ACÓRDÃO COMENTADO

Jorge Ricardo da Silva Júnior

Advogado e Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBDT.

Tema 1287/STJ. Incidência do IRRF sobre serviços técnicos sem transferência de tecnologia. Afetação

Processos: REsp’s n. 2.060.432/RS, 2.133.454/SP e 2.133.370/SP

1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça

Data de afetação: 08/10/2024

Relator: Ministro Relator Teodoro Silva Santos

Ementa:

TRIBUTÁRIO. PROPOSTA DE AFETAÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ARTS. 1.036, CAPUT E § 1º, 1.037 E 1.038, TODOS DO CPC/2015 C/C ART. 256- I DO RISTJ. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. REMESSA DE VALORES AO EXTERIOR. PAGAMENTO DE SERVIÇO SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. EMPRESA SEDIADA NO EXTERIOR. TRATADO INTERNACIONAL CELEBRADO PELO BRASIL PARA EVITAR A BITRIBUTAÇÃO.

I. Delimitação da controvérsia, para fins de afetação da matéria ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036, caput e § 1º, do CPC/2015: “Discutir a legalidade da incidência do IRRF sobre os recursos remetidos ao exterior para pagamento de serviços prestados, sem transferência de tecnologia, por empresas domiciliadas em países com os quais o Brasil tenha celebrado tratado internacional para evitar a bitributação”.

II. Recurso Especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 256-I do RISTJ, na redação da Emenda Regimental 24, de 28/9/2016)

Comentários:

Em 08/10/2024, a 1ª Seção do STJ decidiu afetar ao rito dos recursos repetitivos a controvérsia relativa à incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) nos pagamentos ao exterior por serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, nos casos em que o prestador é domiciliado em país com o qual o Brasil possui acordo de bitributação.

Conforme manifestação do Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e Ações Coletivas do STJ, a controvérsia preenchia os requisitos para afetação pelas seguintes razões.

Em primeiro lugar, foi confirmada repetitividade do tema, visto que foram encontrados 8 acórdãos e cerca de 60 decisões monocráticas sobre o tema na jurisprudência da Corte.

Em segundo lugar, foi ressaltada a existência de recentes julgados de ambas as Turmas de Direito Público que concluíram pela incidência do imposto de renda retido na fonte, desde que haja protocolo no acordo de bitributação equiparando serviços técnicos a royalties.

Além disso, foi destacado o relevante impacto jurídico, político e econômico da controvérsia, de forma que a resolução da discussão representará maior segurança jurídica aos contribuintes.

Em seu voto, o Ministro Relator Teodoro Silva Santos, ressaltou os fundamentos apresentados na manifestação do Presidente da Comissão de Precedentes e delimitou a controvérsia nos seguintes moldes:

Discutir a legalidade da incidência do IRRF sobre os recursos remetidos ao exterior para pagamento de serviços prestados, sem transferência de tecnologia, por empresas domiciliadas em países com os quais o Brasil tenha celebrado tratado internacional para evitar a bitributação

Com efeito, a discussão envolvendo a incidência do IRRF sobre os serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, nos casos em que há acordo de bitributação, não é nova no STJ.

A primeira vez que a Corte enfrentou o tema foi no paradigmático Caso Copesul (REsp n. 1.161.467, julgado em 17/05/2012). À época, a Receita Federal do Brasil entendia que tais serviços seriam qualificados no art. 21 (outros rendimentos) dos acordos de bitributação celebrados pela Brasil, o que permitiria a incidência do IRRF, nos termos do Ato Declaratório Normativo n. 01/2000.

No julgamento do Caso Copesul, a 1ª Turma do STJ concluiu que “lucros das empresas” deve ser interpretado em acepção mais ampla que “lucro real”, sob pena de tornar sem valia alguma o art. 7º e acolher bitributação internacional como regra nos acordos, que buscam justamente combatê-la.

Assim, para tornar o dispositivo minimamente aplicável, seria necessário equiparar “lucro da empresa” ao “lucro operacional”, previsto no art. 11 do Decreto-Lei 1.598/1977, entendimento que não destoa da legislação brasileira que consagra expressamente diversas modalidades de lucro. Com essa conclusão foi derrubado o entendimento do ADN n. 01/2000.

Ocorre que, após a conclusão do Caso Copesul, a RFB, por meio do Ato Declaratório Interpretativo n. 05/2014 (baseado no entendimento manifestado no Parecer PGFN/CAT/ n. 2.363/2013), adotou um “novo entendimento”. A partir desse marco, o argumento central da Procuradoria da Fazenda Nacional baseou-se na existência, na grande maioria dos acordos celebrados pelo Brasil, de protocolos que equiparam serviços técnicos a royalties, o que atrai a incidência do art. 12, o qual, por sua vez, permite a tributação na fonte pelo Brasil.

Os contribuintes, por sua vez, alegam que essa equiparação só alcança os serviços técnicos com transferência de tecnologia, de tal sorte que na ausência desse elemento, os serviços são qualificados no art. 7º, como lucros das empresas.

Após a decisão do Caso Copesul, podem ser citadas oito decisões sobre o tema.

De um lado, algumas dessas decisões analisaram o tema à luz do Caso Copesul, sem exame dos protocolos dos acordos, e concluíram pela aplicação do art. 7º. De outro lado, os julgamentos mais recentes têm analisado os protocolos, ainda que de forma singela, e concluído pela tributação na fonte com base no art. 12, independentemente de transferência de tecnologia.

A seguir estão elencados os referidos recursos e a síntese do entendimento manifestado:

(i) REsp n. 1.272.897 (Caso Iberdrola – 2015): Racional utilizado no Caso Copesul (não foi examinado o protocolo) – Aplicação do art. 7º

(ii) REsp n. 1.618.897 (Caso Alcatel – 2020): Racional utilizado no Caso Copesul (tratado com a França não possui protocolo – Aplicação do art. 7º

(iii) REsp n. 1.759.081 (Caso Engecorps – 2020): Devolução ao TRF para análise do enquadramento – menção à desnecessidade da transferência de tecnologia para enquadramento como royalties

(iv) Resp n. 1.556.574 (Caso Muse – 2022): Racional utilizado no Caso Copesul – foi alegada inovação recursal da fazenda quanto à aplicabilidade do art. 12 – Aplicação do art. 7º

(v) REsp n. 1.863.764 (Caso Reivax – 2023): Racional do Caso Engecorps e conclusão pela desnecessidade de transferência de tecnologia – Aplicação do art. 12

(vi) REsp n. 1.753.262 (Caso Motorola – 2023): desnecessidade de transferência de tecnologia – Aplicação do art. 12

(vii) REsp n. 2.102.886 (Caso Alisul – 2023): desnecessidade de transferência de tecnologia – Aplicação do art. 12

(viii) REsp n. 2.348.304 (Caso Pegasustsi – 2024): desnecessidade de transferência de tecnologia – Aplicação do art. 12

Diante desse cenário, a afetação da controvérsia é bem-vinda, especialmente em razão da insegurança que essa temática tem causado aos contribuintes importadores de serviços.

É importante que a 1ª Seção do STJ, ao julgar a controvérsia, se atente às diferentes redações dos protocolos, bem como ao contexto de cada acordo analisado, sob pena de se firmar um precedente que não traga segurança alguma.

Por fim, outra questão que pode ser analisada pelo STJ no âmbito desse tema é a própria definição de serviços técnicos aplicada pela Receita Federal do Brasil, constante do art. 17, II, “a” da Instrução Normativo n. 1455/20141, que também traz certa insegurança jurídica aos contribuintes.

1 Art. 17. As importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a pessoa jurídica domiciliada no exterior a título de royalties de qualquer natureza e de remuneração de serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e semelhantes sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento).

II – considera-se:

a) serviço técnico a execução de serviço que dependa de conhecimentos técnicos especializados ou que envolva assistência administrativa ou prestação de consultoria, realizado por profissionais independentes ou com vínculo empregatício ou, ainda, decorrente de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico;