very rule of pacta sunt servanda in the law of treaties is based on good faith, so also is the binding character of an international obligation. Thus interested States may take cognisance of unilateral declarations and place confidence in them, and are entitled to require that the obligation thus created be respected.”


  40. ONU. Report of the Commission to the General Assembly on the work of its fifty-first session. Yearbook of the International Law Commission 1999. Nova Iorque e Genebra, 2003, vol. II, parte 2. Disponível em: http://legal.un.org/docs/?path=../ilc/publications/yearbooks/english/ilc_1999_v2_p2.pdf&lang=EFSRAC, p. 92.



    sugerirem, de alguma forma, que se operará alteração da situação legislativa.” (2010,

    p. 78)


    A lei interpretativa aclara uma norma obscura ou dúbia (TROIANELLI, 2010, p. 77), pode-se afirmar que a Lei n. 13.202/2015 esclarece a interpretação dos TDTs anteriores à instituição da CSLL? Afirmando que nesses casos ela estaria abrangida, havia uma dúvida entre duas interpretações possíveis, qual seja, a expressão “imposto sobre a renda federal deve ser interpretada literalmente excluindo eventuais contribuições de sua abrangência ou estamos tratando de tributos sobre a renda?


    Entretanto, em relação aos TDTs posteriores a mesma conclusão não é possível, não há uma dúvida objetiva, os casos em que o Brasil quis incluir a contribuição o fez expressamente.


    Dessa forma, entendemos que estamos diante de uma norma de natureza ambígua, interpretativa em relação aos TDTs anteriores à Lei n. 7.689/1988 (ou até mesmo anteriores à MP n. 1858-7/1999), na medida em que há uma dúvida razoável acerca de sua abrangência, mas claramente inovativa em relação aos TDTs assinados após a publicação daquela lei.

    Em artigo tratando da derrogação de tratados por meio da interpretação (Interpretative treaty override), Santos verificou que é contra o objetivo do tratado permitir que os Estados contratantes o modifiquem ou o interpretem discricionariamente, o que poderia acarretar, em última instância, na denúncia do TDT (J. SANTOS, 2015, p. 26).


    Como vimos, as autoridades fiscais brasileiras em mais de uma oportunidade se manifestaram pela inaplicabilidade dos TDTs à CSLL, independentemente de serem posteriores ou anteriores à sua instituição pelos mais diversos motivos. Tal medida unilateral agora visando alterar seu entendimento reiterado ofende a boa-fé, sob o viés da proibição de comportamento contraditório (venire contra factum propriium)41-42.


    O que ocorreria se a referida lei fosse revogada? Segundo Vanoni, “a lei de interpretação não contém ela própria um ordenamento, mas declara os exatos limites do ordenamento contido na lei interpretada” (1932, p. 339), uma das razões para que o legislador decida emitir uma norma dessa natureza é corrigir a interpretação dada pelos tribunais43, decidindo dentre as interpretações possíveis, aquela que entende mais adequada entre várias


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  41. Os tratados internacionais devem ser aplicados em conformidade com os ditames da boa-fé, segundo o art. 31, § 1, Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, ratificado pelo Governo brasileiro em 2009.


  42. De se observar que, segundo Cordeiro, “a locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente” (CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coleção Teses. Coimbra: Almedina, 2011, p. 742).


  43. Sobre o tema v. ESKRIDGE JR., Willian N. Overriding Supreme Court statutory interpretation decisions. Yale Law Journal vol. 101, n. 2, 1991-1992, p. 331-456.



    interpretações possíveis (GRAU, 2014, p. 209), delimitando a esfera de atuação do aplicador- intérprete da norma.


    Nessa linha, entendemos que a revogação da referida lei implicaria a reabertura do campo de interpretações possíveis, afirmaria a insegurança jurídica, podendo, inclusive, causar embaraços frente aos outros Estados. Ela abriria espaço para que o aplicador, neste caso o fiscal tributário, voltasse a adotar uma interpretação restritiva e literal do texto dos TDTs e, consequentemente, voltasse a autuar o contribuinte que entendesse que a CSLL se encontrava abrangida, hipótese em que deveria vigorar a inteligência do arts. 100, parágrafo único44, e 14645 do CTN.


    Importante recordar que a interpretação do TDT deve ser, na medida do possível, homogênea em ambos os Estados contratantes exatamente para estabelecer parâmetros de previsibilidade na atuação de seus residentes/contribuintes, de forma que a interpretação que o Brasil dá ao TDT pode implicar a interpretação de sua contraparte.


    Nessa linha, o fato de o Brasil por muitos anos ter afastado a CSLL da abrangência do TDT pode ter induzido outros país a adotar a mesma postura, de sorte a não considerar o crédito relativo à parcela da referida contribuição. De outro lado, é interessante notar, como o fez GALDINO, que nem sempre os países estão alinhados em relação à interpretação dessa cláusula, pois, se o Brasil inovou ao promulgar referida lei, o Chile já havia considerado que o tratado assinado entre os dois países já cobriria a CSLL46.


    Os principais efeitos práticos que podem se evidenciar47 dizem respeito (a) as regras de transparência, ou CFC (acrônimo em inglês para Controlled Foreign Company); (b) a seu


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  44. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.


  45. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.


  46. Expõe o autor que “após a edição da Lei n. 13.202, de 8 de dezembro de 2015, cujo art. 11 estabelece que, para fins interpretativos, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (‘CSLL’) está abrangida pelos ADTs brasileiros, as autoridades tributárias brasileiras notificaram as autoridades chilenas a esse respeito. No dia 5 de abril de 2016, as autoridades tributárias chilenas se manifestaram por meio do Ofício n. 869, afirmando que, em sua perspectiva, a CSLL já estaria coberta pelo referido ADT. Isso porque o art. 2(1) e, em especial, o art. 2(2) do ADT determinam que o tratado aplica-se a quaisquer ‘impostos sobre a renda’ que ‘gravam a totalidade da renda ou qualquer parte da mesma’. De qualquer modo, segundo as autoridades tributárias chilenas, a notificação serviu apenas para esclarecer a aplicação do artigo sobre o método para evitar a bitributação também para a CSLL.” (GALDINO, Guilherme. Do art. 2(4) das Convenções Modelo: função, aplicação e a política brasileira. Revista Direito Tributário Atual vol. 39, junho de 2018, p. 180)


  47. Em sentido contrário, Santos e Bianco defendem que: “in the case in question, the inclusion of the CSLL in the substantive scope of a tax treaty does not have negative effects on the other contracting state. Only Brazil must apply the restrictions established in treaty provisions to the CSLL. This is because the CSLL is not withheld at source on payments made to non-residents, being levied only on the profits derived by companies domiciled in Brazil. Consequently, as article 23 of the tax treaties based on the OECD Model does not grant underlying tax credits, the other contracting state does not have to grant a credit in respect of the CSLL paid in Brazil, at least not on the basis of a tax treaty obligation. In practice, domestic tax rules often grant indirect tax credits to avoid economic double taxation, but this is a consequence of the national laws of each country. As a result, this bears no relation to treaty obligations and the credit method set out in article 23-B of the OECD Model. In theory, the only situation that would require the other contracting state to grant a tax credit corresponding to the CSLL levied in Brazil would involve the characterization of a permanent establishment (PE) in Brazil. In this case, the profits attributable to the PE in Brazil would be subject to both the IRPJ and the CSLL imposed by Brazil and the other contracting state would have to apply article 23 of the tax treaty with Brazil to grant an exemption or a tax credit, dependi ng on the method adopted in the treaty provision.” (SANTOS, Ramon Tomazela; e BIANCO, João Francisco. The social contribution on net profits and the substantive scope of Brazilian tax treaties – treaty override or legislative interpretation? Bulletin for International Taxation vol. 70, n. 9, setembro de 2016, 5.3. The CSLL: Potential conflict the between contracting states)



    efeito sobre estabelecimentos permanentes que se verifiquem em território brasileiro, uma tendência atual do fisco brasileiro, conforme: Caso EP, Solução de Consulta n. 4, de 2013, Caso Petrobras Split Bipartite (Acórdão n. 2202003.063) e Caso Faurecia (Acórdão n. 2202003.114); e (c) a amplitude da base que o Brasil adotará para conceder crédito referente ao imposto pago no exterior.


    Nessa toada, caso firme-se o entendimento de que as regras CFC brasileiras48 prevalecem sobre os TDTs, ou de que se estaria tributando o lucro da própria controladora49, conforme o método de equivalência patrimonial, a nova previsão não teria qualquer efeito, pois os lucros verificados nas controladas direta ou indiretamente repercutiriam na base de cálculo do imposto de renda e da CSLL da empresa, sem qualquer possibilidade de influência do TDT.


    Já nos casos em que o TDT prevalece sobre a regra CFC, como em relação à coligadas fora de paraíso fiscal, o art. 11 da Lei n. 13.202/2015 impossibilitará que não apenas o IR, mas também a CSLL não incida sobre tais valores até sua efetiva disponibilização50. Cabe ressaltar, entretanto, que o STF se manifestou pela constitucionalidade do art. 74 da MP n. 2.158-35/2001 em relação às controladas51, de sorte que há uma tendência a se manifestar pela constitucionalidade da Lei n. 12.973/201452.


    Em relação à tributação de um estabelecimento permanente, a dificuldade pode se confirmar na dificuldade em se aproveitar, no exterior, o crédito referente ao tributo pago no Brasil. A primeira questão que surge, então, é “O Brasil poderia ampliar o alcance do TDT sem consultar sua contraparte”?


    A pergunta é significativa e com grandes repercussões práticas, vamos imaginar que o Brasil identifique um estabelecimento permanente e o tribute adequadamente, conforme dispõe o art. 7, § 353-54, hipótese em que incidiriam o IRPJ e a CSLL. Nesse caso, o outro Estado contratante estaria obrigado a conceder o crédito sobre o valor integral (IRPJ + CSLL)



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  48. Atualmente incluídas na Lei n. 12.973/2014.


  49. Solução de Consulta Interna – COSIT n. 18, de 8 de agosto de 2013.


  50. Não entraremos no mérito acerca do acerto ou não da decisão. Por todos, v. SCHOUERI, Luís Eduardo. Lucros no exterior e acordos de bitributação: reflexões sobre a Solução de Consulta Interna nº 18/2013. Revista Dialética de Direito Tributário n. 219. São Paulo: Dialética, dezembro de 2013, p. 67-77.


  51. V. nota de rodapé 10, acima.


  52. Apesar de o tema ainda ser controverso e verificarmos as primeiras decisões pela inconstitucionalidade do art. 76 da Lei n. 12.973/2014, por exemplo, a decisão proferida na 1ª Vara Federal de Curitiba, nos autos do Processo n. 500559652.2015.4.04.7000/PR.


  53. “3. Para a determinação dos lucros de um estabelecimento permanente, será permitida a dedução das despesas necessárias e efetivamente realizadas para a consecução dos fins desse estabelecimento permanente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração assim realizados.” (Redação do TDT/BR-CH)


  54. E não como entendeu o CARF no Caso Faurecia, aplicando a tributação na fonte.



    somente porque o Brasil, por meio de um ato unilateral, entendeu que a CSLL está abrangida pelos TDTs?


    Entendemos que não, como vimos acima, a lei brasileira pode ser equiparada a uma declaração unilateral que não vincula a contraparte estrangeira, a menos que esta resolva aderir a este posicionamento. Caso o faça, o contribuinte poderia pleitear, por força de princípios gerais de direito (boa-fé, igualdade), que o Estado garanta o crédito da contribuição paga.


    Por fim, é digno de nota, com o disposto na Lei n. 13.202/2015, que as empresas sujeitas a apuração de IRPJ com base na sistemática do lucro presumido poderão compensar o tributo pago no exterior com o IRPJ e com a CSLL55.


    CONCLUSÃO

    O acórdão possui inúmeros erros conceituais, mas especificamente em relação à CSLL, concordamos que o TDT/BR-CH não seria aplicável, pois este foi assinado em 2001, quando a contribuição já era conhecida pelos Estados contratantes, que durante sua negociação não a incluíram no escopo objetivo do tratado.


    Apesar de se tratar de um acórdão curto, o Caso Rexam traz pontos relevantes para discussão. A abrangência da CSLL pelos TDTs brasileiros nunca foi pacificada pelo CARF. Até o advento da Lei n. 13.202/2015, entendemos que a contribuição somente estaria abrangida nos TDTs assinados até 1999, momento em que passa a ser aplicada em bases universais.


    A referida Lei resolve a dúvida na aplicabilidade de TDTs no Brasil, mas seu pretenso caráter interpretativo somente se verifica em relação aos Tratados anteriores a 1999, enquanto em relação aos posteriores, teria caráter claramente constitutivo. Entendemos ainda que essa lei poderia ser entendida como uma declaração unilateral, que não possui o condão de vincular as contrapartes internacionais, a menos que essas decidissem aderir a tal declaração.


    Embora haja uma tendência à prevalência da norma CFC em relação a controladas no STF, isto não pode implicar a incorreta aplicação dos TDTs. Em relação à aplicação do art. 7,


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  55. Solução de Consulta DISIT/SRRF03 n. 3.005, de 16 de março de 2015: “Ementa: lucro presumido. Serviços prestados diretamente ao exterior. Não autorizada compensação do imposto pago no exterior. A pessoa jurídica que exercer a opção pelo regime de tributação com base no lucro presumido e prestar serviço diretamente no exterior não poderá compensar imposto pago no país de domicílio da pessoa física ou jurídica contratante. Ementa: autorizada a compensação do imposto pago no exterior no caso de país com o qual o Brasil possua acordo para evitar a dupla tributação. A compensação do imposto pago no exterior é autorizada se houver acordo ou convenção para evitar a dupla tributação entre o Brasil e o país no exterior que determine a compensação em um estado contratante do imposto pago no outro estado contratante como método para eliminar a dupla tributação, sem que se exija um regime de tributação específico. Nesta hipótese, a compensação ocorrerá nos termos do referido acordo ou convenção para evitar a dupla tributação. Solução de Consulta vinculada à Solução de Divergência n. 8 – COSIT.”



entendemos que o relator buscou restringir sua aplicabilidade a um caso específico, desconsiderando seu conteúdo.


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