Delineamento da Transação Controlada na Nova Lei de Preços de Transferência
Functional Analysis of the Controlled Transaction in New Transfer Pricing Law
Ricardo Marozzi Gregorio1
Pós-doutor em Direito pela UERJ. Doutor em Direito Tributário pela USP. Mestre em Administração Pública pela FGV/EBAPE. Ex-Conselheiro Titular da 1ª Seção do Carf. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. E-mail: ricardo.m.gregorio@gmail.com.
https://doi.org/10.46801/2595-7155.12.8.2023.2480
Resumo
Com a edição da Lei n. 14.596/2023, o Brasil finalmente conciliou suas regras de controle dos preços de transferência com o padrão arm’s length. Uma etapa essencial da análise que envolve esse padrão é o delineamento da transação controlada. O presente artigo examina detalhadamente os elementos que devem ser identificados na referida etapa, isto é, as relações comerciais ou financeiras e as características economicamente relevantes. Em seguida, são apresentados também os fundamentos do teste de racionalidade comercial que a lei impõe à transação delineada e discutida a sua compatibilidade com as cláusulas gerais antielisivas.
Palavras-chave: preços de transferência, transação controlada, delineamento, características economicamente relevantes, fatores de comparabilidade, opções realisticamente disponíveis, racionalidade comercial, cláusulas gerais antielisivas.
Abstract
The enactment of Law 14,596/23 finally conformed the Brazilian transfer pricing rules with the arm’s length standard. An essential stage of the analysis involving this standard is the accurate delineation of the controlled transaction. This article examines in detail the elements that must be identified in that stage, namely, the commercial or financial relations and the economically relevant characteristics. Then, it introduces the fundamentals of the commercial rationality test which is required on the delineated transaction by the law and discusses its compatibility with the general anti-avoidance rules (GAARs).
Keywords: transfer pricing, controlled transaction, accurate delineation, economic relevant characteristics, comparability factors, options realistically available, commercial rationality, general anti-avoidance rules, GAAR.
Como é cediço, o tema dos preços de transferência foi inaugurado no Brasil com a edição dos arts. 18 a 24 da Lei n. 9.430/1996. A despeito da intenção anunciada no item 12 da exposição de motivos daquela lei, no sentido de que o seu conteúdo estaria “em conformidade com regras adotadas nos países integrantes da OCDE”, logo se percebeu que não era bem isso o que se propunha. Com efeito, a nova sistemática veio recheada de um conjunto de mecanismos de praticabilidade sem paralelo na prática internacional2. Receava-se que não havia amparo legal para adotar a flexibilidade do padrão arm’s length em face das atribuições vinculadas da autoridade fiscal ou mesmo em função das estruturas jurídico-constitucionais brasileiras3.
Diante de tantos mecanismos que afastavam a matéria do tratamento que era amplamente utilizado mundo afora, muitos autores, principalmente na comunidade internacional, se pronunciaram no sentido de que as regras brasileiras não estavam de acordo com o padrão arm’s length. Tal entendimento, no entanto, não era totalmente admitido internamente. Havia, na verdade, muitos entusiastas que viam naquela sistemática uma saída engenhosa para a dificuldade de se lidar com a subjetividade das diretrizes internacionais4.
O problema é que havia fortes evidências acerca da ineficácia do sistema. O entusiasmo pela metodologia brasileira parecia esquecer de levar em conta um aspecto fundamental do controle dos preços de transferência também estampado na exposição de motivos da Lei n. 9.430/1996, qual seja, “evitar a prática, lesiva aos interesses nacionais, de transferências de resultados para o exterior”. A bombástica combinação de margens predeterminadas com a liberdade de escolha de métodos propiciava a formulação de planejamentos tributários que condizia com a temerosa aplicação de safe harbours em larga escala, os quais, conforme alerta da OCDE, poderiam representar significativa perda de receitas para o país que oferece tal benevolência. Era a própria concretização de “avenidas abertas para o planejamento tributário”5.
Bem diz o velho ditado: nunca é tarde para mudar!
Felizmente, em fevereiro de 2018, num projeto conjunto, a Receita Federal e a OCDE iniciaram estudos para a avaliação da metodologia vigente e a elaboração de propostas visando maior convergência com o padrão internacional. Esse esforço inicial resultou em um relatório publicado no final de 2019 que minuciosamente apontou os diversos problemas daquela sistemática6. Em síntese, verificou-se que havia: numerosas brechas e divergências que poderiam levar a situações de dupla tributação; numerosas brechas criando riscos de transferências de lucros e a consequente perda de arrecadação tributária; o favorecimento de algumas categorias de contribuintes em detrimento de outras; e oportunidades de planejamentos tributários. Em contrapartida, em consonância com a tentativa de fomentar a praticabilidade, o relatório também apontou que a metodologia brasileira geralmente facilitava a administração do sistema e as exigências para a sua conformidade. Ainda assim, detectou-se que a segurança jurídica que poderia justificar a sua existência deveria ser ponderada diante das incertezas para os grupos multinacionais gerada por sua peculiaridade na perspectiva internacional. Esta última questão trazendo, inclusive, potencial redução do ânimo para se investir no País. Por fim, havia que se considerar ainda as incertezas, até mesmo na perspectiva doméstica, resultantes da ausência de considerações específicas no sistema vigente para o tratamento dos intangíveis, serviços intragrupos, acordos de compartilhamento de custos e reestruturações societárias.
A partir de então, o projeto conjunto prosseguiu com o objetivo de propor uma solução que se mostrasse mais adequada para os interesses nacionais. Apesar de alguma demora plenamente justificada pelas dificuldades surgidas por conta da pandemia, quase no encerramento do ano de 2022, foi assinada a MP n. 1.152, dispondo sobre as novas regras de preços de transferência, com previsão de vigência facultativa para o ano de 2023 e obrigatória para o ano de 2024. Com poucas alterações propostas pelo Congresso Nacional, a conversão daquela medida provisória resultou na edição da Lei n. 14.596, de 14 de junho de 20237.
Em seu art. 2º, como podia ser esperado, a lei positivou o princípio arm’s length de maneira semelhante ao que já era encontrado nas legislações domésticas de muitos países. A bem da verdade, praticamente todas elas se inspiram no texto dos comandos enunciados nos milhares de acordos bilaterais para evitar a dupla tributação celebrados pelo mundo. Com efeito, a lei brasileira positivou o referido princípio enunciando que, para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, “os termos e condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis”.
As definições das expressões “transações controladas” e “partes relacionadas” foram então apresentadas nos dispositivos que se seguiram, isto é, os arts. 3º e 4º. Na teoria que se desenvolveu sobre o tema, essas expressões denotam, respectivamente, os escopos objetivo e subjetivo do controle dos preços de transferência8. Assim, o princípio arm’s length destina-se ao controle dos preços de transferência das transações realizadas por partes relacionadas9 (escopo subjetivo). Justamente por sofrerem esse controle, entende-se que tais transações são controladas (escopo objetivo).
A pedra de toque do controle é a exigência da comparação veiculada no enunciado do arm’s length. Quando se diz que os termos e condições da transação controlada devem ser estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis, está a se exigir que os termos e condições da transação controlada (portanto, realizada entre partes relacionadas) sejam comparáveis com os termos e condições de partes não relacionadas (independentes) em transações comparáveis. Portanto, há aqui três elementos sujeitos à comparação: os termos, as condições e as próprias transações às quais eles se referem. Nada obstante, esses elementos se confundem porque os termos não deixam de ser condições e ambos não deixam de ser características da transação. Destarte, o que importa é perceber que o princípio exige a comparabilidade das transações e de todas as suas características (ainda que a irrelevância de algumas destas possa suavizar a rigidez da comparação).
Em seu art. 5º, a lei esclarece o que se entende como “transações comparáveis”. É o conhecido standard de comparabilidade diversas vezes enunciado nas diretrizes da OCDE10. A ideia é que transações sejam consideradas comparáveis quando não houver diferenças materiais entre suas características economicamente relevantes. Permite-se, entretanto, que sejam efetuados ajustes para eliminar os efeitos materiais daquelas diferenças. Se assim for feito, naturalmente, poder-se-á também considerar que as correspondentes transações são comparáveis.
Surge então uma primeira noção de ajuste dentre as diversas suscitadas explícita ou implicitamente pela lei. Trata-se do chamado “ajuste de comparabilidade” sobre o qual é importante entender perfeitamente o seu mecanismo. No entanto, o contexto em que tal ajuste se apresenta só é detalhado depois pela lei, no seu art. 9º, quando esta apresenta a “análise de comparabilidade”. Antes disso, porém, no art. 6º, a lei esclarece que são exigidas duas etapas para se determinar se os termos e condições estabelecidos na transação controlada estão de conformidade com o previsto pelo princípio arm’s length. São elas: o “delineamento da transação controlada” e a sua “análise de comparabilidade”.
A primeira etapa da aplicação do princípio arm’s length é precisamente o tema que se pretende expor com detalhes nesse trabalho. A definição do que se entende por delineamento é revelada logo no art. 7º, sendo que o seu objetivo recai sobre o verbo “identificar”. Mas, para os propósitos dessa introdução, cumpre apenas notar que um dos objetivos da etapa é a identificação das características economicamente relevantes da transação controlada. Então, após concluído o delineamento, todas essas características da transação controlada já deverão estar identificadas, obviamente, incluindo os seus termos e condições que sejam também economicamente relevantes.
Uma vez delineada a transação controlada, vai-se para a etapa da análise de comparabilidade. Conforme o art. 9º, ela tem o objetivo de comparar os termos e condições da transação controlada (que já foram identificados no delineamento) com os termos e condições que seriam estabelecidos entre partes independentes em transações comparáveis. Nessa comparação, dentre outros aspectos, deve se levar em consideração as características economicamente relevantes da transação controlada (que também foram identificadas no delineamento) e das transações entre partes independentes.
Perceba-se então que a comparação de termos e condições prevista nesse art. 9º é carregada de uma certa energia porque, se não houver identidade, alguma coisa terá que ser feita para que se cumpra o comando veiculado no art. 2º (o próprio princípio arm’s length), qual seja, que os termos e condições da transação controlada sejam estabelecidos de conformidade com o que ocorreria entre partes independentes.
Destarte, a realização da análise de comparabilidade, com todas as subetapas que lhe são peculiares, poderá ensejar uma nova categoria de ajustes que viabilizem a determinação expressa no art. 2º. Em outras palavras, alguma espécie de ajuste será necessária para fazer com que o resultado observado na análise de comparabilidade (a remuneração arm’s length) seja atribuído à transação controlada11. Essa categoria de ajustes é conhecida na literatura especializada como “ajustes valorativos” (valuation adjustments) porque incidem sobre condições valorativas da transação controlada12. Tais condições se referem ao indicador financeiro (preço, margem ou divisão de lucro) associado ao método mais apropriado para os fatos e circunstâncias da transação controlada, o qual deve ser escolhido dentre os apresentados no art. 11 da lei. Dentro dessa categoria de ajustes valorativos, o art. 17 da lei previu três espécies: o ajuste espontâneo, o ajuste compensatório e o ajuste primário.
Para exemplificar, suponha que o resultado de uma análise de comparabilidade, na qual tenha sido escolhido o PRL (art. 11, II, da lei, cujo indicador financeiro é a margem bruta) como método mais apropriado, revele que a condição valorativa da transação controlada está diferente da mesma condição valorativa verificada nas transações realizadas entre partes independentes (também conhecidas como transações não controladas)13. Digamos que a diferença nas margens brutas é da ordem de 3% para menos. Neste cenário, haverá que se promover um ajuste valorativo (espontâneo, compensatório ou primário), para mais (upward adjustment), de 3% sobre a margem bruta da transação controlada14.
Há ainda uma outra espécie de ajuste valorativo, o ajuste correspondente, não expressamente enunciado pela lei, que é aquele efetuado conforme autorização acordada em mecanismo de solução de disputas previstos nos acordos ou nas convenções internacionais para eliminar a dupla tributação de que o Brasil seja signatário e que, normalmente, tem origem em um ajuste primário realizado no outro país da transação controlada15.
A outra categoria de ajustes que pode surgir no contexto da análise de comparabilidade são os já anunciados “ajustes de comparabilidade”16. Como dito, trata-se de ajustes que são efetuados para eliminar os efeitos materiais de eventuais diferenças entre as características economicamente relevantes da transação controlada (identificadas no delineamento) e as características economicamente relevantes de transações realizadas entre partes independentes. Tal como os valorativos, esses ajustes também são feitos sobre condições valorativas (preço ou margem). Contudo, diferentemente dos ajustes valorativos que são feitos sobre a transação controlada, os ajustes de comparabilidade são feitos sobre a transação potencialmente comparável realizada entre partes independentes17. Com efeito, tais ajustes são realizados no indicador financeiro dessa transação de acordo com o método que foi escolhido como mais apropriado para o caso. O ajuste deverá refletir a dimensão quantitativa que a diferença na característica economicamente relevante representa sobre o indicador financeiro.
Assim, por exemplo, se a transação controlada foi delineada como uma compra e venda de um automóvel de uma determinada marca no modelo XP e a transação não controlada representa uma compra e venda de um automóvel da mesma marca no modelo XPT, considerando que o método escolhido seja o PIC (art. 11, I, da lei, cujo indicador financeiro é o preço), deverá ser feito um ajuste de comparabilidade no preço da transação não controlada para que este reflita a diferença entre os modelos.
Outrossim, se a transação controlada foi delineada como a prestação de um determinado serviço no País A e transação não controlada representa a prestação do mesmo serviço no País B, considerando que o método escolhido seja o MCL (art. 11, III, da lei, cujo indicador financeiro é a margem de lucro bruto), deverá ser feito um ajuste de comparabilidade na margem de lucro bruto da transação não controlada para que reflita a diferença entre a rentabilidade média observada nos países envolvidos18.
Apesar de se ter extrapolado um pouco o âmbito do tema proposto para este artigo, essas considerações iniciais são importantes para que se compreenda bem o contexto do delineamento e dos ajustes que são realizados fora dos seus contornos. Isto porque haverá outra categoria de ajustes que estão, estes sim, intrinsicamente relacionados com o delineamento e que podem vir a ser efetuados tão logo se perceba que a transação controlada, tal como delineada, não atende ao mandamento veiculado pelo princípio arm’s length.
Primeiramente, entretanto, passemos a detalhar no que consiste o delineamento da transação controlada.
1. Os elementos da definição do delineamento
A subseção da lei que trata do delineamento da transação controlada inicia com o art. 7º estabelecendo a seguinte definição:
“Art. 7º O delineamento da transação controlada a que se refere o inciso I do caput do art. 6º desta Lei será efetuado com fundamento na análise dos fatos e das circunstâncias da transação e das evidências da conduta efetiva das partes, com vistas a identificar as relações comerciais e financeiras entre as partes relacionadas e as características economicamente relevantes associadas a essas relações, considerados, ainda:
I – os termos contratuais da transação, que derivam tanto dos documentos e dos contratos formalizados como das evidências da conduta efetiva das partes;
II – as funções desempenhadas pelas partes da transação, considerados os ativos utilizados e os riscos economicamente significativos assumidos;
III – as características específicas dos bens, direitos ou serviços objeto da transação controlada;
IV – as circunstâncias econômicas das partes e do mercado em que operam; e
V – as estratégias de negócios e outras características consideradas economicamente relevantes.”
Do caput, extrai-se que o delineamento deverá ser efetuado com fundamento na análise (i) dos fatos e circunstâncias da transação; e (ii) das evidências da conduta efetiva das partes. Além disso, afirma-se que os objetivos do delineamento são identificar (iii) as relações comerciais e financeiras entre as partes relacionadas; e (iv) as características economicamente relevantes associadas a essas relações. Verifica-se, portanto, que há quatro elementos nessa definição. Dois que devem nortear a análise que é empreendida no delineamento e dois que devem ser identificados.
O primeiro elemento que deve nortear o delineamento é a análise dos fatos e circunstâncias da transação. Quando se escrutina os nove parágrafos que tratam da parte introdutória do delineamento nas diretrizes da OCDE, não encontramos nenhuma referência a esse elemento da forma como foi invocado pela lei, ou seja, conjugando os termos “fatos” e “circunstâncias” numa mesma expressão19. Nada obstante, a expressão facts and circumstances aparece 156 vezes nos outros parágrafos das 658 páginas que compõem as atuais diretrizes da OCDE. Quando se procura entender o seu conteúdo, verifica-se uma espécie de mantra utilizado para lembrar o caráter casuístico que envolve a subjetividade dos diversos aspectos concernentes à matéria dos preços de transferência. Em alguma medida, a expressão aparece para recordar que a análise depende dos fatos e circunstâncias do caso. Não deve causar qualquer perplexidade, portanto, a decisão de o nosso legislador também ter trazido essa expressão para a definição do delineamento.
A constatação acima revelada deve levar em conta que a expressão “circunstâncias econômicas” é uma das características economicamente relevantes da transação e que ela deve também ser identificada no delineamento. Isto, inclusive, será aprofundado mais à frente. É possível que o legislador tenha desejado se referir a essa mesma característica quando isoladamente apontou o termo “circunstâncias” como um dos elementos que devem nortear o delineamento. Essa possibilidade, contudo, leva a uma certa circularidade na interpretação da regra quando a intenção é aplicá-la para identificar as circunstâncias econômicas. Afinal, ter-se-ia que analisar as circunstâncias econômicas para identificar as mesmas circunstâncias econômicas. Ademais, se considerarmos que as características economicamente relevantes não deixam de ser também “fatos” em sentido genérico, o problema da circularidade se estende para essa outra faceta do elemento. Por isso, acho mais sensato compreender a expressão “fatos e circunstâncias” como aquele mantra que indica a subjetividade casuística do delineamento.
O segundo elemento que deve nortear o delineamento é a análise das evidências da conduta efetiva das partes. Apesar de também não haver referência a esse elemento naqueles parágrafos que tratam da parte introdutória do delineamento, sua utilidade é bem manifestada em três das características economicamente relevantes que serão depois detalhadas, quais sejam, os termos contratuais, a análise de riscos e as estratégias negociais.
O § 2º do próprio art. 7º da lei anuncia a relevância da análise desse elemento. Sempre que a análise demonstrar que os fatos, as circunstâncias e as evidências da conduta efetiva das partes divergem daquilo que foi identificado nos contratos formalizados, nos documentos apresentados e na documentação a ser transmitida à Receita Federal de conformidade com o seu art. 34, para fins do delineamento, prevalecerá o que resultou da análise. É o acolhimento do conceito da substância factual, expressamente invocado pelas diretrizes da OCDE20, ou substância econômica, denominação preferida pela regulamentação americana21.
O terceiro elemento da definição, correspondente ao primeiro objetivo que deve ser identificado, trata das relações comerciais e financeiras entre as partes relacionadas. Conforme estipulado pela lei no seu art. 3º, esse elemento está associado com o próprio conceito de transação controlada na medida em que esta “compreende qualquer relação comercial ou financeira entre 2 (duas) ou mais partes relacionadas, estabelecida ou realizada de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações”. Perceba-se, assim, que o delineamento da transação controlada tem como primeiro objetivo a identificação de algo que dá vida à transação controlada. A constatação de que há uma transação que precisa ser controlada pressupõe a existência de uma relação comercial ou financeira entre as partes.
Depreende-se dessa conexão, que a identificação de uma determinada relação comercial ou financeira entre partes relacionadas, ainda que não tenha sido formalizada, poderá ensejar uma transferência de valor material suscetível de ser remunerada em bases arm’s length. Será, portanto, uma transação controlada. As diretrizes da OCDE exemplificam esses tipos de relação com as seguintes situações22: o fornecimento de assistência técnica, a existência de efeitos de sinergia de grupo que decorram de uma ação deliberada23 e a cessão de know-how entre profissionais.
A identificação das relações comerciais ou financeiras consiste, portanto, na delimitação do escopo objetivo do controle dos preços de transferência. Conjuntamente com a delimitação das partes relacionadas (escopo subjetivo) à pessoa jurídica domiciliada no País, essas operações conformam o pressuposto fático que impõe a execução daquele controle24.
Por fim, a definição de delineamento apresenta um último elemento, correspondente ao segundo objetivo que deve ser identificado, que trata das características economicamente relevantes.
As primeiras diretrizes da OCDE, divulgadas em 1995, misturavam as etapas do delineamento e da análise de comparabilidade num mesmo tópico do seu primeiro capítulo intitulado comparability analysis. Não havia, de fato, uma clara referência ao delineamento. Dizia-se que a aplicação do princípio arm’s length era geralmente baseada numa comparação das condições da transação controlada com as de transações não controladas. Para que essa comparação fosse útil, as características economicamente relevantes das situações que estavam sendo comparadas deveriam ser suficientemente comparáveis. A fim de se estabelecer o grau de comparabilidade e a exigência de ajustes, seria necessário comparar os atributos das transações ou empresas que poderiam afetar a negociação de condições em bases arm’s length. Os atributos que poderiam ser importantes incluíam as características dos bens e serviços transferidos, as funções desempenhadas pelas partes (levando-se em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos), os termos contratuais, as circunstâncias econômicas das partes e as estratégias negociais buscadas pelas partes. Logo em seguida, as diretrizes de 1995 discutiam os detalhes desses cinco atributos sob o título factors determining comparability25. Com isso, reproduzia-se a denominação que já era utilizada e consagrada pela regulamentação americana, qual seja, a expressão “fatores de comparabilidade”26.
Com as alterações que sucederam a versão inicial, essa parte das diretrizes acabou sendo completamente reformulada e ampliada. O delineamento, apesar de não ser explicitamente tratado como uma etapa, nem merecer um tópico que enaltecesse a sua importância, é mencionado em diversos parágrafos do primeiro capítulo. Paralelamente, o fato de a análise de comparabilidade ter sido destacada para o terceiro capítulo torna intuitivo que a aplicação do princípio arm’s length se desenvolve em duas etapas claramente realizadas em momentos diferentes27.
Nesse bojo, as diretrizes promoveram uma explícita equiparação das expressões “características economicamente relevantes” e “fatores de comparabilidade” ao se referirem a elas, em pé de igualdade, no parágrafo que apresenta os mesmos cinco atributos que já eram considerados importantes desde a versão de 199528. Mesmo que naquela versão já se fizesse uso daquela primeira expressão, ao dizer que as características economicamente relevantes das situações que estavam sendo comparadas deveriam ser suficientemente comparáveis, é difícil imaginar o motivo da sua enfatização nas versões que a sucederam. De qualquer sorte, mesmo que possa ter mudado sua preferência para essa expressão, importa notar que a OCDE não ousou abandonar a consagrada designação “fatores de comparabilidade”. Em suma, essas expressões devem ser tratadas como sinônimos.
O nosso legislador, no entanto, manifestou clara preferência ao eleger tão somente a expressão “características economicamente relevantes” como o segundo objetivo do delineamento. Ainda assim, não deixou de acolher a expressão “fatores de comparabilidade” quando se referiu à lista de critérios para a determinação dos termos e condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas no âmbito do processo de consulta específico em matéria de preços de transferência (art. 38, § 1º, III, da lei). Mesmo que possa ter sido um deslize de coerência, fica a ideia de que as expressões são também sinônimas na nossa legislação.
O objetivo de identificar as características economicamente relevantes associadas à transação controlada possui uma finalidade muito clara que está assentada no art. 9º, I, da lei. Com efeito, esse dispositivo anuncia que a análise de comparabilidade considerará, entre outras coisas, mas em primeiro lugar, “as características economicamente relevantes da transação controlada e das transações entre partes não relacionadas”. Assim, no âmbito do delineamento, há que se identificar essas características no contexto da transação controlada para, depois, conhecendo-as, levá-las em consideração no âmbito da análise de comparabilidade. Nesta, certamente e na medida do possível, haverá que se identificá-las também no contexto das transações não controladas. Nada obstante, essa outra identificação já foge do escopo do tema do delineamento. O que aqui não se pretende.
Concentremo-nos, então, nos elementos que devem ser identificados.
2. As relações comerciais ou financeiras
Como já divulgado, as relações comerciais ou financeiras entre partes relacionadas estão associadas ao conceito de transações controladas por força da correspondência estabelecida no art. 3º da lei. Sempre que daquelas relações surgir uma transferência de valor material, haverá que se remunerá-la em bases arm’s length. Ainda que não se tenha celebrado um contrato ou formalizado qualquer documento, existirá uma transação que precisa ser examinada para fins do controle dos preços de transferência. Será, portanto, uma transação controlada.
Embora possa ser percebida uma grande amplitude no fato de a lei se referir a qualquer relação comercial ou financeira, o art. 3º não diz muito sobre o conceito de transações controladas. Apenas transmite a ideia de que a relação pode ser estabelecida de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações.
As diretrizes da OCDE revelam que o típico processo de identificação das relações comerciais ou financeiras (assim como das características economicamente relevantes vinculadas àquelas relações) requer uma compreensão abrangente do setor da atividade em que o grupo multinacional opera (por exemplo, mineração, farmacêutico, bens de luxo) e dos fatores que afetam a performance de qualquer negócio atuando naquele setor. Essa compreensão resulta de uma visão geral de como o grupo responde àqueles fatores, incluindo: suas estratégias de negócios, mercados, produtos, cadeias de suprimento, funções desempenhadas, ativos utilizados e riscos assumidos. Essa informação provavelmente estará descrita no chamado master file, que faz parte da documentação fornecida pelo contribuinte no contexto de suas obrigações acessórias especialmente desenvolvidas para o controle dos preços de transferência (é o caso das informações previstas no art. 34, III e IV, da nossa lei)29.
O processo então se estreita para, no âmbito de cada membro do grupo multinacional, identificar como ele opera e analisar o que ele faz (por exemplo, produção, vendas). Nesse contexto, chega-se à identificação das relações comerciais ou financeiras estabelecidas com as empresas associadas (as transações realizadas entre os membros)30.
Apesar de a lei não especificar uma tipologia de transações, é possível inferir algumas categorias que ilustram a amplitude do conceito. De pronto, intuitivamente, já se sabe que nele estão contidas as transações que envolvem a transferência de bens e a prestação de serviços. Por sua vez, do conteúdo da lei, pode-se extrair outras espécies daquelas categorias mais genéricas. É o caso das commodities, intangíveis no sentido amplo, intangíveis de difícil valoração, serviços intragrupo, contratos de compartilhamento de custos, reestruturação de negócios e operações financeiras. Como subespécies destas últimas, tem-se as operações de dívida, as garantias intragrupo e os acordos de gestão centralizada de tesouraria. Seria possível, ainda, imaginar outras categorias que, em maior ou menor medida, já estariam enquadradas nas espécies abordadas pela lei. Por exemplo, a alienação de participações societárias, a transferência de funções empresariais, a cessão de direitos, a locação de bens, o licenciamento de intangíveis, operações de empréstimo etc.
Maiores dúvidas causam as figuras conceituais expressamente referidas no trecho final daquele art. 3º. Afinal, em que situações uma relação comercial ou financeira seria estabelecida ou realizada de forma indireta? Se é verdade que um contrato revela uma relação comercial ou financeira, quais de seus aspectos podem efetivamente configurar uma transação? O que seriam arranjos sob qualquer forma? Para serem caracterizadas como uma transação controlada, a série de transações deverá envolver apernas partes relacionadas ou será possível a participação de partes independentes?
Por mais que se possa especular sobre respostas para essas perguntas e, mesmo, sobre os conteúdos daquelas figuras conceituais, a lei não desenvolveu o assunto. Pode ser que os exemplos inseridos na parte anexa da regulamentação administrativa recentemente publicada, esclareçam alguma questão31. Mas a verdade é que nem mesmo as diretrizes da OCDE trataram o tema dessa maneira. Conquanto o termo arrangements (que pode ter inspirado a ideia de “arranjos”) apareça em diversos parágrafos daquelas diretrizes refletindo o sentido de transação, especialmente no âmbito dos cost contribution arrangements, não há indícios claros de que as noções de “relação estabelecida ou realizada de forma indireta” e “série de transações” tenham sido utilizadas.
A legislação na qual se pôde encontrar uma abordagem com alguns conceitos mais próximos foi a do Reino Unido. Com efeito, a Seção 150 do ato que cuida da tributação internacional naquele país define a noção de “série de transações” fazendo referência à noção de “arranjo”, assim: “série de transações inclui referências a um número de transações, cada uma delas estabelecida (em sequência ou não) na busca de ou em relação a um mesmo arranjo”. Este, por sua vez, é definido de forma um tanto quanto circular: “arranjo”, para fins daquela seção, significa qualquer “esquema ou arranjo de qualquer tipo (seja ou não com a intenção de ser legalmente exigível)”. Ademais, a “série de transações” não é evitada pelo simples fato de uma ou mais transações da série não serem realizadas por duas partes quaisquer32.
3. As características economicamente relevantes
Independentemente de serem compreendidas como elemento que deve ser identificado na etapa do delineamento e serem necessárias para a análise de comparabilidade, as características economicamente relevantes são também apresentadas pelas diretrizes da OCDE no sentido de que elas consistem nas “condições” da transação e nas “circunstâncias” economicamente relevantes nas quais a transação ocorre33. Essa revelação pode causar alguma estranheza porque “condições”, segundo o princípio arm’s length, é justamente o elemento que deve ser estabelecido no âmbito da transação controlada em conformidade com aquilo que é estabelecido entre partes independentes. Importa, assim, aprofundar o conteúdo dessas nomenclaturas para que não restem dúvidas sobre o seu alcance.
Como já anunciado, algumas condições são conhecidas como valorativas (valuation conditions) porque se referem ao indicador financeiro (preço, margem ou divisão de lucro) associado ao método mais apropriado para os fatos e circunstâncias da transação controlada, o qual deve ser escolhido dentre os apresentados no art. 11 da lei. Há, entretanto, outras condições que estão relacionadas com a estrutura da transação. São conhecidas por alguns autores como condições estruturais (structural conditions) e derivam da própria linguagem utilizada pelas diretrizes da OCDE para se referir ao conjunto de aspectos que individualizam uma transação34. Nesse sentido, como será adiante aprofundado no tópico que vai tratar do teste da racionalidade da transação delineada, reconhece-se que existe uma estrutura da transação (cujas condições estruturais podem ser reestruturadas) porque aquelas diretrizes enfatizam que a “reestruturação” de transações negociais legítimas seria um exercício totalmente arbitrário35 e que a “estrutura” que substitua aquela que foi adotada pelos contribuintes deve ser conformada tão próxima quanto possível com os fatos da transação efetivamente postos em prática36.
Portanto, de conformidade com o entendimento da OCDE, as características economicamente relevantes compreendem as condições (sem distinção de serem estas valorativas ou estruturais) e as circunstâncias (também qualificadas como economicamente relevantes). Além disso, as diretrizes apresentam essas características em categorias que se equiparam àqueles mesmos cinco atributos reconhecidos como fatores de comparabilidade desde a edição inicial de 1995, isto é: (i) os termos contratuais da transação; (ii) as funções desempenhadas por cada uma das partes, levando-se em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos, incluindo como aquelas funções se relacionam com a ampla geração de valor pelo grupo multinacional no qual as partes pertencem, as circunstâncias que envolvem a transação e as práticas industriais; (iii) as características dos bens transferidos ou dos serviços prestados; (iv) as circunstâncias econômicas das partes e do mercado no qual as partes operam; e (v) as estratégias negociais buscadas pelas partes37.
Ainda que um pouco mais elaboradas, vê-se que as cinco características são essencialmente as mesmas. Um destaque especial merece apenas a inserção da ideia da relação das funções desempenhadas com a ampla geração de valor pelo grupo multinacional. Essa maior preocupação com a criação de valor no seio dos grupos multinacionais e sua interação com o tema dos preços de transferência foi o que motivou muitas das alterações incluídas na versão 2017 das diretrizes da OCDE como resultado das recomendações divulgadas no relatório final das Ações 8 a 10 do Projeto BEPS38.
Se essas cinco categorias de características economicamente relevantes (ou fatores de comparabilidade) são também compreendidas como condições e circunstâncias de alguma forma relacionadas com a transação controlada, cabe investigar como cada uma daquelas categorias poderia se enquadrar num ou noutro destes dois últimos conceitos. Para isso, deve-se notar que o critério distintivo das condições e das circunstâncias da transação está no fato de que as condições são aspectos da transação que são sempre estabelecidos pelas partes envolvidas. Tanto é que o princípio arm’s length é peremptório ao declarar que elas (as condições) devem ser estabelecidas (pelas partes relacionadas) tal qual seriam estabelecidas por partes independentes. Por sua vez, as circunstâncias apresentam-se como situações da realidade fática que não podem ser estabelecidas pelas partes envolvidas na transação. Nesse sentido, dessa forma se apresentam as circunstâncias econômicas das partes e do mercado no qual as partes operam (quarta categoria das características economicamente relevantes)39.
Percebe-se então que quatro das cinco categorias acima referidas denotam aspectos da transação que são estabelecidos pelas partes. Apenas as circunstâncias econômicas não se apresentam como tais porque correspondem a situações da realidade fática fora da esfera de atuação das partes. Nesse contexto, a noção de “termos”, posta lado a lado com as “condições” pelo art. 2º da lei brasileira, pode ser equiparada aos termos contratuais (primeira categoria das características economicamente relevantes). Não deixam de ser condições porque também são estabelecidos pelas partes, porém, como foram destacados pela lei, parece adequado tratá-los como uma espécie distinta de condições.
Em resumo, há cinco categorias de características economicamente relevantes (também conhecidas como fatores de comparabilidade). Dentre as quais, quatro apresentam-se como aspectos da transação que são estabelecidos pelas partes (termos e condições). A outra delas, as circunstâncias econômicas, não se apresenta dessa forma porque são situações da realidade fática.
Ademais, é intuitivo que as funções, ativos e riscos (segunda categoria), as características dos bens e serviços (terceira categoria) e as estratégias negociais (quinta categoria) são condições estruturais da transação. Todavia, para além de também revelarem diversos aspectos estruturais, os termos contratuais (primeira categoria) se apresentam também como condições valorativas na medida em que preços, margens ou divisões de lucro sejam assim estabelecidos.
A lei brasileira, nos incisos do art. 7º, repete as diretrizes da OCDE ao destacar as mesmas cinco características economicamente relevantes. O seu caput, no entanto, deixa uma certa obscuridade quando introduz os incisos com a expressão “considerados, ainda:”. Fica parecendo que os itens apresentados nos incisos são fenômenos alheios às características economicamente relevantes. É provável, no entanto, que houve algum descuido na elaboração final do texto. Seus conteúdos se aproximam bastante das cinco características tradicionalmente reconhecidas pela OCDE.
Outro ponto que merece destaque é o fato de o inciso V, depois de apresentar a quinta característica, qual seja, as estratégias de negócios, abrir a perspectiva do tema para novas hipóteses ao prever a possibilidade de haver “outras características consideradas economicamente relevantes”. Deveras, as diretrizes da OCDE também admitem essa possibilidade quando introduz as suas cinco características tradicionais prevendo que elas can be broadly categorised as follows40. Ou seja, há uma abertura para outras categorias e, de fato, como será defendido adiante, existem outras categorias implicitamente tratadas nas diretrizes da OCDE, em alguns documentos oficiais que tratam do assunto e, até mesmo, no texto da nova lei brasileira.
Sem embargo, cumpre analisar primeiro as categorias tradicionais. Considerando os limites e o objetivo do presente trabalho, apenas os aspectos gerais das características economicamente relevantes serão apresentados.
3.1. Os termos contratuais
Os contratos podem ou não estar celebrados na forma escrita. Normalmente, eles definem, explícita ou implicitamente, como riscos, benefícios e responsabilidades são divididos entre as empresas que atuam em uma transação. Apesar de empresas relacionadas frequentemente dispensarem os contratos ou não se sentirem vinculadas aos seus termos, há que se ter em conta que esse não é um comportamento esperado para as transações efetuadas entre partes independentes. Estas são necessariamente vinculadas aos compromissos pactuados em contratos. Os contratos, por si sós, não fornecem toda a informação necessária para o delineamento. Os termos contratuais podem até constituir o ponto de partida, mas é a efetiva conduta das partes que deve determinar as funções, os ativos e os riscos efetivamente associados às transações controladas.
Os contratos buscam refletir a intenção das partes, porém, muitas vezes, os detalhes da transação não se encontram nos termos contratuais, mas, sim, em comunicações trocadas antes de sua celebração. Além disso, a OCDE alerta que informações adicionais serão obtidas quando se considerar as outras quatro categorias de fatores de comparabilidade, quais sejam, as funções desempenhadas por cada parte da transação, levando-se em conta os ativos utilizados e os riscos assumidos, as características dos bens transferidos e dos serviços prestados, as circunstâncias econômicas das partes e dos mercados nos quais elas operam e as estratégias do negócio. Tomadas em conjunto, as análises das cinco categorias fornecerão a evidência da conduta efetiva das partes41.
Como se vê, a “a evidência da conduta efetiva das partes” é um elemento de vital importância na identificação das características economicamente relevantes da transação controlada. Isto é dito já no caput do art. 7º da lei quando se consagra esse elemento como um dos fundamentos do delineamento da transação controlada. Tanto é assim que, adiante, no seu § 2º, a lei deixa clara a sua primazia nessa identificação sobre aquilo que é obtido a partir dos contratos formalizados e da documentação apresentada. Antes disso, no inciso I do caput, a lei já tinha enfatizado a sua importância especificamente no contexto dos termos contratuais. Ou seja, a efetiva conduta das partes é um elemento de fundamental importância na identificação dos fatores de comparabilidade de forma geral, mas, com relação aos termos contratuais, é ainda mais relevante.
A primazia da efetiva conduta das partes demonstra a incorporação da teoria da substância factual em toda a etapa do delineamento proposta pela OCDE42. Com efeito, em suas primeiras versões, as diretrizes associavam a necessidade de se prestigiar a conduta das partes com a teoria da substância econômica43. Claramente inspirado no que já havia sido proposto pela regulamentação americana44, esse conceito chegou a ser também utilizado como um dos requisitos excepcionais para a consecução dos ajustes estruturais (que serão adiante detalhados)45. Nada obstante, muitas críticas sugiram sobre a imprecisão da ideia de substância econômica e, com as recomendações propostas pelo Projeto BEPS, a OCDE abandonou o referido conceito, tanto no que concerne ao tema dos ajustes estruturais quanto na verificação da conduta das partes no delineamento.
Há que se considerar a possibilidade de existirem diferentes graus de fidelidade entre os termos extraídos dos contratos (ou das comunicações e documentos que lhes suplementam) e a efetiva conduta das partes. Pode haver situações em que: (i) ocorre a coincidência entre os termos e a conduta das partes; (ii) os termos não refletem todas as circunstâncias e condições da transação; (iii) há diferenças entre os termos e a conduta no que se refere a algumas das características transação; e (iv) inexistem termos46.
A coincidência entre termos e conduta, obviamente, não carece de explicações. Quanto às demais situações, entretanto, há exemplos nas diretrizes que bem ilustram como a primazia da efetiva conduta deve ser estabelecida.
O primeiro trata de uma situação em que os termos escritos no contrato devem ser clarificados e suplementados pela efetiva conduta das partes47. Suponha que uma empresa P seja a holding de um grupo multinacional e esteja situada no país P. A empresa S é sua subsidiária integral e age como agente dos produtos de marca da empresa P no mercado do país S. O contrato de agenciamento entre as empresas P e S é silente sobre as atividades de marketing e publicidade realizadas no país S. A análise de outras características economicamente relevantes e, em particular, das funções desempenhadas, determina que a empresa S lançou uma intensa campanha de mídia no país S a fim de incrementar a notoriedade da marca. Essa campanha representou um significativo investimento por parte da empresa S. Com base nas evidências providas pela conduta das partes, pode ser concluído que o contrato não reflete toda a extensão das relações comerciais ou financeiras entre as partes. Assim, a análise não deve ser limitada pelos termos registrados no contrato escrito, mas, também, pela efetiva conduta das partes verificada por meio da campanha de mídia realizada pela empresa S.
O segundo ilustra uma situação em que há diferenças entre os termos contratuais e a conduta das partes48. Neste caso, novamente, a empresa S é uma subsidiária integral da empresa P. As partes firmam um contrato no qual a empresa P licencia uma propriedade intelectual para que a empresa S a utilize em seus negócios em troca de pagamentos de royalties. É constatado por meio de outras características economicamente relevantes, em particular das funções desempenhadas, que a empresa P: (i) se engaja em negociações com os clientes da empresa S (partes independentes) para incrementar suas vendas; (ii) presta serviços técnicos regularmente à empresa S para que esta possa entregar as vendas contratadas com seus clientes; e (iii) disponibiliza seus empregados regularmente para que a empresa S possa cumprir os contratos com seus clientes. Uma grande parte dos clientes da empresa S insiste em acrescentar a empresa P na outra ponta do contrato ainda que a totalidade da remuneração seja paga à empresa S. A análise das relações comerciais ou financeiras indica que a empresa S não é capaz de prestar os serviços que lhe são contratados sem um relevante suporte da empresa P nem está desenvolvendo tal capacidade. Nos termos do contrato de licenciamento, a empresa P cedeu os direitos de exploração da propriedade intelectual para a empresa S, porém, de fato, ela mesma controla os riscos do negócio e os resultados da empresa S, de modo que não houve uma transferência dos riscos e funções consistentes com o arranjo licenciado. A identificação da efetiva transação entre as empresas P e S não pode ser definida apenas com base no contrato escrito. A efetiva transação deve ser determinada com base na conduta das partes, uma vez que as funções desempenhadas, os ativos utilizados e os riscos assumidos pelas partes não são consistentes com os termos do contrato celebrado.
O último exemplo expõe uma situação em que não há um contrato escrito49. Algumas relações comerciais ou financeiras entre a empresa P e suas subsidiárias não foram identificadas como transações pelo grupo multinacional. Assim, observa-se que serviços foram prestados por uma empresa independente em favor daquelas subsidiárias e que eles teriam sido contratados e pagos pela empresa P. As subsidiárias não reembolsam a empresa P diretamente ou indiretamente por meio de outras transações. Não há nenhum acordo de serviços entre a empresa P e suas subsidiárias. A conclusão é que, em adição aos serviços prestados pela empresa independente às subsidiárias, há relações comerciais ou financeiras entre a empresa P e suas subsidiárias que ensejam uma transferência de valor material suscetível de ser remunerada. A análise teria, então, que determinar a natureza dessas relações comerciais ou financeiras a partir das características economicamente relevantes a fim de se estabelecer os termos e condições das transações identificadas.
Como pode ser observado, a primazia da conduta corporifica uma espécie de ajuste nas condições declaradas pelas partes acerca da estrutura da transação controlada. Com esse ajuste, garante-se que as condições estruturais da transação controlada identificadas na etapa do delineamento estarão em perfeita harmonia com a teoria da substância factual. Dentre as diversas categorias de ajustes distinguidos por Bullen no âmbito do controle dos preços de transferência, seu trabalho destaca para essa espécie o nome de “ajuste da substância factual”. Segundo esse autor, a ausência de substância factual verificada nos contratos e demais documentos escritos pode ou não ser intencional. Neste sentido, corretamente, alerta que a ausência de substância factual intencionalmente declarada pode configurar hipóteses de fraude ou simulação50.
Para auxiliar a compreensão da matéria, a regulamentação americana lista algumas modalidades de termos contratuais com potencial de se mostrarem economicamente relevantes para o delineamento. São elas: (i) a forma de remuneração cobrada ou paga; (ii) o volume de vendas ou compras; (iii) o escopo e as condições das garantias prestadas; (iv) os direitos sobre alterações, revisões e modificações dos diversos termos contratuais; (v) a duração da licença negociada, do próprio contrato ou de quaisquer cláusulas acordadas, bem como os direitos sobre seu encerramento ou renegociação; (vi) as transações colaterais ou relacionamentos negociais em andamento entre o comprador e o vendedor, incluindo arranjos para o fornecimento de serviços auxiliares ou subsidiários; e (vii) a extensão das condições de crédito e pagamento51.
3.2. A análise funcional
O inciso II do art. 7º da lei reservou para as “funções desempenhadas pelas partes da transação, considerados os ativos utilizados e os riscos economicamente significativos assumidos” o status de segunda característica economicamente relevante. De fato, essa referência às funções desempenhadas, sempre associadas com os ativos utilizados e os riscos assumidos, é uma alusão que, desde as primeiras versões, aparece em diversas partes das diretrizes da OCDE. Sob o título “análise funcional”, em poucos parágrafos, eram reunidas todas as recomendações então consideradas importantes para a correta identificação da alocação daqueles três elementos (funções, ativos e riscos) em cada parte da transação controlada52. A experiência adquirida e a dimensão global dos profissionais que atuavam no controle dos preços de transferência permitiu o desenvolvimento de rotinas que se tornaram parâmetro até mesmo para as auditorias realizadas pelos diferentes fiscos. Neste sentido, o primeiro estágio dessas rotinas era reconhecido como a coleta de informações para a análise funcional com o objetivo de se ter uma profunda compreensão dos negócios empreendidos pelo grupo multinacional53. Na prática, o resultado da análise funcional confundia-se com o que hoje se extrai da etapa do delineamento.
Com as alterações promovidas nas diretrizes pelo Projeto BEPS, a análise funcional ganhou uma nova configuração. Em consonância com o objetivo de alinhar a atribuição de lucros pelas diferentes jurisdições com a geração de valor no seio dos grupos multinacionais, a identificação dos riscos assumidos recebeu amplo destaque. Foi criada, assim, uma enorme e complexa subseção denominada “análise de riscos nas relações comerciais ou financeiras” dentro da seção da análise funcional54. Neste trabalho, os pontos de maior relevo da análise de riscos serão apresentados no próximo tópico. Por enquanto, fiquemos com os demais aspectos da análise funcional.
A análise funcional procura identificar as atividades efetivamente realizadas pelas partes e as capacidades que elas exercem no grupo, incluindo sua participação no processo decisório. Para esse propósito é importante compreender a estrutura e a organização de todo o grupo multinacional, bem como a influência das partes controladas sobre o contexto no qual o grupo opera. Em particular, é essencial associar a contribuição das funções desempenhadas pelas partes com a cadeia de geração de valor do grupo e apontar a interdependência dessas funções. Nesse quadro, deve-se destacar os direitos e as obrigações de cada parte e a relevância econômica das funções exercidas em termos de frequência, natureza e valor para as respectivas partes. A análise funcional também deve identificar os ativos utilizados considerando seus diferentes tipos (como equipamentos e instalações, intangíveis e ativos financeiros) e características (como idade, valor de mercado, condições de locação e direitos de proteção da propriedade)55.
Quando a análise se depara com funções fragmentadas entre várias empresas do grupo e que se sejam altamente integradas, será necessário determinar se as funções são interdependentes, qual a natureza dessa interdependência e como a atividade comercial é coordenada no grupo. As diretrizes da OCDE exemplificam essa situação com a hipótese de um grupo no qual as funções de logística, armazenamento, marketing e vendas são separadas. As atividades de vendas são provavelmente muito dependentes do marketing, de modo que o impacto de uma campanha de marketing precisa ser antecipado no setor de vendas e, por sua vez, essa antecipação deve também ser alinhada com o processamento dos estoques e as capacidades logísticas. A função de coordenação pode ser realizada por uma, algumas ou todas as empresas que realizam as atividades fragmentadas56.
Os perfis funcionais tipicamente utilizados por empresas industriais podem ser categorizados como: (i) de fabricação completa (full fledged manufacturers), as quais incorporam todas as funções e os riscos da atividade, tomam decisões por si sós, compram as matérias-primas, fabricam os produtos finais, desenvolvem e exploram o mercado desses produtos, detêm a propriedade intelectual e mantêm estoques dos bens produzidos; (ii) sob contratos de encomenda (contract manufacturers), as quais fabricam os produtos para o grupo multinacional de acordo com as condições e as garantias estabelecidas num contrato, geralmente detêm a expertise e a propriedade intelectual para a produção (mas não para o produto em particular) e mantêm os estoques dos bens produzidos; (iii) sob contratos de remuneração continuada (toll manufacturers), as quais fabricam os produtos finais de acordo com especificações e matéria-prima fornecidas pelo grupo, suportam riscos e responsabilidades mínimas, detêm limitados direitos de propriedade intelectual ou tecnologia de fabricação e não mantêm estoques; e (iv) de montagens de baixo risco (low risk assemblers), as quais realizam simples montagens de acordo com especificações e componentes fornecidos pelo grupo, não suportam riscos e responsabilidade, não possuem diretos de propriedade intelectual e não mantêm estoques.
Por sua vez, os perfis funcionais de empresas revendedoras podem ser assim categorizados: (i) de revenda completa (full fledged resellers), as quais incorporam todas as funções e os riscos da atividade de revenda, tomam decisões por si sós ou sofrem pouca interferência, compram os bens a serem revendidos, realizam significativos esforços de marketing, assumem os riscos do marketing realizado (podendo também assumir os do produto) e mantêm estoques dos bens para revenda; (ii) de distribuição com riscos limitados (limited risk ou stripper distributors), as quais se assemelham às empresas de revenda completa, porém, sem a realização de atividades de marketing e assunção dos correspondentes riscos, não possuem intangíveis valiosos e mantêm pequeno estoque com riscos limitados sobre eles; e (iii) agentes comissionados (comissioned agents), os quais efetuam as vendas em nome de outras empresas do grupo sem adquirir a propriedade dos bens revendidos, não assumem riscos e não mantêm estoques.
Por último, as empresas prestadoras de serviços podem ser classificadas em duas categorias: (i) de prestação completa de serviços (full fledged services), as quais tomam suas próprias decisões e assumem todos os riscos sobre os serviços prestados, investem nos ativos utilizados, empregam funcionários altamente qualificados e detêm tanto intangíveis únicos e valiosos quanto intangíveis rotineiros; e (ii) de prestação de serviços contratados (contract services), as quais assumem riscos limitados, investem em ativos de baixo valor, empregam funcionários menos qualificados e detêm apenas intangíveis rotineiros.
Os seguintes exemplos de funções que podem se mostrar relevantes para o delineamento são listados pela regulamentação americana: a pesquisa e desenvolvimento, a engenharia do produto, a produção, a montagem, a extração, a prestação de serviços, as compras de materiais, a armazenagem, a distribuição, o estoque, o marketing, a publicidade, os transportes, as atividades financeiras, a contabilidade, as atividades jurídicas e as atividades de gestão57.
3.3. A análise de risco
Como já revelado, a análise de risco foi destacada da análise funcional nas últimas versões das diretrizes por obra do Projeto BEPS. Essa iniciativa revela a grande atenção dedicada ao tema pelos diversos países reunidos sobre a liderança da OCDE. Com efeito, num mundo de ampla liberdade dos fluxos financeiros, houve a necessidade de se enfatizar a preocupação com o ingrediente básico da geração de lucros, base tributária comum imposta aos grupos multinacionais, na medida que eles se mostram facilmente transferíveis para jurisdições de baixa tributação. Em particular, conceitos extraídos das análises de riscos concebidas no âmbito das ciências econômicas, já bem assimilados e largamente utilizados pelas multinacionais em seus procedimentos internos, foram incorporados. São eles, contudo, mais difíceis de serem apreendidos58. Por isso, mereceram maior destaque.
Geralmente, no mercado aberto, o acréscimo na assunção de riscos será compensado por um aumento na expectativa de retorno do investimento. Isto ocorre ainda que o referido risco não venha a se materializar. O risco é inerente a qualquer atividade empresarial. As empresas se engajam em suas atividades comerciais porque buscam oportunidade de gerar lucros. Essas oportunidades, no entanto, carregam incertezas como a quantidade de recursos necessária para o empreendimento e a própria geração dos lucros projetados. Não obstante o destaque que lhe foi reservado, as diretrizes da OCDE deixam claro que a identificação dos lucros “anda de mãos dadas” com a identificação das funções e ativos, sendo parte integrante do processo de identificação das relações comerciais ou financeiras existentes entre empresas associadas e do próprio delineamento das transações controladas59.
Assim sendo, é necessário analisar quais riscos foram assumidos, quais das funções desempenhadas estão relacionadas ou afetam a assunção ou o impacto desses riscos e qual parte (ou partes) da transação assumiram esses riscos. Para facilitar essa análise, as diretrizes fornecem um roteiro de seis etapas que encaminha as providências que devem ser tomadas da seguinte forma: (i) identificar de forma específica os riscos economicamente significativos; (ii) determinar como esses riscos são contratualmente assumidos pelas empresas associadas de conformidade com os termos estabelecidos; (iii) determinar como essas empresas operam em relação à assunção e ao gerenciamento daqueles riscos, em particular qual empresa (ou empresas) realiza as funções de controle e mitigação dos riscos, qual empresa (ou empresas) suporta as consequências positivas e negativas dos riscos e qual empresa (ou empresas) possui a capacidade financeira para assumir os riscos; (iv) confirmar se a assunção dos riscos é consistente com a conduta das partes e outros fatos do caso analisado, especialmente, se as empresas seguem os termos contratuais e se a empresa (ou empresas) que assumiu os riscos na conformidade desses termos exerce o controle sobre os riscos e possui a capacidade financeira de assumi-los; (v) adequar a alocação dos riscos se a conduta efetiva das partes evidenciada na etapa anterior não se conformar com os termos contratuais; e (vi) precificar a transação controlada considerando a alocação de riscos confirmada ou adequada de acordo com as etapas anteriores, bem como reservando uma eventual compensação residual (risk-free ou risk-adjusted) para funções de gerenciamento dos riscos60.
Perceba-se que o roteiro está perfeitamente harmonizado com os comandos singelos positivados nos §§ 3º e 4º do art. 7º da lei. Deveras, no § 3º, é assentado que os riscos economicamente significativos a que se refere o inciso II do caput (que trata da segunda categoria de características economicamente relevantes, aquelas identificadas na análise funcional) consistem nos riscos que influenciam significativamente os resultados econômicos da transação. Por sua vez, no § 4º diz-se que os riscos economicamente significativos serão considerados assumidos pela parte da transação controlada que exerça as funções relativas ao seu controle e que possua a capacidade financeira para assumi-los. Ademais, como no tópico dos termos contratuais, a efetiva conduta das partes cumpre um relevante papel também na análise de riscos. Mais uma vez, é a primazia da conduta concretizando a teoria da substância fática expressamente consagrada no § 2º do art. 7º.
Com relação às espécies de riscos que podem ser identificados no contexto da primeira etapa, a regulamentação americana enumera exemplos que auxiliam a tarefa. São eles: os riscos de mercado, os riscos associados ao sucesso ou falha das atividades de pesquisa e desenvolvimento, os riscos financeiros, incluindo a flutuação de taxas de câmbio e de juros, os riscos de crédito, os riscos de cobrança, os riscos de responsabilidade sobre o produto e os riscos gerais do negócio relacionados à propriedade de ativos61. As diretrizes da OCDE, por seu turno, detalham várias espécies de riscos enquadrados nos seguintes gêneros: riscos estratégicos ou do mercado, riscos das infraestruturas ou operacionais, riscos financeiros, riscos transacionais e riscos de eventos fortuitos62.
O gerenciamento de riscos suscitado na terceira etapa da análise de riscos refere-se à função de avaliar e responder aos riscos associados com a atividade comercial. Esse gerenciamento compreende três elementos: (i) a capacidade de tomar decisões sobre assumir, renunciar ou declinar uma oportunidade que envolva riscos; (ii) a capacidade de tomar decisões sobre e como responder aos riscos associados àquela oportunidade e à performance efetiva dessa decisão; e (iii) a capacidade de mitigar os riscos, ou seja, de tomar medidas que afetem os resultados dos riscos e a performance dessa mitigação63.
O controle dos riscos, também mencionado na terceira etapa da análise de riscos, refere-se aos dois primeiros elementos do gerenciamento de riscos. Não é necessário que uma parte realize a mitigação cotidiana dos riscos referida no terceiro elemento para que ela detenha o seu controle. Essa mitigação cotidiana pode ser terceirizada, mas, se isto for feito, o controle dos riscos vai exigir que a parte tenha a capacidade de determinar os objetivos das atividades terceirizadas, de decidir quem vai mitigar os riscos, de avaliar se os objetivos da terceirização estão sendo atingidos e, quando necessário, decidir sobre o encerramento ou a adaptação dos termos do contrato de terceirização64.
3.4. As características dos bens, direitos e serviços
As características dos bens e serviços são o fator de comparabilidade que melhor explica eventuais diferenças nos preços de transações comparáveis. São exemplos de características que influem na comparação: no caso de bens tangíveis, a aparência física, a qualidade, a quantidade, a confiabilidade, a disponibilidade e o volume da oferta; no caso da prestação de serviços, a sua natureza e extensão; no caso de bens intangíveis, o seu tipo (patente, trademark, know-how etc.), a forma e duração da transação (venda ou licenciamento), o grau de proteção e os benefícios esperados65. Além disso, pode-se acrescentar: para o caso das operações financeiras, o valor do principal, o prazo de pagamento, a classificação do risco, a garantia, a solvência do devedor e a taxa de juros; e para o caso das participações societárias, o capital atualizado do emissor, o valor presente dos lucros projetados ou dos fluxos de caixa e o valor de mercado da data da transação66.
Há também a possibilidade de os intangíveis estarem conjugados com bens tangíveis ou serviços (embedded intangibles)67. Nesse caso, a presença do intangível será mais um fator a ser considerado na análise de comparabilidade do bem tangível ou serviço conjugado.
Nesse contexto, cumpre notar que a lei brasileira incluiu também os “direitos” nesta terceira categoria das características economicamente relevantes (art. 7º, III). Talvez tal inclusão fosse desnecessária porque não existe esse componente nas diretrizes da OCDE e seu conteúdo pode ser extraído da ideia dos bens intangíveis. Provavelmente, trata-se de um resquício do paradigma adotado pela Lei n. 9.430/1996 que considerava de forma ampla os “bens, serviços e direitos” como o aspecto objetivo do escopo do controle dos preços de transferência68.
Dependendo do método escolhido como mais apropriado dentre os previstos no art. 11 da lei, este fator de comparabilidade terá um maior ou menor peso. Geralmente, o atributo é mais determinante para o Preço Independente Comparável (PIC), a nossa versão do método internacionalmente conhecido como Comparable Uncotrolled Price (CUP). Neste método, qualquer diferença material nas características dos bens ou serviços pode ter um efeito no preço que vai requerer um adequado ajuste de comparabilidade. Nos outros métodos, essas diferenças terão menor impacto sobre o respectivo indicador financeiro que deve ser comparado. Isto, contudo, não significa que essas características podem ser ignoradas porque diferenças neste fator de comparabilidade poderão ensejar ou refletir diferenças nas funções desempenhadas, nos ativos utilizados e/ou nos riscos assumidos pela parte testada, que é onde será aplicado o pertinente indicador financeiro em consonância com o art. 15 da lei69.
3.5. As circunstâncias econômicas
Ainda que os bens ou serviços objeto das transações comparadas possuam as mesmas características, seus preços podem variar nos diferentes mercados em que aquelas transações ocorrem. Destarte, ajustes de comparabilidade serão necessários sempre que diferenças materiais sejam verificadas nos preços (ou em outro indicador financeiro, dependendo do método mais apropriado) comparados. Neste sentido, o inciso IV do art. 7º da lei referenda “as circunstâncias econômicas das partes e do mercado em que operam” como a quarta característica economicamente relevante (fator de comparabilidade) que deve ser identificada na etapa do delineamento.
As diretrizes da OCDE apontam algumas das circunstâncias econômicas que podem ser consideradas relevantes: a localização geográfica; o tamanho dos mercados; a competitividade nos mercados e a posição relativa dos compradores e vendedores; a disponibilidades de bens e serviços substitutos; os níveis de oferta e demanda no mercado como um todo e em regiões particulares; o poder de compra dos consumidores; a natureza e a extensão da regulamentação governamental no mercado; os custos de produção, incluindo custos da terra, do trabalho e do capital; os custos de transportes; e a existência de um ciclo econômico, de negócios ou de produção70.
A localização geográfica da parte testada (no caso de o método mais apropriado exigir essa consideração nos termos do art. 15 da lei) tem potencial de ser uma expressiva circunstância econômica no controle de preços de transferência que será agora conduzido no país. Com efeito, a ausência de empresas comparáveis no mercado doméstico pode ser uma realidade nas inúmeras situações em que a parte testada esteja localizada no Brasil. Ajustes de comparabilidade serão necessários para assegurar um nível de comparabilidade minimamente aceitável em relação aos mercados brasileiros. Nesse sentido, uma interessante abordagem vem sendo utilizada no México com a utilização do chamado ajuste do risco país. De conformidade com essa abordagem, sempre que não forem utilizados comparáveis domésticos, os indicadores de rentabilidade são ajustados de acordo com as taxas de juros relativas dos títulos governamentais emitidos pelos países da parte testada e da empresa comparável. Como parâmetro de aferição das taxas de juros relativas, aquele país aceita os Emerging Markets Bond Index (EMBI), operados pelo J. P. Morgan71.
Dois aspectos do atributo localização geográfica ganharam notoriedade na década passada. São as economias de custo (location savings) e as outras características de mercado (other local market features) que foram incluídas no escopo das circunstâncias econômicas das diretrizes da OCDE por obra do Projeto BEPS72. Esses aspectos vinham sendo crescentemente reforçados nas auditorias conduzidas por países que figuram como novos players do capitalismo mundial, como a China e a Índia, resultando em relevantes ajustes nos preços de transferência das empresas estabelecidas em seus territórios73. Tanto que a China já havia transportado para o cenário internacional um conceito mais amplo de location specific advantages (LSA), que inclui as locations savings, desde a primeira edição do manual que foi elaborado pela ONU para tratar da matéria dos preços de transferência74.
As location savings são definidas como economias líquidas de custo obtidas por um grupo multinacional como resultado da realocação de suas operações de uma jurisdição de alto para uma jurisdição de baixo custo. Tipicamente, essas economias são obtidas nos custos de pessoal, matéria-prima, transporte, aluguéis, treinamento, subsídios, incentivos ou isenções tributárias e infraestrutura. As LSA, por sua vez, são definidas como quaisquer benefícios obtidos em razão da localização geográfica. Além dos benefícios alcançados com as próprias location savings, incluem os que são contraídos a partir de conhecimentos e habilidades de uma força de trabalho altamente especializada; da proximidade de mercados consumidores locais ou regionais em crescimento; de uma grande base de clientes com expansiva capacidade de consumo; de uma infraestrutura avançada (por exemplo, redes de comunicação/informação e sistema de distribuição); e da diferença entre o retorno esperado do mercado e o retorno de ativos livre de risco (market premium). Os acréscimos ao lucro do grupo multinacional derivados das LSA são chamados de location rents e deverão ser alocados às empresas do grupo de acordo com critérios que envolvem a competitividade do produto final e a acessibilidade às LSA verificadas naquele mercado.
3.6. As estratégias de negócios
As estratégias utilizadas pelas empresas para atingir os seus objetivos negociais são também uma característica economicamente relevante. Esse fator de comparabilidade foi expressamente incluído no inciso V do art. 7º da lei brasileira. Um aspecto comum a essas estratégias é o componente subjetivo que lhes é peculiar, tornando bastante difícil a comprovação de sua veracidade e a avaliação dos ajustes de comparabilidade que possam ser efetuados.
As diretrizes da OCDE apontam como exemplos dessas estratégias: a inovação e o desenvolvimento de novos produtos, o seu grau de diversificação, a aversão ao risco, os planos de adequação às mudanças políticas e leis trabalhistas, a duração dos arranjos e outros fatores que influenciem a condução cotidiana dos negócios. Além desses, sobressaem as estratégias de penetração no mercado. Neste sentido, um contribuinte que busca penetrar, defender ou aumentar sua participação em um mercado pode, temporariamente, praticar preços para seus produtos inferiores do que aqueles cobrados por seus competidores ou incorrer em custos mais elevados (por exemplo, esforços iniciais de instalação ou de campanhas de marketing)75.
A questão temporal na avaliação das estratégias de negócio pode representar uma fonte de problemas para as administrações tributárias. Normalmente, sua lógica envolve reduções presentes da lucratividade com vistas à obtenção de maiores lucros no futuro. Se no futuro essa expectativa não se materializar, limitações temporais existentes nas legislações domésticas no tocante ao lançamento de ofício poderão impedir o exame dos períodos em que a estratégia ocorreu76. É o caso brasileiro com os prazos decadenciais previstos nos arts. 150, § 4º, e 173, I, do Código Tributário Nacional (CTN).
O que pode tentar amenizar essa adversidade são algumas recomendações de consistência e plausibilidade sugeridas pelas diretrizes. Em vista disso, a administração tributária deve examinar a conduta das partes para determinar se ela é consistente com a estratégia negocial proposta. Nesse contexto, não custa lembrar que, de acordo com o caput e o § 2º do art. 7º da lei brasileira, a evidência da conduta efetiva das partes é um elemento decisivo para todas as características economicamente relevantes. Por exemplo, se uma indústria cobra da empresa associada distribuidora de seus produtos um preço abaixo do mercado como parte de uma estratégia de penetração no mercado, a economia no custo de aquisição do produto deve estar refletida no preço praticado no mercado consumidor ou, ao menos, em acréscimos nas despesas incorridas com as vendas pela empresa distribuidora77.
Uma estratégia de penetração no mercado pode ser adotada tanto por uma empresa industrial quanto por uma revendedora que aja de forma independente de modo que o custo da estratégia vai ser suportado por quem a implementou. Em outros casos, poderá haver uma ação coordenada na qual os custos sejam repartidos. Observa-se, ainda, que esforços intensos de marketing e publicidade normalmente são motivados por estratégias de penetração ou de expansão no mercado. Nesse cenário, um aspecto a ser verificado é se a natureza da relação entre as partes da transação controlada seria consistente com o fato de o contribuinte examinado suportar os custos da estratégia. Por exemplo, em transações arm’s length, uma empresa agindo apenas na condição de agente, com pouca ou nenhuma responsabilidade pelo desenvolvimento do negócio de longo prazo no mercado, normalmente não suportaria os custos de uma estratégia de penetração naquele mercado. Por outro lado, quando uma empresa realiza atividades de desenvolvimento no mercado assumindo o seu próprio risco e incrementando o valor da marca ou o goodwill associado com o produto, essa situação deve ser refletida na análise das funções para os propósitos do delineamento78.
Com relação à plausibilidade da estratégia adotada, é importante verificar se há uma expectativa razoável de se produzir um retorno suficiente para justificar os custos incorridos dentro de um lapso de tempo que seria aceitável num arranjo arm’s length. Reconhece-se que uma estratégia de penetração de mercado pode falhar e que isso não pode ser ignorado para os propósitos do controle dos preços de transferência. Porém, se o resultado esperado já não é plausível quando a transação é realizada ou se a estratégia se mostra malsucedida e, ainda assim, é mantida quando empresas independentes não a manteriam, há que se desafiar a estratégia e imputar as devidas consequências para restabelecer as condições arm’s length (os ajustes previstos na lei). Com relação ao tempo no qual empresas independentes manteriam a estratégia, é importante observar as estratégias negociais evidenciadas na jurisdição em que elas são promovidas. As diretrizes, contudo, alertam que a consideração mais importante é mesmo saber se há uma expectativa plausível de a estratégia se provar lucrativa no futuro previsível (ainda que se reconheça a possibilidade de a estratégia falhar) e se uma parte independente estaria preparada para sacrificar a sua lucratividade por um semelhante período de tempo sob as mesmas circunstâncias econômicas e competitivas79.
3.7. As sinergias de grupo
Apesar de as sinergias de grupo não serem tratadas na subseção da lei que cuida do delineamento, mas, sim, na subseção que se encarrega da análise de comparabilidade, considero que o assunto envolve uma característica economicamente relevante a ser identificada na etapa do delineamento. Afinal, se os seus efeitos constituem um fator importante a ser considerado naquela análise, nada mais lógico do que concluir que eles precisarão ser antes identificados. Provavelmente, por esse motivo também, as diretrizes da OCDE incluíram o tema no seu primeiro capítulo (que trata do delineamento) ao invés de no terceiro (que trata da análise de comparabilidade)80. De toda sorte, o inciso V do art. 7º abre a perspectiva de que “outras características economicamente relevantes” sejam também consideradas no delineamento. Daí que as sinergias de grupo podem assim ser cogitadas.
Ao apresentarem o tema, as diretrizes revelam que, em algumas circunstâncias, os grupos multinacionais e as empresas que os compõem podem se beneficiar de interações ou sinergias entre seus membros que geralmente não estariam disponíveis entre partes independentes. Essas sinergias podem decorrer, por exemplo, do poder de compras combinadas, das economias de escala, dos sistemas computacionais e de comunicação integrados, da gestão integrada, da eliminação de duplicidades, da capacidade incrementada de empréstimos e de vários outros fatores. Tais sinergias são frequentemente favoráveis ao grupo como um todo e, com isso, podem amplificar os lucros auferidos por seus membros, a depender das expectativas de redução de custos que sejam efetivamente concretizadas e das condições competitivas do mercado. Em outras circunstâncias, tais sinergias podem ser negativas. É o caso, por exemplo, de quando o tamanho e o escopo das operações corporativas criam barreiras burocráticas não experimentadas por empresas menores e mais ágeis ou de quando uma parte dos negócios é forçada a utilizar sistemas computacionais ou de comunicação que não sejam os mais eficientes para o negócio como consequência dos padrões estabelecidos pelo grupo multinacional81.
A necessidade de se dar um tratamento para as sinergias de grupo no âmbito do controle dos preços de transferência parece ter sido influenciada pelas críticas que as relacionavam com uma espécie de falha conceitual do princípio arm’s length. Para solucionar a questão, Francescucci chegou a propor uma interessante abordagem empreendida em quatro etapas para determinar a alocação dos lucros residuais decorrentes da atuação integrada dos grupos multinacionais (group dynamics)82. De fato, a OCDE só introduziu o tema com as recomendações advindas do Projeto BEPS, isto é, na versão das diretrizes de 201783.
No seu art. 10, a lei brasileira definiu um critério proporcional para a alocação dos benefícios (ou prejuízos) obtidos em decorrência dos efeitos de sinergia de grupo. Assim, eles serão alocados entre as partes da transação controlada na proporção de suas contribuições para a criação do efeito de sinergia e ficarão sujeitos a compensação. Há, entretanto, um requisito para esse procedimento, qual seja, o de que aqueles efeitos sejam resultantes de uma ação deliberada na forma de funções desempenhadas, ativos utilizados ou riscos assumidos que produzam uma vantagem (ou desvantagem) identificável em relação aos demais participantes do mercado. O parágrafo único daquele mesmo art. 10 sentencia, então, o que deve ocorrer quando o requisito não é observado, ou seja, se os efeitos de sinergia de grupo não decorrerem de uma ação deliberada e forem meramente resultantes da participação da entidade no grupo multinacional, eles serão considerados benefícios incidentais e não ficarão sujeitos a compensação.
Nesse contexto, é importante notar que a lei alerta para três situações específicas em que esses benefícios incidentais podem ser verificados. Primeiramente, no âmbito dos serviços intragrupo, o § 6º do art. 23 anuncia que os benefícios incidentais não serão considerados serviços e não ensejarão qualquer compensação. Depois, quando trata das operações de dívida, o § 4º do art. 28 adverte que os benefícios auferidos pelo devedor que decorram do suporte implícito do grupo serão considerados benefícios incidentais e não ensejarão qualquer remuneração. Por fim, no caso das garantias intragrupo, o parágrafo único do art. 31 estabelece que o valor da remuneração devida à parte relacionada garantidora da obrigação será determinado com base no benefício obtido pelo devedor que supere o benefício incidental decorrente do suporte implícito do grupo e que não poderá exceder cinquenta por cento desse valor.
As diretrizes da OCDE fornecem exemplos de ações deliberadas que propiciam efeitos positivos de sinergia e, como tal, exigirão a alocação dos lucros advindos desses efeitos. Incialmente, numa situação em que o grupo realiza ações efetivas para centralizar suas atividades de compras em uma única empresa do grupo com o objetivo de obter descontos no volume adquirido. Essa empresa revende os itens comprados para os outros membros do grupo. Ocorre, assim, uma ação deliberada e concertada do grupo no sentido de levar vantagem no seu poder de compra. De forma semelhante, numa outra situação em que uma central gerenciadora de compras está localizada na empresa holding ou numa sede regional. Neste caso, a central presta o serviço de negociar um desconto geral para o grupo perante um fornecedor na condição de que se atinja um nível mínimo de compras. Os membros do grupo adquirem, então, os produtos daquele fornecedor e obtêm o desconto negociado. Novamente, ainda que não tenha sido feita uma única transação de compra e venda no interior do grupo, a prestação do serviço feita pela central configurou uma ação deliberada e concertada. Por outro lado, se um fornecedor unilateralmente oferece um desconto para um membro do grupo na esperança de atrair seus negócios para os outros membros, essa atitude não se caracterizará como uma ação deliberada e concertada capaz de revelar efeitos de sinergia de grupo84. Como se vê, de forma um tanto diferente da lei brasileira, as diretrizes acrescentam o termo “concertada” para se referirem à ação deliberada. Nada obstante, essa diferença não parece trazer maiores consequências para o resultado da análise.
Por fim, a OCDE propõe que, constatados efeitos de sinergia decorrentes desse tipo de ação não tipicamente observados entre partes independentes, será necessário determinar: (i) a natureza da vantagem ou desvantagem associada àqueles efeitos; (ii) a quantidade do benefício ou prejuízo obtido; (iii) e como aquele benefício ou prejuízo deve ser dividido entre os membros do grupo multinacional. A ideia é que essa divisão também se faça de maneira proporcional. Nos casos exemplificados, que envolvem descontos relacionados com os volumes de compras, sugere-se que a proporção seja calculada com base no volume de itens comprados por cada membro85.
3.8. As opções realisticamente disponíveis
Ainda quando estão introduzindo a ideia do delineamento, as diretrizes da OCDE apresentam algumas noções que são fundamentais para a exigência que será tratada no próximo tópico deste trabalho, isto é, o teste de racionalidade da transação delineada. Assim, esclarece-se que empresas independentes, quando avaliam os termos de uma potencial transação, irão compará-la com outras opções que lhes sejam realisticamente disponíveis e somente efetivarão a transação se não puderem ver nenhuma alternativa que ofereça uma oportunidade claramente mais atrativa para os seus objetivos comerciais. Em outras palavras, empresas independentes só efetivarão uma transação se não for esperado que elas terminem numa situação pior do que ficariam se escolhessem a melhor daquelas opções. Por exemplo, uma empresa provavelmente não vai aceitar um preço oferecido por seus produtos por uma empresa comercial independente se ela sabe que outros potenciais clientes estão querendo pagar mais sob as mesmas condições ou estão querendo pagar a mesma quantia sob condições para ela mais benéficas. Empresas independentes geralmente levarão em conta quaisquer diferenças economicamente relevantes entre as opções que lhes sejam realisticamente disponíveis quando avaliam essas opções. Portanto, identificar as características economicamente relevantes é essencial para o delineamento da transação e para revelar quais dessas características devem ser levadas em conta pelas partes para que elas cheguem à conclusão de que não há outra opção realisticamente disponível que melhor atenda aos seus objetivos comerciais. Para isso, pode ser necessário avaliar a transação controlada num contexto maior, uma vez que a avaliação das opções realisticamente disponíveis para partes independentes não necessariamente está limitada a uma única transação, mas pode levar em conta um arranjo mais amplo de transações economicamente relacionadas86.
Noutro prisma, ainda no âmbito da etapa do delineamento, o § 1º do art. 7º da lei brasileira estipula que “serão consideradas as opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes da transação controlada, de modo a avaliar a existência de outras opções que poderiam ter gerado condições mais vantajosas para qualquer uma das partes e que teriam sido adotadas caso a transação tivesse sido realizada entre partes não relacionadas, inclusive a não realização da transação”. Por certo, essa avaliação da existência de outras opções mais vantajosas constitui o teste da racionalidade comercial introduzido pelo art. 8º e que será apresentado no próximo tópico.
Destarte, as características economicamente relevantes identificadas na etapa do delineamento são essenciais para a identificação das opções realisticamente disponíveis que serão aferidas no subsequente teste da racionalidade comercial. Trata-se, com efeito, do padrão ORA (realistically available options) já sedimentado pela doutrina especializada87. Daí que considero importante já traçar os seus contornos.
Primeiramente, cumpre notar que as próprias diretrizes apontam para algumas características economicamente relevantes que podem influenciar na avaliação da existência de opções realisticamente disponíveis. É o caso das contribuições, capacidades e outros atributos identificados na análise funcional. Por exemplo, quando uma empresa fornece serviços de logística para o seu grupo multinacional, operando diversos armazéns com capacidade extra, para que possa estar pronta para um evento de interrupção no fornecimento em qualquer local onde esteja situada uma empresa do grupo. Nesse contexto, a opção de aumentar a eficiência por meio da consolidação dos locais dos armazéns e da redução do excesso de capacidade não está disponível. Suas funções e ativos podem, assim, ser diferentes dos verificados em empresas de logística independentes porque estas não oferecem a mesma capacidade de reduzir o risco de uma interrupção abrupta no fornecimento88.
De modo semelhante, o acesso a oportunidades de financiamentos por uma parte relacionada que assume os riscos do negócio deve levar em conta os seus ativos e as opções realisticamente disponíveis para a eventual necessidade de aumento da liquidez no caso de o risco se materializar. Essa avaliação deve ser feita com base no que faria uma parte independente assumindo idênticos riscos nas mesmas circunstâncias. Por exemplo, a exploração de direitos sobre um ativo potencialmente gerador de renda poderia levar à necessidade de se financiar a empresa que pretende empreender o negócio. No caso de o financiamento ser oferecido por uma outra empresa do mesmo grupo sob a condição de que haja compartilhamento dos eventuais retornos dos riscos do empreendimento, haverá que se considerar a existência de uma outra opção em que uma parte independente supriria o financiamento assumindo tão somente o risco financeiro do negócio89.
Há que se reconhecer que a identificação de opções realisticamente disponíveis não é uma tarefa fácil para quem não conhece o negócio e não esteve presente no momento em que a transação controlada foi engendrada. Neste sentido, Bullen argumenta que é necessário haver opiniões qualificadas acerca de questões comerciais complexas. Por isso, sugere que a autoridade fiscal colherá proveito de se socorrer da ajuda de especialistas (experts industriais, economistas, advogados especializados nas áreas pertinentes etc.). Ainda assim, tece comentários sobre a tarefa de identificar opções alternativas à transação controlada antecipando que algumas delas evidentemente não se mostrarão realísticas ou disponíveis. É o que se passa a relatar90.
Existem opções que são claramente contrafactuais. São aquelas em que, respeitando ou não o negócio do grupo a que pertencem, a empresa ignora situações físicas intransponíveis. É o caso de quando a opção implica a transferência da localização de uma unidade já instalada, incluindo seu pessoal, equipamentos, instalações prediais etc. O fato de algumas opções só se mostrarem contrafactuais em momento posterior ao da efetivação da transação controlada, a princípio, não deveria impactar a avaliação acerca de sua realística disponibilidade quando a transação foi efetivada. Contudo, esse pode ser um fator importante para revelar que havia, realmente, algum impedimento físico no momento da realização da transação. De modo que tal circunstância deve ser considerada na análise.
Outra discussão envolve as opções que não estejam imediatamente disponíveis para a empresa no momento em que a transação é realizada (ou que se toma a decisão sobre a sua realização), mas que poderiam se tornar disponíveis a partir de algumas mudanças nas condições negociais existentes. Por exemplo, por meio da construção de instalações fabris, investimento em novos equipamentos, admissão de pessoal e contração de empréstimos. Apesar de uma opção que esteja imediatamente disponível ser claramente mais “realisticamente” disponível, não se pode descartar de pronto uma opção que possa se tornar disponível. A disposição de uma empresa independente tornar uma opção disponível deve levar em conta o tempo necessário, a extensão das mudanças, bem como o custo e o risco envolvidos.
O autor depois aborda uma interessante questão. Uma empresa independente não está na posição de impor uma transação, sua estrutura ou uma decisão negocial contrária aos interesses negociais da outra parte. A opção a ser adotada deve ser um compromisso das duas partes. Há, portanto, que se analisar a perspectiva da outra parte para que seja possível determinar a realística disponibilidade da opção.
Em um outro cenário, a empresa poderia alegar que não tinha conhecimento acerca de uma opção que estivesse realisticamente disponível. Se for demonstrado que ela não tinha esse conhecimento, de fato, tal opção não estaria disponível. Segundo o autor, o arm’s length não autoriza que se impute um maior nível de conhecimento às partes relacionadas sob o argumento de que empresas independentes o teriam.
Além disso, não se pode também considerar realisticamente disponíveis opções que sejam consideradas contrárias à lei. Uma opção que seja ilegal o será tanto para empresas associadas quanto para partes independentes.
De modo geral, a avaliação acerca de uma opção ser ou não realisticamente disponível deve levar em conta que o contribuinte pertence a um grupo multinacional e que suas relações comerciais ou financeiras com empresas associadas poderão aumentar ou, talvez menos comumente, reduzir as opções realisticamente disponíveis.
Por fim, o autor conclui reconhecendo que a disponibilidade realística é um conceito relativo. Algumas opções são, por óbvio, realisticamente disponíveis. Outras, o serão não tão obviamente. Há, portanto, um espectro contínuo de opções mais ou menos realisticamente disponíveis. Se, claramente, uma opção não é realisticamente disponível, ela deve ser de pronto descartada e não deve ser considerada no teste da racionalidade comercial. Por outro lado, se uma opção tem um grau menor de disponibilidade realística, sem ser claramente indisponível, ela poderá seguir para o teste. Em todo caso, haverá que se considerar que esse grau de disponibilidade reduz a atratividade da opção.
4. O teste de racionalidade da transação delineada
Uma vez delineada a transação controlada por meio da sua identificação e das suas características economicamente relevantes, bem como das opções realisticamente disponíveis, a lei determina que se promova um teste de racionalidade. Nesse sentido, assim dispõe o art. 8º:
“Art. 8º Para fins do disposto nesta Lei, quando se concluir que partes não relacionadas, agindo em circunstâncias comparáveis e comportando-se de maneira comercialmente racional, consideradas as opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes, não teriam realizado a transação controlada conforme havia sido delineada, tendo em vista a operação em sua totalidade, a transação ou a série de transações controladas poderá ser desconsiderada ou substituída por uma transação alternativa, com o objetivo de determinar os termos e as condições que seriam estabelecidos por partes não relacionadas em circunstâncias comparáveis e agindo de maneira comercialmente racional.
Parágrafo único. A transação controlada de que trata o caput deste artigo não poderá ser desconsiderada ou substituída exclusivamente em razão de não serem identificadas transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas.”
Como se vê, depois de delineada, a lei prevê que a transação (ou série de transações, nos termos do art. 3º) poderá ser desconsiderada, ou mesmo substituída por uma transação alternativa, caso se verifique que partes não relacionadas (independentes), agindo em circunstâncias comparáveis e comportando-se de maneira comercialmente racional, considerando as opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes, não teriam realizado aquela transação (na mesma conformidade tal como foi delineada).
Esse tema da desconsideração da transação delineada (ou sua substituição por uma alternativa) costuma gerar muita discussão. Por vezes, a abordagem é confundida com o tratamento adotado pelas cláusulas gerais antielisivas (General Anti-Avoidance Rules – GAARs) e sua aplicação em contextos domésticos acaba sendo a elas equiparadas. Esse entendimento, no entanto, é equivocado e pode até intensificar a insegurança combatida pelos defensores dessa equiparação.
Antes de estabelecer a diferença entre o tema da desconsideração/substituição da transação delineada e as cláusulas gerais antielisivas, é oportuno compreender o motivo pelo qual esse comando positivado no art. 8º está em perfeita consonância com o princípio arm’s length.
De conformidade com o art. 2º, esse princípio determina que os termos e condições de uma transação controlada sejam estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes independentes em transações comparáveis. Como já revelado, os termos nada mais são de que uma das espécies de condições e estas, por sua vez, podem se apresentar em duas modalidades distintas: as condições valorativas e as condições estruturais. Isto quer dizer que não só as condições valorativas (preços, margens ou divisão de lucros) devem ser estabelecidas consoante o que seja estabelecido por partes independentes, mas, também, as condições estruturais devem obedecer ao mesmo mandamento.
Decorre dessa reflexão que duas categorias de ajustes poderão ter que ser efetuados. Se quando a transação é realizada (abordagem ex-ante ou price-setting) as condições valorativas não são estabelecidas de acordo com o arm’s length, elas precisarão ser ajustadas com base num dos ajustes valorativos previstos no art. 17 (espontâneo, compensatório ou primário). De forma semelhante, se as condições estruturais não observam o mandamento do princípio, elas devem sofrer também algum tipo de ajuste. Os ajustes efetuados nessas condições são conhecidos pela doutrina como ajustes estruturais91 ou transacionais92. São ajustes feitos na estrutura da transação delineada para que ela seja equiparada a uma transação que seria estabelecida entre partes independentes.
Com relação a essa categoria de ajustes, a lei brasileira não se orientou pela perspectiva teórico-doutrinária e preferiu seguir a nomenclatura adotada pela OCDE. Com efeito, a terminologia empregada nas suas diretrizes, posto que na língua inglesa, se refere aos conceitos de desconsideração/substituição inseridos no art. 8º acima reproduzido: “the transaction as accurately delineated may be disregarded, and if appropriate, replaced by an alternative transaction”93. A expressão “ajustes estruturais” será, no entanto, aqui adotada para se referir indistintamente às operações de desconsideração ou de substituição tratadas naquele art. 8º.
A ideia de que ajustes na estrutura da transação também podem e devem ser realizados em determinadas situações só foi sendo consolidada com o tempo. Bullen é categórico ao afirmar que na gênese do arm’s length, idealizado no acordo para evitar a dupla tributação celebrado entre a França e os Estados Unidos no distante ano de 1935, o que se tinha em mente era apenas a possibilidade de se realizar ajustes de preços. Com o tempo, jurisprudência e legislação americanas evoluíram no sentido de ampliar as fronteiras para os ajustes estruturais e, em contrapartida, sedimentaram também a ideia de um princípio que, em alguma medida, lhes sirva de contenção. É o que o autor denomina princípio as-structured94. Essa evolução, posteriormente, foi transposta para as diretrizes da OCDE.
De fato, na edição de 1995, o tema já aparecia nos parágrafos agrupados sob um título cujo conteúdo pode soar um tanto contraditório com a ideia dos ajustes estruturais, a saber: recognition of the actual transctions undertaken95. Afinal, se a intenção era a de tratar de ajustes na estrutura da transação controlada, portanto, de alguma forma, não admitindo algum aspecto da transação posta em prática, como conciliar essa intenção com o reconhecimento (recognition) sugerido no título? A resposta está logo no início do primeiro parágrafo daquele título: “a tax administration’s examination of a controlled trasaction ordinarilly should be based on the transaction actually undertaken by the associated enterprises as it has benn structured by them” (destaquei)96.
Por conseguinte, já naquela edição, enfatizava-se uma necessária contenção sobre os ajustes estruturais. O exame feito pelas administrações tributárias sobre a transação controlada deveria ser baseado na transação efetivamente realizada pelas empresas associadas (da forma como ela tenha sido estruturada por essas empresas). Daí o princípio as-structured idealizado por Bullen: prima facie as transações controladas devem ser examinadas tal como estruturadas97. Em outras palavras, prima facie, o Fisco deve examinar a transação tal como delineada. Não há que se tentar impor uma outra transação que traria maiores resultados para a administração tributária somente porque esta última poderia também ter sido realizada.
As diretrizes da OCDE sofreram substanciais alterações desde aquela primeira versão. No tocante ao tema dos ajustes estruturais, importantes modificações foram introduzidas. Apesar de o trecho há pouco reproduzido (que inspirou Bullen) ter sido suprimido, permanecem evidências de que o princípio as-structured continua em vigor. Nesse sentido, como já anunciado, enfatiza-se que a “reestruturação” de transações negociais legítimas seria um exercício totalmente arbitrário e que a “estrutura” que substitua aquela que foi adotada pelos contribuintes deve ser conformada tão próxima quanto possível com os fatos da transação efetivamente postos em prática. Em consonância com o maior destaque dado à etapa do delineamento, o título dos parágrafos que tratam dos ajustes estruturais foi também alterado. Contudo, o novo título recognition of the accurately delineated transaction mantém a ideia de que, primeiro, deve-se reconhecer a transação controlada tal como delineada98.
Outros trechos das diretrizes vão no mesmo sentido e reforçam o referido conteúdo quando se diz que “todo esforço deve ser feito para determinar a precificação da efetiva transação tal como precisamente delineada sob o princípio arm’s length” e que “uma administração tributária não deve desconsiderar a efetiva transação ou substituí-las por outras transações a menos que circunstâncias excepcionais descritas nos Parágrafos 1.142-1.145 se apliquem”99.
Outrossim, a mesma constatação é inferida quando se acrescenta que “porque o não reconhecimento (da transação controlada) pode ser contencioso e uma fonte de dupla tributação, todo esforço deve ser feito para determinar a natureza efetiva da transação e aplicar a precificação arm’s length na transação precisamente delineada, bem como assegurar que o não reconhecimento não é usado simplesmente porque a determinação de um preço arm’s length é difícil”; que “quando a mesma transação pode ser vista entre partes independentes em circunstâncias comparáveis [...], o não reconhecimento não se aplica”; que “o mero fato de que a transação não pode ser vista entre partes independentes não significa que ela deve ser não reconhecida”; e que “empresas associadas podem ter a habilidade de entrar em uma maior variedade de arranjos do que empresas independentes, bem como concluir transações de uma natureza específica que não são encontradas, ou são apenas muito raramente encontradas entre partes independentes, e podem fazer isso por razões negociais sensatas”100.
Como se vê, a preocupação da OCDE é grande em repetir prescrições que remetem ao princípio as-structured. Do que se conclui que a efetivação dos ajustes estruturais deve ser uma medida excepcional e residual. Por isso, não se justificam algumas preocupações já alardeadas no nosso meio tributário101. O Fisco deverá ser bastante prudente nessa seara sob pena de desmoralizar todo o esforço posto em prática para erigir o novo padrão. Somente em raros ou não usuais casos é que o requisito da irracionalidade comercial deve prevalecer102. Sem embargo, há que se notar que o respeito à transação controlada tal como estruturada pelo contribuinte não enseja, para fins tributários, uma inquestionável observância da alocação de lucros decorrente dessa estruturação. Daí que cada país deve sopesar os interesses coletivos (juridicamente estabelecidos na forma de princípios) e decidir sobre a conveniência de inserir regras que garantam uma aplicação proporcional daquele princípio103. Assim se fez ao positivar o art. 8º da nova lei no Brasil.
Mesmo que não tenha colocado idêntica ênfase, não se pode dizer que a nossa lei descuidou do tema. Com efeito, o parágrafo único do art. 8º foi contundente ao impedir que a transação controlada (conforme havia sido delineada) seja desconsiderada ou substituída exclusivamente em razão de não serem identificadas transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas. Ou seja, o fato de não haver comparáveis para o caso não é motivo suficiente para que se promovam os ajustes estruturais. Não basta a ausência de comparáveis, exige-se algo mais.
É aí que surge o elemento que arrefece o mandamento contido no princípio as-structured, qual seja, a irracionalidade comercial. Trata-se da excepcionalidade prevista na lei que é capaz de justificar a consecução dos ajustes estruturais104. Neste sentido, está claramente assentado que a transação ou série de transações controladas poderá ser desconsiderada ou substituída por uma transação alternativa quando se concluir que partes relacionadas, agindo em circunstâncias comparáveis e comportando-se de maneira comercialmente racional, consideradas as opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes, não teriam realizado aquela transação controlada (conforme havia sido delineada). Acrescenta ainda a lei que o objetivo dessa operação (a efetivação de um ajuste estrutural) é determinar os termos e as condições que seriam estabelecidos por partes não relacionadas em circunstâncias comparáveis. Em outras palavras, o objetivo é a concretização do princípio arm’s length.
As diretrizes vão um pouco além e esclarecem que a transação controlada que pode ser desconsiderada ou substituída (que seja comercialmente irracional) seria aquela que “evita a determinação de um preço que seria aceitável para ambas as partes, levando-se em conta suas respectivas perspectivas e opções realisticamente disponíveis para cada uma delas no momento que entram numa transação”105. Ou seja, a utilização de uma transação comercialmente irracional evita a determinação de um preço arm’s length (que seria aceitável se consideradas as perspectivas e opções realisticamente disponíveis das partes). Afirma-se, ainda, que a questão central dessa análise é saber “se a transação efetiva possui a racionalidade comercial dos arranjos que seriam acordados entre partes não relacionadas sob circunstâncias econômicas comparáveis” ao invés de saber “se a mesma transação pode ser observada entre partes independentes”106.
Há também dois exemplos nas diretrizes que, apesar de simplórios, facilitam a compreensão da matéria.
No primeiro107, descreve-se uma situação em que uma empresa S1 atua no setor industrial, para isso, detendo um substancial inventário e um significativo investimento em instalações e maquinaria. A propriedade comercial da empresa está situada em uma área propensa a inundações tendo sido alvo de frequentes ocorrências dessa natureza nos últimos anos. Empresas seguradoras independentes foram objeto de relevantes demandas e estiveram expostas a consideráveis incertezas, de modo que não há mais um mercado ativo para segurar as propriedades daquela região. Neste cenário, a empresa S2 disponibilizou um seguro para a sua associada S1 sob a condição de que um prêmio representando 80% do valor do inventário, do ativo e do seu conteúdo fosse pago como contrapartida. Segundo as diretrizes, S1 teria entrado numa transação comercialmente irracional já que não há um mercado para esse tipo de seguros dado a probabilidade de relevantes demandas. Além disso, a realocação do negócio ou a própria não contratação de um seguro poderiam ser alternativas mais realísticas e atrativas. Nesse caso, considerando a irracionalidade comercial da transação, não há um preço que seja aceitável tanto por S1 quanto por S2 a partir de suas perspectivas individuais. A transação, portanto, não poderia ser reconhecida e teria que ser desconsiderada. O pagamento efetuado por S1 não seria dedutível e o correspondente lucro auferido por S2 não poderia ser tributado.
O segundo exemplo108, por sua vez, refere-se a uma empresa S1 que conduz atividades de pesquisa para o desenvolvimento de intangíveis que ela usa para criar novos produtos, os quais ela mesma pode produzir e vender. Mediante um pagamento fixo, ela concorda em transferir para a empresa associada S2 direitos ilimitados sobre futuros intangíveis que poderão surgir de trabalhos que ela realize nos próximos 20 anos. Segundo as diretrizes, o arranjo é comercialmente irracional para ambas as partes já que as empresas S1 e S2 não possuem meios confiáveis para determinar se o pagamento reflete uma valoração apropriada, tanto porque é incerta a quantidade de atividades que poderá ser desenvolvida por S1 no período quanto porque a avaliação dos potenciais resultados seria altamente especulativa. De conformidade com as recomendações sobre o assunto fornecidas pelas diretrizes, a estrutura do arranjo adotado pelo contribuinte, incluindo a forma do pagamento, deve ser modificada para os propósitos do controle dos preços de transferência. A estrutura substituída deve levar em conta as características economicamente relevantes, incluindo as funções desempenhadas, os ativos usados e os riscos assumidos, das relações comerciais ou financeiras das empresas associadas. Os fatos relatados, contudo, reduzem a amplitude das estruturas substitutas que potencialmente seriam consistentes para o caso (por exemplo, o arranjo poderia ser reformulado como um financiamento provido por S2, como uma prestação de serviços de pesquisa por S1 ou, se intangíveis específicos possam ser identificados, como uma licença com termos de pagamentos contingenciais para o desenvolvimentos desses intangíveis específicos, no que se levaria em consideração as recomendações apropriadas sobre o tratamento de intangíveis de difícil valoração fornecidas pelas próprias diretrizes).
Perceba-se que, nos dois exemplos, a exceção da irracionalidade comercial das transações controladas está subjacente na narrativa. Ausentes outros elementos que poderiam dificultar o encadeamento da questão, fica intuitivo que os arranjos idealizados não fazem sentido sob qualquer perspectiva comercialmente racional. Com a pretensão de trazer uma hipótese de desconsideração, o primeiro exemplo nem cogita alguma opção realisticamente disponível. O segundo, por outro lado, apresenta três alternativas (que supostamente atendem ao critério da realística disponibilidade) para a hipótese da substituição. Nada obstante, não se explica como essas alternativas teriam sido identificadas (na etapa do delineamento) nem se avalia qual delas corresponderia à oportunidade claramente mais atrativa sob o ponto de vista comercial.
Apesar de haver vários outros exemplos nas diretrizes que abordam o assunto, especialmente no capítulo que cuida das reestruturações societárias109, é certo que não há uma clara orientação sobre o tratamento do tema. Por isso, alguns acadêmicos enfrentaram a questão e contribuíram com apontamentos que, ao menos, permitem melhorar a compreensão e a confiabilidade do procedimento. Um desses apontamentos é o que lida com a extensão dos ajustes estruturais.
Quando se faz uma leitura literal do texto proposto nas diretrizes e reproduzido em nossa lei, a sensação imediata é de que a totalidade da transação controlada deverá ser desconsiderada ou substituída caso ela não seja aprovada no teste da racionalidade comercial. Essa opinião pode decorrer tanto da expressão “tendo em vista a operação em sua totalidade” quanto da expressão “a transação controlada ou a série de transação controladas poderá ser desconsiderada ou substituída por uma transação alternativa”, ambas inseridas na lei.
A primeira expressão, todavia, não se refere à extensão do ajuste estrutural. Trata-se, na verdade, da necessidade de se realizar um teste mais abrangente, é dizer, uma condição estrutural qualquer somente poderá ser ajustada se ela parecer comercialmente irracional quando analisada no contexto de outras condições estruturais da mesma transação. Numa analogia com o que é feito na análise de comparabilidade, a condição comparada (no caso da análise de comparabilidade, será uma condição valorativa) terá que ser vista no contexto de todas as características economicamente relevantes (levando-se em consideração as circunstâncias e outras condições que envolvem a transação controlada). Da mesma forma, no teste da racionalidade comercial, a condição estrutural analisada terá que levar em conta a totalidade da operação que envolve a transação controlada (suas outras condições estruturais). Ou seja, a condição estrutural sob investigação não pode ser analisada no vácuo110.
Para além disso, a expressão “tendo em vista a operação em sua totalidade” também denota que a racionalidade comercial da transação controlada deve ser analisada no contexto de outras transações controladas quando a situação envolver duas ou mais transações controladas (como é o caso das transações realizadas no bojo de uma operação de reestruturação societária)111. É neste último sentido que deve ser entendida a hipótese segundo a qual não só a transação controlada, mas também uma série de transações controladas, vai poder ser desconsiderada ou substituída (tal como estabelecido na segunda expressão acima retratada).
Portanto, essas expressões não tratam da extensão do ajuste estrutural. Na verdade, o princípio as-structured até impõe que o ajuste estrutural seja feito apenas na medida do necessário. Com efeito, se a desconsideração ou substituição de apenas uma condição estrutural é suficiente para que se resolva o problema da irracionalidade comercial, não há por que desconsiderar ou substituir toda a transação.
Como ensina Bullen, há uma íntima conexão entre a relação (comercial ou financeira, ou seja, a transação) e suas condições. A relação é a soma de suas condições. É difícil entender como uma condição poderia ser ajustada sem envolver o ajuste da própria relação. Na verdade, qualquer ajuste nas condições irá alterar a relação numa maior ou menor extensão. Por isso, até mesmo o ajuste de uma pequena condição resultará numa diferente relação112.
Nesse panorama, constata-se que a estrutura da transação nada mais é do que a soma de suas condições estruturais. A lei não define a extensão do ajuste estrutural. O que há é a permissão para que se promova a desconsideração ou a substituição da transação controlada (conforme havia sido delineada). Observados os requisitos da irracionalidade comercial, nada impede, e é até exigido (com base no princípio as-structured), que apenas parte da transação controlada (as condições estruturais identificadas como irracionais) sofra a desconsideração ou a substituição.
Navarro confirma que as mudanças nas condições da transação devem impactar apenas aqueles elementos que estão impedindo uma apropriada condução da análise de comparabilidade. Comprovando a necessidade de uma contenção aos ajustes estruturais semelhante àquela traçada por Bullen com o seu princípio as-structured, o autor frisa que a noção de intervenção mínima é crucial para determinar os ajustes necessários para que se atenda ao princípio arm’s length113.
Ao estabelecer uma relação entre as mudanças nas condições da transação e a análise de comparabilidade, Navarro acaba apontando para um requisito que é de suma importância para a compreensão do fenômeno. Como já salientamos, quando a mesma transação pode ser vista entre partes independentes em circunstâncias comparáveis, não há que se falar em ajustes estruturais. Isto está claramente assentado nas diretrizes da OCDE114. Ora, o corolário de uma mesma transação poder ser visto entre partes independentes em circunstâncias comparáveis é a possibilidade de se fazer a análise de comparabilidade. Sendo possível realizar a análise de comparabilidade com a transação controlada tal como delineada, não há que se cogitar de ajustes estruturais. Por outro lado, como também destacado naquelas diretrizes, os ajustes estruturais também não se justificam pelo mero fato de a transação controlada não ser vista entre empresas independentes e, com isso, não serem encontrados comparáveis115. Há que se ter algo mais do que a impossibilidade de se fazer a análise de comparabilidade. Esse algo mais é justamente a irracionalidade comercial da transação controlada.
Portanto, Navarro está correto quando enuncia a impossibilidade de se fazer a análise de comparabilidade como um requisito dos ajustes estruturais (ou transacionais, como ele chama)116. Neste sentido, é de se reconhecer que este é um requisito anterior ao teste da racionalidade comercial. De modo que, concluído o delineamento, deve-se tentar proceder às etapas da análise de comparabilidade (incluindo a escolha do método mais apropriado e a consecução de eventuais ajustes de comparabilidade) com base na transação controlada tal como delineada. Somente se essa análise não se mostrar possível é que se deve partir para o teste da racionalidade comercial. Permite-se, então, uma certa circularidade nesse processo já que uma nova análise de comparabilidade terá que ser feita com base na transação controlada reestruturada. Está aí mais uma faceta do princípio as-strucured.
Com todas as vênias, no entanto, discordamos daquele autor quando, no prosseguimento de sua tese, defende a não utilidade dos parâmetros do teste de racionalidade estabelecidos pelas diretrizes da OCDE. Em sua visão, a ideia da existência de uma alternativa refletindo a opção realisticamente disponível que seja claramente mais atrativa deve ser rechaçada porque não serve como referência para o ajuste estrutural117. Uma discussão sobre as justificativas que apresenta contra esses parâmetros e sua proposta alternativa estão fora do escopo deste trabalho. Basta, aqui, constatar que o texto positivado em nossa lei expressou de forma manifesta sua preferência pelos parâmetros definidos pela OCDE.
Fundamentada a necessidade de se adotar os parâmetros confirmados pela lei, outro apontamento importante passa a ser a sua correta utilização. Para a execução do teste da racionalidade comercial, a lei determina que as opções realisticamente disponíveis sejam consideradas, para cada uma das partes, a fim de que se verifique se a transação controlada (conforme havia sido delineada) seria realizada por partes não relacionadas.
Assim, há dois momentos envolvendo as opções realisticamente disponíveis. Primeiro, como já visto, elas são identificadas na etapa do delineamento. Depois, não sendo possível a análise de comparabilidade, investiga-se se uma ou mais daquelas opções são claramente mais atrativas (para qualquer das partes) do que a transação controlada. Se o delineamento não revelar nenhuma opção realisticamente disponível, não há que se cogitar da investigação referida nem de qualquer ajuste estrutural.
Sublinhe-se, aqui, o advérbio de intensidade “claramente”. A OCDE chancela essa ênfase quando afirma que empresas independentes somente efetivarão a transação se não puderem ver nenhuma alternativa que ofereça uma oportunidade claramente mais atrativa (clearly more attractive) para os seus objetivos comerciais118. Portanto, opções realisticamente disponíveis que tenham pouca superioridade atrativa não poderão motivar o ajuste estrutural. O ajuste só poderá ser feito se houver pelo menos uma opção que seja “claramente” mais atrativa do que a contida na estrutura da transação controlada119. É lógico que essa clara superioridade enseja uma avaliação subjetiva. Mas a subjetividade é uma peculiaridade inerente ao tema do controle dos preços de transferência. Não há razão para se condenar o teste da racionalidade comercial com base nesse argumento. Ainda assim, voltaremos ao assunto da subjetividade mais à frente.
Uma relevante ponderação levantada por Bullen é que a análise da maior atratividade deveria respeitar o negócio do grupo multinacional. O que deveria ser desafiado são as escolhas feitas pelo grupo que afetam a alocação dos lucros no interior do grupo e, não as escolhas do grupo para a geração dos seus lucros como um todo. Haveria que se levar em conta o efeito da chamada “disciplina do grupo”120. Assim, não se deveria esperar que um membro do grupo aja no seu próprio interesse em detrimento do interesse do grupo. Como exemplo, uma subsidiária na Alemanha não poderia recusar a transferência de parte de suas funções para um país do leste europeu se essa decisão reflete uma economia de custos que é racional para o grupo. Portanto, do ponto de vista comercial, uma certa “disciplina de grupo” seria o comportamento esperado de empresas associadas. Não haveria espaço para uma competição (comercial) entre empresas do mesmo grupo. Elas deveriam aceitar que o objetivo do grupo é maximizar o nível global de lucros. Como resultado, as opções que não são comercialmente atrativas para o grupo não poderiam ser consideradas como “realisticamente” disponíveis para os seus membros individuais. Neste sentido, somente depois de removidas as opções comercialmente não atrativas para o grupo é que a escolha entre a transação delineada e as opções realisticamente disponíveis remanescentes deveria ser feita sob a perspectiva da empresa examinada (a contribuinte), isto é, deveria ser verificado se uma das opções remanescentes é claramente mais atrativa para o contribuinte examinado do que a transação delineada.
Nada obstante, quando trata das operações de reestruturação societária, as próprias diretrizes da OCDE afastam essa ideia ao reenfatizar que o princípio arm’s length trata os membros dos grupos multinacionais como entidades separadas e, não como partes de um negócio unificado. Como consequência, da perspectiva do controle dos preços de transferência, não é suficiente que uma reestruturação societária faça sentido comercial para o grupo como um todo. O arranjo deve ser arm’s length no nível de cada entidade do grupo individualmente, levando-se em consideração os seus direitos e ativos, os benefícios esperados associados ao arranjo (isto é, a adequada compensação pelos lucros potenciais transferidos e custos suportados com a reestruturação) e as opções realisticamente disponíveis. Quando a reestruturação faz sentido do ponto de vista comercial para o grupo como um todo antes da incidência dos tributos envolvidos, é esperado que um preço de transferência apropriado (isto é, a correspondente compensação nos termos acima referidos) seja estabelecido para promover a compensação arm’s length de cada transação que tenha sido delineada para as entidades do grupo que tenham participado da reestruturação121. Neste cenário, é importante ressaltar que o art. 26 da nova lei também previu a necessidade desse tipo de compensação.
Conectada com essa orientação voltada para as reestruturações societárias, a última sentença do parágrafo mais importante do teste da racionalidade nas diretrizes da OCDE alerta que é relevante considerar se um grupo multinacional como um todo fica numa situação piorada antes da incidência dos tributos envolvidos porque isto pode indicar que a transação vista em sua totalidade não possui a racionalidade comercial de arranjos estabelecidos entre partes não relacionadas122.
Então, a irracionalidade comercial poderá ser demonstrada tanto se o grupo ficar numa situação piorada quanto se o membro do grupo individualmente possuir uma opção claramente mais atrativa. Por exemplo, se a empresa examinada recebeu uma compensação igual ao valor transferido com a reestruturação, mas a nova configuração projeta uma redução do lucro global, o grupo como um todo terá ficado numa situação piorada, indicando uma irracionalidade comercial capaz de revelar que a reestruturação deve ser desconsiderada. Por outro lado, se a compensação se mostrar inferior ao valor transferido (ou se não houver compensação), a princípio, o controle dos preços de transferência exigirá o ajuste valorativo para que se alinhe a compensação com aquilo que empresas independentes teriam acordado (aplicação prima facie do princípio as-structured). Nada obstante, em caráter absolutamente excepcional, se for verificado que a empresa individualmente examinada teria a opção claramente mais atrativa de não realizar a reestruturação caso fosse uma parte independente, ficará caracterizada a irracionalidade comercial capaz de revelar que a reestruturação deve ser desconsiderada.
Uma outra observação pertinente lembrada pela doutrina é distinguir a atratividade comercial da atratividade fiscal. O fato de uma opção ser fiscalmente menos atrativa para o grupo do que a transação delineada não serve de argumento para se concluir que aquela opção não está “realisticamente” disponível para o contribuinte examinado123. Por isso, até, que as considerações expostas nas diretrizes da OCDE determinam que a avaliação das opções realisticamente disponíveis seja feita antes da incidência de tributos (on a pre-tax basis)124. Há que se considerar, ainda, que a lei fala no seu aspecto comercial. Portanto, não se deve levar em conta também quaisquer outros tipos de atratividade, tais como a ambiental, a científica ou de interesses públicos e religiosos125.
A atratividade comercial é determinada pela capacidade de a opção contribuir para a geração de lucro da entidade examinada. Neste sentido, essa opção deve incrementar sua receita ou reduzir seus custos e despesas. Porém, não se pode fazer análise numa perspectiva reducionista. Todos os fatores devem ser avaliados. Numa operação de reestruturação societária, por exemplo, a operação como um todo deve ser avaliada. Assim, tanto a compensação obtida pela parte que transferiu os ativos, funções ou riscos como os lucros observados após a reestruturação pela parte que os recebeu terão que ser considerados126.
É oportuno ainda destacar que a atratividade das opções deve ser avaliada na perspectiva temporal da transação controlada. Deve-se levar em conta as informações conhecidas ou razoavelmente previsíveis no momento que aquela transação é realizada. Em outras palavras, a já mencionada abordagem ex-ante, que governa o princípio arm’s length, também deve orientar o teste da racionalidade comercial. Além disso, a atratividade também é influenciada pelo grau de disponibilidade da opção e pelas circunstâncias comerciais específicas do grupo multinacional em que a entidade examinada pertence. Daí a importância da qualificação “realisticamente disponível” no contexto das opções analisadas127.
Há que se reconhecer, no entanto, a dificuldade que permeia o teste da racionalidade comercial. Alguns autores criticam a ideia dos ajustes estruturais justamente porque consideram que empresas independentes não seguem essa racionalidade128. Outros entendem que a adoção do teste pelas autoridades fiscais envolve um alto nível de subjetividade, considerando que certas opções simplesmente não podem ser consideradas realisticamente disponíveis ou podem ter um reduzido nível de disponibilidade e que empresas independentes podem avaliar o nível de atratividade de diferentes maneiras, com base, por exemplo, em divergentes expectativas de lucros ou riscos129. O próprio Bullen endossa essas preocupações ao enumerar três razões nas quais duas empresas comparáveis podem discordar em relação à atratividade de uma mesma opção realisticamente disponível. Primeiro, porque algumas empresas são pessimistas (de forma geral ou no tocante a uma opção em particular) e projetam uma menor capacidade de geração de lucros, ao passo que outras são mais otimistas e projetam uma maior capacidade. Segundo, porque as empresas podem ter diferentes aversões ao risco. Terceiro, porque as empresas podem atribuir diferentes níveis de atratividade para opções não prontamente disponíveis devido a diferenças em estratégias de expansão. Para enfrentar essa subjetividade, o referido autor propõe um modelo que converte os níveis de atratividade em valores monetários com base na teoria econômica que sugere a escolha entre oportunidades de investimento mutuamente exclusivas pela comparação dos respectivos valores presentes líquidos (net presente value)130.
Nada obstante, a subjetividade é uma questão inerente a todo o controle dos preços de transferência. Já tive a oportunidade de empreender uma profunda análise do tema131. Não sou contrário à tentativa de se estabelecer parâmetros mais objetivos para lidar com os problemas da subjetividade. No entanto, invariavelmente, tudo vai desaguar nas questões envolvendo a fundamentação e a argumentação. Por isso, a certeza dos resultados produzidos pelo sistema estruturado pelos estados democráticos constitucionais depende da correta fundamentação argumentativa132. Esse requisito é essencial porque é nele que fica depositada a oportunidade de garantir a certeza no sistema. Isso exige dos seus operadores a mais correta postura argumentativa possível. Quanto mais subjetivas as normas produzidas pelo sistema, maior o ônus argumentativo de quem pretende demonstrar sua observância.
Por fim, cumpre estabelecer a diferença entre a desconsideração/substituição da transação delineada (os ajustes estruturais) e as cláusulas gerais antielisivas (as conhecidas GAARs).
Como já foi claramente demonstrado, a possibilidade, e diria até a necessidade, de se promover ajustes estruturais decorre da percepção segundo a qual a transação controlada não é composta só de condições valorativas, mas, também, de condições estruturais. Assim, o mandamento contido no princípio arm’s length exige que todas as condições da transação controlada sejam estabelecidas consoante o que seria estabelecido por partes independentes. Trata-se, portanto, de um fenômeno estreitamente relacionado com a temática do controle dos preços de transferência.
Não importa se o contribuinte (a parte relacionada situada no Brasil) havia estabelecido as condições de sua transação controlada com a intenção de economizar tributos. Neste sentido, já no início de seu longo conjunto de recomendações, as diretrizes da OCDE são categóricas ao afirmar que “a consideração sobre o controle dos preços de transferência não deve ser confundida com a consideração acerca dos problemas de fraude ou elisão tributárias, ainda que as políticas de controle dos preços de transferência possam ser utilizadas para tais propósito”133.
Destarte, o contribuinte pode até ter tido a intenção de economizar tributos ao engendrar suas operações com as partes relacionadas. Desde que as transações correspondentes sejam observadas entre partes independentes em circunstâncias comparáveis, não haverá que se questioná-las sobre o ponto de vista do controle dos preços de transferência. Em outras palavras, não se poderá desconsiderá-las ou substituí-las (promover ajustes estruturais) com amparo no comando previsto no art. 8º da lei.
Isso, contudo, não impediria que se questionasse aquelas operações se ficasse constatado que o objetivo de economizar tributos prepondera sobre a causa típica dos negócios jurídicos envolvidos. Ou seja, se as operações fossem questionáveis por se caracterizarem como planejamentos tributários não oponíveis ao Fisco, as consequências tributárias advindas dessa caracterização deveriam ser impostas134. Não importa, neste contexto, se são operações realizadas entre partes independentes ou partes relacionadas. Como se trata de transações idênticas (são comparáveis), o tratamento tributário é idêntico135.
Por conseguinte, é possível conceber cenários em que o controle dos preços de transferência e o tema dos planejamentos tributários inoponíveis se intercalam. Antes, entretanto, é importante deixar claro que as demais regras emanadas pela lei tributária também se aplicam de forma indistinta tanto para empresas relacionadas quanto para partes independentes.
É o caso, por exemplo, das regras que dispõem sobre a indedutibilidade de despesas. Se uma despesa correspondente a um pagamento efetuado pela controlada brasileira à sua controladora no exterior não é dedutível, não há nem que se cogitar do controle do preço de transferência. A totalidade da despesa deve ser adicionada ao lucro real e à base de cálculo da CSLL (pelo contribuinte) ou, caso assim não se tenha procedido, glosada (pelo Fisco).
Outrossim, caso seja verificado que um determinado contribuinte incide numa conduta fraudulenta (consubstanciada pela mentira ou falseamento) com respeito às regras de controle dos preços de transferência. O exemplo aqui poderia ser o de uma empresa que falsifica informações para fabricar uma transação interna com o objetivo de estabelecer um preço comparável que reduza o lucro tributável no Brasil. Nesta hipótese, para além de sofrer o ajuste primário na conformidade das condições valorativas estabelecidas por partes independentes (em atendimento ao princípio arm’s length), o contribuinte deverá ver sua autuação acompanhada da imposição de multa qualificada e dos demais gravames legais que sejam pertinentes ao caso (atribuição de responsabilidade tributária aos administradores e representação fiscal para fins penais).
Sem embargo, quando o caso trata da questão de planejamento tributário envolvendo partes relacionadas, as regras de controle dos preços de transferência já possuem um tratamento específico para lidar com a tentativa de que seja engendrada uma operação com vistas à economia tributária. Trata-se do critério da mais clara atratividade comercial há pouco discutido. Com efeito, se um negócio jurídico engendrado entre partes relacionadas carecer de um propósito negocial minimamente relevante diante de um outro subjacente que revele menor economia tributária, a aplicação de uma cláusula geral antielisiva sobre o caso exigiria que se reconhecesse aquele primeiro negócio como inoponível ao Fisco. Todavia, o controle dos preços de transferência já cuida da situação ao prever que a opção realisticamente disponível que possua a mais clara atividade comercial deve substituir a transação controlada. Nesse contexto, como já explicado, a atratividade fiscal deve ser afastada. Assim, ainda que a transação controlada (engendrada pelo contribuinte) possua maior atratividade fiscal, essa característica não será levada em consideração se a mais clara atratividade comercial da opção analisada for constatada. Haverá que se efetuar a substituição desta por aquela (o ajuste estrutural). Prevalecerá, então, a regra específica do controle dos preços de transferência sobre eventual cláusula geral antielisiva.
Fica, assim, claro que não se aplicam as cláusulas gerais antielisivas no âmbito dos casos que são tratados pelo controle dos preços de transferência. Já haverá um tratamento adequado e específico na legislação que regula a matéria. Deve-se utilizar os comandos previstos nessa legislação para o enfretamento de situações que revelem planejamentos tributários envolvendo partes relacionadas.
O tema dos ajustes estruturais, portanto, não se confunde com as cláusulas gerais antielisivas. Suas fundamentações são distintas. Os ajustes estruturais advêm da obrigatoriedade de concretização do princípio arm’s length (agora positivada na nossa lei). As cláusulas gerais antielisivas decorrem de outros fundamentos. Seus campos de aplicação podem até se comunicar, porém, sempre que isto acontecer, prevalecerão os ajustes estruturais.
Por essa razão, não faz sentido condenar os ajustes estruturais ou, se preferirem, a desconsideração/substituição da transação controlada prevista no art. 8º da lei, com base em argumentos que questionam a aplicabilidade das chamadas cláusulas gerais antielisivas (ou da jurisprudência administrativa que lhes deu guarida).
Não se sustenta, por exemplo, a alegação de que falta a regulamentação da cláusula geral antielisiva inserida no nosso Código Tributário Nacional (no parágrafo único do art. 116) porque, como visto, os ajustes estruturais possuem fundamento no princípio arm’s length. Tanto ele quanto a própria disciplina que admite (e até exige) a consecução dos ajustes estruturais foram efetivamente positivados na nova lei. Aliás, poder-se-ia até defender que essa previsão legislativa, para o âmbito das empresas relacionadas, nada mais é do que a regulamentação reclamada pelo Código.
Igualmente, não se pode invocar a inadmissibilidade de um conceito alienígena, como a falta de propósito negocial, para contrapor os planejamentos tributários. Ora, em alguma medida, a ideia da racionalidade comercial pode mesmo se assemelhar com a ausência do propósito negocial. Nada obstante, pelo menos para o contexto das empresas relacionadas, o conceito foi agora positivado no país.
Outros pretextos comumente clamados, tais como a falta de segurança jurídica e a não observância da legalidade tributária, direcionados contra a possibilidade de o Fisco desafiar os negócios jurídicos engendrados pelo contribuinte, invariavelmente, vão desaguar na já referida questão da subjetividade. Não é demais, portanto, reiterar que esse problema deve ser endereçado mediante uma correta fundamentação argumentativa. É cediço que muitos dos casos de planejamento tributário no país vêm sendo submetidos ao contencioso administrativo e que vários envolvem discussões subjetivas e complexas. Por exemplo, as questões que tratam da dedutibilidade de ágios decorrentes de eventos de reorganização societária. Tanto o Fisco quanto os representantes dos contribuintes, como os julgadores administrativos, vêm demonstrando uma maturidade bastante satisfatória na construção de uma correta fundamentação argumentativa. O mesmo se pode esperar com relação a matéria dos preços de transferência. Tudo, afinal, é um grande processo de aprendizagem.
Não se quer aqui defender que somente o contencioso será importante para a maturidade do novo controle dos preços de transferência. A correta fundamentação argumentativa começa com a própria relação desenvolvida entre o Fisco e os contribuintes. Iniciativas de conformação (compliance) tributária são muito bem-vindas nesse cenário. Se a estrutura da transação delineada (e mesmo a análise de comparabilidade) for corretamente fundamentada, o Fisco terá menos motivos para efetuar qualquer ajuste (valorativo ou estrutural). Mas, se o fizer, atrairá para si o ônus de empreender uma ainda mais correta fundamentação argumentativa.
1 As opiniões contidas nesta publicação são reflexões acadêmicas do próprio autor e não necessariamente expressam as posições defendidas por qualquer organização ao qual esteja vinculado.
2 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 151 a 180.
3 Cf. Elen Peixoto Orsini. O princípio ‘arm’s length’ e a legislação interna brasileira. In: Luís Eduardo Schoueri e Valdir de Oliveira Rocha (coord.). Tributos e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 1999. vol. 2, p. 141.
4 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência das transações internacionais: incidência e reajuste das bases de cálculo dos tributos sobre lucros. Curitiba: Juruá, 2018, p. 183 a 188.
5 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência das transações internacionais: incidência e reajuste das bases de cálculo dos tributos sobre lucros. Curitiba: Juruá, 2018, p. 190 a 193.
6 Cf. Transfer pricing in Brazil: towards convergence with the OECD standard. Paris: OCDE, 2019.
7 Doravante quando este trabalho se referir à lei sem especificá-la, é da Lei n. 14.596 que se estará tratando. Ademais, tendo em vista que a Instrução Normativa RFB n. 2.161/2023, que regulamentou a parte geral da matéria, só foi publicada em 29 de setembro de 2023, o seu conteúdo não foi considerado neste trabalho.
8 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência das transações internacionais: incidência e reajuste das bases de cálculo dos tributos sobre lucros. Curitiba: Juruá, 2018, p. 49 a 50.
9 De uma maneira não tão abrangente, muitas vezes, o escopo subjetivo do princípio é enunciado como “empresas associadas”.
10 Além de ser enunciado de forma geral no tópico que trata dos ajustes de comparabilidade (Par. 3.47), o standard de comparabilidade é enunciado em caráter particular para os métodos tradicionais apresentados naquelas diretrizes (Pars. 2.15, 2.29 e 2.47). Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022.
11 As diretrizes da OCDE propõem que o típico processo da análise de comparabilidade seja realizado em nove etapas. A última prevê que seja feita a interpretação dos dados coletados na análise e a determinação da remuneração arm’s length para a transação controlada. Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 3.4.
12 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 9.2.1. Ademais, o mesmo autor revela que esses ajustes têm sido também chamados de ajustes “dos preços”, “do preço da transação”, “da consideração”, “da quantidade da consideração”, “da quantidade cobrada”, “da remuneração”, “dos preços ou lucros”, “da compensação” e “da (excessiva) remuneração”. Cf. item 9.2.2.5.
13 Considerando os objetivos meramente introdutórios do assunto, não se quis aqui inserir um elemento complicador. Na verdade, haveria que se levar em conta que o PRL é um método que exige a seleção de uma “parte testada” da transação controlada (de conformidade com o art. 15 da lei). É sobre essa parte testada que seria aplicada a condição valorativa. Então, a revelação do exemplo citado estaria mais bem formulada se fosse dito que “a condição valorativa aplicada sobre a parte testada da transação controlada está diferente da mesma condição valorativa aplicada sobre partes independentes (comparáveis àquela parte testada)”.
14 Esse exemplo meramente ilustrativo do conceito de ajuste valorativo desconsidera toda a problemática que envolve o uso do intervalo de comparáveis previsto no art. 15 da lei.
15 Nada obstante, o ajuste correspondente foi enunciado de forma implícita na segunda parte do § 5º do art. 18 da lei.
16 Segundo as diretrizes da OCDE, os ajustes de comparabilidade são efetuados na oitava etapa da análise de comparabilidade. Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 3.4.
17 Conforme ensina Aitor Navarro, trata-se de adotar uma posição intermediária conveniente, uma aproximação suficiente do comparável, com uma certa flexibilidade. Essa abordagem é pavimentada pela noção de reasonably accurate adjustments expressa nas diretrizes da OCDE. O autor deixa claro que esses ajustes não são feitos na transação controlada, mas, sim, no próprio comparável. Cf. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 4.1.3.1.
18 Tal como no exemplo anterior do PRL, o MCL é também um método que exige a seleção de uma “parte testada” da transação controlada (de conformidade com o art. 15 da lei). É sobre essa parte testada que seria aplicada a condição valorativa. Então, a explicação sobre o ajuste de comparabilidade do exemplo citado estaria mais bem formulada se fosse dito que ele deverá ser feito “na margem de lucro bruto aplicada sobre o comparável (à parte testada da transação não controlada) para que reflita a diferença entre a rentabilidade média observada nos países envolvidos”.
19 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.33 a 1.41. O termo circumstances até aparece isolado em alguns desses parágrafos. No entanto, a melhor compreensão do seu sentido quando assim mencionado, de forma genérica, sem qualquer qualificativo, será explicada logo a seguir.
20 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.139 e 1.140.
21 Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (1)(d)(3)(ii)(B)(1) e (1)(d)(3)(iii)(B).
22 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.49.
23 Como será visto a seguir, o art. 10 da lei erigiu os efeitos de sinergia de grupo resultantes de uma ação deliberada como característica de destaque na análise de comparabilidade. Por isso, entendemos que eles devem também compor o rol das características explicitamente destacadas na etapa do delineamento.
24 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 42.
25 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 1995, Pars. 1.15 a 1.35.
26 Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (d)(1).
27 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022.
28 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.36.
29 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.34.
30 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.35.
31 Cf. Anexo I da Instrução Normativa RFB n. 2.161/2023.
32 Cf. UK public general acts, taxation (international and other provisions) Act 2010, Section 150. O referido dispositivo segue transcrito:
“150 ‘Transaction’ and ‘series of transactions’
(1) In this Part ‘transaction’ includes arrangements, understandings and mutual practices (whether or not they are, or are intended to be, legally enforceable).
(2) References in this Part to a series of transactions include references to a number of transactions each entered into (whether or not one after the other) in pursuance of, or in relation to, the same arrangement.
(3) A series of transactions is not prevented by reason only of one or more of the matters mentioned in subsection (4) from being regarded for the purposes of this Part as a series of transactions by means of which provision has been made or imposed as between any two persons.
(4) Those matters are
(a) that there is no transaction in the series to which both those persons are parties,
(b) that the parties to any arrangement in pursuance of which the transactions in the series are entered into do not include one or both of those persons, and
(c) that there is one or more transactions in the series to which neither of those persons is a party.
(5) In this section ‘arrangement’ means any scheme or arrangement of any kind (whether or not it is, or is intended to be, legally enforceable).”
33 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.35.
34 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 9.2.2. Aitor Navarro, por sua vez, reconhece a existência de outras condições (para além dos preços ou margens, dependendo do método escolhido) que podem ser alteradas na estrutura das transações por meio dos chamados “ajustes transacionais”. Cf. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 1.3.1.
35 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.143.
36 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.144.
37 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.36.
38 Cf. Aligning transfer pricing outcomes with value creation, Actions 8-10, final reports, OECD/G20. Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OCDE, 2015.
39 Pode-se fazer a mesma inferência sobre a expressão “as circunstâncias que envolvem a transação” (circumstances surrounding the transaction) introduzida pela versão 2017 das diretrizes da OCDE na segunda categoria das características economicamente relevantes. Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2017, Par. 1.36.
40 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.36.
41 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.43.
42 As atuais diretrizes expressamente afirmam que a análise (promovida no delineamento) “estabelecerá a substância factual das relações comerciais ou financeiras entre as partes e o delineamento preciso da efetiva transação”. Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.140.
43 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 1995, Par. 1.26.
44 Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (d)(3)(ii)(B)(1) e (2).
45 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2010, Pars. 1.48 e 1.65.
46 Cf. Aitor Navarro. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 3.1.1.
47 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.44.
48 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.48.
49 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.50.
50 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, itens 8.4.1.1 e 8.4.1.2.
51 Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (d)(3)(ii)(A).
52 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 1995, Pars. 1.20 a 1.27; e Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2010, Pars. 1.42 a 1.51.
53 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 47 e 48. A regulamentação alemã considera que a análise funcional (incluindo a de risco) é uma primeira etapa na realização do teste arm’s length. Cf. Administrative principles governing transfer pricing: principles for the adjustment of income pursuant to section 1 of the External Tax Relations Act (Aussensteuergesetz). Berlin: 2021, item 3.5.
54 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.56 a 1.126.
55 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.51 e 1.54.
56 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.55.
57 Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (d)(3)(i).
58 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.59.
59 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.56 e 1.57.
60 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.58 e 1.60. Depois dessa apresentação introdutória, as diretrizes fornecem detalhadas recomendações para cada etapa da análise de riscos nos Pars. 1.61 a 1.126.
61 Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (d)(3)(iii)(A).
62 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.72.
63 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.61.
64 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.65.
65 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.127.
66 Cf. Ley del Impuesto sobre la Renta. México, art. 179, I, (a) e (e); e Estatuto Tributario Nacional. Colômbia, art. 260-4, 1, (a) e (e).
67 Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (d)(3)(v).
68 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 161.
69 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.128.
70 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.130 e 1.131.
71 Cf. Preguntas frecuentes en materia de precios de transferencia con respecto a ajustes de comparabilidad. Disponível em: www.gob.mex/sat. Acesso em: 28 jun. 2023.
72 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.130 e 1.159 a 1.171.
73 Cf, Glenn DeSouza. Developing countries push their case in UN TP manual. International Tax Review, Dec/Jan. London: ITR, 2013, p. 43 a 45; Sébastien Gonnet, Pim Fis e Tommasco Coriano. Location specific advantages – principles. Transfer Pricing International Journal, Jun 2011. London: BNA, 2011; Pankaj Jain e Vikram Chand. Location savings: international and Indian perspective. Intertax vol. 43, Issue 2. London: Kluwer, 2015, p. 191 a 197; e Jinyan Li. China and BEPS: from norm-taker to norm-shaker. Bulletin for International Taxation vol. 69 (6/7). Amsterdam: IBFD, 2015.
74 Cf. United Nations practical manual on transfer pricing for developing countries. New York: ONU, 2013, itens 5.3.2.39 a 5.3.2.45, 10.3.3 e 10.4.7; United Nations practical manual on transfer pricing for developing countries. New York: ONU, 2017, itens B.2.3.2.51 a B.2.3.2.56, D.2.4.4 e D.3.7; e United Nations practical manual on transfer pricing for developing countries. New York: ONU, 2021, itens 3.4.5.6 a 3.4.5.13, itens 2.20.8 a 2.20.16 do Anexo 2, e item 3.8 do Anexo 3.
75 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.134 e 1.135.
76 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.136.
77 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.137.
78 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.137.
79 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.138.
80 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.177 a 1.193.
81 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.177.
82 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 144 a 147; David L. P. Francescucci. The arm’s length principle and Group Dynamics – Part 1: The conceptual shortcomings. International Transfer Pricing Journal, Mar/Apr 2004. Amsterdam: IBFD; e David L. P. Francescucci. The arm’s length principle and Group Dynamics – Part 2: Solutions to conceptual shortcomings. International Transfer Pricing Journal, Nov/Dec 2004. Amsterdam: IBFD.
83 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2017, Pars. 1.157 a 1.173.
84 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.180.
85 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.181 e 1.183.
86 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.38.
87 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 19.6.3.3.2; e Cf. Denis Amici. In-depth analysis of the concept of options realistically available in transfer pricing. International Transfer Pricing Journal, Mar/Apr 2020. Amsterdam: IFBD.
88 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.52.
89 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.64. A conclusão do exemplo foi levemente alterada para melhor refletir a situação aqui proposta.
90 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, itens 19.6.3.3.4 e 19.6.4.4 a 19.6.4.10.
91 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 11.1.
92 Cf. Aitor Navarro. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 1.3.1.
93 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.142.
94 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, itens 5.1 a 5.5.
95 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 1995, Pars. 1.36 a 1.41.
96 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 1995, Par. 1.36.
97 Adota-se, aqui, a teoria normativa segundo a qual princípios devem ser entendidos como mandamentos de otimização cujo grau de realização deve ser tanto maior quanto possível. Contudo, isto é uma previsão prima facie, ou seja, mesmo que as possibilidades fáticas previstas no antecedente do princípio sejam preenchidas, ainda assim poderá haver impossibilidades jurídicas que impeçam a sua consecução no grau máximo desejado. Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 188.
98 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.139 a 1.145. A regulamentação americana, até hoje, mantém uma enunciação mais direta do princípio as-structured quando diz que “the district director will evaluate the results of a transaction as actually structured by the taxpayer unless...” (destaquei). Cf. US treasury regulations under Section 482, § 1.482-1 (f)(2)(ii)(A).
99 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.141. As circunstâncias excepcionais mencionadas no último dos trechos destacados (descritas nos Par. 142-145) configuram a o teste de racionalidade que será a seguir explicado.
100 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.142.
101 Por exemplo, cf. Ramon Tomazela. Transfer pricing reform in Brazil and “options realistically available”: new tax disputes ahead?”. International Tax News. Posted on July 4, 2023 by TP News in Americas.
102 Cf. Martijn de Lange, Paul Lankhorst e Rutger Halkenscheid. (Non-)recognition of transactions between associated enterprises: on behaving in a commercial manner, decision-making and BEPS. International Transfer Pricing Journal vol. 22, n. 2. Amsterdam: IBFD, 2015.
103 Sobre a possibilidade de o legislador inserir regras no ordenamento a partir da colisão de princípios com base no exame da proporcionalidade, cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 216 a 219.
104 Como já anunciado, havia um outro critério de excepcionalidade exigido para a consecução dos ajustes estruturais. Além da irracionalidade comercial, era necessário verificar se a transação controlada tal como delineada possuía substância econômica. Esse conceito era também utilizado como parâmetro para a verificação da alocação de risco e sua consistência com a conduta das partes na etapa do delineamento. Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2010, Pars. 1.48 e 1.65. Surgiram, entretanto, diversas críticas sobre a falta de clareza e consistência da noção de substância econômica. Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 15.6.5; e Aitor Navarro. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 3.2. Com isso, a OCDE abandonou o referido conceito, tanto no tema dos ajustes estruturais quanto na verificação da conduta das partes, por ocasião das recomendações propostas pelo Projeto BEPS para alterações nas suas diretrizes.
105 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.142.
106 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.143.
107 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.146 e 1.147.
108 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.148.
109 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 9.47, 9.94, 9.102 e 9.128 a 9.131.
110 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 19.6.2.3.1.
111 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 19.6.2.3.2.
112 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 6.1.1.4.
113 Cf. Aitor Navarro. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 4.2.2.1.
114 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.142.
115 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.142.
116 Cf. Aitor Navarro. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 4.1.3.
117 Cf. Aitor Navarro. Transactional adjustments in transfer pricing. Amsterdam: IBFD, 2018, item 4.2.
118 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.38.
119 Andreas Bullen também destaca a importância de se observar o critério da mais clara atratividade (“clearly” more attractive criterion). Para ele, esse critério deve implicar numa espécie de exigência de razoabilidade sobre o requisito da irracionalidade comercial. Este requisito não será satisfeito se uma ou mais opções realisticamente disponíveis demonstrarem apenas um nível modesto de maior atratividade comercial sobre a transação controlada. Cf. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 19.6.5.3.2.
120 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 19.6.4.3.
121 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 9.37.
122 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.142.
123 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 19.6.4.3.
124 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Pars. 1.142 e 9.38.
125 Cf. Andreas Bullen Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 19.6.5.2.1.
126 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 21.4.
127 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, itens 19.6.5.2.2 a 19.6.5.2.4.
128 Cf. Martijn de Lange, Paul Lankhorst e Rutger Halkenscheid. Non-)recognition of transactions between associated enterprises: on behaving in a commercial manner, decision-making and BEPS. International Transfer Pricing Journal vol. 22, n. 2. Amsterdam: IBFD, 2015, item 7.
129 Cf. Denis Amici. In-depth analysis of the concept of options realistically available in transfer pricing. International Transfer Pricing Journal, Mar/Apr 2020. Amsterdam: IFBD, p. 112.
130 Cf. Andreas Bullen. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, itens 19.6.5.2.5 e 19.6.5.2.6.
131 Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 143 a 178.
132 A correta fundamentação argumentativa se baseia no tema da certeza na fundamentação para o contexto dos direitos fundamentais. Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. Preços de transferência – arm’s length e praticabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 219 a 226. De acordo com Robert Alexy, ela expressa um aspecto do problema geral da existência de critérios e regras que permitem, no âmbito da ciência do direito, diferenciar fundamentações jurídicas certas e erradas. Seu enfrentamento encontra amparo na teoria da argumentação jurídica. Para aprofundamento no assunto, do referido autor, cf. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 548 a 574; e Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. Rev. Téc. Cláudia Toledo. São Paulo: Landy Editora, 2005.
133 Cf. Transfer pricing guidelines for multinational enterprises and tax administrations. Paris: OCDE, 2022, Par. 1.2.
134 Tive a chance de me debruçar sobre o tema dos planejamentos tributários e sedimentar o meu entendimento sobre o assunto demonstrando que a matéria foi consolidada pela jurisprudência administrativa mesmo sem a regulamentação da cláusula geral antielisiva positivada no parágrafo único do art. 116 do CTN. Neste sentido, pude revelar que a questão é melhor abordada sob um prisma mais ampliado do conceito de simulação ao envolver também a simulação da causa dos negócios jurídicos. Na ocasião, pude também manifestar minha preferência pela expressão “planejamentos tributários inoponíveis ao Fisco” ao invés da usual expressão “planejamentos tributários abusivos”. Cf. Ricardo Marozzi Gregorio. A simulação nas reorganizações societárias. Tributação federal. Jurisprudência do Carf em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 239 a 259.
135 Andreas Bullen chama atenção para a observância do princípio da neutralidade. Neste sentido, as exigências para que se apliquem outras normas tributárias, para além do princípio arm’s length, não devem ser maiores sobre as transações controladas do que sobre transações não controladas. Caso contrário, empresas associadas teriam um tratamento mais favorável quando comparadas com partes independentes em prejuízo da desejada paridade do tratamento tributário. Cf. Arm’s length transaction structures. Amsterdam: IBFD, 2010, item 8.2.4.