Compliance Cooperativo: uma Nova Realidade entre Administração Tributária e Contribuintes

Cooperative compliance: a new reality between tax administration and taxpayers

Carlos Otávio Ferreira de Almeida

Professor do Mestrado em Direito Tributário Internacional do IBDT. Coordenador da
Pós-graduação Lato Sensu em Direito Tributário da PUC-Campinas. Pesquisador Visitante
na Vienna University of Economics and Business (Áustria). Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Mestre em Direito Público pela UERJ. Mestre em Direito Tributário
pela University of Florida-Levin (EUA). E-mail: cofa@ibdt.org.br.

Resumo

Este trabalho analisa a importância em se construir um novo paradigma na relação entre administração tributária e contribuinte, antes tradicionalmente conflitivo, doravante essencialmente cooperativo. A construção de um compliance cooperativo resulta, naturalmente, dos novos desafios para concretizar os objetivos básicos de um sistema tributário enfrentados por ambos os polos da relação obrigacional tributária, em tempos de grandes avanços tecnológicos e de globalização. Serão apresentadas as bases de um sistema cooperativo de compliance, cujo êxito depende de necessárias alterações de comportamento de fisco e contribuinte, o que será cotejado com a experiência brasileira, demonstrando a perniciosa influência das decisões que negligenciem a confiança do contribuinte e a credibilidade do Estado.

Palavras-chave: conformidade cooperativa, economia digital, reporte voluntário de informações, tributação global, proteção da confiança do contribuinte.

Abstract

This paper analyzes the importance of a new paradigm in the relationship between tax administration and taxpayers, before traditionally conflicting, henceforth essentially cooperative. The construction of a co-operative compliance is a natural result of the new challenges faced by both poles of the tax relationship in times of great technological advances and globalization, in order to achieve the basic objectives of a tax system. The success of a co-operative compliance system depends on behavioral changes by tax administration and taxpayers. In such a sense, the Brazilian approach will be analyzed considering the pernicious influence of decisions that neglect the trust of taxpayers and the credibility of the state.

Keywords: co-operative compliance, digital economy, voluntary disclosure, global taxation, protection of taxpayer’s confidence.

1. A contextualização da cooperação na relação fisco-contribuinte

O Direito Tributário Internacional vem construindo sua base teórica desde finais do século XIX, quando a bitributação começou a assumir papel de relevo na relação entre as jurisdições (ALMEIDA, 2014, p. 209)1. Mais adiante, após o estabelecimento de uma nova ordem mundial decorrente dos acordos de Breton Woods, logo após a 2ª Grande Guerra, os tratados internacionais foram alçados ao mais elevado patamar na hierarquia das fontes de Direito Internacional Público, o que sobremaneira interessou aos fluxos de comércio e investimentos que se valeram desse instrumento para firmar cerca de 3.000 acordos bilaterais com finalidade primeva de eliminar ou reduzir os riscos da bitributação até o ocaso do século XX (BRAUNER, 2009, p. 11).

Se a intensidade das mudanças então promovidas renovou a forma de interação entre empresas e países, e mesmo entre empresas ou entre países, as duas primeiras décadas do século XXI já consagraram novas e sucessivas alterações nessas relações, deixando o caminho de administrações tributárias e contribuintes sujeito a incertezas há pouco impensáveis.

Tradicionalmente, o Estado buscava atrair residentes, conhecendo, portanto a quem dirigir sua política fiscal. Após o crescimento das inter-relações entre diversas jurisdições, reflexo da globalização, instala-se um ambiente de competição tributária internacional de tal modo inovador, que a mobilidade daquele então residente e a desmaterialização dos legítimos critérios de conexão necessários à pretensão tributária do Estado desafiam a própria arrecadação e, por conseguinte, a eficácia das políticas públicas correspondentes. O Estado, em suma, passa a ser visto como fornecedor de um pacote de serviços que pode ou não ser atrativo aos já costumeiros, bem como aos novos, residentes, sob o dilema de manter altos tributos e arriscar a perda de receitas ou reduzir tributos e bem-estar, arriscando-se numa race to the bottom (DAGAN, 2012, p. 59).

Do ponto de vista do contribuinte, as incertezas não são menores, posto que a competição nociva trouxe novos padrões internacionais de cooperação internacional em matéria tributária, especialmente centrados na transparência e na troca de informações. O célere desenvolvimento desses parâmetros já consagrou o intercâmbio automático de informações fiscais, abrangendo, inclusive, operações financeiras a serem reportadas entre as jurisdições, anualmente, sob um padrão comum (CRS – Common Reporting Standard) lastreado por uma estrutura jurídica internacional decorrente dos acordos entre autoridades competentes (CAA – Competent Authority Agreement). De fato, a assistência administrativa entre jurisdições expande-se não apenas em volume de dados, mas em agilidade, como se pode confirmar pelos contornos multilaterais ensejados pela Convenção sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Tributária (CMAAT)2, já ratificada por 112 jurisdições, assim como pelos procedimentos para cobrança de tributos, abrangendo notificações, citações, medidas cautelares e até expropriatórias resultantes de requisições, fiscalizações simultâneas e mesmo auditorias conjuntas entre fiscos de jurisdições diversas. Em síntese, o contribuinte deverá responder pelo combate à sonegação e perda de receitas de modo conjunto por parte de fiscos diversos3.

Mudanças desse matiz, naturalmente, promoveram intensos debates, dividindo opiniões sobre a própria juridicidade das inovações. Fato é que a maciça adesão dos países a diferentes tratados internacionais contendo previsões específicas para assistência administrativa mútua, inter alia, acordos de bitributação, acordos para troca de informações fiscais (TIEAs), acordos intergovernamentais para consagração da FATCA4 (IGAs), CAA para o CRS (retro), MCAA para reporte multilateral Country by Country (CbC) e CMAAT (retro), tem desafiado as ordens internas com novas interpretações sobre o alcance de institutos protetivos como contraditório e sigilo.

Nada parece indicar que o ritmo de mudanças para expandir a cooperação fiscal reduza sua marcha, o que se corrobora pela adesão de mais de uma centena de jurisdições ao conjunto de 15 ações de combate a estratégias elisivas de transferência artificial de lucros para jurisdições de baixa ou nenhuma tributação – Plano BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da OCDE/G20 – e, ainda, pela presença de 50 membros, dentre os quais o Brasil, no âmbito dos trabalhos do Fórum sobre Administração Tributária (FTA) da OCDE, cujo principal objetivo é aprimorar os serviços aos contribuintes e a conformidade fiscal, auxiliando na melhoria dos níveis de eficiência, eficácia e justiça da administração tributária e na redução dos custos de conformidade.

No que toca mais diretamente à mudança de paradigma na relação entre fisco e contribuinte, de um ambiente essencialmente conflitivo para um cooperativo, os passos iniciais remontam a 2008, quando o FTA publicou seu Study into the Role of Tax Intermediaries, preconizando a criação do que se definiu por enhanced relationship, i.e., um relacionamento aperfeiçoado pela confiança e pela cooperação a ser desenvolvido pelo fisco, inicialmente, com grandes contribuintes (OECD, 2013, p. 11).

Antes mesmo que se disseminasse, a expressão relacionamento aperfeiçoado se tornou inadequada, cedendo lugar ao que o FTA, em julho de 2013, denominou Co-operative Compliance – conformidade fiscal cooperativa –, cuja ideia é dar cumprimento à obrigação tributária principal (pagamento) na quantia correta e no tempo exato, por meio da cooperação, em via de mão dupla, entre a administração fazendária e o contribuinte (OECD, 2013, p. 14).

Assumindo como requisito crucial para a disposição em cooperar a satisfação dos próprios interesses, resta indagar quais seriam, sob o ponto de vista jurídico, os objetivos a perseguir por parte de fisco e contribuintes. Dir-se-á, em resposta: a arrecadação de receitas possibilitadoras da prestação de serviços públicos pelo primeiro, e a maximização do lucro e o gozo da liberdade patrimonial pelo segundo. A zona de conflito entre esses grupos encontra nítida demarcação na legitimidade do lucro e no exercício da liberdade patrimonial individual que somente podem resultar da observância da legislação tributária e sua respectiva influência no decréscimo potencial de ambos os objetivos do contribuinte, pelo montante ofertado ao Estado. Por outro viés, há a necessidade de o Estado observar os mesmos limites impostos pelo ordenamento vigente para a fiscalização e cobrança das obrigações tributárias sem apetite excessivo que produza arbítrio e confisco.

Logo, admirável tensão bilateral surge equivocadamente, quando objetivos de fisco e contribuinte, a despeito da função institucional do primeiro e da liberdade relativa concedida ao segundo, dizem respeito a outras pessoas, segmentos e regiões que dependem, ainda que indiretamente, da satisfação de uma pontual relação obrigacional tributária entre determinados fisco e contribuinte.

Com efeito, antes de interesses corporativos ou individuais de fisco e contribuinte, a Constituição Federal já definiu os objetivos fundamentais da própria República Federativa do Brasil, não sendo tolerável admitir que qualquer grupo pertencente à ordem jurídica ditada por esta República possa ter interesses próprios, maiores ou alheios àqueles definidos na Carta Política.

Assim, construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, II) e promover o bem de todos (art. 3º, IV) são parâmetros obrigatórios a demonstrar que fisco e contribuinte não podem restar de lados opostos. Há muito a fazer pelo esforço de ambos para que o País assuma a rota do desenvolvimento, promovendo, de modo solidário, o bem de todos, sem discriminações de qualquer natureza – seja por excesso ou por redução indevida no quantum debeatur.

Nesse sentido, a justificativa para a cooperação voluntária para a conformidade fiscal deve resultar não de interesses próprios, insustentáveis se encerrados em si mesmos, mas da confiança recíproca entre fisco e contribuinte, a se preservar de modo ambivalente.

Passa-se, pois, a analisar a forma tradicional de atuação do fisco perante os contribuintes, assim como as recentes mudanças no ambiente global de conformidade tributária, capazes de influenciar a ordem interna. A seguir, pretende-se expor as bases de um sistema cooperativo de compliance, visitando alguns exemplos bem sucedidos neste sentido. Por fim, será analisada a situação do Brasil frente ao compliance cooperativo na relação fisco-contribuinte.

2. A eficácia da tradicional forma de atuação do fisco

A contar da década de 1960, a participação do Estado na economia cresceu dramaticamente, resultando numa expansão da arrecadação tributária. Para tanto, contribuíram fatores vários, como a demanda maior por gastos públicos decorrentes da universalização do voto, além da modernização do fisco em face de avanços tecnológicos e administrativos. Mais que isso, o Estado passou a ser visto como responsável por corrigir falhas de mercado. Neste giro, cria-se e difunde-se o VAT (valeu added tax), a progressiva tributação do Imposto de Renda e a retenção na fonte (with holding taxes), além do crescimento das contribuições sociais para seguridade social (TANZI, 2011, p. 94-96).

Após décadas de políticas expansionistas de arrecadação, a concorrência tributária internacional, somada à crise financeira de 2008-2009, alterou o cenário de ingressos públicos, tornando-se relativamente comum encontrar jurisdições mais amigáveis ao setor privado já a partir dos anos 1980. Assim, alíquotas do imposto de renda de indivíduos sofreram cortes relevantes e a tributação das grandes fortunas foi abolida em diversas jurisdições, o mesmo ocorrendo com impostos sobre sucessão e sobre ganhos de capital. O imposto de renda corporativo também foi reduzido em suas alíquotas e alterado em sua sistemática, que, não raras vezes, migrou da tributação em bases universais para territoriais. A administração tributária igualmente promoveu mudanças neste sentido, passando a atuar de forma segmentada, a fim de melhor compreender a realidade comercial e produtiva das empresas, assim como através de ferramentas de gestão de risco que suavizaram o impacto das auditorias sobre contribuintes que oferecem baixo risco à conformidade tributária (OWENS, 2012, p. 515).

Esta observação histórica, aqui resumida, das últimas seis décadas, nitidamente dividida em duas metades, permite-nos importantes conjecturas sobre a pretendida eficácia da atuação do fisco. Ao passo que a primeira metade registra expansão da imposição e da criação de espécies tributárias; a segunda, ainda que não seja tomada por regra geral, indica a existência de um ponto de inflexão na forma de atuação do fisco.

Considerando-se, em sua imensa maioria, que as medidas de redução de ônus e suavização da atuação fiscal nas últimas três décadas foram implantadas por países essencialmente exportadores de capital, membros da OCDE, acostumados a lidar com portentosos grupos MNE (Multinational Enterprises), curiosidade surge quanto à resposta dada por esses contribuintes em face do novo tratamento fiscal. Acaso tornaram-se mais cumpridores da obrigação tributária ou mais avessos aos riscos de estratégias de planejamento tributário?

A resposta é negativa, já que justo neste período mais recente, em que se registram sofisticados avanços tecnológicos, as administrações fazendárias têm se deparado com esquemas crescentemente complexos e criativos, engendrados por MNEs e por indivíduos de altíssima renda (HNWIs – High Net Worth Individuals).

Como, portanto, construir uma relação fisco-contribuinte baseada na confiança recíproca, ensejadora de um efetivo compliance cooperativo?

Solucionar essa questão não é tarefa simples, já que as diversas forças diretivas do compliance concorrem entre si e, por vezes, se interseccionam. Assim, eventual isolamento do impacto do ônus tributário, da eficácia da administração fazendária ou do ambiente socioeconômico, sujeitos a constantes modificações e especificidades, para relacioná-los à conformidade tributária dos contribuintes pode gerar resultados insuscetíveis à medição, especialmente por que dados obtidos em pesquisas de campo restam prejudicados pela natureza sigilosa da evasão fiscal (HEINEMANN; KOCHER, 2013, p. 226).

A despeito dessas dificuldades, o FTA vem produzindo notável material sobre a forma de atuação da administração tributária, a fim de torná-la mais eficiente e eficaz, por meio da alavancagem da conformidade fiscal, da redução de custos para os contribuintes e do desenvolvimento de um ambiente baseado na confiança recíproca. Tais esforços corroboram a necessidade de mudança na forma tradicional de atuação do fisco, caracterizada, resumidamente, por pouca abertura ao diálogo, postura prioritária repressiva e interpretações sui generis acerca de diversos institutos do ordenamento vigente.

Tal estado de coisas advém, dentre outras variáveis, da mentalidade corporativamente desenvolvida num sentido dicotômico. Há um adversário a ser batido, muito bem definido: o contribuinte, conhecidamente sonegador e fraudador.

O bom diálogo, preventivo, consultivo, nos limites da legislação vigente, entre o setor privado e a administração fiscal, além de conferir segurança e previsibilidade, pode ser salutar ao reduzir custos desnecessários a ambas as partes e estabelecer créditos de confiança recíprocos.

Do mesmo modo, com o vasto alcance facultado ao fisco pelas ferramentas de gestão de risco, pode-se migrar de uma postura repressiva para uma preventiva, novamente com ganhos a ambas as partes em redução de litígios e, por conseguinte redução de custos administrativos e de conformidade fiscal.

A questão das interpretações fiscalistas também estimula a desconfiança e a manutenção do regime conflitivo entre fisco e contribuinte. Mais que isso, contribui decisivamente para insegurança e falta de previsibilidade, igualmente elevando custos para ambos.

Regra geral, pode-se dividir a atuação técnica da administração tributária do seguinte modo (OECD, 2017, p. 19):

i) Atividades reativas: dividem-se em produção de respostas a consultas gerais ou específicas promovidas pelo contribuinte e em investigações e auditorias;

ii) Atividades proativas: são prestadas previamente a fatos geradores ou entrega de declarações e influenciam as decisões futuras no sentido de estimular o contribuinte a um comportamento de conformidade;

iii) Atividades a montante de conformidade proposital (upstream and compliance by design): são as que ocorrem mais próximas aos fatos geradores, a fim de facilitar e mesmo gerenciar a conformidade fiscal dos contribuintes.

Essas atividades são empreendidas em graus diversos e com diferentes pesos pelas administrações fiscais em geral. Portanto, mudanças no tocante à atividade econômica, à tecnologia e ao direito tributário vigente podem impactar o quanto de cada atividade determinada jurisdição escolha desenvolver, conforme seus interesses e suas possibilidades culturais, sociais e jurídicas.

Fato é que um dos objetivos do fisco está em garantir a eficácia de suas ações. Atualmente, todavia, a despeito de outros riscos à eficácia fiscal, realça-se o sofisticado ambiente da economia digital, em que exorbitantes cifras são produzidas sem tributação. Trata-se de enorme desafio à arrecadação, tanto que a ela se dedicou logo a primeira ação do Plano BEPS – Addressing the tax challenges of the digital economy –, que visa a dotar as jurisdições de instrumentos capazes de combater a perda de receitas por elisão e evasão fiscais.

Este tema foi bem desenvolvido por Roland Paris, para quem a globalização da atividade comercial tem sido bem mais célere do que a criação de estruturas regulatórias internacionais para governá-la. Por conseguinte, o Estado se vê ameaçado enquanto agente tributário autônomo, pois poderá se tornar ineficaz em face do desenvolvimento impressionante da economia digital. O comércio eletrônico internacional, além de desafiar a lógica da tributação internacional, baseada em elementos de conexão vinculados a dada jurisdição, expande-se ao ponto de já exigir a coordenação internacional de políticas fiscais, uma vez que os Estados já atentaram (embora não saibam como tributar) a receitas que potencialmente transitam no espaço virtual, mas que, individualmente, são de difícil alcance por não se encontrarem fisicamente localizadas nos limites de uma determinada jurisdição (PARIS, 2003, p. 154-155).

Ora, a referida mudança nas estratégias mais recentes de atuação do fisco indica que a prioridade dada ao conjunto de atividades reativas, amplamente propagadas nas décadas de 1960 a 1990, não mais serve aos próprios objetivos do fisco de assegurar a eficácia arrecadatória. Os desafios contemporâneos, neste tópico resumidos pela economia digital, exigem maior interação com contribuintes dotados de alto poder tecnológico e atuação transnacional, que deverá resultar da implantação de atividades proativas e de conformidade propositalmente planejadas.

Auditorias realizadas individualmente e a posteriori representaram importante passo no carrear de recursos aos cofres públicos, mas não parecem capazes de motivar suficientemente o contribuinte à maior conformidade fiscal. Demais disso, modificações impostas pelas possibilidades tecnológicas de nossos (e futuros) dias nas diversas formas de atuação das empresas e no ambiente econômico são céleres e estão ocorrendo neste justo momento. A par disso, a designação de auditorias fiscais para cobrir decisões que estão sendo hoje tomadas pelas empresas somente ocorrerá daqui alguns anos e, naturalmente, a conclusão dessas auditorias tomará outros tantos meses de trabalho dos agentes públicos, a depender da complexidade da tarefa. Há, portanto, longo e indesejável tempo entre a prática de eventual irregularidade e a respectiva sanção.

Destarte, torna-se cada vez mais difícil para o contribuinte correlacionar suas práticas e/ou projetos e planos em curso com a conformidade fiscal exigida pelo fisco por eventual desconformidade praticada anos antes. A sanção do fisco, ao término do procedimento de auditoria, tornar-se-á tão anacrônica quanto maior for o avanço tecnológico introduzido nas práticas e estruturas deste contribuinte sancionado. De fato, auditorias determinadas para períodos de anos anteriores, cobrarão conformidade daquele momento e não do momento em curso, quando, possivelmente, as práticas da empresa já tiverem sido reformadas pelas imposições da globalização e da digitalização econômicas. Em casos como estes, que deverão se tornar cada vez mais comuns, o fisco lança e promove arrecadação ou litígio (que perdurará por ainda anos à frente) por fatos passados, restando-lhe, agora, determinar a execução de nova auditoria para um novo período pretérito, ao passo que a conformidade atual de grandes empresas, com vistas à arrecadação de períodos seguintes, não é priorizada pela ação da administração. Em suma, nesta estratégia, o fisco estará sempre um (ou vários) passo(s) atrás.

Diferentemente, a concentração das atividades do fisco de modo proativo e realizadas a montante (upstream), mais próximas ao fato gerador, em busca de conformidade propositalmente planejada (by design), deve ser bem mais eficaz doravante. A presença do fisco, em diálogo aberto, instrutivo, esclarecedor para estimular a conformidade fiscal na atualidade, no momento presente, em que, segundo seus objetivos estatutários, a empresa planeja, delibera e decide, reduz inseguranças e traz ganhos de credibilidade e, como num ciclo virtuoso, de mais conformidade tempestiva e voluntária. Para o êxito desta mudança de atuação do fisco, a quebra do paradigma conflitivo é essencial.

A fim de bem se desincumbir de sua missão institucional, deve a administração tributária prover recursos para a prestação de serviços públicos à sociedade. A eficácia do fisco, no entanto, está relacionada a promover a arrecadação baseada em três objetivos fundamentais: (i) otimizar o compliance de forma econômica; (ii) minimizar os encargos do contribuinte; e (iii) conquistar e manter a confiança do contribuinte (OCDE, 2017, p. 18).

A estratégia de atuação tradicional da administração tributária, essencialmente repressiva, baseada em diligências fiscais e auditorias, não parece se ajustar aos objetivos centrais do que se entende, não na ordem internacional em voga, por eficácia. O objetivo de prover os cofres públicos do necessário à execução das políticas públicas deve se submeter a novos valores, mais afeitos ao Estado Democrático de Direito, que exigem, resumidamente: economia de recursos públicos para a tarefa arrecadatória; respeito aos recursos do contribuinte que não dizem com a obrigação tributária; e, sobretudo, aproximação entre fisco e contribuinte para que promovam objetivos mais amplos de desenvolvimento, em benefício de todos os cidadãos.

3. Mudança do ambiente global de compliance

Dificuldades na obtenção de receitas num ambiente de competição tributária internacional, exacerbadas pelos avanços da economia digital, fomentam mudanças na forma de atuação do fisco. Assim, como visto alhures, a composição do plano final de atividades a desempenhar, com pesos diversos pelas diferentes estratégias de atuação – proativas, upstream e by design, ou repressivas –, vai depender de características específicas de cada Estado, da relação de confiança construída com seus contribuintes, assim como do grau de conformidade fiscal dos últimos.

O Forum on Tax Administration, já sensível às mudanças no ambiente global de conformidade fiscal, tem recomendado atitude distinta por parte da administração tributária, cambiando atividades reativas posteriores à obtenção de dados dos contribuintes e realizadas individualmente, por atividades proativas que atinjam vários contribuintes a um só tempo, bem como atividades upstream e by design, capazes de conferir maior garantia de tributar próximo ao fato gerador e de forma especificamente planejada.

Segundo o FTA, mudança de tal ordem geraria benefícios ao fisco e ao contribuinte, pois reduziria a declaração a menor da renda tributável; aumentaria a chance de detecção de potenciais atividades fraudulentas; elevaria a confiança do contribuinte, capaz de compreender suas obrigações de modo mais simples; conferiria maior previsibilidade e certeza ao contribuinte para tomada de decisões, bem como lhe reduziria os custos; e, ainda, diminuiria o número de auditorias aleatórias, concentrando as atividades de fiscalização nos setores de elevado risco ao erário (OCDE, 2017, p. 21).

Não obstante os fatores decorrentes da mundialização e da digitalização da economia, fato é que 1/3 da capacidade pessoal do fisco ainda se concentra nas tarefas de auditoria, como mostram dados obtidos junto aos países participantes da pesquisa Tax Administration 2017, realizada pela OCDE. Quanto às demais tarefas, cerca de 17% dos agentes públicos atuam em atividades gerais de suporte, 16% em processamento de restituições, 13% atuam no cadastramento e no atendimento a contribuintes, cerca de 10% na cobrança de débitos tributários, 5% em funções operacionais diversas e, por fim, outros 4% no processo administrativo fiscal.

Observando-se apenas as transações realizadas no e-commerce, salta aos olhos a complexidade a ser enfrentada pelo fisco para o bom desempenho de sua função institucional de prover os cofres públicos de modo eficaz e eficiente. Na tributação direta, indefinições várias, como a questão da Stateless income ou do estabelecimento permanente virtual, não são amenizadas no escopo da tributação indireta, no qual remanescem dúvidas sobre a questão da origem e destino, operações B2B e B2C, comércio virtual de serviços, downloads, cloud computing, streaming, moedas virtuais, blockchain, dentre outras.

As gigantescas (e sempre crescentes) cifras da economia digital já servem de justificativa para o fato de que a economia tradicional está sendo tragada pela virtual. Em outro giro, não mais é possível destacar a economia virtual da própria economia, pois ambas de confundem. Será, portanto, possível às administrações fiscais, ainda que atuem sob a mais harmoniosa coordenação, atingir eficácia na arrecadação de tributos incidentes sobre operações e prestações levadas a efeito no mundo virtual? E mais, realizando auditorias em bases individuais apenas após a prestação das informações pelo próprio contribuinte?

Para muitos, o êxito desta empreitada não seria crível, justamente em face da redução de poder de uma administração tributária local em vista de um ambiente complexo de negócios transnacionais. Neste giro, Rifat Azam sugere a criação de um Fundo Tributário Global, entidade supranacional a se incumbir de arrecadar e administrar um tributo global sobre o comércio eletrônico, cuja base de cálculo seria a renda transfronteiriça de comércio digital, a se convalidar mediante tratado internacional (AZAM , 2012, p. 639).

Sob proposta diversa, mas baseado na mesma descrença, Paris sustenta a necessidade de um movimento no sentido de maior harmonização internacional e coordenação das políticas fiscais nacionais, ao que definiu como globalização da tributação. Em síntese, neste sistema, a soberania do Estado abrir-se-ia à harmonização internacional para, efetivamente, dotar as jurisdições de condições adequadas a enfrentar a crescente transnacionalização do comércio internacional, que enseja complexas disputas jurisdicionais e dificuldades de arrecadação tributária. Os Estados, possivelmente ganhariam maiores possibilidades de eficácia arrecadatória ao globalizarem o gerenciamento da política fiscal, depositando, em conjunto, sua soberania fiscal num arranjo regulatório internacional mais capacitado a ensejar a conformidade fiscal dos contribuintes do século XXI (PARIS, 2003, p. 158).

Em face das evidentes ameaças aos objetivos centrais de um sistema tributário, importa melhor conhecer as bases de um sistema de conformidade fiscal essencialmente cooperativo, a fim de verificar sua adequação aos desafios da contemporaneidade.

4. Bases de um sistema cooperativo de compliance

A despeito de alterações legislativas em resposta a planejamentos fiscais de grandes MNEs propagados pela mídia, a principal reforma da tributação internacional debruça-se sobre novas formas de relação entre fiscos e contribuintes. A adoção de regras antielisão pela via legislativa não exige tantos esforços quanto a mudança do paradigma adversarial enraizado na relação entre administração tributária e contribuintes.

Cabe, portanto, aos Estados que intentarem se ajustar mais rapidamente às mudanças em curso na ordem econômica internacional a estruturação das bases de um sistema de conformidade fiscal mais cooperativo e menos conflitivo entre fisco e contribuinte.

Os passos iniciais neste sentido remontam a 2008, quando o FTA publicou seu Study into the Role of Tax Intermediaries, preconizando a criação do que se consagrou por enhanced relationship, um relacionamento aperfeiçoado pela confiança e pela cooperação a ser desenvolvido pelo fisco inicialmente com grandes contribuintes.

Desde então, diversas administrações tributárias tornaram-se mais cooperativas e passaram a estimular o comportamento de contribuintes através de ferramentas de gestão de risco de conformidade. Assim, o termo enhanced relationship cedeu à expressão co-operative compliance, mais ajustada, inclusive, sob o ponto de vista de eventuais suspeitas do contexto de uma relação aprimorada com grandes contribuintes que não seria dividida com outros de menor porte.

A alteração do termo não percutiu em mudança dos pilares-chave de uma relação mais amigável a ser desenvolvida entre fisco e contribuinte, cujo êxito depende da atuação de ambas as partes, resumidamente, do seguinte modo (OECD, 2013, p. 18-20):

i) Ao lidar com o contribuinte, a administração tributária deve demonstrar:

a) entendimento decorrente de consciência comercial, pois ações oficiais executadas com reduzida percepção da realidade comercial/negocial do contribuinte, evidentemente, acabam por expô-lo a maiores incertezas e a custos desnecessários e evitáveis. Alguns países já adotam meios para desenvolver a percepção comercial dos agentes do fisco, permitindo-lhes ampla compreensão do contexto em que são decididas transações e atividades de grandes empresas. Exemplos bem sucedidos são a Divisão de Grandes Rendas do Fisco Irlandês, organizado em bases setoriais para compreensão das características específicas de negócios e mercados; o Programa de Relacionamento Aperfeiçoado com Contribuintes do fisco de Cingapura, que prevê atuação conjunta para a compreensão profunda das operações negociais e dos riscos fiscais; e das autoridades fiscais do Reino Unido, que exigem amplo rol de habilidades dos agentes para que sejam capazes de compreender questões comerciais complexas num ambiente de rápidas mudanças;

b) imparcialidade, que exige do fisco a edição de medidas e resoluções consistentes e objetivas em respeito à isonomia;

c) proporcionalidade, na alocação eficiente de recursos fiscais com objetivo de assegurar resultados gerais mais consistentes. Em respeito à proporcionalidade, o fisco deve decidir sobre quais segmentos atuar, sobre quais declarações se concentrar, enfim, definir sua estratégia de modo a conquistar os objetivos a que se destina. Nesse sentido, as ferramentas de gestão de risco constituem poderoso aliado para o melhor emprego de forças;

d) abertura, por meio da divulgação de normas e decisões, bem como por atuação transparente; e responsividade, que promove previsibilidade. De fato, a disposição do fisco em atuar para esclarecer, antecipadamente, o adequado tratamento fiscal a ser dado a determinada transação, ou a algum dado a ser reportado em declaração, pode reduzir custos relacionados a provisões lançadas contabilmente, pelo contribuinte, para enfrentar gastos tributários inesperados. Neste ponto, quanto maiores incertezas ao longo do tempo, maiores serão as provisões.

ii) Ao lidar com o fisco, o contribuinte deve promover a divulgação de dados e transparência para cumprir não apenas formalidades, mas o espírito da lei. Definir, contudo, objetivos limites a este pilar não é tarefa simples, afinal até aonde deve ir a abertura do contribuinte, considerando suas diversas estratégias comerciais? Divulgação compulsória por si só não auxilia a cooperação, pois a imposição do fisco pode não ser interessante ao contribuinte, que poderá contorná-la. Apenas a divulgação voluntária, capaz de expressar a real intenção de atuação colaborativa pode ir além das imposições normativas quanto à transparência. Os primeiros esforços neste sentido, empreendidos desde 2008, sugerem a necessidade de uma estrutura de controle fiscal capaz de assegurar ao fisco a confiabilidade dos dados divulgados e, ao contribuinte, o conhecimento dos pontos controversos assumidos, mas sempre resultantes de sua voluntária intenção de divulgá-los. Exemplo seria o australiano ACA (Annual Compliance Arrangements), através do qual grandes empresas podem ter operações indicadas pelo gerenciamento de riscos fiscais e, em tempo real, voluntariamente, abram essas operações que acusam os principais riscos.

A adoção do compliance cooperativo, em franca expansão, pode ser vista com desconfiança por parte do fisco e do contribuinte. Em alguns países, a fim de promover mudança de cultura e de comportamento de ambos, resolveu-se adotar determinado projeto-piloto, a fim de, gradualmente, permitir fossem verificados os avanços da cooperação na relação fisco-contribuinte.

Geralmente, o compliance cooperativo não demanda alterações legislativas, mas apenas acordos formalizados diretamente com o contribuinte. Do mesmo modo, o ingresso num programa de compliance cooperativo comumente é ofertado a determinada classe de contribuintes que deve satisfazer critérios objetivos, como complexidade de estrutura ou de operações e participação na arrecadação tributária. Fato é, todavia, que este ingresso depende, em último grau, do grau de risco que o contribuinte candidato representa à conformidade fiscal. Assim, aqueles qualificados como de alto risco dificilmente poderão participar de um programa cooperativo de conformidade. Antes, deverão melhorar sua avaliação de risco através de um comportamento crescentemente conforme, até satisfazerem os requisitos de ingresso.

Três são os pilares do compliance cooperativo: (i) igualdade; (ii) espírito da lei; e (iii) gerenciamento de litígios numa estrutura de conformidade cooperativa (OECD, 2013, p. 41). Portanto, as jurisdições devem atentar que a introdução de um sistema de conformidade cooperativo exige modificações na estrutura de atuação da administração tributária e do contribuinte.

No primeiro caso, a atuação do Estado deve, necessariamente, conferir certeza à sociedade, construindo, na relação direta com o contribuinte, transparência recíproca, entendimento e confiança. Incabível, portanto, divulgação de dados do contribuinte, assim como qualquer espécie de tratamento vantajoso a determinada empresa. Fundamental, ainda, promover mudanças efetivas no segmento de cobrança e litígios a fim de lhe conferir maior rapidez no deslinde das questões.

A palavra “Estado”, no parágrafo precedente, tem alcance bem mais amplo que “fisco” e assim deve ser entendida neste caso. A adoção da cooperação pela Fazenda Pública pode não ser suficiente para conquistar a confiança do contribuinte. De fato, especialmente em questões afetas a ingressos públicos e incentivos fiscais, há pressões enormes de legisladores em episódios que chegam ao Judiciário, não poucas vezes, com desfechos absolutamente antagônicos. Assim, para a garantia da boa prática na cooperação por parte do Estado, todos os seus representantes que lidam com tributos, sob a governança de seus respectivos órgãos, devem se conformar antes para, somente então, passarem a exigir a conformidade do contribuinte.

Por parte das empresas, necessário o ajuste para que estejam aptas a suportar transparência e abertura. Isso conduz ao limite das práticas empresariais quanto, não apenas, à letra, mas ao espírito da lei. Em giro diverso, estratégias de planejamento tributário agressivas/abusivas podem não se conformar aos valores éticos esperados da gestão de grandes empresas. Em alguns países, a governança corporativa está registrada em lei, como na França, onde vige a Financial Security Act e nos EUA, através da conhecida Lei Sarbanes Oxley.

5. Experiências internacionais de cooperação positivas

Os pioneiros na adoção de medidas cooperativas no gerenciamento dos riscos de conformidade, objeto, inclusive, de análises no relatório Study into the Role of Tax Intermediaries divulgado pela OCDE em 2008, foram Irlanda, Holanda e Estados Unidos. Desde então, a introdução da conformidade cooperativa vem crescendo de modo regular, a despeito das diferentes abordagens escolhidas por cada administração fazendária para desenvolver a confiança na relação com grandes contribuintes e seus consultores (OECD, 2013, p. 21-22).

A implantação de um projeto de compliance cooperativo exige, de início, mudança dos parâmetros e rotinas adotados pelo fisco. Não basta deslocar ou admitir agentes públicos apenas, mas, sobretudo, capacitá-los a operar com um sistema diferente, que migra da tradicional abordagem repressiva para outra proativa. Logo, para o fisco se engajar numa atividade conjunta com o contribuinte, necessário promover efetiva mudança de cultura e de comportamento a fim de conquistar a credibilidade necessária a induzir o contribuinte à conformidade fiscal.

A este respeito, encômios ao fisco de Cingapura – Inland Revenue Authority of Singapore (IRAS) –, que, ao adotar a cooperação para a conformidade fiscal, estabeleceu seguramente sua disposição para conquistar a confiança da toda a sociedade, ao definir sua estrutura de conformidade estratégica, nos seguintes termos: (i) Nossa visão: a principal administração tributária do mundo; um parceiro dos contribuintes para a construção da nação e o desenvolvimento econômico; uma equipe excelente de pessoas compromissadas e competentes; (ii) Nosso objetivo: assegurar conformidade fiscal por todos os contribuintes; (iii) Nossa crença: contribuintes geralmente são cumpridores (OECD, 2013, p. 26).

O modelo de Cingapura pode ser implantado em qualquer remoto local, desde que haja o real interesse em ensinar um novo comportamento a agentes públicos e contribuintes. O primeiro passo está, justamente, na crença depositada nos contribuintes, tidos não por contumazes sonegadores, mas antes geralmente cumpridores de suas obrigações tributárias.

Ora, se a administração pretende trocar transparência por certeza, e, ainda, de um modo voluntário, deve, real e não apenas formalmente, abrir-se ao diálogo construtivo sempre nos limites legais, enaltecendo o profissionalismo de seus agentes. Nenhuma obrigação tributária, principal ou acessória, deverá ser reduzida ou eliminada discricionariamente, visto que o regime de co-operative compliance nenhum poder supralegal atribui ao fisco. Assim, repise-se que a adoção da cooperação pela administração somente deve resultar da autêntica disposição em produzir melhorias na sua efetividade arrecadatória, ao mesmo tempo em que confere ao contribuinte a oportunidade da previsibilidade.

O sistema de cooperação implantado pelo IRAS busca maximizar o compliance voluntário, prestigiando: (i) a simplicidade do sistema tributário, o que aumenta conformidade e reduz fraudes; (ii) a informação do contribuinte acerca de suas obrigações, a fim de lidar com elas de modo exato; (iii) a construção de um fisco digno de credibilidade, agindo proativamente para facilitar o compliance e efetivamente contra o non-compliance; e (iv) a criação de uma sociedade engajada com o pagamento de tributos para que, ao final, cada um suporte apenas sua quota justa.

Tecnicamente, o IRAS acredita na excelência de seus serviços em motivar os contribuintes ao compliance voluntário (OECD, 2013, p. 27). Merecem destaque o programa Customer Relationship Framework, em que os agentes abordam os contribuintes conforme peculiaridades de seus segmentos de atuação para facilitar a conformidade fiscal, e o Enhanced Taxpayers Relationship Program, dedicado a grandes contribuintes, sujeitos a questões tributárias mais complexas. O IRAS, neste programa, convida empresas de participação significativa na arrecadação, para com elas desenvolver colaborativa atuação conjunta na análise de dados reportados ao fisco, identificando diferenças e discutindo soluções, o que, ao cabo, produz efetivos ganhos a ambas as partes, reduzindo disputas e o tempo de resolução de intrincadas questões fiscais, além dos custos empresariais. Empresas não selecionadas podem requerer participação ao IRAS. O pedido será analisado individualmente, caso a caso, obedecendo a critérios objetivos tais como: volume de pagamento de tributos, complexidade de estrutura e operações, estado atual dos assuntos fiscais da empresa e, por fim, compromisso de engajamento com o fisco (SINGAPORE, 2017).

Experiências exitosas também podem ser contadas em outros países, que, muitas vezes recorreram a projetos-piloto de implantação da cooperação. Assim, o caso do Monitoramento Horizontal da Áustria, iniciado em 2011, que tem a importante característica de dar voz a outros interessados como a Câmara de Comércio, Câmara de Indústria e Câmara de Consultores Tributários para desenvolver a abordagem colaborativa. Grandes contribuintes são selecionados e passam a receber, do fisco austríaco, um monitoramento cooperativo que lhes fortalece segurança jurídica e previsibilidade. Em resposta, o fisco recebe o pagamento correto, assim como cumprimento das demais obrigações acessórias, de modo tempestivo. A ideia é que depois de um dado lapso temporal, sob constante atuação cooperativa, esses grandes contribuintes não sejam auditados, em vista de estarem satisfatoriamente conformes às exigências tributárias (ÁUSTRIA, 2015).

No Canadá, por sua vez, o sistema tributário está baseado na conformidade voluntária e a Canada Revenue Agency (CRA) pugna pela confiança dos canadenses na justiça e integridade do sistema, reprimindo contribuintes que não observam a norma vigente. Os índices de conformidade são dignos de registro: 93% dos indivíduos e 86% das empresas declararam seus impostos no prazo, enquanto que 93% dos indivíduos e quase 87% das empresas pagaram seus tributos no prazo. A despeito dos bons resultados, a conformidade cooperativa não foi desprezada pela CRA, que lançou, em 2010, o programa Approach to Large Business Compliance, que divide grandes contribuintes segundo três graus de risco fiscal: alto, médio e baixo. A cada um deles corresponde um determinado grau de aprofundamento das auditorias do CRA. Para os de baixo risco, rápidas revisões e para os de alto risco fiscal, auditorias completas (CANADÁ, 2015).

Ainda que sem detalhamento nesta oportunidade, outros programas de co-operative compliance bem sucedidos podem ser encontrados na África do Sul, Austrália, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Holanda, Irlanda, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, Rússia e Suécia (OECD, 2013, p. 21).

6. O compliance cooperativo no Brasil

No Brasil, uma mudança de conceito para a implantação de uma relação mais amigável com o contribuinte ainda é bastante tímida, mormente considerando o fato de o Brasil compor o grupo de atuais 50 membros do Forum on Tax Administration da OCDE. De fato, a relação brasileira entre o fisco – aqui tomado em sentido amplo, abrangendo as três esferas federativas, a despeito das muitas diferenças vigentes no bojo de cada administração fazendária municipal, estadual e federal – e os contribuintes tem sido marcada pela desconfiança de ambas as partes. Pela lente da administração, veem-se sonegadores a mancheias, enquanto pela dos contribuintes identificam-se autoridades vingativas e oportunistas, sempre à espreita para produzir novas interpretações da norma que resultem em autuações fiscais. Consagra-se, assim, a insegurança em toda a sua vitalidade.

Naturalmente, muitos outros problemas decorrem da natureza de uma relação adversarial. Excesso de burocracia (THE WORLD BANK, 2017)5, altos custos de conformidade, intermináveis litígios administrativos ou judiciais (IMF, 2017, p. 32)6, elevado volume de créditos tributários insatisfeitos (BRASIL, 2016)7, planejamentos tributários agressivos e corrupção são alguns exemplos. Ora, se tão indesejáveis consequências trazem prejuízos a ambas as partes, seja por impactarem negativamente a arrecadação, seja por aumentarem custos dos contribuintes; e mais, se há uma explícita relação de dependência, em que o Estado precisa do contribuinte e este, a seu turno, precisa daquele, não seria mais racional reduzir o ambiente conflitivo e torná-lo mais harmônico?

A despeito do enorme desafio às autoridades fiscais brasileiras, a quem compete o primeiro passo na elaboração de boas práticas – como conduta transparente e amigável, aconselhamento tempestivo e oportuno – capazes de reduzir controvérsias e evitar despesas desnecessárias por parte dos contribuintes, fato é que ambos os lados têm a ganhar com a efetivação de uma relação baseada na cooperação. Em último grau, o País também ganha.

A consagração do compliance cooperativo não deverá ser fácil, contudo. Além de exigir do fisco, motivação e vontade suficientemente grandes para promover séria modificação na mentalidade reinante na administração, este novo paradigma também exigiria a implantação de amplo e efetivo programa de educação fiscal, dotando o cidadão brasileiro de consciência contributiva.

É forçoso reconhecer que apenas a via dos ingressos não é suficiente para a superação dos óbices brasileiros ao desenvolvimento, especialmente pela reiterada irresponsabilidade nos gastos públicos, que minam, pela coluna ao lado, os esforços de agentes arrecadadores e contribuintes pagadores. Entretanto, é possível melhorar a relação de confiança entre fisco e contribuinte e desencadear outros fatores positivos quanto à conformidade, num autêntico ciclo virtuoso, de estímulo econômico ao País.

Neste giro, os primeiros esforços já se fazem notar. No âmbito federal, a Receita Federal do Brasil (RFB) lançou o Programa OEA – Operador Econômico Autorizado, por meio da IN RFB 1.598, de 9 de dezembro de 2015, que assim dispõe:

“Art. 1º [...] § 1º Entende-se por Operador Econômico Autorizado (OEA) o interveniente em operação de comércio exterior envolvido na movimentação internacional de mercadorias a qualquer título que, mediante o cumprimento voluntário dos critérios de segurança aplicados à cadeia logística ou das obrigações tributárias e aduaneiras, conforme a modalidade de certificação, demonstre atendimento aos níveis de conformidade e confiabilidade exigidos pelo Programa OEA e seja certificado nos termos desta Instrução Normativa.” (Destacamos)

Como se pode notar, trata-se de típico programa de conformidade cooperativa no âmbito aduaneiro. A RFB, por meio do Programa OEA, certifica o interveniente em operação de comércio exterior – importador, exportador, transportador, agente de carga, depositário de mercadoria sob controle aduaneiro em recinto alfandegado, operador portuário ou aeroportuário, despachante aduaneiro e Recinto Especial para Despacho Aduaneiro para o Exterior – que, voluntariamente, aderir aos critérios propostos pelo fisco e atender a determinado patamar de conformidade e confiabilidade.

Mais, pode-se ter o referido OEA em conta de um passo inicial, no âmbito federal, de um programa de compliance cooperativo por submeter-se, inter alia, aos princípios da simplificação, transparência, voluntariedade e confiança e objetivar maior agilidade e previsibilidade no fluxo do comércio internacional, além de elevar o nível de confiança no relacionamento entre os operadores econômicos, a sociedade e a Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Por meio dessa saudável inovação, os procedimentos aduaneiros serão facilitados internamente e no exterior por meio de benefícios concedidos em caráter geral ou de acordo com a modalidade de certificação, a função do operador na cadeia logística ou o grau de conformidade. A este respeito, a IN RFB 1.598/2015, em seu art. 5º, dispõe, da seguinte forma, sobre as modalidades de certificação do operador no âmbito do Programa OEA: I – OEA-Segurança (OEA-S), com base em critérios de segurança aplicados à cadeia logística no fluxo das operações de comércio exterior; II – OEA-Conformidade (OEA-C), com base em critérios de cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras, e que apresenta níveis diferenciados quanto aos critérios exigidos e aos benefícios concedidos: a) OEA-C Nível 1; e b) OEA-C Nível 2; e III – OEA-Pleno (OEA-P), com base nos critérios referidos no inciso I e na alínea “b” do inciso II.

Dentre os diversos benefícios gerais, o OEA terá um ponto de contato junto à RFB para tratar de dúvidas quanto a procedimentos aduaneiros, prioridade de análise quando já tenha sido certificado em outra modalidade ou nível do Programa OEA, e benefícios concedidos por aduanas estrangeiras com as quais o Brasil celebre Acordos de Reconhecimento Mútuo (ARM). Os benefícios específicos dependem da modalidade de certificação, exemplificando-se pela prioridade de conferência das Declarações de Exportação selecionadas para inspeção (OEA-Segurança), ou pela dispensa da apresentação de garantia para o importador OEA-Conformidade ou OEA-Pleno na concessão do regime de Admissão Temporária para Utilização Econômica.

O Programa em questão adentrou à sua última fase de implantação em setembro de 2017 – OEA-Integrado, por meio de uma iniciativa sem precedentes, através da qual o fisco opera em conjunto com outros órgãos públicos, facilitando sobremaneira o trâmite para as operações aduaneiras e reduzindo, sensivelmente, a burocracia correspondente.

Ao que parece, o Brasil preferiu adotar um projeto-piloto de compliance federal, restrito, inicialmente, aos tributos aduaneiros, com objetivo de promover mudança de cultura e comportamento de fisco e contribuintes.

Todavia, em matéria de tributação da renda, os passos iniciais já estão sendo dados de forma tímida, mas auspiciosa. Cita-se, neste sentido, o Programa Acompanhamento de Maiores Contribuintes (AMC), em que auditores da Receita Federal já realizam reuniões presenciais com contribuintes de grande participação na arrecadação total. Nessas reuniões de conformidade, o contribuinte toma ciência de eventual comportamento desconforme e ganha prazo para implantar as necessárias correções espontaneamente. Os resultados foram motivantes em 2016, quando houve incremento na arrecadação em R$ 2,26 bilhões, apenas resultante de alertas de inconformidade, análise de distorções e reuniões de conformidade realizadas pelo fisco com a presença dos contribuintes (BRASIL, 2016, p. 12-13).

A ação repressiva, por meio da fiscalização de lavratura de autos de infração no âmbito deste programa AMC, somente deverá ocorrer em face da recusa da empresa em promover sua conformidade fiscal. Trata-se, naturalmente, de mais um projeto-piloto que, a prosseguir com resultados positivos, deverá ser ampliado para adoção da cooperação na conformidade fiscal federal em nosso País.

No âmbito estadual, talvez o primeiro projeto realmente amplo, no sentido de um wider tax system, em que se configure um sistema de conformidade cooperativa, denomina-se Programa nos Conformes, veiculado pelo Projeto de Lei Complementar n. 25/20178, que resultou de intercâmbio do setor privado com a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

Tramitando em regime de urgência na Assembleia bandeirante desde 16 de setembro de 2017, o referido projeto de lei já registrou 67 sugestões de emendas e, provavelmente, sofrerá alterações que não justificam maiores análises neste momento. Contudo, vale registrar a nítida proposta de mudança comportamental do fisco paulista que, para se concretizar, terá de vencer percalços enraizados na forma de construção da relação fisco-contribuinte, como visto alhures.

Baseado num rating de risco atribuído aos contribuintes, o fisco paulista deverá alterar seus métodos de fiscalização e de abordagem, reduzindo a litigiosidade e aumentando a efetividade arrecadatória justo no sentido do que vem sendo executado pelas administrações tributárias mais avançadas atualmente. O Estado de São Paulo reconhece, pois, a necessidade de mudança de enfoque nos serviços prestados aos contribuintes e à sociedade em geral, como se depreende da Exposição de Motivos do PLC n. 25/2017, encaminhada pelo Secretário da Fazenda, por via do OF GS/CAT n. 857/2017, assim disposta:

“[...] o presente Projeto, que inclui a classificação dos contribuintes do ICMS por perfil de risco, cujo objetivo central é avançar na transparência tributária do Estado de São Paulo. Alinhando a metodologia sugerida pela OCDE para orientação do emprego dos recursos de fiscalização de acordo com o risco assumido pelo contribuinte em cumprir suas obrigações tributárias [...], o Projeto pretende fomentar, em direção a um ambiente de negócios mais propício a investimentos de longo prazo, com menor assimetria de informações e maior segurança jurídica, focando no monitoramento fiscal e autorregularização, o que tende a gerar menor nível de contencioso, menores níveis de inadimplência e melhoria do ambiente de negócios. Por meio da organização de uma administração tributária mais eficiente, reconhecendo, orientando e incentivando a boa governança tributária dos contribuintes, este Projeto será o motor de novos investimentos sustentáveis de médio e longo prazos para o Estado de São Paulo.” (Destacamos)

Com a aprovação do indigitado PLC, os contribuintes do ICMS paulista serão classificados em seis faixas, A+, A, B, C, D e E, em ordem decrescente de conformidade. Conforme a exposição dessas faixas de contribuintes a riscos de passivos tributários, o fisco deverá atuar especificamente, implantando procedimentos destinados a cada categoria de contribuintes, valorizando atividades de monitoramento e autorregularização em detrimento do “modelo existente excessivamente focado na lavratura de autos de infração”, que, naturalmente, produzem os altos níveis de litigiosidade administrativa e judicial pelos créditos tributários paulistas.

Lícito reconhecer as bases de um autêntico sistema de co-operative compliance tanto nos Programas OEA e AMC da Receita Federal, quanto no Programa nos Conformes do Estado de São Paulo, que evidenciam a priorização da consciência conformativa calcada na autorregularização. Assim, presentes os requisitos de abertura e responsividade tanto pelo fisco quanto pelo contribuinte, marcados, dentre outras coisas, por reuniões de conformidade com ganhos à previsibilidade do contribuinte que, a seu turno, voluntariamente, conforma-se à norma tributária. A realocação de recursos do fisco federal e paulista, proporcional à exigência de novas tarefas, deverá aumentar a eficiência e a eficácia arrecadatória. A imparcialidade tem potencial para aumentar a credibilidade da administração e, por conseguinte, estimular o comportamento conforme do contribuinte. O conhecimento comercial/negocial das atividades do contribuinte foi bem observado também, pois o fisco federal dividiu sua atenção aos tributos aduaneiros e à tributação da renda, ao passo que o PLC paulista prevê análise informatizada de dados e trabalhos analíticos ou de campo por agentes fiscais.

Não obstante a alvissareira implantação desses programas, o êxito da mudança de paradigma na relação fisco-contribuinte, potencialmente benéfico a todos, sofre ameaças ante a quebra da confiança do contribuinte, reiteradamente praticada pelos diversos braços do Estado, administrador, legislador ou julgador. Crucial que a administração fiscal, ao apresentar condições ao contribuinte para o reporte voluntário de informações, possa manter-se coerente e fiel às expectativas por ela criadas.

O efetivo compliance cooperativo não pode tolerar práticas que, efetivamente, negligenciam tanto a confiança do contribuinte quanto a credibilidade do Estado, como a reiterada implantação de programas de anistia e remissão determinados pelo Poder Executivo federal (REFIS, PERT), estadual (PEP, PPI) e municipal (PPI), que desafiam o contribuinte tempestivamente pagador de seus ônus tributários. Não escapa ao mesmo contexto, a guerra fiscal entre entes federativos, a intervenção de outros órgãos públicos para obter dados confiados sigilosamente ao fisco mediante programas de adesão voluntária, ou a renúncia de receitas capaz de comprometer o equilíbrio das contas públicas e reduzir o bem-estar geral.

A preservação da confiança está no cerne da cooperação na relação fisco-contribuinte. Enquanto aquele deseja transparência, este, sobretudo, anseia por certeza e previsibilidade. A confiança recíproca, pois, condição primordial para a prosperidade de um regime cooperativo, somente poderá florescer no bojo de uma relação sem espaços a contradições e incoerências, especialmente no Brasil, onde a contraprestação estatal está em franco descompasso com a elevada carga tributária.

7. Conclusões

O século XXI impõe mudanças ao Direito Tributário Internacional numa velocidade até então desconhecida. A economia, atingida pela globalização e pela digitalização, alterou a forma de fazer negócios entre as empresas, bem como desmaterializou necessárias conexões à imposição tributária por parte dos países. Como reflexo, a eficácia da atuação do fisco consubstanciada no atingimento de metas de arrecadação de modo frio, ensimesmado em interesses corporativos próprios, já não parece bastar.

Ao fisco contemporâneo compete, sim, possibilitar a prestação de serviços públicos, mas não sem minimizar os custos do contribuinte e preservar a confiança que deste venha a conquistar. A verdade é que o modo tradicional de atuação da administração fazendária está em xeque. Para um novo ambiente de compliance, decisivamente movido por vultosas quantias de alcance transnacional traduzidas em linguagem digital, as velhas práticas repressivas, majoritariamente representadas por auditorias individuais ex post, não são eficientes. Arrecadam, é certo, mas, definitivamente, não motivam o contribuinte à voluntária conformidade fiscal, senão a engenhosos esquemas de elisão fiscal internacional, que visam a contorná-las.

A solução, portanto, exige mudança de paradigma. Maior cooperação enseja benefícios à tarefa institucional do fisco e, naturalmente, pela via inversa, aos contribuintes que pretendam reduzir seus riscos fiscais e se conformar, voluntariamente, à legislação tributária.

Decerto que o fisco deverá realocar seu pessoal para atividades inovadoras de monitoramento e até diligências de conformidade junto ao contribuinte, o que se pode entender como orientações para ajustes de conduta em dado lapso temporal, sem imediata lavratura de autos de infração.

Alguns países já implantaram programas essencialmente baseados na cooperação para a conformidade fiscal e têm obtido resultados bastante positivos. Destaque-se o fisco de Cingapura (IRAS), cuja proposta de visão do contribuinte inspira-nos à mudança: contribuintes são, geralmente, cumpridores de suas obrigações.

O que talvez por aqui não se tenha percebido, é que, do ponto de vista jurídico, difícil defender interesses antagônicos entre fisco e contribuintes senão quando vistos no micromundo composto por apenas essas duas espécies. Num mundo de balizas mais largas, não se tolera a existência de objetivos individuais conflitantes com os do próprio País. Estamos num Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º) cuja construção está sob a incumbência de todos os jurisdicionados. Arrecadação por si só não é um fim em si mesmo. Ao mesmo tempo, a liberdade do contribuinte está sob o preço do tributo.

Assim, pode-se compreender que as mudanças em curso, como se dá nos fenômenos naturais, vêm ao tempo certo, adequado à compreensão de novos valores metaindividuais, ao abrigo do regime vigente no Brasil desde 1988.

O êxito de um programa de co-operative compliance requer do fisco, motivação e vontade suficientemente grandes para promover profunda modificação comportamental em seus agentes; e do contribuinte, a implantação de estruturas de controle interno capazes de fomentar governança corporativa sob valores éticos e abertos à sociedade e ao Estado. Por essa via, as empresas poderão atingir maiores graus de conformidade fiscal, estimulados, ainda, pelo avanço da confiança nas relações com o próprio fisco.

Mas, se mudanças costumam trazer inquietude, inegável que o desenvolvimento de um ambiente de cooperação deve trazer recompensas a ambas as partes. De um lado, o contribuinte reduz insegurança em vista do ganho em certeza e clareza por meio de um serviço coordenado em conjunto com a administração tributária; do prévio conhecimento dos custos de conformidade nos diversos órgãos fazendários e da respectiva chance de reduzi-los; da percepção comercial/negocial a ser desenvolvida no âmbito das atividades da fiscalização; da simplificação dos sistemas de decisões no âmbito do processo administrativo-fiscal; da tempestiva resposta da administração a consultas e devolução de recursos e créditos. O fisco, por sua vez, tem maior previsibilidade e segurança na arrecadação, em razão do ganho em transparência com a divulgação voluntária de informações; do maior respeito ao espírito da lei por parte das empresas; do diálogo aberto e transparente com o setor privado; da cooperação na avaliação dos riscos fiscais; da assistência para entender negócios e práticas comerciais, além da melhoria no uso dos sistemas de gerenciamento de riscos fiscais.

Releva compreender o conceito de compliance cooperativo cuja finalidade não reside numa relação de parcialidade que faculte tratamento mais benéfico a determinada empresa. Ao inverso, o objetivo desta mudança de paradigma é conclamar fisco e contribuinte à cooperação mútua, exatamente para garantir o pagamento do tributo devido de modo correto e no tempo exato.

Auspiciosamente, esta mudança de paradigma se torna incipiente realidade no Brasil, com o desafio de que a animosidade reinante ceda lugar a maior interação e maior confiança entre fisco e contribuinte, através, no âmbito federal, dos Programas OEA-Operador Econômico Ativo e AMC Acompanhamento de Maiores Contribuintes; e no âmbito do Estado de São Paulo, ainda pendente de aprovação pela Assembleia Legislativa, do PLC n. 25/2017, que implanta o Programa nos Conformes.

Apesar de o Brasil estar apenas iniciando a implantação do compliance cooperativo, deve-se considerar que a oficialização do pedido brasileiro de adesão ao grupo de membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pode acelerar este processo. Nos últimos anos, o Brasil tem ativamente participado da extensa agenda da OCDE, sobretudo em temas como política macroeconômica, agricultura, comércio, educação, ciência e tecnologia, estatísticas, combate à corrupção, política de investimentos, conduta empresarial responsável, governança corporativa, financiamento às exportações, e, logicamente, tributação.

Neste turno, assim como ocorreu com a rápida alteração de paradigma quanto à transparência e à troca de informações fiscais, em que a ordem interna sofreu radicais mudanças mais conformes à ordem internacional, não seria prudente desprezar o ímpeto multilateral a que o Brasil, ainda com maior razão, se verá eventualmente forçado a observar na condição de membro da OCDE e suas decorrências. Em constante interação com outras administrações tributárias e contribuintes de atuação transnacional, possivelmente, a cooperação na conformidade fiscal será ampliada.

Contudo, não se perca de vista que um sistema de compliance cooperativo está baseado, sobretudo, na confiança, razão pela qual deve o Estado, não apenas através do fisco, mas de todos os órgãos que direta ou indiretamente exerçam funções ligadas à tributação, sejam elas legiferantes, judiciais, fiscalizatórias ou regulatórias, se portar de modo absolutamente coerente. Assim, evitam-se decepções pelo sentimento de injustiça e discriminação, o que põe a ruir a voluntária cooperação do contribuinte para com o fisco, que deve sobrepujar a natural insegurança daquele em face do poder legalmente conferido a este.

O Brasil não deve desprezar a oportunidade de efetivar as mudanças ora analisadas, a exemplo de outros países que obtiveram sucesso na criação de ambientes de conformidade mais amigáveis entre fisco e contribuintes, especialmente quando um de seus maiores problemas está na desagradável sensação oriunda de breve cotejo entre carga tributária e contraprestação estatal.

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1 Fase em que surgiu o conceito de estabelecimento permanente (EP), com o fito de prevenir a bitributação entre municípios na Prússia, em 1885; e a primeira convenção para evitar bitributação entre Prússia e Áustria-Hungria, em 1899.

2 No Brasil, promulgada pelo Decreto n. 8.842, de 29 de agosto de 2016.

3 Os surpreendentes avanços quanto à assistência administrativa acima mencionados foram capitaneados pelo Foro Global sobre Transparência e Troca de Informações Tributárias da OCDE, atualmente com 146 adeptos. Disponível em: <http://www.oecd.org/tax/transparency/>.

4 Foreign Account Tax Compliance Act, lei dos EUA para conferir acesso a dados de norte-americanos em instituições financeiras no exterior.

5 Dados recém-publicados pelo Banco Mundial classificam o Brasil em 123º lugar, num ranking de 190 economias quanto à facilidade em se fazer negócios.

6 A insegurança, decorrente da incerteza na tomada de decisões, foi alvo de pesquisa com 724 respostas de empresas sediadas em 62 países diferentes realizada pelo European Tax Policy Forum (ETPF) em conjunto com o Oxford University Centre for Business Taxation (OUCBT). Questões associadas aos mecanismos de resolução de disputas foram tidas como um dos maiores fatores causadores de incertezas e, por conseguinte, de desestímulo ao investimento. As maiores preocupações das empresas com o litígio dizem respeito à demora na tomada de decisão dos tribunais, e à imprevisibilidade/inconsistência no trato dos temas afetos aos contribuintes.

7 Dados da PGFN indicam montante de R$ 1,84 trilhão de estoque da dívida ativa federal, sendo que, deste total, 86% corresponderiam a créditos tributários e previdenciários.

8 Até o fechamento deste texto, ainda sob análise na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.