O Alcance da Ação 6 do BEPS nos Tratados para evitar a Bitributação do Brasil: um Cenário Incerto

The Scope of BEPS Action 6 in the Brazilian Double Taxation Treaties: an Uncertain Scenario

Paulo Rosenblatt

Doutor em Direito Tributário pelo Institute of Advanced Legal Studies, Universidade de Londres. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE). Graduado em Direito pela FDR/UFPE. Professor de Direito Tributário da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Procurador do Estado de Pernambuco e Coordenador do Centro de Estudos Jurídicos (PGE-PE). Correlator geral do tema 1 sobre normas gerais antielisivas do Congresso da IFA Seul 2018. Advogado. E-mail: paulo@flbadvogados.adv.br.

Pedro Henrique Ramos Coutinho dos Santos

Graduando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Estagiário de Direito Tributário. E-mail: pedrosantos@queirozcavalcanti.adv.br.

Resumo

O cenário do regime tributário internacional é caracterizado pelo deslocamento dos lucros das empresas multinacionais e das companhias globais através da manipulação de disposições das legislações e dos tratados em matéria tributária, mas também pela competição entre os países quanto à taxação dos referidos lucros. A presente pesquisa pretende verificar o alcance da incorporação de normas gerais antielisivas previstas na Ação 6 do Relatório Final do BEPS no ordenamento jurídico tributário brasileiro e o reflexo das mesmas nos tratados bilaterais com o Brasil. No que se refere à regra do parágrafo único do art. 116 do CTN, é possível verificar que a ausência de sua regulamentação dificulta a percepção dela como uma típica norma antielisiva, ainda que tenha sido utilizada para desconsiderar os atos ou negócios jurídicos com os vícios da dissimulação, de fraude à lei e do abuso de formas. Em relação à inclusão de normas antielisivas baseadas nos testes de propósito principal nos tratados celebrados pelo Brasil, o alcance de tais normas ainda é indeterminado, já que o Brasil não é ainda um país signatário do Instrumento Multilateral, mas também pelos possíveis conflitos decorrentes de um processo de compatibilização dessa convenção ao ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: BEPS, instrumento multilateral, normas gerais antielisivas, acordos de bitributação, Brasil.

Abstract

Not only has the background of the international tax regime been characterised by profit shifting from multinational companies and global companies through the manipulation of tax provisions and tax treaties, but also by the harmful tax competition between countries in relation to the taxation of such profits. The current research aims to analyse the reach of the incorporation of the BEPS general anti-avoidance rules provided by Action 6 in the Brazilian legal system and its consequences to the Brazilian double tax treaties. In relation to the sole paragraph of article 116 of the Brazilian National Tax Code, it is possible to verify that the lack of proper regulation of that rule is an obstacle to the perception of that rule as a typical anti-avoidance rule in the Brazilian legal system. On the other hand, that rule has been applied by the tax authorities in order to disregard sham transactions, fraud of law or abuse of legal forms. The inclusion or not of a general anti-avoidance rule with the principal purpose test in the Brazilian tax treaties is still an indeterminate issue due to the fact that Brazil is not yet signatory of the MLI, but also by the possible existence of a conflict between the MLI and the Brazilian legal system.

Keywords: BEPS, MLI, general anti-avoidance rules, double taxation treaties, Brazil.

I. Introdução

O cenário do regime tributário internacional1 é caracterizado pelo deslocamento dos lucros das empresas multinacionais e das companhias globais através da manipulação de disposições das legislações e dos tratados em matéria tributária (BAISTROCCHI; HEARSON, 2017, p. 1513), mas também pela competição entre os países quanto à taxação dos referidos lucros (TODER, 2012, p. 515).

Quer dizer, da mesma forma que as empresas privadas “brigam” por espaços em mercados específicos, os países se comportam como “cartéis”, ao utilizarem as inúmeras formas de atração dos referidos lucros das empresas multinacionais e das companhias globais para os tributar em seus territórios (BAISTROCCHI; HEARSON, 2017, p. 1513).

Desse modo, o conceito de planejamento tributário agressivo surge no contexto de falhas (loopholes), de lacunas (gaps) e de descontinuidades (mismatches) (PIANTAVIGNA, 2017, p. 63). Se, de um lado, a falha da lei deriva de imperfeições da legislação provocadas por uma omissão ou ambiguidade – o que implica o fato de o contribuinte se beneficiar da interpretação que limita o alcance da norma –, por outro lado, a “lacuna” acarreta a impossibilidade de incidência da legislação, em razão da situação não ter sido considerada pelo legislador quando da criação da lei (PIANTAVIGNA, 2017, p. 63). Ademais, quanto às descontinuidades, como forma de arbitragem fiscal internacional (operação financeira), Braithwaite (2005, p. 85) afirma que:

“Structural discontinuities, like those created by different tax treatments for the same transaction in different nations, open up opportunities for international arbitrage. Corporations can double dip, taking one position on the meaning of a transaction for US tax purposes, another in a second country that creates tax benefits under both sets of rules.”2

Isto é, o mismatch resulta do desenvolvimento de um plano de ação sistemático no qual as falhas ou as lacunas da legislação de um sistema fiscal específico (ou de dois sistemas fiscais) são instrumentalizadas, a fim de que uma mesma entidade receba um tratamento diferenciado, conforme a legislação de cada país (PIANTAVIGNA, 2017, p. 65).

Apesar da discussão em torno do alcance indeterminado do conceito de planejamento tributário agressivo – inclusive, há quem defenda a licitude da elisão fiscal, como corolário dos princípios da livre iniciativa e da liberdade econômica (TAKANO, 2017, p. 42) –, Piantavigna (2017, p. 66) sustenta que:

“Aggressive tax planners do not go beyond the limits fixed by rules, they go between rules (i.e. ‘inter leges’). This gives rise to ‘aggressive’ tax planning, which consists of exploiting gaps in the architecture of the existing tax legislations, mismatches and disparities (i.e. differences resulting from the concurrent exercise of two or more taxing jurisdictions) of the international tax system.”3

Com efeito, as normas antielisivas podem ser utilizadas para desconsiderar planos de ação sistemáticos nos quais o contribuinte altera a forma ou a estrutura de uma transação, com a finalidade de impedir a consequência da norma tributária que lhe é mais desfavorável, na hipótese de a lei prever consequências distintas, a depender da forma ou estrutura da referida transação (KREVER, 2016, p. 5).

Inclusive, a incidência de uma norma tributária mais benéfica ao contribuinte pode decorrer tanto da renomeação de uma transação – sem mudança da forma ou da estrutura dela –, mas também da instrumentalização de interpretação literal da legislação tributária que vai de encontro ao seu propósito (KREVER, 2016, p. 6-7).

Ainda que não concomitantemente à revelação dos casos Lux Leaks e Panama Papers, o Projeto BEPS da OCDE surgiu precisamente neste cenário: o de inúmeros planejamentos tributários agressivos e abusivos praticados por empresas multinacionais (CHRISTIANS; SHAY, 2017, p. 29). Segundo Allison Christians e Stephen Shay (2017, p. 30):

“[…] it is clear that the OECD’s work on BEPS originated out of some jurisdictions’ perceptions that they were suffering from the tax practices of others. Several of the jurisdictions that branch reports identified as strong supporters of the BEPS project are also those that explicitly identified themselves as susceptible to negative effects from the tax practices of other jurisdictions in some manner. These include G20 and OECD members such as France and Germany.”4

O Relatório Final da Ação 6 do Projeto BEPS da OECD, a fim de assegurar a utilização adequada dos tratados em matéria tributária, propôs alguns padrões a serem seguidos pelos países membros e observadores, e implementados no bojo dos próprios tratados em matéria tributária dos quais fazem parte, tais como: a criação de normas gerais antielisivas domésticas e a inclusão de uma norma geral antielisiva do tipo teste de propósito principal (ROLIM, 2016, p. 818).

Nessa esteira, Elio Andrea Palmitessa (2018, p. 58-59) salienta que “[…] in response to Action 15 commitments, a number of countries and jurisdictions signed the MLI expressing their intention, in various degrees, to introduce the treaty aspects of the BEPS initiative into their international tax policy”5.

O art. 7º do referido Instrumento Multilateral da OCDE (MLI) prevê uma norma geral antielisiva fundada no teste de propósito principal, a qual aplicar-se-á principalmente aos casos de treaty shopping, fenômeno pelo qual os tratados ou as convenções são utilizados de forma ilegítima (ROCHA, 2012, p. 220), através de “[...] arrangements through which a person who is not a resident of a Contracting State may attempt to obtain benefits that a tax treaty grants to a resident of that State”6 (MORENO, 2017, p. 437).

Neste particular, os contribuintes internacionais não alcançados por convenções específicas podem, por meio de estruturas de treaty shopping, minimizar os “direitos de entrada” impostos para a obtenção de benefícios fiscais que não lhes são devidos (BAISTROCCHI, 2013, p. 15).

Afinal de contas, do mesmo modo que os países signatários precisam arcar com os custos decorrentes do processo de negociação de um tratado e também cumprir inúmeras condições para a ocorrência dos investimentos estrangeiros diretos, os contribuintes internacionais igualmente precisam pagar um “direito de entrada” – que pode consistir, por exemplo, na realização da condição de ser residente em um dos estados contratantes do tratado – para se beneficiarem de uma rede específica de tratados em matéria tributária (BAISTROCCHI, 2013, p. 15).

Além do mais, os países podem aumentar ou diminuir a possibilidade de ingresso dos contribuintes nas referidas redes de acordos internacionais tributários baseados na Convenção Modelo da OCDE (BAISTROCCHI, 2013, p. 15).

Com efeito, os lucros das empresas e das companhias globais passaram a ser deslocados para países com baixa tributação ou paraísos fiscais por meio de práticas abusivas das disposições dos tratados em matéria tributária (BAISTROCCHI; HEARSON, 2017, p. 1513). David Duff (2008, p. 203) acentua que o treaty shopping se configura como uma das inúmeras oportunidades de elisão fiscal decorrentes da globalização e da existente rede de tratados internacionais em matéria tributária, o que remete inevitavelmente à questão de até que ponto a utilização de normas gerais antielisivas tem o potencial de solucionar as situações de abuso na seara dos tratados internacionais.

De todo modo, Bob Michel (2013, p. 414) afirma que “[…] to safeguard their tax bases, states are, however, keen to apply their domestic anti-avoidance rules, also in treaty situations”7. Por conseguinte, no que se refere à aplicação de cláusulas PPT – quer dizer, de normas antielisivas apoiadas no teste de propósito principal – no nível internacional, Andrés Baés (2017, p. 435) assevera que:

“[...] the PPT makes its application conditional upon the fact that the obtaining of a treaty benefit was one of the principal purposes of the transaction that resulted directly or indirectly in that benefit, unless it is established that granting the benefit in these circumstances would be in accordance with the object and purpose of the relevant provisions of the Convention”8.

Quer dizer, consoante João Dácio Rolim (2016, p. 818), a aplicação de uma norma antielisiva, como uma cláusula de teste de propósito principal, no bojo do próprio tratado, tem o potencial de assegurar a utilização adequada das convenções internacionais.

Assim, no presente artigo, analisar-se-á a proposta da ação 6 do Plano BEPS de inclusão de normas gerais do tipo teste de propósito principal (principle purpose test – PPT, na sigla em inglês) nos tratados para evitar a bitributação dos quais o país é signatário.

Além disso, verificar-se-á o alcance da incorporação de normas gerais antielisivas do Plano BEPS/MLI no ordenamento jurídico tributário brasileiro e o reflexo das mesmas nos tratados bilaterais com o Brasil, com vistas à possibilidade e aos limites impostos pela Constituição Federal de 1988 e dos termos postos no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (incluído pela Lei Complementar n. 104/2001).

II. A inclusão da norma geral antielisiva do tipo PPT nos tratados para evitar a bitributação

Como reflexo da Ação 6 do Plano BEPS, o § 7º do art. X do Relatório Final da Ação 6 da OCDE e o art. 7º do MLI preveem a inclusão de uma norma geral antielisiva, baseada no teste de propósito principal (principal purpose test – PPT), nos tratados internacionais, nos seguintes termos:

“Notwithstanding the other provisions of this Convention, a benefit under this Convention shall not be granted in respect of an item of income or capital if it is reasonable to conclude, having regard to all relevant facts and circumstances, that obtaining that benefit was one of the principal purposes of any arrangement or transaction that resulted directly or indirectly in that benefit, unless it is established that granting that benefit in these circumstances would be in accordance with the object and purpose of the relevant provisions of this Convention.”9 (OECD, 2015, p. 55)

Com efeito, a PPT é constituída, de um lado, por um elemento subjetivo, qual seja, o propósito principal e, de outro lado, por um elemento objetivo, isto é, a correlação ao objeto e ao propósito das previsões do tratado (MORENO, 2017, p. 435-436).

Como destaca Graeme Cooper (2009, p. 28), dentre as abordagens mais comuns, a prática de elisão fiscal é concebida como algo decorrente de um propósito nem um pouco “palpável” para o legislador. Na mesma linha, segundo Andrés Báez (2017, p. 435), a expressão “[...] obtaining that benefit was one of the principal purposes” é incerta, na medida em que a interpretação pode lhe atribuir um sentido subjetivo – o propósito como intenção do contribuinte –, mas também um sentido objetivo, isto é, a noção de obtenção do propósito restrita ao âmbito do acordo ou da transação.

Por conseguinte, para além da inevitável discussão acerca do risco de aplicação seletiva de uma norma antielisiva para situações idênticas (vide ROSENBLATT, 2017, p. 219-220; MORENO, 2017, p. 436), importante destacar que a interpretação subjetiva do propósito principal pode provocar o aumento da discricionariedade das autoridades fiscais quando da apreciação das provas dos alegados abusos cometidos pelos contribuintes (MORENO, 2017, p. 435).

Nessa esteira, Michael Lang (2014, p. 658) afirma:

“If, as part of its official duty of investigation, the tax authority must furnish proof that one of the main objectives of the taxpayer was to obtain the benefit, it is already fighting a losing battle. Alternatively, the taxpayer has no chance of fending off the accusation of abuse if it is up to him to furnish evidence that benefiting from one or several treaty provisions was not one of his primary motives.”10

Quer dizer, como bem ilustra Richard Krever (2016, p. 8), apesar de os contribuintes poderem se valer de provas que demonstrem o caráter puramente econômico do resultado almejado, as autoridades fiscais podem se limitar ao uso de estratégias que evidenciem a ausência de validade de transações, como, por exemplo, na hipótese de o contribuinte ter utilizado subsidiárias de passagem (subsidiary step), o que termina por afastar a discussão acerca da (in)existência de um propósito antielisivo.

O elemento objetivo da PPT se materializa na regra de exceção11, também prevista no § 7º do art. X do Relatório Final da Ação 6 do BEPS e no MLI, a qual estabelece que “unless it is established that granting that benefit in these circumstances would be in accordance with the object and purpose”12 (OECD, 2015, p. 55).

Como bem salienta Andrés Báez (2017, p. 437), “the wording of the objective element of the PPT seems rather restrictive inasmuch as it makes a direct reference to the object and purpose of the relevant treaty provisions and not to the object and purpose of the treaty itself”13. Nesse sentido, a interpretação restritiva do elemento objetivo da PPT reduz a margem de aplicação da norma geral antielisiva aos casos de abuso por meio de práticas de elisão fiscal (abuse through avoidance) e “de captura” de normas (abuse through capture) (MORENO, 2017, p. 434).

Melhor explicando, enquanto, de um lado, é possível existirem situações de abuso em que o contribuinte impede a aplicação da norma pela autoridade fiscal (abuse through avoidance), de outro lado, há casos em que o Fisco é induzido a aplicar uma legislação que não incidiria no caso concreto (abuse through capture) (MORENO, 2017, p. 434).

Com efeito, Michael Lang (2014, p. 661) adverte que o elemento objetivo da PPT tem limitações, uma vez que a regra de exceção “inverte” as regras previstas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Significa dizer que, apenas se houver a presunção de que um dos propósitos do contribuinte era o de obter um benefício fiscal, considerar-se-ão o objeto e o propósito da convenção ou do tratado no processo de interpretação (LANG, 2014, p. 660-661).

Além disso, a própria inclusão de um preâmbulo, no sentido de que as partes não irão instrumentalizar a convenção para gerarem a dupla não tributação, levou Andrés Báez a sustentar que é possível a substituição do trecho “object and purpose of the relevant provisions of this Convention”14 da PPT por outro texto no qual se faça referência aos propósitos gerais da convenção (MORENO, 2017, p. 439).

Ocorre que, mesmo uma interpretação extensiva do elemento objetivo da PPT não está isenta de limitações, uma vez que:

“One should not forget that the aim of the PPT is to define what exactly constitutes tax avoidance. Therefore, in order to decide whether an arrangement could be considered abusive, one should previously ascertain that it is abusive! Apart from the logical inconsistency, the evident risk when it comes to the application of the PPT, according to this expansive interpretation, is that, once the main purpose of securing a more favourable tax position has been proven, the abusive character of the arrangement is automatically concluded.”15

De todo modo, não se pode ignorar o fato de que a presunção no teste de propósito negocial é determinada sobretudo por um propósito subjetivo, o que pode acarretar o enquadramento, de antemão, da intenção do contribuinte na hipótese de vedação prevista na norma geral antielisiva (COOPER, 2013, p. 414-415).

Em relação ao problema da incompatibilidade entre as normas gerais antielisivas domésticas e as obrigações impostas por um determinado tratado, Andrés Báez (2017, p. 433) adverte que simplesmente não é possível afirmar que inexiste um conflito. No mesmo sentido, Richard Krever (2016, p. 15) assevera que:

“[…] in most cases, however, treaties are silent on the question of domestic GAAR rules. While a country’s domestic law or a mechanism that establishes the priority of a tax treaty over domestic tax law can explicitly provide for the continued operation of a domestic GAAR despite any application of a treaty, this is not the case in many jurisdictions.”16

Com efeito, quanto ao problema de colisão entre as normas antielisivas domésticas e os tratados em matéria tributária, Bob Michel (2013, p. 414-415) defende a existência de duas abordagens: de um lado, a de sobreposição do tratado (treaty override approach) e, de outro lado, a de interpretação das previsões do tratado consoante as normas antielisivas domésticas (interpretation approach).

Nessa esteira, a ideia de prevalência das normas antielisivas domésticas como reflexo da observância ao objeto e ao propósito do tratado merece ser compatibilizada com o princípio do pacta sunt servanda (MICHEL, 2013, p. 417), conforme expõe Bob Michel (2013, p. 418):

“If one accepts that combating tax avoidance is one of the primary objectives of a tax treaty, pacta sunt servanda does not prevent states from overriding positive tax treaty obligations and relying on domestic law to serve this object and purpose of the treaty. On the contrary, based on this understanding of pacta sunt servanda, it could be said that states are, to some extent, obliged to act against avoidance in relation to tax treaties. Failure to prevent tax treaty abuse could, in this regard, even be perceived as a violation of the obligation not to defeat the object and purpose of the tax treaty.”17

Ocorre que, também como salienta Bob Michel, a interpretação extensiva do princípio do pacta sunt servanda18 apresenta dois problemas: o primeiro, no sentido de que o objeto e o propósito de um acordo não são de fácil determinação na prática; e o segundo consiste na impossibilidade, na hipótese de o texto do acordo – que consiste na única fonte de obrigações – não vir a ser alterado, de o objeto e propósito do tratado se aperfeiçoarem (MICHEL, 2013, p. 418).

Após terem sido tecidas as considerações sobre os principais pontos relacionados à aplicação de normas específicas e gerais antielisivas nos acordos ou tratados em matéria tributária, na próxima seção, verificar-se-á o alcance das referidas normas em tratados bilaterais nos quais o Brasil é signatário.

III. O alcance da Ação 6 do BEPS nos tratados firmados com o Brasil

Como reflexo da Ação 6 do Plano BEPS, o MLI prevê a inclusão de cláusulas de propósito principal no bojo dos próprios tratados de matéria tributária (ROSENBLATT, 2017, p. 216). Ocorre que, para tanto, os tratados em matéria tributária envolvendo países signatários do Instrumento Multilateral precisam ser modificados (SCHOUERI; GALENDI JÚNIOR, 2017, p. 341). Quer dizer,

“It is important to note that the MLI is intended to modify tax treaties between two or more parties. It is not intended to modify a tax treaty concluded with a state that is not a party to the MLI, which would be conceptually impossible. [...] According to article 27(1) of the MLI, however, the signature of the MLI is open to all states, and any jurisdiction may be authorized to become a party to the MLI by means of a decision by consensus of the parties and signatories. Consequently, if these states choose to adhere to the MLI, the tax treaties concluded with them could be included in the list of CTAs.”19 (SCHOUERI; GALENDI JÚNIOR, 2017, p. 347)

No que diz respeito à adoção de tais medidas pelo Brasil, “[...] there is no reason to believe that such clauses would be rejected in a negotiation, despite the fact that there could be resistance in the Brazilian Congress to the ratification of any such tax treaty, not to mention subsequent issues regarding its compatibility”20 (SCHOUERI; GALENDI JÚNIOR, 2017, p. 347).

Com efeito, para além da questão de até que ponto o MLI pode abranger a rede de tratados firmados pelo Brasil (SCHOUERI; GALENDI JÚNIOR, 2017, p. 347), nesta seção, analisar-se-ão os possíveis conflitos entre as normas gerais antielisivas previstas no MLI e o ordenamento jurídico brasileiro.

O parágrafo único do art. 116 do CTN, incluído pela Lei Complementar n. 104/2001, prevê que:

“Art. 116. Omissis.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”

Luís Eduardo Schoueri e Mateus Calicchio Barbosa (2016, p. 113) são mais enfáticos quanto à existência de uma norma antissimulação e afirmam que:

“[...] the only reasonable interpretation of this article would be that the provision allows the tax authorities to disregard sham transactions in order to consider, for tax purposes, the actual transactions, i.e. the ‘dissimulated transactions’ carried out by the taxpayer. If Complementary Law no. 104/01 intended to provide for a GAAR, it is not an exaggeration to call the wording of the provision a ‘monumental mistake’.”21

Neste particular, ao julgar recentemente recurso de ofício, a Primeira Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF assentou o entendimento de que o auto de infração fundamentado exclusivamente no parágrafo único do art. 116 não pode dar ensejo à desconsideração de ato ou de negócio jurídico22 (CARF, 2018, p. 5). Nas palavras do Relator do caso:

“[...] não se está, de maneira nenhuma, a afirmar que o parágrafo único se identificaria, na espécie, a uma regra geral antielisiva (‘general anti­avoidance rules’ ­ GAAR) que deve deixar de ser aplicado diante da existência de regra específica (‘special anti-avoidance rules’ ­ SAAR), em primeiro lugar porque o parágrafo único do art. 116 não é uma GAAR no sentido tradicional, mas, repita­se, uma regra antidissimulação, e, em segundo lugar, porque a aplicação de regras de valor tributário mínimo em nada obstam ou excluem o exame de estruturas dissimuladas” (CARF, 2018, p. 5).

Essa questão, contudo, não é pacífica no CARF. Ao contrário, inúmeras decisões já foram proferidas no sentido de deconsiderar planejamentos tributários tidos por elisivos ou abusivos, o que não é o escopo do presente artigo.

Por outro lado, Ricardo Lobo Torres (2013, p. 162) defende que o parágrafo único do art. 116 do CTN se configura como uma norma geral antielisiva, ao aduzir que “[...] na elisão o fingimento não ocorre com relação ao fato concreto, mas com referência ao fato gerador abstrato, definido na lei, que é distorcido na subsunção, ao contrário do que se sucede na simulação [...]”.

De todo modo, se, na simulação, “[...] o contribuinte usa um artifício para que a autoridade administrativa acredite que algo aconteceu, quando nada aconteceu” (ÁVILA, 2006, p. 76), por outro lado, na dissimulação, “[...] o contribuinte tenta [...] com o negócio jurídico indireto que elege esconder o negócio jurídico direto, efetivamente praticado” (ÁVILA, 2006, p. 76).

Nessa senda, Heleno Tôrres (2003, p. 364) sustenta que “[...] a Administração poderá desconsiderar quaisquer atos ou negócios quando o sujeito utilize-se de simulação, independentemente das hipóteses de simulação constantes do artigo 167, 1, do CC [...]”, na medida em que a observância do dever de veracidade se impõe ao contribuinte em todos os atos a serem praticados na área tributária (TÔRRES, 2003, p. 364).

Contudo, Humberto Ávila defende a impossibilidade de invalidação dos efeitos de um determinado negócio jurídico na hipótese de o contribuinte vir a utilizar as formas jurídicas disponíveis sem abuso de forma, ou seja, sem desnaturar os seus elementos essenciais (ÁVILA, 2006, p. 83).

No que concerne aos atos e negócios com vício de fraude à lei, salienta Heleno Tôrres (2003, p. 364) que eles são “[...] materialmente configurados para evitar a aplicação de regra imperativa em matéria de direito privado que traga consequências fiscais vantajosas, infringindo dispositivo legal proibitivo ou obrigatório de norma cogente de direito privado [...]”. Quer dizer, apesar de observarem a literalidade da lei, as partes de um negócio jurídico o instrumentalizam com uma finalidade que não guarda similitude com o interesse tutelado pela lei (ÁVILA, 2013, p. 140). Por isso, o negócio jurídico que frauda a lei pode dar ensejo à aplicação da regra do parágrafo único do art. 116 do CTN (TÔRRES, 2003, p. 364).

No que se refere à incorporação das regras do MLI ao ordenamento jurídico brasileiro, não se pode olvidar que o art. 98 do Código Tributário Nacional prevê que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. Ocorre que o termo “revogar” se configura como inadequado, na medida em que:

“[…] tax treaties do not ‘revoke’ or ‘modify’ domestic legislation, which remains in force after the signature of a tax treaty. If the tax treaty is applicable, the effectiveness of domestic legislation is restricted, and such provisions become inapplicable with respect to certain individuals.”23 (SCHOUERI; CALICCHIO, 2016, p. 141)

Ademais, Luís Eduardo Schoueri (2016, p. 139) salienta que:

“[...] In the Brazilian legal system, the approval of a treaty by means of a legislative decree enacted by the Congress (a condition for its having a binding effect on the country) and its further enactment by a presidential decree (making the treaty formally public, and thus applicable) are not able to detach it from the international order. That is to say, albeit subject to an internal process of ratification, a treaty remains a treaty [...].”24

Com efeito, a ausência de hierarquia entre os acordos de bitributação e a lei ordinária do país decorre da impossibilidade de tais fontes versarem sobre a mesma matéria, ao se considerar que, enquanto os acordos de bitributação têm a função de limitar a jurisdição tributária, apenas a lei tributária interna pode instituir o tributo (SCHOUERI, 2018, p. 119).

Além do mais, a introdução de normas antielisivas no sistema tributário brasileiro e nos acordos de bitributação firmados pelo Brasil deve ser compatibilizada com a rigidez da Constituição Federal de 1988. Como bem ilustra Humberto Ávila, “[...] nós temos um sistema, na nossa Constituição, de atribuição de poder por meio de regras. Regras que limitam poder, alocam poder e estabelecem conceitos mínimos” (ÁVILA, 2006, p. 80).

No que concerne à inclusão de normas antielisivas nos tratados firmados pelo Brasil, esta questão “[...] possivelmente suscitará a necessidade de lei complementar, por cuidar de norma geral de direito tributário, consoante disposto no art. 146, III, da Constituição Federal” (ROSENBLATT, 2017, p. 219-220).

Ademais, uma norma antielisiva apoiada no propósito principal acarreta o risco de aplicação seletiva aos casos de obtenção de um benefício de modo intencional (ROSENBLATT, 2017, p. 219-220). Com efeito, a adoção de uma norma antielisiva que não alcançar os negócios ou atos nos quais o contribuinte obtiver um benefício de modo acidental pode ir de encontro ao princípio da isonomia tributária, pelo qual tratamentos fiscais diferentes não podem ser aplicados aos contribuintes que se encontram em uma mesma situação (ROSENBLATT, 2017, p. 219-220; MORENO, 2017, p. 436).

Quanto à utilizacão de analogia, Luís Eduardo Schoueri e Ricardo Galendi (2017, p. 114) destacam que “[...] the Brazilian tax code clearly states that analogy may not be applied as a means to collect taxes not foreseen by the law itself”25. Quer dizer, consoante o § 1º do art. 108 do CTN, na hipótese de existência de “lacunas legais”, o sistema tributário brasileiro não autoriza a autoridade administrativa ou o intérprete a se valer da analogia para fins de tributação.

Em relação à (in)existência de uma doutrina do abuso de direito, Luís Eduardo Schoueri e Ricardo Galendi (2017, p. 114) afirmam que “[...] the provision does not support the application of ‘substance over form’, ‘business purpose’ or ‘abuse of law’ doctrines, since these may not be inferred from the Brazilian sham doctrine and are not even related to the latter”26. Na mesma linha, Heleno Tôrres (2003, p. 362) defende que o parágrafo único do art. 116 do CTN não autoriza a utilização da doutrina do abuso de direito, do propósito negocial ou de “substância sobre a forma”.

Entretanto, a exposição de motivos da Lei Complementar n. 104/2011, ao introduzir o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional, declarou que a regra se destinava a ser “um instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma e de direito”. Ou seja, a intenção legislativa do legislador foi a introdução de uma norma antiabuso ainda que a redação final não tenha traduzido de forma explícita a referência a abuso de direito ou de formas, e mesmo que se diga que exposição de motivos não faz parte da dispositiva da lei (ROLIM; ROSENBLATT, 2012, p. 86-9; MARINS, 2002, p. 38; GODOI, 2008, p. 265).

IV. Conclusão

Na linha da Ação 6 do BEPS e do Instrumento Multilateral da OCDE, a inclusão de normas antielisivas fundadas no teste de propósito principal nos tratados em matéria tributária, bem como a criação de normas antielisivas domésticas se configuram como padrões de combate à elisão fiscal a serem seguidos pelos países signatários do MLI (ROLIM, 2016, p. 818; SCHOUERI; GALENDI JÚNIOR, 2017, p. 347; ROSENBLATT, 2017, p. 218).

Com efeito, especificamente nos casos de treaty shopping, os tratados podem ser instrumentalizados, de forma ilegítima (ROCHA, 2012, p. 220), por uma pessoa não residente em um dos Estados contratantes, que conseguirá obter os benefícios originalmente concebidos aos residentes de um Estado contratante (MORENO, 2017, p. 437).

Por conseguinte, o elemento objetivo da norma antielisiva fundada no teste de propósito principal prevê uma regra de exceção, pela qual, se restar comprovada a presunção de que não houve propósito econômico do contribuinte na obtenção de um benefício, o objeto e o propósito das previsões de um tratado devem ser considerados (LANG, 2014, p. 658).

A redação lacônica do parágrafo único do art. 116 do CTN dificulta a sua percepção como uma típica norma antielisiva e reforça a resistência a sua existência (ROSENBLATT, 2017, p. 223). E o fato de a redação dessa norma não fazer referência alguma a propósito, mas tão somente à “finalidade”, tende a gerar maiores conflitos interpretativos.

Portanto, o alcance das normas antielisivas do tipo teste de propósito principal nos tratados celebrados pelo Brasil ainda é indeterminado, já que o Brasil não é um país signatário do MLI – o qual abrange apenas os tratados de países signatários do referido Instrumento Multilateral (SCHOUERI; GALENDI JÚNIOR, 2016, p. 341) –, mas também pelos possíveis conflitos decorrentes de um processo de compatibilização do MLI à Constituição de 1988 (ÁVILA, 2006, p. 80), bem como aos próprios contornos do mal redigido parágrafo único do art. 116 do CTN.

Antes de modificar os tratados, cumpre seja devidamente reformulado o CTN de modo a conferir clareza aos contribuintes quanto aos elementos da norma geral antielisiva, e com os procedimentos necessários ao contraditório e o devido processo legal.

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1 Em sentido contrário, Luís Eduardo Schoueri defende a inexistência de um regime tributário internacional, ao aduzir que, apesar da existência de uma estrutura repetida e de uma linguagem técnica comum nos acordos de bitributação, não é possível verificar a aplicação de certos princípios gerais, tais como o da tributação única e o do benefício, de modo consistente (SCHOUERI, Luís Eduardo. Recensão: a global analysis of tax treaty disputes, por Eduardo Baistrocchi. Revista de Direito Tributário Internacional Atual, 2018, p. 161).

2 “Descontinuidades estruturais, como aquelas criadas por diferentes tratamentos dos tributos para uma mesma transação em diferentes países abrem oportunidades para uma arbitragem internacional. Corporações podem se modificar, tomando uma posição no significado de uma transação para fins tributários nos EUA, e outro em um segundo país que cria benefícios fiscais, ambas com base no conjunto de regras.” (Tradução dos autores)

3 “Planejadores fiscais agressivos não vão além da lei, vão entre os limites fixados pelas regras (i.e. ‘inter leges’). Isso dá origem ao planejamento tributário ‘agressivo’, o qual consiste no abuso das brechas na estrutura da existente legislação tributária, nos casos de descontinuidades (mismatches) e nas incongruências (i.e diferenças que resultam do exercício concorrente de duas ou mais jurisdições tributárias) do sistema tributário internacional.” (Tradução dos autores)

4 “É claro que o trabalho da OECD no BEPS provocou em algumas jurisdições a percepção de que estavam sofrendo com a práticas fiscais de outras. Várias jurisdições das quais os relatórios identificaram como fortes apoiadoras do projeto BEPS são também as que explicitamente se identificam como suscetíveis aos efeitos negativos das práticas fiscais de outras jurisdições. Incluem-se também os membros do G20 e da OECD, como a França e Alemanha.” (Tradução dos autores)

5 “[...] em resposta aos compromissos da Ação 15, um número de países e de jurisdições assinou o MLI, expressando sua intenção, em várias posições, de introduzir os aspectos relativos aos tratados da iniciativa do BEPS na sua política de tributação internacional” (tradução dos autores).

6 “[...] acordos através dos quais uma pessoa que não é residente de um Estado contratante pode tentar obter benefícios que um tratado em matéria tributária concede a um residente deste Estado” (tradução dos autores).

7 “[…] para proteger suas bases fiscais, os Estados estão, no entanto, dispostos a aplicar as suas regras antielisivas domésticas, também em situações de tratados” (tradução dos autores).

8 “A norma antielisiva baseada no teste de propósito principal condiciona a sua aplicação ao fato de que obter um benefício foi um dos principais propósitos de uma transação que resultou diretamente ou indiretamente naquele benefício, a menos que estabeleça que a obtenção do benefício nestas circunstâncias está de acordo com o objeto e o propósito das relevantes disposições da convenção.” (Tradução dos autores)

9 “Não obstante as outras disposições da presente convenção, não será concedido um benefício nos termos da presente convenção em relação a um item de renda ou de capital se for razoável concluir, tendo em conta todos os fatos e circunstâncias relevantes, que a obtenção desse benefício foi um dos principais propósitos de qualquer acordo ou transação que resultaram diretamente ou indiretamente nesse benefício, a menos que esteja estabelecido que a concessão desse benefício nessas circunstâncias seria de acordo com o objeto e propósito das disposições relevantes da presente Convenção.” (Tradução dos autores)

10 “Se, como parte do seu dever oficial de investigação, a autoridade tributária deve fornecer a prova de que um dos principais objetivos do contribuinte foi o de obter o benefício, ele já está lutando uma batalha perdida. De modo alternativo, o contribuinte não pode se valer de nenhuma hipótese para se defender da acusação se cabe a ele fornecer provas de que se beneficiar de uma ou várias disposições do tratado não foi um dos seus motivos primários.” (Tradução dos autores)

11 Michael Lang defende a impossibilidade de interpretação da regra de “exceção” sem considerar o objeto e propósito das regras da convenção ou do tratado como um todo (LANG, Michael. BEPS Action 6: introducing an antiabuse rule in tax treaties. Tax Notes International v. 74, n. 7, 2014, p. 661).

12 “a menos que esteja estabelecido que a concessão desse benefício nessas circunstâncias seria de acordo com o objeto e propósito das disposições relevantes da presente Convenção” (tradução do autores).

13 “A redação do elemento objetivo da regra PPT parece bastante restritiva, na medida em que faz uma referência direta ao objeto e ao objetivo das disposições do tratado pertinentes e não ao objeto e objetivo do próprio tratado.” (Tradução dos autores)

14 “com o objeto e propósito das disposições relevantes da presente Convenção” (tradução dos autores).

15 “Não se deve esquecer de que o objetivo da PPT é definir o que exatamente constitui elisão fiscal. Consequentemente, a fim de decidir se um arranjo poderia ser considerado abuso, um deve previamente verificar que é abusivo! Aparte da inconsistência lógica, o risco evidente quando vem à aplicação da PPT, de acordo com esta interpretação extensiva, é que, uma vez que a finalidade principal de fixar uma posição fiscal mais favorável foi provada, o caráter abusivo do acordo foi automaticamente concluído.” (Tradução dos autores)

16 “Na maioria dos casos, no entanto, os tratados são silenciosos sobre a questão das normas gerais antielisivas domésticas. Embora a legislação nacional de um país ou um mecanismo que estabeleça a prioridade de um tratado em matéria tributária sobre o direito tributário interno possa explicitamente prever a continuação do funcionamento da norma antielisiva doméstica, apesar de qualquer aplicação de um tratado, este não é o caso de muitas jurisdições.” (Tradução dos autores)

17 “Se aceitarmos que o combate à elisão fiscal é um dos objetivos primários de um tratado fiscal, o pacta sunt servanda não impede que os Estados substituam as obrigações positivadas no tratado em matéria tributária e dependam da legislação interna para servirem ao objeto e propósito do tratado. Pelo contrário, com base nesta compreensão do pacta sunt servanda, poderia dizer-se que os Estados são, em certa medida, obrigados a agir contra a elisão em tratados internacionais tributários. A incapacidade de evitar os abusos de tratados tributários poderia, a esse respeito, ser percebida como uma violação da obrigação de não fracassar o objeto e propósito do tratado.” (Tradução dos autores)

18 Os arts. 26 e 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados preveem, respectivamente, que todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé e que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado (BRASIL. Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos artigos 25 e 66. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>. Acesso em: 1 maio 2018).

19 “É importante frisar que o MLI pretende modificar os tratados tributários firmados entre duas ou mais partes. O MLI não tem a intenção de modificar os tratados tributários celebrados com um Estado que não faz parte da MLI, o que conceitualmente é impossível. [...] Conforme o artigo 27(1) do MLI, de todo modo, a assinatura do MLI aberta a todos os Estados, e qualquer jurisdição pode ser autorizada a fazer parte do MLI no sentido de uma decisão tomada por consenso entre as partes e os signatários. Consequentemente, se esses Estados escolherem aderir ao MLI, os tratados tributários concluídos com eles podem ser incluídos na lista de CTAs.” (Tradução dos autores)

20 “[...] não há nenhuma razão para acreditar que essas cláusulas poderiam ser rejeitadas em uma negociação, com a exceção do fato de que sim pode haver resistência no Congresso Brasileiro quanto à ratificação de qualquer acordo em matéria tributária, sem mencionar as questões subsequentes relacionados à compatibilidade” (tradução dos autores).

21 “[...] a única interpretação aceitável deste artigo poderia ser a de que a previsão permite que as autoridades administrativas fiscais desconsiderem, para fins fiscais, as atuais transações, i.e ‘as transações dissimuladas’ realizadas pelo contribuinte. Se a Lei Complementar nº 104/01 teve a intenção de criar uma norma geral antielisiva, não é um exagero chamar a previsão de um ‘enorme erro’.” (Tradução dos autores)

22 No caso em comento, a autoridade administrativa havia desconsiderado, com fundamento no parágrafo único do art. 116 do CNT, a arquitetura negocial pela qual o contribuinte segregou as atividades de importação e de comercialização de veículos importados por meio da criação de uma segunda empresa do grupo. Com efeito, o planejamento tributário em questão acarretou a diminuição na arrecadação do IPI-Importação (BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Recurso de ofício (11065.724114/201503). Recorrente: Fazenda Nacional. Recorrido: Via Itália Comércio e Importação LTDA. Rel.: Conselheiro Ogassawara de Araújo Branco. Brasília, 27 de agosto de 2018. Disponível em: <http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarInformacoesProcessuais/exibirProcesso.jsf>. Acesso em: 26 set. 2018).

23 “[...] tratados em matéria tributária não ‘revogam’ ou ‘modificam’ a legislação interna, a qual continua em vigor depois da assinatura do tratado. Se o acordo tributário é aplicável, a efetividade da legislação interna é restrita, e certas cláusulas se tornam inaplicáveis quando no que se refere a algumas pessoas.” (Tradução dos autores)

24 “[...] no sistema legal brasileiro, a aprovação de um tratado através de um decreto aprovado pelo Congresso (como condição para que o mesmo tenha efeito no país) e posteriormente a promulgação por meio de um decreto presidencial (tornando o tratado oficialmente público, e consequentemente aplicável) não são capazes de separá-lo da ordem internacional. Isto é dizer, embora sujeito a um processo interno de ratificação, um tratado continua um tratado [...].” (Tradução dos autores)

25 “[...] O Código Tributário Nacional claramente prevê que a analogia não pode ser aplicada como meio de coletar tributos não previstos pelo próprio direito.” (Tradução dos autores)

26 “[...] a previsão não permite a aplicação da doutrina da ‘substância sobre a forma’, do ‘propósito negocial’ ou do ‘abuso de direito’, uma vez que estes não podem ser inferidos pela doutrina brasileira de fraude e não estão relacionados com a última” (tradução dos autores).