Paraísos Fiscais: Elisão ou Evasão Fiscal? Uma Análise desta Estratégia de Planejamento Tributário nas Negociações Empresariais Internacionais

Tax Havens: Fiscal Elision or Evasion? An Analysis of this Strategy for Tax Planning in International Business Negotiations

Marcelo Bloizi Iglesias

Mestre em Direito Público, com ênfase em Direito Tributário, pela Universidade Federal da Bahia. Advogado em Salvador/BA. Professor de Direito Tributário em cursos de graduação e pós-graduação. E-mail: marcelobiglesias@hotmail.com.

Arthur Tadeu Argôlo de Oliveira

Bacharelando em Direito pela Faculdade Regional de Alagoinhas/BA. Pesquisador integrante do grupo de pesquisa de Recuperação de Empresas da Universidade Federal da Bahia. E-mail: arthurargolo11@gmail.com.

Recebido em: 12-03-2019

Aprovado em: 24-05-2019

Resumo

O tema abordado neste artigo é referente a um estudo analítico da estratégia de planejamento tributário internacional conhecida pela terminologia fictícia “Tax Havens”, traduzido para o português como “Paraísos Fiscais”, que concerne a zonas específicas onde incorrem baixa ou nenhuma tributação, constituídas exclusivamente para este fim. Esta pesquisa é relevante pela expansão das sociedades empresárias no âmbito internacional que estudam os melhores regimes jurídicos de tributação para alocar suas sedes e constituir filiais diante da repercussão econômica que a tributação tem sobre negociações comerciais e fluxos de capital. A pesquisa é importante também por analisar a alta e complexa carga tributária incidente no Brasil sobre tais negociações envolvendo sociedades empresárias. O tema-problema que envolve a pesquisa se direciona à seguinte indagação: o que torna a estratégia dos paraísos fiscais um método lícito/ilícito de redução do ônus tributário? A pesquisa justifica-se pela desconstrução do senso comum sobre a ilegalidade desta forma de planejamento, inobstante reconheçam-se os crimes tributários cometidos neste panorama. O objetivo do trabalho é averiguar a legitimidade e legalidade desta estratégia societária. O presente artigo é resultado do desenvolvimento da pesquisa, tendo por método de abordagem o dedutivo, e sendo uma pesquisa qualitativa e descritiva. O trabalho segue a vertente jurídico-dogmática e a linha crítico-metodológica. Foram utilizados elementos de bibliografia e pesquisa compreendidos por artigos científicos, doutrinas nacionais e internacionais, bem como análise de diplomas legais. Os resultados alcançados na pesquisa demonstram que paraísos fiscais são uma estratégia lícita, conquanto sejam constantemente utilizados para fins diversos.

Palavras-chave: evasão fiscal, paraísos fiscais, planejamento tributário.

Abstract

The theme addressed in this article is an analytical study of the international tax planning strategy known as the “Tax Havens” fictitious terminology, translated into Portuguese as “Tax Havens”, which concerns specific areas where they incur low or no taxation, constituted exclusively to this end. This research is relevant because of the expansion of the international companies that study the best legal regimes of taxation to allocate their headquarters and to establish branches in the face of the economic repercussion that the taxation has on commercial negotiations and capital flows. The research is also important to analyze the high and complex tax burden in Brazil on such negotiations involving companies. The problem theme that surrounds the research addresses the following question: what makes the strategy of tax havens a legal/illicit method of reducing the tax burden? The research is justified by the deconstruction of common sense about the illegality of this form of planning, notwithstanding recognizing the tax crimes committed in this panorama. The objective of the work is to verify the legitimacy and legality of this corporate strategy. The present article is a result of the development of the research, having as method of approach the deductive, and being a qualitative and descriptive research. The work follows the juridical-dogmatic aspect and the critical-methodological line. Bibliography and research elements included by scientific articles, national and international doctrines, as well as analysis of legal diplomas were used. The results obtained in the research demonstrate that tax havens are a licit strategy, although they are constantly used for different purposes.

Keywords: fiscal evasion, tax heavens, tax planning.

Introdução

No início do século XX, antes da Primeira Guerra Mundial, surgiu na Suíça uma estratégia fiscal inovadora que dispunha de um mecanismo de isenção tributária bastante peculiar. Este mecanismo apresentava precipuamente uma alternativa – em muitos casos decisiva para o empresário – que proporcionara meios para alavancar o desenvolvimento econômico da empresa e melhoria do padrão de vida, tal como a geração de empregos em setores de serviços de contabilidade, financeiros e legais.

Esta estratégia recebeu posteriormente uma nomenclatura bastante característica, denominada “Tax Haven” ou “Tax Shelter”, traduzida para o português como “paraíso fiscal”, sendo inerente ao local onde se abrigava a empresa, instaurada neste território com a finalidade de se esquivar dos encargos tributários incidentes nas negociações comerciais em seu país de origem. Não demorou muito para que as demais regiões do globo tivessem conhecimento da estratégia, optando também pela adoção do mecanismo em alguns dos seus territórios.

Hodiernamente, os paraísos fiscais consistem em territórios específicos nos quais inexiste – ou existe de forma irrisória – a intervenção estatal, no tocante ao plano tributário, nas atividades econômicas que envolvam transações comerciais e financeiras, favorecendo-as com a ausência das obrigações tributárias comumente aplicáveis em seu país de origem. Vale ressaltar que a estratégia só é aplicável quando de caráter internacional.

Posto isto, a relevância do presente estudo se manifesta pela necessidade de analisar esta estratégia de planejamento tributário internacional sob o prisma da legislação brasileira para identificar se tal mecanismo consubstancia-se como método legítimo e legal de elisão fiscal, procedimento lícito de planejamento fiscal e proteção patrimonial, ou como evasão fiscal que, por sua vez, configura a prática ilícita de abuso de direito e desvio ilegal das obrigações tributárias, conceitos que serão mais bem definidos posteriormente.

A pesquisa apresenta como problema a ser discutido os limites que definem se a prática da utilização dos paraísos fiscais é lícita ou não. Para tanto, será feita uma análise da legislação inerente a estas atividades, bem como posicionamentos doutrinários e científicos dos autores que abordam o tema apresentado, almejando alcançar um coeficiente elucidativo para o questionamento que despertou a inquietude da pesquisa, que é a constatação da licitude/ilicitude da utilização dos paraísos fiscais como estratégia de planejamento tributário internacional.

No primeiro capítulo serão estabelecidos o conceito e os fundamentos que balizam os paraísos fiscais, identificando seus aspectos intrínsecos, formalidades que o regem e suas espécies, questões que serão apresentadas à luz dos posicionamentos jurídicos e doutrinários mais relevantes sobre o tema.

Em seu turno, o segundo capítulo abordará a discussão que norteia a pesquisa, analisando as nuances que existem na aplicação da estratégia pelas empresas brasileiras, que será o ponto nevrálgico do estudo para determinar se tal conduta é legítima ou não, observando os aspectos que a definem teoricamente, e como vem sendo utilizada tal estrutura comercial na prática.

Destarte, o estudo partirá para um método de pesquisa pautado na dialética, analisando os conflitos jurídicos e doutrinários que circundam o tema, observando as contraposições e antíteses do que genericamente se define por planejamento tributário por meio de paraísos fiscais, almejando uma (suposta) síntese para a problemática da pesquisa. Para tanto, serão dissecados os aspectos deônticos que consubstanciam tal conduta como sendo elisão ou evasão fiscal.

1. Definição de paraísos fiscais e os fundamentos para sua utilização

O estudo sobre os paraísos fiscais demonstra sua relevância quando observado que tal mecanismo é tautologicamente citado nas mídias brasileiras, no que toca aos escândalos cataclísmicos de corrupção que assolam o país, conquanto sejam os paraísos fiscais pouco estudados.

Mediante isto, almeja-se com este estudo uma melhor elucidação das condutas tributárias aludidas, referentes à utilização dos paraísos fiscais como forma do planejamento tributário. No âmago da legislação tributária percorre a figura dos paraísos fiscais amalgamada as estruturas de planejamento tributário, como sendo estes países ou locais onde inexiste tributação ou esta é irrisória e que, ao passo que desvela diversas discussões no meio social, é objeto pouco estudado no panorama jurídico.

Tendo em vista os contornos já traçados anteriormente, é verossímil estabelecer que os paraísos fiscais são zonas de livre comércio, constituídas em locais específicos do globo e que, dentre suas muitas funções, propõe o alívio ou mesmo isenção dos tributos que incidem nas transações comerciais fora de seus limites. Todavia, é mister que se estabeleçam alguns conceitos que são basilares para compreender o sentido fulcral do mecanismo acima retratado.

A nomenclatura Paraíso Fiscal – deveras lúdica, diga-se de passagem – comporta em seu bojo a ideia de um determinado local onde a tributação é substancialmente favorável às atividades ali desempenhadas.

Alberto Xavier assevera que são paraísos fiscais os países que isentam total ou parcialmente do adimplemento de impostos os rendimentos auferidos por pessoas jurídicas instituídas dentro de sua demarcação territorial com capital social subscrito por não residentes e que mantenham suas atividades sociais comumente exercidas fora de sua jurisdição1.

Durval de Noronha Goyos Jr., em sua obra “Paraísos fiscais – planejamento tributário internacional”, a qual fora a primeira obra do gênero escrita em língua portuguesa reconhecida internacionalmente publicada no ano de 1988, apresentou os principais requisitos, definições, mapeamento e regimento legal para a constituição e função dos paraísos fiscais.

Ao conceituar paraísos fiscais, Durval estabelece que estes países possuem um nível de tributação próprio, imposto de forma reduzida à sua própria população, ao passo em que esquadrinham o assentamento de atividades econômicas “alienígenas”, que, pelo seu grande volume, resultam em uma significativa geração de empregos. Deste modo, o autor destaca que a grande força econômica destes países passa a ser pela prestação de serviços, ciente de que um país de população reduzida tem a capacidade de se autopromover, gerando os recursos necessários para a manutenção de seus próprios interesses e negócios, bem como o bem-estar de sua população2.

Não obstante a obra deste autor ser de extrema relevância e considerada um clássico para as demais pesquisas no âmbito do planejamento tributário internacional, ao passar dos anos fez-se notória a necessidade de uma obra mais atual, tendo em vista a modernização dos modelos estruturais de planejamento tributário, bem como as celebrações de acordos e tratados internacionais, realizadas posteriormente. Deste modo, em 1998, dez anos depois do lançamento da obra, Rubens Fonseca e Silva e Robert Williams compõem uma nova obra, atualizada, com o intuito de suprir as lacunas que se abriram, dando continuidade à discussão iniciada por Goyos. A pesquisa “Tratados dos paraísos fiscais”, desenvolvida pelos autores acima citados, é uma referência que alicerça esta pesquisa, pois é uma das mais completas discussões relativas ao tema. Estabelecido este breve ensaio de alguns dos mais emblemáticos autores de obras relativas a paraísos fiscais, o estudo se direciona aos fundamentos que delimitam um paraíso fiscal, dissecados por Fonseca e Williams.

Em sua obra, Fonseca e Williams insculpem os parâmetros para que se considere a existência de um paraíso fiscal, sendo: baixa carga tributária; estabilidade política; equidade no tratamento de estrangeiros; existência de zonas francas de comércio; confidencialidade e sigilo bancário; mercado local consumidor e mercado local de trabalho; infraestrutura altamente desenvolvida; serviços financeiros, legais e de auditoria com elevado padrão de profissionalismo; e incentivos a investimentos3.

Os paraísos fiscais se manifestam por meio de duas modalidades, que são os paraísos fiscais puros e os paraísos fiscais relativos, sendo o paraíso fiscal puro o território isento de carga tributária, não havendo quaisquer encargos tributários incidentes. Por outro lado, os paraísos fiscais relativos são compreendidos por aqueles em que incorrem a carga tributária de forma constantemente reduzida, todavia subsiste incidência de tributos, mesmo que em percentuais irrisórios4. Destarte, inexistindo tributação sobre a renda, ou havendo, porém em alíquota inferior a 20% do Imposto de Renda, considera-se Paraíso Fiscal.

Atualmente, são considerados paraísos fiscais as Ilhas Cayman, as Ilhas Virgens Britânicas, o Panamá, Liechtenstein, as Ilhas do Canal da Mancha (Jersey, Guernsey e Alderney), a República da Irlanda, Nauro, o Uruguai, Andorra, Arguilla, Antigua, Bahamas, Bahrein, Barbados, Barbuda, Belive, Bermuda, Chipre, Costa Rica, Djibouti, Dominica, Gibraltar, Granada, Ilha de Man, Ilha Samoa, Ilhas Cook, Ilhas Marshal, Ilhas Mauricio, Ilhas Turks e Caicos, Labuan, Liberia, Malta, Mônaco, Monserrat, Nevis, Nieui, Ponga, Saint Kitts, Saint Vincent, San Marino, Santa Lúcia, Seychelles, Vanuatu, as Antilhas Holandesas, a Ilha da Madeira e as Ilhas Virgens Americanas5.

Definido o que é considerado Paraíso Fiscal, o próximo passo é demonstrar como eles podem ser utilizados pelo empresariado para otimizar os seus lucros sem ofender normas básicas do ordenamento jurídico.

2. A relevância da estratégia de planejamento tributário internacional para o empresariado brasileiro

Tendo em vista o que já fora aludido sobre paraísos fiscais, o estudo se desdobra a determinar a finalidade precípua destas entidades, sob a ótica do planejamento tributário internacional. Para conceituar tal critério é necessário que seja feita uma digressão dos arquétipos que compõem a estratégia dos paraísos fiscais, explanados do decurso da pesquisa.

Analisado o conceito e os fundamentos já preconizados na pesquisa, e com base na doutrina especializada, o estudo estabelece como a finalidade intrínseca dos paraísos fiscais a minoração dos dispêndios empresariais ocasionados pela tributação incidente nas negociações comerciais e atividades mercantis das empresas. Noutras palavras, como bem explana Silva e Williams, já citados anteriormente, a finalidade primordial da utilização dos paraísos fiscais se dá pela minimização dos custos e encargos, tal como as obrigações tributárias de uma sociedade multinacional dentro dos limites propostos pelas leis das diferentes jurisdições envolvidas na negociação celebrada6.

Nesta senda, insurge, oriunda do conceito de finalidade acima retratado, a relevância da aplicação do mecanismo pelas sociedades empresárias7 consideradas brasileiras. O Brasil detém um sistema tributário complexo e rígido, principalmente por ter grande parcela prevista na Constituição Federal de 1988 que tem essa mesma característica. Este sistema é estatuído e regido por um conjunto de normas procedimentais complexas e sua estrutura tributária é composta por cargas onerosas, o que as tornam prejudiciais para toda a sociedade, decerto que, principalmente quando tratamos de tributação sobre o consumo, o ônus é repassado ao consumidor. Neste cenário, perde o empresariado que vende menos pelos altos preços porque a população consome menos, isto reflete no lucro das sociedades empresárias que visam, como estratégia para a otimização dos lucros, se estabelecer em paraísos fiscais.

Concomitante a isto, observam-se as alternativas dispostas no ordenamento jurídico brasileiro para a implementação de um planejamento tributário, em detrimento da incontestável necessidade das empresas/sociedades empresárias em proteger o seu patrimônio da tributação corrosiva, a fim de manter sua estabilidade no cenário comercial. O Código Tributário Nacional, no art. 1188 trata expressamente da abstração de efeitos e da validade do ato jurídico tributado, motivo pelo qual observa-se que no sistema tributário brasileiro só existem tipos estruturais para que se trace um planejamento tributário. O diálogo entre conceitos, institutos e formas de direito privado com o direito tributário é o sustentáculo basilar para definir os limites da utilização do planejamento tributário sem incorrer na figura do abuso de direito, sendo imprescindível a observância à cláusula geral antielisiva, disposta no parágrafo único do art. 1169 do mesmo diploma legal, que delata os atos que destoam do planejamento tributário lícito, culminando em abuso de direito e negócios jurídicos (dis)simulados.

Destarte, conclui-se neste prisma que a causa remota remete à necessidade do planejamento tributário, conquanto este desvele formalidades e rigor significativos para que se possa ser implementado numa estrutura societária. Essa tendência passou, paulatinamente, a ser evidenciada, criando-se limitações diversas ao planejamento tributário, quer seja por meio de alterações legislativas, a partir da evolução jurisprudencial, ou mesmo novos limites apresentados à liberdade do contribuinte10.

O autor ainda afirma que o Brasil viveu uma evolução. Ciente de que, até meados da década de 90 do século passado, a liberdade do contribuinte diante da estruturação de suas respectivas transações não encontrava limites – com exceção aos casos de fraude ou simulação – a jurisprudência administrativa passou, ulteriormente, a acatar posicionamentos das autoridades fiscais, que questionavam algumas daquelas estruturas, conquanto fosse alegada a necessidade do cuidado do contribuinte11.

Na obra de Heleno Taveira Tôrres “Direito tributário internacional aplicado”, Fernando Serrano Antón, ao tratar de “El principio de territorialidad en el impuesto sobre la renta en la escuela latinoamericana”, destaca a potestade tributária, não somente do Brasil, como também dos demais países da América Latina, atuando como uma defesa máxima e tradicional cogente, sob o enfoque do princípio da territorialidade. Razão evidente desta defesa se apresenta pela ótica jurídica de a imposição territorial garantir a máxima exatidão do recolhimento tributário no Estado, pelo prisma da uniformidade geográfica12.

Marciano Buffon, em sua abordagem hermenêutica jurídica da tributação no Brasil, descreve que o Estado Democrático de Direito tem experimentado uma série de transformações que afetam suas funções e os instrumentos que utiliza para realizá-las13. Neste diapasão, dentre os instrumentos que sofrem modificações, está aquele que constitui sua pedra basilar, o sistema tributário. O autor retrata que se tem vivido um novo paradigma em que o fenômeno do constitucionalismo proporciona o surgimento de ordenamentos jurídicos constitucionalizados, a partir de uma norma maior, descrita por ele como “extremamente embebedora” (pervasiva), obtendo significativamente as condições de condicionar a legislação, jurisprudência e doutrina e a ação de agentes púbicos14.

Mediante tal perspectiva, é decifrável o fato de o Brasil não dispor em seu cerne jurídico tributário da alternativa de constituição de paraísos fiscais em seu território. Tal estratégia não é contemplada pelo fato de o regime fiscal brasileiro ser de extrema formalidade e rigor, como já fora elucidado anteriormente, sendo um desestímulo às sociedades empresárias a se instalarem dentro de suas fronteiras.

Ressalva-se que no Brasil existe uma zona de baixa tributação que favorece o desenvolvimento econômico de uma região do país que é a “Zona Franca de Manaus”, todavia, não se trata de um paraíso fiscal propriamente dito. Tal instituição se localiza no rol das Legislações Especiais15. Esta zona compreende a um território industrial brasileiro, o qual fora constituído na capital do estado do Amazonas (Manaus), criado pela Lei n. 3.173/1957 e posteriormente regulamentado pelo Decreto-lei n. 288/1967, e tem o escopo de potencializar o desenvolvimento econômico, industrial e agrário na Amazônia Ocidental e no Brasil.

Mediante tais fatores, é notória a importância do planejamento tributário internacional no atual cenário comercial brasileiro, fator que desencadeia o interesse do empresariado brasileiro pela utilização de alguns mecanismos, tais como os paraísos fiscais.

Dando prosseguimento à análise da relevância dos paraísos fiscais, estabelece-se um adendo: não são todas as modalidades societárias que se enquadram nos mecanismos de utilização dos tax havens. As sociedades empresárias que se instalam nestes territórios também devem seguir alguns parâmetros predeterminados para que haja o seu devido enquadramento nos trâmites legais da legislação societária e, concatenado a isto, em observância à legislação estrangeira. São as chamadas Sociedades Estrangeiras.

A definição de sociedades estrangeiras adotada nesta pesquisa é a do autor Silvio Venosa, que as designa como aquelas constituídas em outro ordenamento jurídico, cuja sede localiza-se no exterior, mas que, mediante autorização formal, estabelece filial, sucursal ou agente em outro país16.

São diversos os arquétipos societários manifestos nas relações comerciais internacionais. Em se tratando de paraísos fiscais, a modalidade mais recorrente é a de Empresas Offshore17 que, por sua vez, podem se manifestar nas subespécies de empresas holding, as comerciais tradings, ou mesmo por meio dos contratos fiduciários, comumente denominados trusts.

3. Limites entre a elisão e a evasão fiscal por meio dos paraísos fiscais

A cultura do planejamento tributário tem se mostrado cada vez mais presente e essencial no cenário empresarial brasileiro. Tendo em vista o que fora exposto anteriormente, no que toca à potestade tributária cogente manifesta das jurisdições dos Estados latino-americanos, tal mecanismo apresenta irrefutável importância para a constituição e manutenção das negociações comerciais internacionais traçadas por empresas brasileiras.

Ao analisar a definição de tributo prevista no art. 3º18 do Código Tributário Nacional quando este estabelece que “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória”, atribui-se a este notória obrigação de adimplemento por parte do contribuinte.

Todavia, quando o indivíduo esquadrinha meios para escolher a hipótese de incidência tributária em que vai se enquadrar com o intuito de reduzir a carga tributária gerada por suas atividades empresárias, nada há de ilícito ou ilegítimo nisto. Ninguém é condicionado à obrigação de proporcionar maior arrecadação ao Tesouro público. Onde está esta norma? Na conduta do contribuinte que aceita a alta tributação, ou mesmo o seu aumento, não há nenhum patriotismo19.

Os tribunais são unânimes ao reconhecer que não é uma conduta ilícita o contribuinte conduzir suas atividades com o intuito de que os tributos sejam os mais baixos possíveis. A Constituição Federal é expressamente clara ao garantir o direito de organização do patrimônio particular com base nos princípios da autonomia privada20. Tributos são pagamentos forçados e não contribuições voluntárias. Como bem conclui Silva e Williams, “pagar mais em nome da moral, não passa de mera chacota”21.

Alfredo Augusto Becker determina o planejamento tributário como sendo a aspiração naturalíssima do contribuinte, correlacionada à vida econômica, ao buscar resultados econômicos com maior economia, isto é, a menor despesa, e os tributos que incidirão nos atos e fatos necessários para a obtenção do resultado econômico, sendo estes parcelas que integram a despesa22. Não obstante reconheça-se que para plena eficácia deste mecanismo é necessário o estudo do instituto da elisão abusiva, tal como das cláusulas antielisivas aqui e alhures – jurisdições possivelmente envolvidas –, utilizadas pelo Fisco para desconsiderar estratégias que anteriormente eram lícitas e permitidas23.

Isto posto, faz-se mister estabelecer o conceito do que venha a ser um planejamento tributário lícito/ilícito. Ora, compreendendo-se que há a necessidade desse mecanismo para a organização patrimonial de uma empresa, conquanto tais estratégias são constantemente utilizadas de forma indevida com o escopo de burlar o Fisco, desvela-se neste ponto a necessidade de pinçar estes conceitos que são basilares para o desenvolvimento do estudo. São estes os conceitos de elisão e evasão fiscal, os quais serão classificados doravante.

A elisão fiscal define ato lícito que antecede o fato gerador da obrigação tributária, desta forma, o contribuinte tem autonomia para esquivar-se dos tipos tributários com o escopo de potencializar sua gestão patrimonial. Em contrapartida, a evasão fiscal é uma prática ilícita, seja esta intencional ou não (omissiva ou comissiva), que culmina em um ato fraudulento de abuso de direito, do qual origina-se, absoluta ou relativamente, sonegação fiscal, podendo apresentar-se como (dis)simulação ou fraude.

Todavia, o consagrado Paulo de Barros Carvalho retrata a elisão como uma ação que não deve ser considerada em si mesma, porém em função do contexto a ela atribuído. A eficácia jurídica é o instrumento de incidência, uma vez efetivado o fato antecessor, refletem-se os efeitos prescritos no sucessor24. No entanto, tomando por fundamento o posicionamento da doutrina majoritária, tal como a jurisprudência, preconiza-se que elisão fiscal é a conduta do contribuinte que antecede o fato gerador, mediante processos lícitos para diferir, diminuir ou afastar o ônus tributário.25

Alberto Xavier fomenta a discussão ao conceituar a elisão fiscal como sendo a forma representativa da prática legítima do uso de uma fórmula negocial menos onerosa numa perspectiva tributária, amalgamada a legislação não proibitiva e as lacunas da lei, todavia, faz-se imprescindível ressaltar a observância ao disposto nos arts. 109 e 110 do Código Tributário Nacional26, que equiparam os métodos ou fórmulas do direito privado27.

A evasão fiscal, por sua vez, é definida como o ato ilícito, portanto, o antônimo da elisão. Hermes Marcelo Huck estabelece algumas das características do comportamento evasivo, sendo estas a existência de um negócio artificial, podendo se manifestar de forma diversa, inexistindo a preocupação do agente que comete tal fraude com o inadimplemento das dívidas tributárias, destarte, a suposta economia fiscal, o uso ilegítimo de lacunas da lei para a obtenção de vantagens incivis e a utilização de institutos jurídicos com propósitos diversos, que se destinam ao sigilo nas operações evasivas28.

Acrescenta Schoueri que tal conduta abusiva se constitui dentre o rol dos crimes contra a ordem tributária, obtendo previsão expressa na Lei n. 8.137/199029, e estabelecendo-se nos incisos do art. 1º as várias circunstâncias que compreendem a prática deste ilícito fiscal. Assim, caracterizam-se os crimes contra a ordem tributária as condutas que têm em comum a falsidade dos atos. Assim, o que se pune não é o inadimplemento fiscal, mas a declaração inverídica, a omissão de informações ou declaração, a fraudulência de documentos, sua elaboração, distribuição ou utilização, o ato de conceder informações inexatas, ou qualquer outro meio de perpetração de fraudes ou abuso de direito30.

Apresentadas as definições de elisão e evasão fiscal, a pesquisa adentra nos últimos pontos que se pretende discutir nesta pesquisa: a análise da estratégia dos paraísos fiscais mediante estes dois institutos e quais são os limites que definem se tal mecanismo é um método lícito ou não.

A priori, é elementar que se enalteça o seguinte entendimento: os paraísos fiscais não compõem o rol das estratégias de evasão fiscal. O propósito inicial para o qual fora feita a utilização deste mecanismo será a pedra de toque entre o lícito e o ilícito da atividade, o que consequentemente definirá se tal conduta culminará em ato ilegal ou não, refletido em seu resultado mediante o olhar do Fisco. Todavia, tal circunstância não destoa o sentido para o qual foram constituídas estas jurisdições especiais.

3.1. A fábula da ingenuidade dos paraísos fiscais

Inicialmente, convém destacar que paraísos fiscais não são ilegais ainda que exista a discussão sobre a moralidade da conduta, a qual estes autores não veem como imoral, embora reconheçam a oposição a esta ideia. Saliente-se que não são lugares que servem para “lavar dinheiro” e praticar atos criminosos, o que, na verdade, existe em outros lugares diversos, independentemente de receberem a nomenclatura fictícia de paraísos fiscais31.

O axioma de que a utilização destes territórios para fins comerciais é algo ilegítimo é um fato que causa receio aos que desconhecem o devido regramento para a utilização da estratégia, circunstância esta que, por vezes, acaba por afastar diversos investidores, os quais, em sua grande maioria, se posicionam de forma defensiva mediante os postulados referentes aos paraísos fiscais.

Contudo, tal reação é perfeitamente compreensível, apesar de ser ocasionada pela não ciência da estratégia de fato, principalmente por se tratar de uma sugestão de economia tributária apresentada como uma série de vantagens oferecidas ao investidor. Ao se tratar de operações internacionais, o receio do empresariado é ainda maior. Todavia, cabe ressaltar que tal amedrontamento e insegurança se alimenta do mito criado em torno dos paraísos fiscais e sua utilização com o pretexto evasivo para conluios negociais corruptos, sendo um subterfúgio para fraudes e condutas abusivas que lesam o Erário público. É comum associar os paraísos fiscais a territórios onde predominam a ilicitude, tendo em vista o atual cenário comercial no âmbito internacional, no que tange às práticas ilícitas e que, boa parte destas está vinculada ao uso destes territórios. Tal conduta é manifesta constantemente nesta estratégia, em vista de a movimentação comercial ocorrer fora do território nacional, o que, de certo modo, dificulta o alcance do Fisco. Pretexto mais do que favorável a tal prática.

Ao observar a ocorrência fática dos atos que envolvem os paraísos fiscais evidencia-os muito mais do que propriamente seus conceitos estabelecidos no papel. Não é necessário muito estudo para se encontrar respaldo comprobatório de sua licitude e função social, no entanto, as práticas ilegais constantes nestes locais, principalmente nos casos de escândalos envolvendo autoridades políticas e grandes empresários que se utilizam desta estratégia para desvio de verbas públicas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, dentre outros crimes, tornam compreensível a mácula que sobrevém perante estes locais, assombrando possíveis investidores e tornando o seu conceito meramente hipotético.

Os Tax Havens podem ser facilmente manipulados para o uso de forma ilícita, e não só para finalidades legítimas. Hermes Marcelo Huck enfatiza tal conduta abusiva e a facilidade que existe para a prática desta, mediante um julgamento bastante peculiar. O autor argumenta que seria total ingenuidade ou mesmo má-fé do indivíduo que assegurasse não haver quaisquer motivos para a desconfiança ou descrença da inocência do ato, pois, seja válido ressaltar que os paraísos fiscais também favorecem a implantação de sistemas evasivos fraudulentos cercados de contradições32.

Enquanto for uma estratégia fiscal respaldada na legislação brasileira e que beneficie as negociações comerciais internacionais, identifica-se como ato legítimo. Por outro lado, não sendo incomuns as utilizações deturpadas destas zonas de comércio, são irrefutáveis as falsetas comerciais e fiscais que são implementadas por meio dos Tax Havens, ora bem colocado por Huck que o vigente assunto merece um tratamento delicado e particular, evitando a mítica concepção da pureza virginal deste sistema. Entretanto, isto não é preposto para o preconceito de alguns administradores fiscais que julgam ser evasivo e ilegítimo qualquer elemento que se movimenta fora dos limites aduaneiros de sua jurisdição33.

Ao analisar sumariamente estes aspectos é possível identificar qual venha a ser o motivo precípuo que desperta o interesse dos que cometem os ilícitos fiscais recorrerem a este subterfúgio, considerado um paliativo para a perpetração de fraudes e sonegação, e a constituição do que se pode denominar “empresa laranja” em seus respectivos territórios.

O objeto da pesquisa mediante este aspecto não é “macular a inocência” da constituição de empresas em territórios de paraísos fiscais, dados os argumentos acima reportados que legitimam o ato, o que não se confunde com a necessidade de salientar que esta estratégia é alvo fácil para o cometimento de práticas ilícitas/evasivas por investidores que planejam burlar o Fisco.

3.2. A tipificação dos paraísos fiscais na legislação brasileira versus o crime de evasão de divisas

Afora as falácias que circundam a prática da utilização legítima dos paraísos fiscais, é cediço que esta estratégia societária de caráter tributário é lícita. Tal argumento se torna estreme de quaisquer ambiguidades ao analisar que o uso desta estratégia encontra amparo no cânone jurídico brasileiro, sendo a referente prática tipificada em legislação expressa.

O ordenamento jurídico brasileiro guarnece normas que regularizam a utilização de paraísos fiscais. A Instrução Normativa RFB n. 1.474, de 18 de junho de 2014, a qual revogou a anterior, IR RFB n. 1.037, de 4 de junho de 201034, concentra em seu cerne o devido regramento legal para a composição societária de pessoa jurídica em jurisdições especiais, estatuído da seguinte forma:

“Com referência à Suíça, os regimes aplicáveis às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de holding company, domiciliary company, auxiliary company, mixed company e administrative company cujo tratamento tributário resulte em incidência de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), de forma combinada, inferior a 20% (vinte por cento), segundo a legislação federal, cantonal e municipal, assim como o regime aplicável a outras formas legais de constituição de pessoas jurídicas, mediante rulings emitidos por autoridades tributárias, que resulte em incidência de IRPJ, de forma combinada, inferior a 20% (vinte por cento), segundo a legislação federal, cantonal e municipal.” (BRASIL, 2014)

Somado a isto, a lei que regulamenta o repasse de capital para o exterior é instrumento essencial para a compreensão do objeto de pesquisa. Recentemente, no ordenamento jurídico brasileiro fora sancionada a Lei de Repatriação (Lei n. 13.254/2016)35, que regulamenta ao repasse de cotas para locais instituídos fora dos limites territoriais nacionais, fomentando desta forma as negociações cambiais.

A Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE)36, que consiste num órgão constituído com o objetivo de desenvolver políticas públicas que propiciem o desenvolvimento econômico e o bem-estar social de pessoas nos mais diversos territórios espalhados pelo globo, em 1998 emitiu um relatório considerando como paraísos fiscais as jurisdições específicas que possuam as seguintes características: ausência de efetivo intercâmbio de informações com outros países; concessão de benefícios tributários de modo não transparente; inexigibilidade de o contribuinte engajar-se em atividade substancial para habilitar-se ao benefício tributário37.

Nesta esteira, observa-se que a caracterização de uma jurisdição especial para ser considerada um paraíso fiscal torna-se um tanto controvertida, mediante seus critérios. No entanto, há de se dizer que, de forma taxativa, são considerados paraísos fiscais as jurisdições onde a tributação é nula ou manifesta-se de forma módica, porquanto seja praticamente inexistente38.

Diante disto, compreende-se que, uma vez cumpridos os requisitos formais necessários, o ato de remessa de capital para os paraísos fiscais, bem como a sua utilização no âmbito do planejamento tributário internacional é substancialmente legítima. Atualmente no Brasil, mediante os escândalos de corrupção que assolam o cenário das negociações empresariais, os paraísos fiscais “entraram na moda”, sendo utilizados como subterfúgios para a elaboração de esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. Consequência disto, os paraísos fiscais são usualmente retratados pela mídia e pela sociedade com certa hostilidade, sendo vulgarmente associados a territórios de conluios fraudulentos onde predominam agentes criminosos, os quais cometem diversos ilícitos, tais como os crimes denominados de “colarinho branco” e de “lavagem de dinheiro”, fruto de suas operações criminosas. Tais fraudes e ilícitos perpetrados e viabilizados por meio de paraísos fiscais qualificam-se como crime de Evasão de Divisas.

Entende-se por crime de evasão de divisas o procedimento sonegatório fiscal que esquadrinha meios para se eximir do adimplemento das dívidas tributárias, todavia, obtém este nomen iuris em vista da sua peculiaridade, porquanto seja um ato evasivo fiscal que busca permear fronteiras internacionais, ambicionando a expedição de remessas de capital, bens ou patrimônio para estes territórios estrangeiros, com o propósito de blindá-los do Fisco, o qual atua na análise severa destas práticas ilegais.

Deste modo, a evasão de divisas é um ato ilícito que almeja omitir o patrimônio em local estrangeiro para fins de blindagem patrimonial, esquivando-se das obrigações fiscais inerentes ao ato, o que culmina na insolvência do débito com o Erário público. A matéria possui previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, no art. 22 da Lei n. 7.492, de 16 de junho de 198639, a qual versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional. No ano de 1983, o então Procurador-Geral da República, José Paulo Sepúlveda Pertence encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 273/1983, que versava sobre a matéria, tendo por escopo findar as fraudes que frequentemente se manifestavam no Sistema Financeiro Nacional. O projeto posteriormente fora sancionado em 19 de junho de 1986, que resultou na Lei n. 7.492/1986, popularmente chamada de Lei do Colarinho Branco, a qual abrange em seu art. 22 o crime de evasão de divisas, acima aludido.

Ora, analisados ambos os aspectos propostos no título deste tópico e dissecados no desenvolvimento do mesmo, urdidos de todos os fundamentos necessários, é possível perceber em que circunstâncias a utilização dos paraísos fiscais pode ser designada juridicamente como legítima ou não. O planejamento tributário coadunado à utilização dos paraísos fiscais é perfeitamente legítimo. O que deve ser analisada é a origem do dinheiro, quanto à sua licitude, tal como a remessa do capital para o paraíso fiscal, devendo esta ser feita através do Banco Central, bem como devam ser prestadas todas as declarações pertinentes ao Fisco sobre a operação realizada, evitando assim o crime de evasão de divisas40.

O discernimento entre a prática legítima do uso dos paraísos fiscais, prevista em lei, e a ilícita, que traz em seu bojo a ideia do abuso de direito, dá-se pelo propósito que designou a utilização da estratégia. Esta distinção é bem elucidada por Mamede, quando aduz os aspectos que aludem a tentativa de potencializar o patrimônio da empresa como lícitos ou não41. O autor explana dois mecanismos específicos: a Proteção Patrimonial e a Blindagem Patrimonial. De forma sintética, a proteção patrimonial compreende a prática legítima do contribuinte que analisa métodos possíveis para a redução de despesas e a potencialização do seu patrimônio, protegendo-o da onerosidade deletéria dos encargos tributários por meio de condutas elisivas previstas na lei42.

Em contrapartida, a blindagem patrimonial segue uma lógica diversa, porquanto seja a conduta ilegal do indivíduo que almeja omitir o seu patrimônio do Fisco, blindando-o das obrigações tributárias incidentes, resultando numa prática evasiva, concatenada à figura do abuso de direito43.

Diante disto, compreende-se a utilização dos paraísos fiscais, tipificada legalmente no ordenamento jurídico brasileiro como sendo uma estratégia de proteção patrimonial, enquanto o crime de evasão de divisas, por sua vez, seja ocasionado pela propositura de um mecanismo de blindagem patrimonial.

Conclusão

Diante do que fora exposto pela presente pesquisa, é lícito que se estabeleça que os paraísos fiscais são puramente conceituados como zonas de baixa/nenhuma tributação, localizadas em territórios estrangeiros, constituídas mediante o fundamento basilar de fomentar as transações cambiais e estimular as empresas/sociedades empresárias a celebrar negociações em outras jurisdições, o que as torna visíveis mediante o panorama comercial internacional, bem como beneficia o mercado interno destes países que constituem os Tax Havens.

A finalidade da constituição destas jurisdições especiais é pertinente à minoração/isenção de incidência tributária sobre a renda e proventos deliberados por empresas que esquadrinham meios elisivos de planejamento fiscal para potencializar seu patrimônio, protegendo-o dos impactos deletérios do Fisco. Aspecto que desvela relevância significativa da estratégia para o empresariado brasileiro atualmente.

Fora travado um estudo analítico sobre a condutas que diferenciam elisão e evasão fiscal na utilização pelo contribuinte de paraísos fiscais, mediante a análise legislativa do mecanismo perante o ordenamento jurídico, o qual, embora devidamente tipificado, seja reconhecido como um meio facilitador de perpetração de ilícitos fiscais por empresas mal-intencionadas que almejam burlar o Fisco, o que configura o crime de evasão de divisas.

Destarte, conclui-se em tempo que apesar da extrema defesa da ingenuidade dos paraísos fiscais consista no ato de “fechar os olhos” para a realidade no cenário comercial e tributário atual, mediante os escândalos fraudulentos que envolvem a utilização dos territórios, compreende-se que a constituição de empresas/sociedades em paraísos fiscais, quando observados diligentemente os parâmetros impostos pelos diplomas legais, é um ato plenamente lícito. Ademais, mediante os resultados alcançados pelo estudo, cumpre este o papel de assegurar que os paraísos fiscais são legítimos, porquanto sejam contemplados na legislação esparsa. Quaisquer sofismas relativos a “territórios de crimes” que incorram sobre estes, ou entendimentos dúbios que deslegitimem sua licitude são inválidos. Os paraísos fiscais são territórios de jurisdição própria e ornados por diversos tratados internacionais que enaltecem a sua legitimidade. O propósito particular que uma entidade empresarial estrangeira tem ao constituir uma empresa nestes territórios é que será a pedra de toque para discernir se o mecanismo culminará em ato lícito (elisão fiscal) ou ilícito (evasão fiscal).

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1 XAVIER, 2009.

2 GOYOS JR., 1988, p. 22.

3 SILVA e WILLIAMS, 1998, p. 20.

4 ARGÔLO e IGLESIAS, 2018.

5 PENTEADO, 2001, p. 36.

6 SILVA e WILLIAMS, 1998, p. 23.

7 Como bem explana Gladston Mamede, as sociedades empresárias são aquelas que têm por objetivo precípuo a conduta de atividade própria de empresário, sendo este sujeito a registro, mediante a previsão estabelecida nos arts. 966 e 967 do Código Civil; as demais, constituídas fora destes ditames, são consideradas sociedades simples (MAMEDE, Gladston, 2010, p. 6).

8Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.” (BRASIL, 1966)

9 “Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” (BRASIL, 1966)

10 SCHOUERI, 2010, p. 15.

11 Ibidem, p. 16.

12 ANTÓN In: TÔRRES, 2005, p. 72.

13 BUFFON, 2015, 138.

14 Ibidem, 2015, p. 139.

15 O conceito de Legislações Especiais é bem clarificado por Hermes Marcelo Huck, o qual cita que há de se diferenciar os Paraísos Fiscais propriamente ditos das Vantagens Fiscais que alguns territórios propõem, como forma de incentivo para geração de capitais e negócios para determinadas áreas econômicas e geográficas que pretendam impulsionar. Nestes casos, não há a pretensão de estabelecer um paraíso fiscal. Os países que detêm legislação especial para fomentar operações financeiras, prestação de serviços ou mesmo a criação de uma zona de livre comércio em seus territórios estabelecem o ônus fiscal significativamente reduzido, em comparação aos demais locais do país. Nesses casos, seria atecnia falar-se em Paraíso Fiscal ao se tratar de regiões com jurisdições fiscais mais vantajosas. Vale ressaltar que estas legislações especiais não são de caráter internacional, constituídas apenas para fomentar o mercado interno (HUCK, 1997, p. 295).

16 VENOSA e RODRIGUES, 2012, p. 220.

17 As Offshore são uma forma de sociedade empresária, sendo constituídas fora dos limites territoriais do país de origem, anelando vantagens fiscais e societárias (ARGÔLO e IGLESIAS, 2018).

18 “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” (BRASIL, 1966)

19 SILVA e WILLIAMS, 1998, p. 23.

20 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (BRASIL, 1988)

21 SILVA e WILLIAMS, 1998, p. 24.

22 BECKER, 1999, p. 136.

23 FALCÃO et al., 2016, p. 40.

24 CARVALHO, 2017, p. 300.

25 DÓRIA, 1971, p. 19.

27 XAVIER, 2009, p. 271.

28 HUCK, 1997, p. 32.

29 “Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000) I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.” (BRASIL, 1990)

30 SCHOUERI, 2017, p. 867.

31 PENTEADO, 2001, p. 33.

32 HUCK, 1997, p. 258.

33 Ibidem, p. 259.

34 Para efeitos do disposto nesta Instrução Normativa, consideram-se países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade, às seguintes jurisdições: Inc. VI, “com referência à legislação da Hungria, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de offshore KFT” (BRASIL, 2010).

35Caput. Dispõe sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País.” (BRASIL, 2016)

36 A OECD é conceituada por Huck como a que apresenta, por meio de emissão de relatório elaborado por sua comissão de assuntos fiscais, as práticas que devem ser adotadas para que os Estados possam contestar os efeitos danosos resultantes do preço de transferência em suas respectivas economias (HUCK, op. cit., 1997, p. 296).

37 APARECIDO, 2018.

38 Ibidem, 2018.

39 “Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.” (BRASIL, 1986)

40 APARECIDO, 2018.

41 MAMEDE e MAMEDE, 2015, p. 44.

42 Ibidem, p. 45.

43 Ibidem, p. 45.