Acordos de Dupla Tributação e Direito Constitucional*
Michael Lang1
Professor de Direito Tributário. Chefe do Instituto de Direito Tributário Austríaco e Internacional. Diretor do Programa de LLM em Direito Tributário Internacional na Wirtschaftsuniversität Wien (Áustria).
https://doi.org/10.46801/2595-7155.14.12.2025.2782
1. A competência de Cortes Superiores para o controle de acordos de dupla tributação e sua aplicação
Os acordos de dupla tributação (ADT) fazem parte do Direito Internacional Público. Como regra geral, trata-se de tratados bilaterais firmados entre dois Estados e regidos pelo Direito Internacional Público. A maioria dos ADT existentes segue amplamente os modelos da OCDE e da ONU, o que lhes confere grande semelhança entre si. O Instrumento Multilateral (IM), assinado por muitos Estados, não alterou a bilateralidade da maioria dos ADT: embora o IM seja, em si, um tratado multilateral, sua função se limita a modificar rapidamente os ADT bilaterais dos Estados signatários – ou seja, sem a necessidade de longas negociações bilaterais para cada caso2.
De acordo com o Direito Constitucional austríaco, os ADT são tratados internacionais que, conforme o art. 50 da Constituição Federal austríaca, requerem aprovação do Conselho Nacional (“Nationalrat”), ratificação pelo Presidente Federal (“Bundespräsident”) e, após a troca dos instrumentos de ratificação, publicação no Diário Oficial Federal3. Esses atos, realizados pelos órgãos austríacos – assim como os procedimentos equivalentes no outro Estado contratante conforme seu próprio direito – são determinantes para que o ADT adquira validade e efeito vinculante no plano do Direito Internacional Público. Dessa forma, o tratado internacional passa a integrar a ordem jurídica austríaca, sem que seu conteúdo seja alterado. Suas disposições, em regra, são diretamente aplicáveis, e a aprovação ocorre sem reserva de execução. Tais tratados devem, em razão do seu conteúdo, ser inseridos na ordem jurídica austríaca como leis federais ordinárias. Assim, eles podem também prevalecer sobre normas fiscais constantes de leis federais ordinárias4.
Enquanto tratados internacionais equiparados a leis ordinárias (“gesetzeskoordinierte Staatsverträge”), os ADT submetem-se ao controle de constitucionalidade. A Corte Constitucional austríaca (“Verfassungsgerichtshof – VfGH”), contudo, não pode anular as disposições de um tratado internacional em caso de inconstitucionalidade. De acordo com o art. 140a da Constituição Federal austríaca, o Tribunal Constitucional pode apenas suspender os efeitos de disposições de um ADT que tenham sido reconhecidas como inconstitucionais. Inobstante essa decisão, enquanto tratado internacional, o ADT permanece inalterado como parte do ordenamento jurídico internacional. No entanto, após tal suspensão, as autoridades austríacas não podem mais cumprir plenamente a obrigação internacional assumida pela Áustria. O conteúdo do ADT e seus efeitos no plano do direito internacional e no plano do direito austríaco passam, então, a divergir. Na Seção 2 se mostrará como a Corte Constitucional austríaca lida com essa tensão.
Enquanto tratados internacionais equiparados a leis ordinárias, os ADT também constituem base para a atuação da administração pública. Os atos administrativos, sejam eles gerais ou individuais, devem ser fundamentados nas disposições dos ADT. A prática mostra que, na Áustria, o Ministério das Finanças recorre repetidamente às disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados para tentar afastar do controle judicial por Tribunais Superiores, tanto quanto possível, os acordos celebrados com as autoridades administrativas do outro Estado contratante em procedimentos amigáveis5. Na Seção 3 se analisará até que ponto os Tribunais Superiores ainda cumprem sua função de controle.
Em muitos países, o legislador nacional afasta-se das disposições dos ADT – logo, de tratados internacionais –, aceitando a violação do direito internacional6. Se, e até que ponto, o direito constitucional impõe limites a tal prática será analisado na Seção 4.
Em todas essas situações, será primeiramente examinada a ordem jurídica alemã. Em um segundo momento, será analisado o regime jurídico austríaco.
2. O controle dos ADT à luz de exigências constitucionais
2.1. A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão (“Bundesverfassungsgericht – BVerfG”)
Desde uma decisão proferida em 10 de março de 1971, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha reconhece o controle constitucional das disposições dos ADT7. Zorn mencionou essa decisão como um dos raros casos em que um tribunal constitucional declarou disposições de um ADT inconstitucionais8. O caso dizia respeito ao protocolo adicional ao ADT com a Suíça, ao qual o Parlamento alemão (“Bundestag”) deu seu consentimento em 5 de março de 1959. O protocolo adicional entrou em vigor em 20 de abril de 1959. Ele continha, na Seção II, n. 14, o seguinte acréscimo ao protocolo final original relativo aos arts. 2º a 12 do ADT:
Este acordo não limita o direito de cada um dos dois Estados de cobrar impostos sobre as partes do patrimônio, rendimentos ou parcelas da herança que lhe foram atribuídas para fins de tributação, aplicando a alíquota correspondente ao patrimônio total, à renda total, à herança, à parte da herança ou à aquisição por sucessão causa mortis.
Nos termos da Seção IV, parágrafo 3, frase 1, do protocolo adicional, essa cláusula de reserva de progressividade deveria ser aplicada aos impostos cobrados sobre períodos posteriores a 31 de dezembro de 1956.
O Tribunal Constitucional Federal alemão decidiu:
O art. 1º, frase 1, da Lei relativa ao protocolo adicional de 9 de setembro de 1957 ao acordo de 15 de julho de 1931 entre o Reich Alemão e a Confederação Suíça para evitar a dupla tributação no campo dos impostos diretos e dos impostos sobre heranças, de 5 de março de 1959 (BGBl. II p. 182), é, na medida em que se refere à seção IV, parágrafo 3, frase 1, do protocolo adicional de 9 de setembro de 1957 (BGBl. 1959 II p. 183), incompatível com a Lei Fundamental e, por isso, nulo, por determinar a aplicação da seção II, n. 14, do protocolo adicional à tributação da renda na República Federal da Alemanha para os anos de 1957 e 1958.
Na versão original do ADT, a cláusula de reserva de progressividade não era expressamente mencionada. O Tribunal Constitucional Federal alemão partiu do entendimento de que não havia autorização para a introdução dessa cláusula. De acordo com essa interpretação, a cláusula de progressividade, cuja aplicação inicial se daria também para os anos de 1957 e 1958 de acordo com a modificação do ADT, cuja lei de aprovação somente entrou em vigor em 20 de abril de 1959, implicava, portanto, uma retroatividade onerosa. Em conformidade com sua jurisprudência consolidada sobre retroatividade, o Tribunal Constitucional Federal alemão entendeu que isso configurava uma violação ao princípio do Estado de Direito.
A questão sobre qual seria o fundamento jurídico da cláusula de reserva de progressividade é controversa9. Uma corrente entende que a autorização para aplicar essa cláusula já decorre do direito interno, nomeadamente das disposições relativas à tributação em bases universais (“unbeschränkte Steuerpflicht”) ou das disposições relativas às alíquotas. Assim, não seria necessária uma autorização específica no próprio acordo. A posição adotada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, segundo a qual a ausência de uma disposição expressa na versão original do acordo exclui também a possibilidade de aplicação da cláusula de progressividade, não é, portanto, evidente. Apenas com base nessa interpretação é que a introdução da cláusula por meio do protocolo adicional resultou numa retroatividade.
O Tribunal Constitucional Federal alemão considerou, assim, nula uma norma prevista em um ADT para um determinado intervalo de tempo. No entanto, o tribunal não interferiu na distribuição das competências tributárias estabelecida pelo acordo: quando as disposições da cláusula de progressividade autorizam o Estado de residência a incluir, na determinação da alíquota aplicável a outros rendimentos ou bens, aqueles rendimentos e bens isentos com base no ADT, cabe a esse Estado contratante decidir se, e em que medida, exercerá esse direito. No caso de tributos com alíquota única e fixa, a cláusula de progressividade não tem qualquer efeito10. Já os Estados que adotam alíquotas progressivas têm liberdade para não considerar, no cálculo da alíquota aplicável aos demais rendimentos ou bens, aqueles que estão isentos conforme o ADT – sem, com isso, violar o acordo. Se a decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão impossibilita a aplicação da cláusula de progressividade na Alemanha, isso equivale a uma situação em que um Estado contratante opta por não exercer um direito de tributação que lhe foi atribuído pelo acordo. Isso, por si só, não configura violação das disposições do ADT: mesmo que uma lei nacional tivesse excluído a aplicação da cláusula de progressividade nos anos afetados – ou mesmo por um período mais amplo –, a Alemanha não teria, ainda assim, descumprido suas obrigações internacionais.
É semelhante o entendimento do Tribunal Constitucional Federal alemão em decisão de 14 de maio de 198611. Novamente, tratava-se do ADT com a Suíça, mas, desta vez, em relação à transição para um novo ADT, assinado em 11 de agosto de 1971 e aprovado pelo Parlamento alemão em 14 de junho de 1972. Devido às regras mais restritivas de residência, o novo ADT trouxe desvantagens para determinados contribuintes. Tratava-se de encargos retroativos impostos a certas pessoas para partes do ano de 1972, visto que o acordo já era aplicável aos impostos recebidos ou cobrados em 1972. Isso, por si só, não foi considerado problemático pelo tribunal, que – em conformidade com sua jurisprudência consolidada – distingue entre retroatividade própria (autêntica) e imprópria (não autêntica). No entanto, havia também casos de pessoas cuja obrigação fiscal referente ao imposto de renda de 1972 já estava definida antes de 14 de junho de 1972, como aquelas cuja sujeição limitada à tributação havia terminado antes dessa data, ou que haviam auferido rendimentos com efeito de quitação antes de 14 de junho de 1972. O tribunal decidiu, portanto, que a Alemanha estava impedida, por força constitucional, de aplicar as disposições do acordo no que se refere a esses casos de retroatividade inconstitucional.
Mais uma vez, vale o seguinte: a Alemanha poderia, por meio de uma lei tributária nacional, ter excluído por conta própria a retroatividade e evitado o agravamento da situação dos contribuintes nesse período, mediante isenção ou manutenção de uma tributação mais favorável. Do ponto de vista do direito internacional, isso não teria suscitado qualquer objeção: o ADT não obriga nenhum dos Estados contratantes a exercer efetivamente um direito de tributação que lhe tenha sido atribuído no âmbito do acordo. Da mesma forma, benefícios concedidos pelo acordo a determinados contribuintes podem, com base no direito interno, ser estendidos a outros contribuintes. A decisão do tribunal, embora afete formalmente o ADT – na medida em que postergou parcialmente o início de sua aplicação –, não implicou violação das obrigações assumidas internacionalmente pela Alemanha.
2.2. A jurisprudência da Corte Constitucional austríaca
A Corte Constitucional austríaca já havia tratado, em sua Decisão n. 3.766/1960, acerca da conformidade com o princípio da igualdade de uma norma constante de um ADT: a “residência familiar” do recorrente localizava-se na Alemanha, embora ele também possuísse apartamentos na Áustria. Com base na residência familiar situada na Alemanha, a autoridade fiscal austríaca o tratou como sujeito à tributação limitada na Áustria e, por essa razão, negou-lhe a aplicação do art. 34, parágrafo 3, da Lei do Imposto de Renda (“Einkommensteuergesetz – EStG”) de 1953 – que previa uma alíquota favorecida para explorações de florestas de forma não habituais. Tal benefício era reservado exclusivamente aos contribuintes com sujeição ilimitada à tributação.
A Corte Constitucional austríaca afirmou:
O recorrente alegou, primeiramente, que a autoridade administrativa, ao proferir a decisão impugnada, atribuiu ao Acordo entre a República da Áustria e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação no campo dos impostos sobre a renda e o patrimônio, bem como dos impostos profissionais e sobre a propriedade fundiária (BGBl n. 221/1955), uma interpretação não apenas incorreta, mas também violadora do princípio da igualdade, por levar ao reconhecimento de sua sujeição limitada à tributação e, com isso, colocá-lo em desvantagem em relação a outros cidadãos austríacos. A Corte Constitucional considerou irrelevante, para o julgamento, a questão de saber se a interpretação adotada pela autoridade administrativa em relação às disposições desse acordo internacional era correta ou não. Em todo caso, tal interpretação não pode ser considerada um ato arbitrário por parte da autoridade. Por esse motivo, a Corte Constitucional não identificou qualquer objeção constitucional às disposições do acordo aplicadas na decisão impugnada, sob a ótica do princípio da igualdade. Isso se aplica, em especial, ao art. 16 do referido acordo, pois é perfeitamente razoável, no caso de múltiplas residências, adotar como critério aquele domicílio que constitui o centro dos interesses vitais do indivíduo.
A fundamentação da Corte Constitucional austríaca é extremamente sucinta: a relevância do centro dos interesses vitais, prevista no art. 16 do então vigente ADT, no caso de residência em ambos os Estados, seria “perfeitamente razoável”, sem que a Corte tenha desenvolvido mais detalhadamente essa afirmação. Ainda assim, a Corte tratou a diferenciação introduzida pelo acordo da mesma forma que teria tratado se tivesse sido estabelecida por uma lei federal ordinária. A decisão, portanto, não contém qualquer indício de que o critério de controle quanto ao princípio da igualdade fosse diferente para os ADT do que para as leis federais ordinárias.
A Corte Constitucional austríaca, no entanto, baseou seu raciocínio em premissas insustentáveis: nos termos dos ADT, em caso de dupla residência, aplica-se a chamada regra de desempate (“tie-breaker”) – que, no antigo ADT com a Alemanha, encontrava-se no art. 16 – para determinar qual dos dois Estados será considerado o Estado de residência para fins do acordo. O outro Estado passa, então, a ser classificado como Estado da fonte. Essa classificação, porém, tem relevância apenas para a aplicação do ADT. Assim, se uma pessoa tiver domicílio na Áustria segundo as leis fiscais internas, permanece sujeita à tributação ilimitada, mesmo que, com base na regra de desempate, a Áustria passe a ser considerada, do ponto de vista do ADT, o Estado da fonte12. O art. 34, parágrafo 3, da Lei do Imposto de Renda de 1953, por sua vez, aplicava-se inequivocamente em caso de sujeição ilimitada à tributação. Portanto, o recorrente teria direito à alíquota favorecida. O fato de a Alemanha ser considerada o Estado de residência para fins do ADT, conforme o art. 16, não deveria alterar esse resultado.
Em favor da Corte Constitucional austríaca, deve-se reconhecer que, ao menos, ela indicou que a interpretação das disposições subjacentes não se enquadra em sua esfera de competência:
O recorrente alega, ainda, que, ao proferir a decisão impugnada, as disposições do tratado internacional mencionado foram manifestamente interpretadas de forma incorreta. No entanto, cabe destacar que a Corte Constitucional austríaca não tem competência para examinar se uma norma jurídica foi corretamente ou incorretamente aplicada em uma decisão administrativa, quando se trata de restrições a direitos fundamentais submetidos à reserva legal; essa competência pertence ao Tribunal Administrativo. Como o recorrente alegou violação do direito de propriedade garantido constitucionalmente, e esse direito, nos termos do art. 5º da Lei Fundamental do Estado, está constitucionalmente garantido apenas sob reserva de lei, o único ponto a ser examinado é se a interpretação dada pela autoridade competente às disposições do tratado internacional pode ser considerada, ao menos, logicamente admissível. A Corte Constitucional austríaca entendeu que a interpretação dada pela autoridade era logicamente possível, visto que a disposição invocada – o art. 16 do tratado internacional referido – trata de casos de múltiplas residências, que de fato se verificava no caso em questão, e porque a questão de estar o contribuinte sujeito à tributação ilimitada ou limitada depende do domicílio (art. 1º da Lei do Imposto de Renda de 1953).
Foi justamente com essa última parte da fundamentação que a Corte Constitucional austríaca se tornou vulnerável a críticas: o tribunal não distinguiu entre o conceito de residência do ADT e da legislação doméstica, e deixou de observar que a predominância da residência na Alemanha para fins do ADT, nos termos de seu art. 16, não alterava o fato de que, para os fins do art. 1º da Lei do Imposto de Renda de 1953, ainda haveria um domicílio no território austríaco.
A Corte Constitucional austríaca voltou a se debruçar, em sua Decisão n. 12.326/1990, sobre a compatibilidade entre uma disposição de um ADT e o princípio da igualdade. Tratava-se, naquele caso, de uma pessoa com residência em Portugal que realizava exploração agrícola e florestal na Áustria, país que apenas poderia tributar rendimentos de fontes nele localizadas (tributação limitada). Pretendia-se aplicar, a essa exploração, o instituto da compensação de prejuízos. De modo geral, os contribuintes sujeitos à tributação limitada só podiam deduzir prejuízos conforme as cláusulas antidiscriminatórias relativas a estabelecimentos permanentes previstas nos ADT. Do ponto de vista dos ADT, os rendimentos provenientes da atividade agrícola e florestal são qualificados como rendimentos de bens imóveis, nos termos do art. 6º do Modelo da OCDE e do art. 6º do ADT entre Áustria e Portugal. Todas as partes envolvidas no processo concordavam que o regime antidiscriminatório relativo a estabelecimentos permanentes não se aplicava aos rendimentos abrangidos pelo art. 6º do ADT entre Áustria e Portugal. A questão constitucional debatida era, portanto, se a distinção entre os lucros empresariais regulados pelo art. 7º do ADT – aos quais a cláusula antidiscriminatória se aplicaria sem dúvida – e os rendimentos abrangidos pelo art. 6º do mesmo acordo seria compatível com o princípio da igualdade.
A Corte Constitucional austríaca fundamentou a conformidade dessa distinção com o princípio da igualdade da seguinte forma:
A cláusula de igualdade de tratamento prevista nos acordos de dupla tributação para estabelecimentos permanentes tem, por regra, o efeito de igualar o tratamento dos contribuintes sujeitos à tributação limitada ao dos contribuintes sujeitos à tributação ilimitada – os quais, no direito interno (de forma constitucionalmente admissível, como reconhecido nas decisões 3.766/1960 e 5.276/1966), estão tradicionalmente sujeitos a regras tributárias distintas. Essa distinção pode, em casos concretos, resultar tanto em desvantagens quanto em vantagens para o contribuinte com tributação limitada. Se o legislador decide, ao celebrar um acordo de dupla tributação, restringir essa diferenciação em certos aspectos, trata-se de uma escolha que cabe à sua discricionariedade político-legislativa. Nesse contexto, é legítimo limitar a igualdade de tratamento apenas àqueles casos para os quais já se consolidou um padrão internacional, de modo que essas situações apareçam como particularmente relevantes e passíveis de serem efetivamente defendidas em negociações bilaterais. A prática internacional dos tratados no âmbito dos acordos de dupla tributação tem, até o momento, considerado necessária a igualdade de tratamento apenas no que se refere aos lucros de estabelecimentos permanentes de atividades empresariais – possivelmente porque é nesse campo que a concorrência entre empresas nacionais e estrangeiras se manifesta com maior intensidade, e onde uma desigualdade de tratamento levaria a distorções competitivas difíceis de suportar. Se o legislador parte do pressuposto de que distorções economicamente preocupantes ou internacionalmente insustentáveis não ocorrem (ainda) ou ocorrem apenas de forma marginal em outras categorias de rendimento – especialmente no que diz respeito a rendimentos de bens imóveis, cuja estreita vinculação ao Estado da fonte já se reflete na norma geral de tributação (art. 6º do acordo austro-português) –, essa opção não pode ser considerada desarrazoada.
Chama atenção – e ao mesmo tempo causa preocupação – a parte da fundamentação em que a Corte Constitucional austríaca atribui à discricionariedade político-legislativa do legislador a decisão de “conceder a igualdade de tratamento apenas nos casos para os quais já se consolidou um padrão internacional, de modo que pareçam particularmente relevantes e possam ser efetivamente defendidos em negociações bilaterais”. O elemento decisivo parece ser, portanto, o padrão internacional, que se inferiria do fato de que determinada regra “consegue ser inserida em negociações bilaterais”. O simples fato de uma disposição ter sido incorporada a um ADT já bastaria, segundo essa lógica, para comprovar sua conformidade com o princípio da igualdade. Levado esse raciocínio às últimas consequências, os ADT – e os tratados bilaterais em geral – ficariam, por essa via argumentativa, excluídos do controle de constitucionalidade com base no princípio da igualdade13.
A fundamentação também contém a seguinte frase:
A prática internacional em matéria de tratados na área dos acordos de dupla tributação tem, até o momento, considerado necessária a igualdade de tratamento entre as diferentes categorias de rendimento apenas no que se refere aos lucros de estabelecimentos permanentes de atividades empresariais.
Ao que tudo indica, a Corte Constitucional austríaca faz aqui alusão ao fato de que a diferenciação entre os arts. 6º e 7º do Modelo da OCDE já se encontra devidamente fundamentada. É igualmente problemático se, com essa argumentação, a Corte quis dar a entender que considera, desde logo, admissíveis, do ponto de vista do princípio da igualdade as distinções que já constam do Modelo da OCDE14. Com efeito, muitas das disposições constantes do Modelo da OCDE só podem ser explicadas hoje principalmente ou apenas por razões históricas15. Nas últimas décadas, a OCDE foi deliberadamente cautelosa ao modificar o seu modelo. Isso porque as alterações ao Modelo da OCDE só se refletem nos ADT bilaterais muitos anos depois – quando, e se, esses tratados forem revisados ou renegociados16. O custo das modificações no Modelo da OCDE é, portanto, elevado: elas levam, como consequência, a uma fragmentação das disposições dos ADT que pode durar anos – ou até décadas. Nas negociações de tratados, o caminho mais fácil costuma ser simplesmente adotar uma disposição já prevista no Modelo da OCDE: qualquer desvio requer justificativa e, possivelmente, uma concessão em outra cláusula do tratado. Assim, os motivos pelos quais o Modelo da OCDE possui o seu conteúdo atual – e o fato de suas cláusulas serem muitas vezes incorporadas, sem alterações, aos ADT bilaterais – não permitem concluir, de forma automática, que as diferenciações nele previstas sejam, por si só, razoáveis ou justificadas.
Deve-se reconhecer à Corte Constitucional austríaca o mérito de ter também apresentado, como justificação adicional, o argumento de que a aplicação da cláusula antidiscriminatória tem sido até agora considerada necessária apenas no campo dos lucros de atividades empresariais atribuídos a estabelecimentos permanentes, justamente porque é nesse contexto que a concorrência entre empresas nacionais e estrangeiras se manifesta com maior evidência – sendo que uma desigualdade de tratamento levaria a distorções concorrenciais graves. Se o legislador parte do pressuposto de que distorções economicamente preocupantes ou internacionalmente insustentáveis não ocorrem (ainda) ou surgem apenas como fenômenos marginais em outras categorias de rendimento – especialmente no caso dos rendimentos de bens imóveis, cuja estreita ligação com o Estado da fonte já é refletida na norma geral de tributação (art. 6º do ADT entre Áustria e Portugal) –, tal entendimento não pode ser considerado desarrazoado.
Aqui, a Corte Constitucional austríaca se mantém coerente com sua jurisprudência consolidada. Embora sua argumentação – como de costume nesses casos – possa ser igualmente passível de críticas, por basear-se em padronizações e tipificações, ao menos ela não recorre a justificativas excepcionais, aplicáveis apenas para o contexto dos acordos.
A Decisão n. 12.326/1990 não representa, portanto, exatamente um ponto alto da jurisprudência constitucional austríaca em matéria de ADT. Nesse contexto, é importante destacar que, na verdade, nem sequer haveria necessidade de entrar no exame da questão sob a ótica do princípio da igualdade: a cláusula de não discriminação relativa a estabelecimentos permanentes, prevista no art. 24, parágrafo 3, do Modelo da OCDE, pressupõe a existência de uma “empresa”. Isso indica que o art. 24, parágrafo 3, do Modelo da OCDE tem relevância, ao menos, para os lucros empresariais definidos pelo art. 7º17. Também são considerados “empresas” os contribuintes que auferem rendimentos nos termos do art. 8º do Modelo da OCDE. No entanto, até mesmo os rendimentos de bens imóveis conforme o art. 6º do Modelo da OCDE podem integrar os lucros de uma empresa18. Caso contrário, a regra de prevalência do art. 6º, parágrafo 4, do Modelo da OCDE não faria sentido. No âmbito de aplicação do art. 6º do Modelo da OCDE, apenas a consequência jurídica do art. 7º é afastada – o que não impede, contudo, que o contribuinte ainda seja uma “empresa”19. Assim, quem explora uma empresa, aufere rendimentos nos termos do art. 6º do Modelo da OCDE e possui um estabelecimento permanente, está, também, sob a proteção do art. 24, parágrafo 3. Lamentavelmente, a Corte Constitucional austríaca remeteu-se apenas a uma parte da doutrina que, à época – e essencialmente sem apresentar fundamentos –, excluía de forma categórica a aplicação do art. 24, parágrafo 3, a pessoas que auferissem rendimentos nos termos do art. 6º. Se a Corte não tivesse se limitado a isso, e tivesse desenvolvido seu próprio raciocínio, considerando os aspectos sistemáticos mencionados, a questão da eventual violação do princípio da igualdade nem sequer teria se colocado. Em favor da posição da Corte, pode-se apenas argumentar que ela, como regra, não aprofunda o exame de interpretações que considera logicamente admissíveis das normas infraconstitucionais, sempre que tais interpretações não suscitam dúvidas de ordem constitucional. Na Decisão n. 3.766/1960, já mencionada, a Corte Constitucional austríaca recorreu a esse mesmo tipo de fundamentação ao interpretar um ADT.
Na Decisão n. 19.889/2014, a Corte Constitucional austríaca teve de se pronunciar – por provocação do Tribunal Administrativo (“Verwaltungsgerichtshof – VwGH”) –, quase 25 anos depois, sobre outra diferenciação constante de um ADT bilateral: o ADT entre a Áustria e Liechtenstein prevê, para os lucros empresariais (nos termos do art. 7º do ADT), a aplicação do método de imputação, enquanto, para os rendimentos provenientes de atividade autônoma (art. 14 do ADT), aplica-se o método da isenção. O Tribunal Administrativo considerou essa diferenciação contrária ao princípio da igualdade. A Corte Constitucional austríaca, no entanto, não acolheu essa posição.
Na fundamentação de sua decisão de mérito, a Corte Constitucional austríaca trata, inicialmente, do argumento apresentado pelo Tribunal Administrativo, segundo o qual, com base no Modelo da OCDE, já não se justifica uma diferenciação entre os arts. 7º e 14. O centro da fundamentação dessa decisão está nas seguintes considerações:
Independentemente do fato de que, no caso de Liechtenstein, enquanto país-membro da Organização das Nações Unidas (“ONU”), porém não da OCDE, também deve ser considerado o Modelo da ONU, o qual, na sua versão mais recente de 2011, continua mantendo a distinção entre rendimentos provenientes de atividade autônoma (art. 14 do Modelo da ONU) e lucros empresariais (art. 7º do Modelo da ONU), não se pode, de forma alguma, extrair da Decisão n. 12.326/1990, suscitada pelo Tribunal Administrativo, a conclusão de que uma norma seria inconstitucional apenas por não corresponder a um padrão internacional. Ainda que se admitisse, portanto, a premissa do Tribunal Administrativo de que as disposições do ADT com Liechtenstein não seguem um padrão internacional, tal constatação, por si só, não levaria à conclusão de que essas disposições violam o princípio da igualdade previsto no art. 7º da Constituição Federal austríaca.
A observação contida na oração subordinada introdutória, que faz referência ao Modelo da ONU, causa confusão: de fato, Liechtenstein é, atualmente, membro da ONU, mas o ADT com Liechtenstein não foi, de forma alguma, celebrado com base no Modelo da ONU20. Não está clara a razão pela qual, “no caso de Liechtenstein, […] também deve ser considerado o Modelo da ONU” – e, aparentemente, tampouco o está para a própria Corte Constitucional austríaca21. Ao contrário do que ocorre com o Modelo da OCDE, não existe, no caso do Modelo da ONU, sequer uma recomendação não vinculante aos Estados-membros para que o utilizem como base nas negociações de acordos22. A circunstância de o tratado diferenciar entre lucros empresariais e rendimentos provenientes de atividade autônoma decorre do fato de que, nas negociações do ADT Áustria–Liechtenstein, se tomou por base o Modelo da OCDE, que previa tal distinção – embora o próprio Modelo da OCDE, de modo algum, sugira que se devam aplicar métodos diferentes para eliminar a dupla tributação nos dois casos.
Na sequência, a Corte Constitucional austríaca expõe que o simples fato de uma norma divergir de um “padrão internacional” não a torna, por isso só, inconstitucional à luz do princípio da igualdade. Com isso, o tribunal posiciona-se contra uma tese que não foi sustentada por ninguém – nem mesmo pelo Tribunal Administrativo, que apresentou o pedido23. A suposição de que qualquer divergência entre uma norma bilateral e um padrão internacional, seja ele definido como for, seria ipso iure inconstitucional seria, de fato, absurda. O Tribunal Administrativo havia argumentado de forma completamente diferente: a diferenciação entre lucros empresariais e rendimentos de atividade autônoma não poderia ser justificada com base no “padrão internacional” e, por isso, necessitaria de outra fundamentação – tampouco identificada pelo próprio Tribunal Administrativo – para que fosse considerada compatível com a Constituição. A Corte Constitucional austríaca, portanto, volta-se contra um “espantalho argumentativo” (“Pappkameraden”) – uma tese construída por ela mesma apenas para ser refutada24.
Cabe destacar, no entanto, que a Corte Constitucional austríaca, ao justificar diferenciações constantes de ADT, não acolheu o argumento, trazido ao tribunal por diversas partes, de que as disposições convencionais derivam de compromissos firmados durante as negociações25. Se bastasse a mera referência a compromissos entre delegações negociadoras para justificar uma desigualdade que, em outras circunstâncias, seria considerada inconstitucional, isso equivaleria, em última análise, a afirmar que os ADT – ou até mesmo outros tratados internacionais – estariam, de modo geral, fora do alcance do controle constitucional com base no princípio da igualdade (e, eventualmente, também de outros direitos fundamentais) por parte da Corte Constitucional austríaca26. A celebração de tratados bilaterais pressupõe sempre o consentimento de ambas as partes. Devido à dinâmica própria das negociações internacionais, é frequente que disposições que não guardem entre si uma relação direta acabem sendo vinculadas umas às outras, como forma de se alcançar um consenso. Para observadores externos, nunca é inteiramente transparente quais posições foram trocadas nas negociações, com que intensidade foram defendidas por um lado, e que peso efetivo tiveram os argumentos para o outro lado27. Por isso, qualquer disposição de um ADT poderia ser apresentada como fruto de um compromisso arduamente negociado, sem que terceiros – alheios ao processo – pudessem refutar tal alegação28. Se a Corte Constitucional austríaca aceitasse esse tipo de justificativa, ela teria, em grande medida, renunciado à sua função de controle no âmbito dos ADT e, mais amplamente, dos tratados internacionais. A competência que lhe é atribuída pelo art. 140a da Constituição Federal austríaca perderia, assim, grande parte de sua relevância. Recorrendo às palavras de Loukota, que, aliás, defende exatamente essa tese29: os negociadores de ADT poderiam então contar com o fato de que, “na luta por uma repartição adequada dos direitos de tributação, nenhum obstáculo constitucional, decorrente do princípio da igualdade vigente no direito interno austríaco, seria colocado em seu caminho”. Nesse cenário, o problema já não seria uma eventual violação do princípio da igualdade, mas sim o próprio princípio da igualdade, cujas exigências deveriam, então, ser consideradas inaplicáveis ao direito dos tratados. No entanto, a existência de uma “zona livre dos direitos fundamentais” é inconciliável com o Estado de Direito – e isso dispensa maiores justificativas30. Por essa razão, não pode ser determinante se uma determinada disposição constante de um ADT pode ou não ser retrospectivamente qualificada como fruto de um compromisso entre as delegações negociadoras.
É, portanto, digno de destaque positivo o fato de que a Corte Constitucional austríaca, no cerne de sua decisão, tenha se orientado pelos padrões tradicionais de argumentação baseados no princípio da igualdade31: o tribunal exige uma justificativa razoável para a diferenciação entre lucros empresariais e rendimentos provenientes de atividade autônoma. O fato de a Corte, em diversas decisões, ter considerado injustificada a distinção entre rendimentos empresariais e autônomos segundo a Lei do Imposto de Renda não implica necessariamente que essa mesma diferenciação careça de justificativa no contexto de um ADT. E com razão: as categorias de rendimentos previstas na Lei do Imposto de Renda, por um lado, e as normas de repartição de competência dos ADT, por outro, são distintas e inserem-se em contextos jurídicos diferentes. Por isso, o exame da justificativa deve ser feito separadamente em cada esfera e pode levar a conclusões distintas. Além disso, a linha divisória entre rendimentos empresariais e rendimentos de atividade autônoma segundo a Lei do Imposto de Renda pode ser diferente daquela adotada no plano dos ADT. Isso se aplica especialmente caso se considere – como também indicou a própria Corte – que o art. 3º, parágrafo 2, do ADT permite uma interpretação autônoma do ADT32.
A Corte Constitucional austríaca partiu, então, em conformidade com os materiais legislativos pertinentes33, do entendimento de que o método de imputação foi acordado para os lucros empresariais provenientes de Liechtenstein com o objetivo de “contrabalançar a tendência marcante e crescente de deslocamento de rendimentos e patrimônio da Áustria para Liechtenstein”34. Segundo o tribunal, os motivos que justificaram a escolha do método de imputação para os lucros empresariais não se aplicam, da mesma forma, aos rendimentos provenientes de atividade autônoma. No caso do art. 14 do ADT, o fator determinante seria o fato de que “a atividade geradora de renda é, via de regra, exercida pessoalmente pelo contribuinte, com base – em parte inclusive de forma vinculada por normas profissionais – em conhecimentos e habilidades específicos”35. Essa atividade exercida pessoalmente deve ser funcionalmente atribuída a uma instalação fixa36:
Nesse contexto, os motivos determinantes para a escolha do método de imputação – isto é, o objetivo de conter a transferência observável de rendimentos – não se aplicam, ainda hoje, da mesma forma aos rendimentos provenientes de atividade autônoma, já que esses rendimentos – ao menos na maioria dos casos – só podem ser deslocados dentro de limites bastante restritos. Enquanto, no caso de atividades que geram lucros empresariais, a simples realocação de determinadas funções empresariais, com utilização de pessoal e recursos materiais, para um estabelecimento permanente situado no Estado da fonte pode conduzir a uma transferência de rendimentos, a transferência de rendimentos de atividade autônoma exige que a atividade pessoal geradora dos rendimentos seja atribuível funcionalmente à instalação situada no Estado da fonte. Isso pressupõe, como regra, não apenas que o contribuinte exerça pessoalmente sua atividade nesse Estado, mas também que essa atividade possa ser funcionalmente vinculada à estrutura localizada ali. Essa distinção é corroborada também pela jurisprudência do Tribunal Administrativo relativa ao ADT com Liechtenstein, a qual adota um critério rigoroso para a atribuição de rendimentos autônomos de um consultor fiscal residente na Áustria a um estabelecimento fixo situado no Liechtenstein. Segundo essa jurisprudência, é necessário apurar de forma precisa de onde o contribuinte presta serviços aos seus clientes austríacos e onde ocorre o contato com as autoridades austríacas em nome desses clientes (cf. Tribunal Administrativo, decisão de 19 de março de 2008, processo n. 2005/15/0076).
A Corte Constitucional austríaca, portanto, enfatiza o caráter pessoal da atividade subjacente ao art. 14 do Modelo da OCDE e do ADT com Liechtenstein. Ela afirma que isso se aplica apenas “como regra geral” e, em momento algum, ignora que os limites entre os arts. 7º e 14 são fluidos. Com efeito, mesmo nos lucros empresariais, a “atividade pessoal” pode desempenhar um papel decisivo, assim como, nos rendimentos provenientes de atividade autônoma, “a transferência de determinadas funções empresariais, com o uso de pessoal e recursos materiais”, também pode ser determinante. No fundo, a questão é saber até que ponto as tipificações associadas a ambas as disposições – na visão da Corte – se sustentam do ponto de vista constitucional. Não por acaso, a Corte Constitucional austríaca ressalta mais de uma vez, nessa decisão, a “margem de conformação político-legislativa do legislador”, a qual, nesse caso, ela reconhece como relativamente ampla.
Até o momento, a Corte Constitucional austríaca não se pronunciou sobre a possibilidade de se compararem disposições de diferentes ADT entre si. No caso do ADT com Liechtenstein, pareceria pertinente a comparação entre empresários residentes na Áustria que possuam um estabelecimento permanente em Liechtenstein e aqueles que têm um estabelecimento permanente em outros países. Também seria possível comparar profissionais liberais residentes na Áustria com instalação fixa em Liechtenstein com aqueles que mantêm instalações fixas em outros Estados. Em ambas as situações comparativas, ainda é possível distinguir entre estabelecimentos permanentes e instalações fixas situadas em diferentes países com os quais haja ADT e aquelas localizadas em países com os quais não haja ADT. Também é admissível a comparação entre pessoas residentes em diferentes países estrangeiros quanto à sua tributação na Áustria, sendo relevante, nesse contexto, distinguir entre residentes em países com os quais há ADT e residentes em países com os quais não há tal acordo. Com base no art. 1º, parágrafo 1, da Lei Constitucional Federal contra a Discriminação Racial, o princípio da igualdade foi estendido também à forma como estrangeiros são tratados entre si. Assim, as diferenciações entre estrangeiros exigem uma justificativa razoável37. Korinek destacou que um tratamento diferenciado de estrangeiros, decorrente de tratados internacionais, não é admissível à luz da Lei Constitucional Federal contra a Discriminação Racial. Normas convencionais que produzem uma diferenciação entre estrangeiros, sem uma justificativa objetiva, e que, portanto, resultam em uma discriminação – ou seja, em uma desvantagem não justificada de certos estrangeiros –, não são aptas a afastar uma violação ao princípio da igualdade garantido pela Lei Constitucional Federal contra a Discriminação Racial38. Essa observação de Korinek relativa à Lei Constitucional Federal contra a Discriminação Racial tem ainda maior relevância quando considerada à luz do princípio da igualdade previsto no art. 7º da Constituição Federal austríaca39: “Em nenhuma parte da ordem jurídica austríaca se concede a um órgão estatal representativo o poder de legislar de forma arbitrária, sem que se exija uma justificativa para isso”. Zorn admite que, na comparação entre diferentes ADT, existe uma margem de conformação normativa maior do que no caso da comparação entre disposições contidas no mesmo tratado40. Ele atribui importância ao fato de os tratados terem sido celebrados em momentos distintos41. Se isso pode ou não servir como justificativa jurídica é, a meu ver, questionável: o controle de constitucionalidade, como o próprio Zorn reconhece42, refere-se ao momento da análise e não ao momento da celebração do tratado. Além disso, cabe à própria Áustria tomar a iniciativa de promover a revisão de um tratado ou, se for o caso, denunciá-lo. Embora se possa discutir essa limitação, deve-se concordar, em última instância, com Zorn no ponto de que resultados tributários distintos para pessoas em situações comparáveis exigem uma justificativa razoável43. Assim, os Estados são livres para prever, em certos ADT, o método da imputação e, em outros, o método da isenção. Contudo, a escolha entre um e outro deve ser acompanhada de uma fundamentação objetiva44. No caso da escolha pelo método da imputação, um possível argumento seria o risco claro de subtributação na relação com determinados países, risco esse que poderia gerar vantagens não intencionadas se fosse adotado o método da isenção45. Contudo, à luz do controle de proporcionalidade, também pode ser relevante verificar se a política austríaca em matéria de acordos, tendo esse objetivo legítimo em vista, é coerente46. Esse argumento só poderá ser convincente, portanto, se a Áustria adotar, de forma consistente, o método da imputação nas relações com países de baixa tributação.
Nas decisões mencionadas sobre a constitucionalidade dos ADT, a interpretação conforme à Constituição não desempenhou qualquer papel relevante – e por boas razões. No entanto, surgiu certa confusão em razão da jurisprudência posterior do Tribunal Administrativo, proferida após a Decisão n. 19.889/2014, na qual esse tribunal deixou pouco espaço para o método de isenção previsto, em princípio, para os rendimentos abrangidos pelo art. 14 do ADT47. Tanto a Corte Constitucional quanto o Tribunal Administrativo referiram-se, em suas decisões, ao acórdão do próprio Tribunal Administrativo n. 2005/15/0076, de 19 de março de 2008, relativo à atribuição de rendimentos a uma instalação fixa situada em Liechtenstein pertencente a um consultor econômico residente na Áustria. A Corte Constitucional austríaca observou que o Tribunal Administrativo, naquela ocasião, havia adotado um “critério rigoroso”. Com base nessa fundamentação da Corte, Doralt concluiu que seria necessária uma “interpretação conforme à Constituição” das disposições do ADT Áustria-Liechtenstein e, por conseguinte, que rendimentos só poderiam ser atribuídos a uma instalação fixa situada em Liechtenstein sob condições especiais – que deveriam ser compreendidas de forma restritiva48. Zorn também observa, ao comentar a decisão do Tribunal Administrativo proferida após o reconhecimento da constitucionalidade por parte da Corte, que “uma análise funcional específica [...] era exigida como forma de interpretação conforme à Constituição, sem a qual a distinção entre os arts. 7º e 14 dificilmente poderia ser justificada”49.
Doralt e Zorn não percebem, nesse ponto, que não há espaço para uma interpretação conforme à Constituição na interpretação dos ADT50. Os ADT, com seu conteúdo de direito internacional, tornam-se parte integrante da ordem jurídica austríaca. A aprovação constitucionalmente exigida pelo Conselho Nacional não altera o conteúdo desses acordos51. Se cada Estado-contratante submetesse as disposições do ADT, uma vez incorporadas à sua ordem jurídica interna, a uma interpretação conforme às respectivas constituições, o conteúdo das normas do acordo se fragmentaria – variando de acordo com as disposições constitucionais de cada país. No entanto, as normas constantes dos ADT devem possuir o mesmo conteúdo tanto no plano do direito internacional quanto no plano do direito doméstico52. Caso o Tribunal Fiscal Federal (“Bundesfinanzgerichtshof – BFG”) ou o Tribunal Administrativo entenda que uma disposição constante de um ADT não está em conformidade com as exigências constitucionais, a única medida cabível é submeter a questão à Corte Constitucional austríaca, requerendo a declaração de inconstitucionalidade da norma53. Tampouco a própria Corte Constitucional dispõe da possibilidade de evitar uma eventual inconstitucionalidade por meio de uma interpretação conforme à Constituição. Ao contrário do que ocorre com as leis nacionais, não se aplica aos ADT a possibilidade – normalmente qualificada como modalidade da interpretação sistemática – da interpretação conforme à Constituição54.
A Corte Constitucional austríaca, em sua Decisão n. 19.889/2014, não recorreu à interpretação conforme à Constituição, tampouco a exigiu55. Pelo contrário, partiu da situação jurídica tal como interpretada pelo Tribunal Administrativo em sua Decisão n. 2005/15/0076, de 19 de março de 2008. Com base nessa premissa, negou a inconstitucionalidade do art. 14 do ADT. A Corte não tinha que decidir – e, de fato, não decidiu – se a norma também seria compatível com a Constituição caso outros critérios fossem adotados para a atribuição dos rendimentos a uma instalação fixa. Por isso, não se pode extrair da decisão o entendimento de que a Corte Constitucional teria exigido, “por razões constitucionais”, que a atribuição dos rendimentos a uma instalação fixa, para fins do ADT Áustria-Liechtenstein, devesse necessariamente seguir os critérios estabelecidos pelo Tribunal Administrativo em sua decisão de 19 de março de 2008, e não outros56.
Por fim, a Corte Constitucional austríaca deixou claro que não hesita em declarar a inconstitucionalidade de disposições constantes de tratados internacionais: por meio da decisão sobre tratados internacionais (“Staatsvertragssache – SV”) n. 1/2021, de 29 de setembro de 2022, o tribunal decidiu, com fundamento no art. 140a da Constituição Federal austríaca, que determinadas disposições do Acordo entre a República da Áustria e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP (Boletim Oficial Federal Austríaco n. 382/1974) “não deverão mais ser aplicadas pelos órgãos competentes a partir de 30 de setembro de 2024”. Segundo o entendimento da Corte, o art. 9º do referido tratado violava o art. 6º, parágrafo 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos:
O art. 9º do Acordo de Sede refere-se (também) à competência dos tribunais austríacos para julgar litígios trabalhistas. A disposição trata, portanto, também de conflitos de natureza civil e, com isso, de “direitos civis” na acepção do art. 6º, parágrafo 1, da Convenção Europeia de Direitos Humanos. [...] O art. 9º do Acordo de Sede limita o acesso à jurisdição na medida em que os tribunais austríacos só podem ser acionados quando a OPEP, em um caso concreto, tiver renunciado expressamente à sua imunidade. O objetivo do art. 9º do Acordo de Sede é garantir que a organização internacional (no caso, a OPEP) possa funcionar livre de interferências unilaterais por parte do Estado-sede (a República da Áustria). Esse objetivo configura uma finalidade legítima nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos exposta acima. [...] Contudo, enquanto o Acordo de Sede não assegurar que – como já previsto pela OPEP no art. 6ºA de seu estatuto, introduzido em novembro de 2020 – seja criado um mecanismo adequado de resolução de litígios trabalhistas que proteja os direitos dos funcionários (ver também a exposição de motivos relativa à proposta de introdução, considerada necessária à luz do art. 6º, parágrafo 1, da CEDH, do art. 9º, parágrafo 2, no Acordo de Sede firmado entre a República da Áustria e o Fundo da OPEP para o Desenvolvimento Internacional, 5ª publicação do Conselho Nacional, 27ª legislatura, p. 2), não se pode afirmar – nem mesmo levando-se em conta a margem de apreciação conferida aos Estados pela Convenção – que a República da Áustria, por meio do art. 9º do Acordo de Sede, limita de forma proporcional o acesso à justiça em litígios trabalhistas, como no caso concreto, nem que isenta a organização internacional da jurisdição estatal em conformidade com o art. 6º, parágrafo 1, da Convenção Europeia de Direitos Humanos57.
À primeira vista, essa decisão leva à conclusão de que a Corte Constitucional austríaca está disposta a aplicar, no controle de tratados internacionais, o mesmo critério que utiliza para o exame de normas infraconstitucionais. No entanto, é questionável o alcance da observação – mencionada na fundamentação reproduzida acima – de que a Corte apenas exigiu, do ponto de vista constitucional, disposições que a própria OPEP já havia sinalizado como possíveis: isso pode ser interpretado como indício de que a Corte, no caso em questão, só foi tão longe a ponto de suspender a aplicação das disposições do tratado internacional porque já se delineava, no plano político, uma solução para reconduzir o tratado à conformidade com as exigências constitucionais. Esses elementos da fundamentação também podem ser entendidos como um sinal ao parceiro contratual da República da Áustria de que as exigências decorrentes da ordem constitucional austríaca não lhe são, de todo, alheias em termos de valores jurídicos próprios. Nenhuma dessas possíveis interpretações dessa parte da fundamentação, contudo, é relevante do ponto de vista constitucional. O critério de controle de constitucionalidade não pode depender da facilidade com que a outra parte contratante concordaria com a correção da disposição inconstitucional do tratado internacional. Por isso, é de se esperar que, no futuro, também em relação aos ADT, o controle de constitucionalidade realizado pela Corte seja exercido plenamente.
Também são relevantes as considerações formuladas pela Corte Constitucional austríaca quanto à admissibilidade do pedido. O Governo Federal argumentou que a Corte estaria impedida, nesse ponto, de acolher de forma adequada as alegações do requerente, pois a OPEP, na condição de organização internacional, gozaria de imunidade absoluta com base no direito internacional consuetudinário:
A declaração de inconstitucionalidade apenas do art. 9º do Acordo de Sede não alteraria o status de imunidade da OPEP e, portanto, não eliminaria a inconstitucionalidade alegada. Assim, o pedido deveria ser rejeitado por inadmissibilidade58.
A Corte Constitucional austríaca, contudo, não compartilhou desse entendimento:
Não se pode presumir a existência de uma prática geral reconhecida como direito (cf. art. 38, n. 1, alínea b, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, Boletim Oficial Federal Austríaco n. 120/1956, na redação do Boletim Oficial Federal Austríaco n. 70/1960) segundo a qual a Áustria estaria obrigada a conceder imunidade a uma organização internacional da qual não seja membro, mesmo nos casos em que não exista um meio alternativo adequado para a resolução de litígios trabalhistas. A Corte Constitucional não identifica, nesse ponto, qualquer norma de direito internacional consuetudinário que pudesse impedi-lo, conforme sustentado pelo Governo Federal, de acolher as objeções apresentadas pelo requerente – e que, por isso, pudesse comprometer a admissibilidade do pedido59.
Isso levanta a questão de como a Corte Constitucional austríaca procederia no caso de disposições inconstitucionais constantes de um tratado internacional que também façam parte do direito internacional consuetudinário. Esse tema pode ser relevante também no âmbito do direito tributário – basta pensar, por exemplo, nas isenções fiscais concedidas a diplomatas ou a determinados sujeitos de direito internacional em inúmeros tratados internacionais, ou ainda em situações nas quais determinadas disposições do direito tributário internacional possam, com o tempo, consolidar-se de tal forma que passem a ter natureza consuetudinária60. A suspensão da aplicação de tais normas internacionais com base no art. 140a da Constituição Federal austríaca poderia revelar-se inócua, conforme apontado pelo Governo Federal, caso a correspondente norma de direito internacional consuetudinário continuasse aplicável. Tais normas só não estariam excluídas do controle de constitucionalidade se a declaração de inconstitucionalidade da disposição convencional acarretasse, simultaneamente, a suspensão da aplicação da norma consuetudinária correspondente no âmbito da ordem jurídica austríaca. Em relação às normas de direito internacional consuetudinário que tenham sido incorporadas ao direito interno austríaco em nível infraconstitucional com fundamento no art. 9º, parágrafo 1, da Constituição Federal austríaca, essa via permitiria fechar uma lacuna de proteção jurídica que, de outro modo, subsistiria61. Assim como nas demais hipóteses contempladas pelo art. 140a da Constituição Federal austríaca, a consequência prevista – a aceitação de uma eventual violação do direito internacional como preço a ser pago pela restauração da conformidade constitucional – também se aplicaria nesses casos.
3. ADT como fundamento e parâmetro para a atuação administrativa bilateralmente coordenada
3.1. A jurisprudência alemã
O art. 25, parágrafo 3, frase 1, do Modelo da OCDE prevê que as “autoridades competentes dos Estados contratantes [...] envidarão esforços para eliminar, por acordo mútuo, as dificuldades ou dúvidas surgidas quanto à interpretação ou aplicação do acordo”. Essa disposição suscita repetidamente a questão de saber se um “acordo mútuo” alcançado entre as autoridades competentes de ambos os Estados, com base em regra inspirada nesse dispositivo do Modelo da OCDE, também possui relevância para a interpretação de um ADT. O Tribunal Fiscal Federal alemão (“Bundesfinanzhof – BFH”) adota uma postura restritiva quanto a isso62. Essa abordagem pode ser observada, por exemplo, na decisão de 27-8-200863:
O caso em questão não oferece motivo para discutir a questão levantada pelo Ministério das Finanças durante a audiência oral, a saber, se o acordo mencionado e a prática administrativa que o segue podem vincular os tribunais na interpretação do tratado e de seu protocolo negocial (ver também, a esse respeito, o acórdão da câmara de 17 de outubro de 2007, processo I R n. 5/06, BFHE 219, p. 518, com outras referências). Pois, independentemente disso, um entendimento convergente por parte dos Estados contratantes pode ser relevante para a decisão judicial pelo menos na medida em que confirme um resultado interpretativo obtido com base em outros elementos (cf. já desde o acórdão da câmara em BFHE 207, p. 452, 455). Esse é justamente o efeito que, no presente caso, se atribui ao acordo citado e à prática efetiva que se seguiu a ele.
O Tribunal Fiscal Federal alemão atribuiu, portanto, relevância ao acordo apenas porque este confirmava um resultado interpretativo que já havia sido obtido por outros meios64.
A mesma cautela pode ser observada também na decisão do Tribunal Fiscal Federal alemão de 11 de setembro de 200965:
Contrariamente ao entendimento da Administração Fiscal, os acordos obtidos por meio de um procedimento amigável não possuem força normativa imediata. Tais acordos podem, de fato, ser relevantes como instrumento auxiliar de interpretação, na medida em que confirmem um resultado interpretativo obtido por outros meios […]. No entanto, essa situação não se verifica no caso em análise, pois o acordo de entendimento constante do item 14 da comunicação do Ministério das Finanças, publicada no BStBl I 1994, p. 683, não é exigido pela redação do art. 15a, parágrafo 2, frase 2, do ADT Alemanha-Suíça de 1992 e, além disso, contraria a lógica subjacente a essa disposição. Tampouco se pode fundamentar a vinculação dos tribunais a esse acordo com base no art. 15a, parágrafo 4, e no art. 26, parágrafo 3, do ADT Alemanha-Suíça de 1992. Tais dispositivos autorizam as autoridades competentes dos Estados contratantes a celebrarem acordos sobre detalhes adicionais e requisitos procedimentais para a aplicação da regra relativa aos trabalhadores transfronteiriços, bem como para solucionar dificuldades e dúvidas na aplicação do acordo. No entanto, desses dispositivos resulta apenas uma autorização para interpretação e integração de lacunas – autorização essa coberta pela lei de aprovação do tratado, nos termos do art. 59, parágrafo 2, frase 1, da Lei Fundamental alemã –, mas não uma autorização para modificar o conteúdo material das disposições do acordo, o que requereria, ao contrário, uma delegação legislativa nos termos do art. 80, parágrafo 1, da Lei Fundamental alemã […].
Em decisão de 12 de outubro de 2011, o Tribunal Fiscal Federal alemão deixa claro que mesmo a formulação contida no art. 31, parágrafo 3, alínea a, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados – segundo a qual “qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições” é relevante para a interpretação – não altera essa abordagem restritiva66:
Todavia, como corretamente aponta o recurso, não se pode excluir que a prática convencional dos Estados contratantes, tal como expressa em um acordo obtido por meio de um procedimento amigável, possa ser levada em consideração na interpretação do tratado (princípio da harmonização das decisões; [...]). Tal entendimento está em conformidade com os princípios aplicáveis à interpretação de tratados, conforme o art. 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados: um tratado deve ser interpretado de boa-fé, de acordo com o sentido comum que se atribui a seus termos no contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. Além do contexto sistemático que deve ser considerado na interpretação – e que é detalhado no art. 31, parágrafo 2, da Convenção de Viena –, devem ser igualmente levados em conta, nos termos do art. 31, parágrafo 3, da Convenção de Viena:
a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições;
b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;
Com isso, um entendimento comum do acordo e uma prática administrativa conjunta das autoridades fiscais envolvidas podem ser relevantes para a interpretação do acordo, mas somente na medida em que possam ser deduzidos da sua redação. A redação do acordo representa, de forma definitiva, o limite para a correta interpretação do tratado […].
Na decisão de 10 de junho de 2015, o Tribunal Fiscal Federal alemão deixou claro, em todo caso, que não considera que sua competência tenha sido limitada pela nova redação do art. 2º, parágrafo 2, frase 1, do Código Tributário alemão (“Abgabenordnung – AO”)67:
O texto do tratado, […] por razões já descritas em outros trechos, não deixa margem quanto à atribuição da competência tributária sobre indenizações pagas a ex-empregados por trabalho não autônomo. E isso não se altera nem mesmo com a nova finalidade adicional da regulamentação legislativa prevista no art. 2º, parágrafo 2, frase 1, do Código Tributário, que visa evitar dupla não tributação.
Esse objetivo pode até ser perseguido, em linha com a “nova concepção dos acordos” promovida pela OCDE, por um ou outro acordo de bitributação mais recente, e de fato aparece agora na “base negocial ministerial para acordos contra a dupla tributação em matéria de imposto sobre a renda e o patrimônio”, conforme o ofício do Ministério das Finanças alemão de 17 de abril de 2013, versão de 22 de agosto de 2013 (publicado em IStR, suplemento 10/2013, seção II, e corrigido em IStR 2013, p. 440). Entretanto, essa mudança de paradigma ainda não se refletiu no ADT com a Suíça de 1971, o qual aplica exclusivamente o método da isenção e, assim, pressupõe incondicionalmente a possibilidade de uma dupla tributação meramente virtual (entendimento reiterado, como claramente, por exemplo, no acórdão da câmara de 24 de agosto de 2011, processo I R 46/10, BFHE 234, p. 339, BStBl II 2014, p. 764). O art. 24, parágrafo 1, do Regulamento de Execução do Acordo entre a República Federal da Alemanha e a Confederação Suíça para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre a Renda e o Patrimônio, no entanto, modifica de maneira substancial o sentido e o propósito do tratado. Essa norma assumiria o caráter de uma cláusula de salvaguarda não prevista no tratado, sendo-lhe inclusive contraditória (cf. Lehner, IStR 2011, p. 733, 736, especialmente sobre a situação de pagamento de indenização a ex-empregados). O novo art. 2º, parágrafo 2, do Código Tributário não confere competência para complementar o conteúdo de acordos já celebrados; para isso, seria necessária nova aprovação do parlamento nacional (Lehner, IStR 2011, p. 733, 735). Enquanto essa aprovação não existir, “a delimitação entre interpretação e a integração de lacunas, que esbarra nos requisitos de precisão do art. 80, parágrafo 1, frase 2, da Lei Fundamental” – e aqui concorda-se plenamente com Lehner (IStR 2011, p. 733, 739) –, “permanece tarefa do Poder Judiciário”.
No campo dos ADT, coloca-se ainda a questão de saber se uma prática administrativa convergente em ambos os Estados pode ser levada em consideração por um tribunal como o Tribunal Fiscal Federal alemão68. O art. 31, parágrafo 3, alínea b, da Convenção de Viena atribui expressamente relevância interpretativa à prática convergente das partes69. Também neste ponto, aplica-se o princípio de que o Tribunal Fiscal Federal não pode renunciar à sua função de controle, outorgando às autoridades administrativas de ambos os Estados um “cheque em branco” para que cheguem a soluções conjuntas que, então, seriam aceitas por ele como conformes ao direito, sem reservas70.
Em sua decisão de 20 de agosto de 2014, o Tribunal Fiscal Federal alemão reconhece a relevância do art. 31, parágrafo 3, da Convenção de Viena para fins de interpretação71:
O Executivo e o Legislativo são livres, nesse contexto, para negociar de forma vinculante no plano do direito internacional e para implementar o que foi acordado. Conforme já demonstrado, também são livres para modificar o que foi acordado entre os Estados e, mediante uma “prática” posterior entre os mesmos, chegar a um entendimento quanto ao modo de aplicação futura de determinadas disposições. Os tribunais devem levar essa prática em consideração, conforme o art. 31, parágrafo 3, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ver, por exemplo, o acórdão da câmara de 2 de setembro de 2009, processo I R 90/08, BFHE 226, 267, BStBl II 2010, p. 394, com outras referências).
O Tribunal Fiscal Federal alemão refere-se, aqui, à atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo. No entanto, o “caso clássico” da prática posterior diz respeito à interpretação de ADT em que o legislador não participa, sendo essa prática exclusivamente moldada pelas autoridades administrativas dos dois Estados72.
Na decisão de 10 de janeiro de 2012, relativa ao ADT com a Suíça, bem como em diversas decisões mais recentes, o Tribunal Fiscal Federal alemão limita a relevância da prática posterior invocando os limites do texto do tratado73:
O fato de que as administrações tributárias dos dois Estados contratantes, aparentemente até o ano de 1995, tenham adotado de forma convergente, na prática de execução do tratado, o entendimento de que a Suíça detinha o direito exclusivo de tributar as remunerações por atividades exercidas a bordo de embarcações fluviais suíças por marinheiros residentes na Alemanha (cf., do ponto de vista alemão, por exemplo, o despacho da Administração Fiscal Regional de Karlsruhe, de 3 de julho de 2000, publicado em Recht der Internationalen Wirtschaft, 2000, p. 808, indicando que a “nova interpretação administrativa” deveria ser aplicada, no máximo, a partir do ano-base de 1996; e, do ponto de vista suíço, as comunicações da Administração Fiscal Federal de 19 de dezembro de 1975 e de 11 de novembro de 1977, citadas em Locher/Meier/von Siebenthal/Kolb, op. cit., art. 15, n. B 15.3, itens 2 e 3; ver também Kolb in Festschrift Wassermeyer, op. cit., p. 757, 768), não possui relevância decisiva para a interpretação da norma. Isso porque o entendimento jurídico subjacente a essa prática não encontra respaldo suficiente na redação do tratado (cf. acórdão da câmara publicado em BFHE 204, p. 102, BStBl II 2004, p. 704). Uma prática posterior convergente na aplicação de um tratado internacional só pode ser considerada, conforme o art. 31, parágrafo 3, alínea b, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de 1969 (BGBl II 1985, 926), como indício relevante na interpretação do tratado, se encontrar fundamento suficiente em sua redação.
3.2. A jurisprudência austríaca
A jurisprudência austríaca adotou desde cedo uma posição clara quanto à relevância do resultado de procedimentos amigáveis: na decisão de 27 de agosto de 1991, processo n. 90/14/0237, o Tribunal Administrativo foi direto ao ponto:
Quanto, em primeiro lugar, ao despacho do Ministro Federal das Finanças citado pelo recorrente – cuja aplicação foi oposta ao recorrente pela autoridade recorrida em sua contestação –, tal despacho não é vinculante para o Tribunal Administrativo, tampouco o resultado subjacente a esse despacho, proveniente de um procedimento amigável conduzido pelas administrações fiscais envolvidas, nos termos do art. 21 do ADT com a República Federal da Alemanha (cf. Philipp-Loukota-Pollak, Internationales Steuerrecht I/1, itens 25-39).
Na mesma linha encontra-se a decisão do Tribunal Administrativo de 20 de setembro de 2001, Processo n. 2000/15/0116. O tribunal fundamenta, inicialmente, seu próprio resultado interpretativo e acrescenta em seguida:
A esse resultado interpretativo também chegaram as autoridades fiscais dos dois Estados contratantes no âmbito do procedimento amigável (Boletim Oficial da Administração Fiscal Austríaca n. 153/1992; cf. também SWI, 1995, p. 408). Contudo, esse resultado interpretativo não é vinculante para o Tribunal Administrativo (cf. a decisão de 27 de agosto de 1991, Processo n. 90/14/0237).
A posição clara do Tribunal Administrativo também se manifesta na decisão de 30 de março de 2006, Processo n. 2002/15/0098:
A autoridade recorrida interpretou de forma dinâmica o conceito de rendimentos provenientes de trabalho autônomo constante do art. 8º do ADT Alemanha-Áustria de 1954, entendendo que ele abrangia os rendimentos em questão recebidos pelos recorrentes durante o período controvertido, os quais deveriam ser qualificados, à época, como rendimentos de trabalho autônomo nos termos do art. 22 da Lei do Imposto de Renda de 1988. A autoridade baseou-se, entre outros fundamentos, em um acordo decorrente de um procedimento amigável firmado entre as administrações fiscais da Alemanha e da Áustria em 1986, publicado no Boletim Oficial da Administração Fiscal Austríaca (AÖFV n. 32/1987). Nos termos do art. 21, parágrafo 1, do ADT Alemanha-Áustria de 1954, as autoridades fiscais superiores podem manter contato direto entre si no tratamento de questões decorrentes do acordo. Para resolver dificuldades e dúvidas na interpretação ou aplicação do tratado, as autoridades fiscais superiores devem, nos termos do art. 21, parágrafo 2, chegar a um entendimento prévio antes de emitirem regulamentos de execução. No entanto, conforme corretamente apontado pelos recorrentes, tal acordo administrativo – enquanto resultado interpretativo – não é vinculante para o Tribunal Administrativo (cf. as decisões do mesmo tribunal de 27 de agosto de 1991, Processo n. 90/14/0237, VwSlg. 6.619/F, e de 20 de setembro de 2001, Processo n. 2000/15/0116; bem como Lang, Doppelbesteuerungsabkommen und innerstaatliches Recht, p. 57).
A jurisprudência da Corte Constitucional austríaca sobre procedimentos amigáveis abordou, inicialmente, instruções administrativas não devidamente publicadas. Os resultados de procedimentos amigáveis divulgados dessa forma foram, por esse motivo – sem análise de mérito ou, eventualmente, com observações de conteúdo feitas em caráter obiter dictum –, anulados pela Corte Constitucional. A Decisão n. 13.331/1993 serve como exemplo ilustrativo dessa abordagem:
Os procedimentos de controle de regulamentações são admissíveis e as dúvidas levantadas são fundamentadas. O despacho submetido à análise constitui um regulamento jurídico, que deveria ter sido publicado no Boletim Oficial Federal. Como não surgiram dúvidas quanto à admissibilidade da reclamação que motivou o processo, como o despacho em análise é imputável ao Ministro Federal das Finanças, e como não foi publicado no Boletim Oficial Federal, tanto a admissibilidade dos procedimentos de controle quanto a solução da questão de fundo dependem exclusivamente da qualificação do despacho como um regulamento jurídico. O fato de tratar-se de um ato de caráter geral, e não meramente individual, não exige fundamentação adicional, tendo em vista sua redação e sua publicação no Boletim da Administração Fiscal. A única dúvida possível – e nesse sentido vai também a objeção apresentada pelo Ministro Federal das Finanças – seria se o despacho possui natureza normativa, ou seja, se é vinculante aos destinatários. O Ministro das Finanças nega essa natureza afirmando que o despacho “não regula de forma nova os direitos e deveres dos contribuintes, mas apenas expressa como as disposições do acordo de dupla tributação devem ser interpretadas”.
De fato, ao apreciar a questão de saber se um ato administrativo é vinculante e deve ser aplicado pela autoridade, ou se constitui apenas uma comunicação não vinculante de uma determinada interpretação jurídica (à qual a autoridade pode aderir, mas não está obrigada), a Corte Constitucional austríaca examinou, em algumas ocasiões – entre outros critérios –, se o ato se limita a reproduzir o conteúdo da lei ou se se afasta da situação jurídica e a reformula, por exemplo, ao restringir ou ampliar um elemento legal em um ponto eventualmente controverso (Decisões n. 8.648/1979, 10.170/1984, entre outras).
Nesse caso, a mudança da situação jurídica decorre do próprio conteúdo do ato. Isso porque não se deixa, à autoridade, a liberdade de seguir ou não uma opinião jurídica do Ministro Federal das Finanças, que se apresenta como uma “regulamentação” que “deve ser aplicada a partir de 1º de janeiro de 1990”. Obriga a autoridade a tratar, modificando a prática anterior, os estabelecimentos listados nos anexos pertencentes a pessoas jurídicas de direito público como estabelecimentos de natureza agrícola e florestal ou empresarial, nos termos do ADT. Com isso, a autoridade – independentemente de ter ou não buscado por si mesma o esclarecimento jurídico nesse sentido – fica legalmente impedida de, com base na própria lei (o tratado internacional), chegar futuramente a uma conclusão diferente no caso concreto (cf. Decisão n. 10.170/1984).
A alegação do Ministro Federal das Finanças, segundo a qual a formulação em questão buscaria (além de apresentar a situação jurídica) apenas assegurar que a alteração (necessária) da prática anterior não produzisse efeitos retroativos, revela exatamente o que pretende refutar: ou seja, que às autoridades não está sendo exigida a observância da lei, mas sim a observância da “regra do procedimento amigável”.
O despacho, portanto, deveria ter sido publicado como regulamento jurídico no Boletim Oficial Federal, nos termos do art. 2º, inciso 1, alínea f, da Lei Federal sobre o Boletim Oficial Federal (BGBl. 293/1972). Consequentemente, ele deve ser anulado.
Pedidos correspondentes de anulação do regulamento devem agora também ser apresentados pelo Tribunal Fiscal Federal e pelo Tribunal Administrativo, sempre que o resultado de um procedimento amigável tenha sido publicado no Boletim da Administração Fiscal ou em qualquer outro meio que não o Boletim Oficial Federal (BGBl)74. Isso porque a Corte Constitucional austríaca, desde a Decisão n. 20.182/2017, passou a sustentar que:
[…] também os tribunais devem aplicar regulamentos promulgados em desacordo com a lei, nos termos do art. 139 da Constituição Federal austríaca, ou leis promulgadas de forma inconstitucional, conforme o art. 140 da Constituição (bem como as normas gerais a elas equiparadas nos termos dos arts. 139a e 140a da Constituição). Se houver dúvidas quanto à legalidade da promulgação, os tribunais devem contestá-las perante a Corte Constitucional austríaca. […] Uma norma geral “devidamente promulgada” – ou seja, uma disposição vinculante de órgãos estatais dirigida a um público externo e indeterminado, que deve ser aplicada pelo tribunal nos termos do art. 89 da Constituição Federal austríaca – está presente quando tal norma tiver sido tornada pública de maneira suficientemente ampla, mesmo que não tenha seguido a forma legalmente prevista para a promulgação. Isso significa que qualquer ato de órgão estatal que contenha conteúdo normativo dirigido a um grupo indeterminado de destinatários, e que tenha sido tornado público de modo ao menos acessível a tais destinatários, deve ser aplicado como norma geral e, se for o caso, contestado pelos tribunais perante a Corte Constitucional nos termos do art. 139 e seguintes da Constituição Federal austríaca. […] A Corte Constitucional salienta, nesse contexto, ao tratar da impugnação de regulamentos nos termos do art. 139 da Constituição, sua jurisprudência sobre os requisitos mínimos para a existência jurídica de regulamentos normativos: tais regulamentos só adquirem existência jurídica se atingirem um grau mínimo de publicidade. Esse grau mínimo não se verifica quando uma enunciação geral e abstrata de uma autoridade não atinge um nível de publicidade que assegure sua incorporação ao ordenamento jurídico (cf., por exemplo, VfSlg 12.382/1990, 16.875/2003, 19.058/2010, 19.072/2010, 19.230/2010, entre muitas outras).
No mérito, a Corte Constitucional austríaca adota a mesma linha do Tribunal Administrativo: na Decisão n. 20.005/2015, tratava-se de um regulamento do Ministério Federal das Finanças devidamente promulgado no Boletim Oficial Federal, por meio do qual foi implementado um acordo de consulta firmado com a administração tributária de Liechtenstein em um procedimento amigável. O fato de esse regulamento ter por base tal acordo não teve influência sobre a decisão da Corte Constitucional:
Ainda que a supressão dessa expressão no Modelo da OCDE de 1977 possa indicar que o campo de aplicação restrito da norma de repartição previsto no art. 19 do Modelo da OCDE de 1963 foi considerado insatisfatório na prática estatal, e ainda que alguns Estados já tivessem atribuído a essa disposição um escopo mais amplo mesmo antes da sua supressão, tais aspectos – mesmo levando em conta a importância do Comentário ao Modelo da OCDE para a interpretação dos ADT – não podem, contrariamente ao entendimento do Ministro Federal das Finanças, fundamentar a conclusão de que o art. 19, parágrafo 1, do ADT com Liechtenstein teria, desde a assinatura do tratado, exigido apenas que o Estado em favor do qual os serviços fossem prestados exercesse funções públicas. O acordo de consulta celebrado em 2013 entre as autoridades administrativas competentes (cf. o despacho do BMF de 18-2-2013, BMF-010221/0009-IV/4/2013) certamente não permite tal conclusão.
O acordo de consulta decorrente de um procedimento amigável, portanto, só poderia ter tido relevância se tivesse sido celebrado simultaneamente à assinatura do ADT, permitindo assim inferir o entendimento das partes contratantes desde o momento da celebração do tratado.
Essa postura coerente dos dois tribunais superiores, que se recusam a utilizar acordos decorrentes de procedimentos amigáveis firmados após a celebração do ADT como base para a interpretação do tratado, é totalmente compreensível: um tribunal deixaria de cumprir sua função de controle se a administração pudesse, por meio da celebração de um acordo com a autoridade do outro Estado, subtrair sua decisão à revisão jurisdicional pelos tribunais superiores. No limite, isso inverteria a hierarquia da ordem jurídica: os ADT, enquanto tratados internacionais equiparados à lei ordinária, deixariam de ser o parâmetro para avaliar os atos da administração pública, e o conteúdo da norma do tratado dependeria da interpretação acordada entre as administrações dos dois Estados.
O Tribunal Administrativo já se manifestou sobre o significado de práticas posteriores ao tratado em sua decisão de 3 de setembro de 1987, no Processo n. 87/16/0071:
A interpretação de tratados internacionais não pode, em regra, se limitar à sua redação literal. Com efeito, um tratado internacional deve ser interpretado, nos termos do art. 31, parágrafo 1, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (BGBl 1980/040), de boa-fé, de acordo com o sentido comum que deve ser atribuído a seus termos no contexto do tratado e à luz de seu objetivo e finalidade. O objetivo essencial do Acordo entre a Itália e a Áustria de 1957 sobre as trocas comerciais locais nas zonas fronteiriças é permitir que mercadorias originárias das duas regiões sejam trocadas de forma “local”. Não se pode juridicamente falar em “troca local” quando as mercadorias beneficiadas são posteriormente vendidas a empresários (art. 2º, parágrafo 2, Lei do Imposto sobre Valor Agregado) que tenham domicílio ou sede, ou estabelecimento permanente (arts. 26 e seguintes do Código Tributário austríaco), no restante do território federal. Essa interpretação é corroborada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça austríaco (cf. decisão, de 11-3-1986, n. 11 Os 28-30/86), segundo a qual as mercadorias originárias das zonas beneficiadas devem, em princípio, permanecer para consumo nessas mesmas regiões, bem como pela prática de longa data dos dois Estados contratantes. Nos termos do art. 31, parágrafo 3, alínea b, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (BGBl 1980/040), deve-se considerar, além do contexto, toda prática posterior na aplicação do tratado que revele um entendimento comum das partes contratantes sobre sua interpretação. Dessa forma, a redação, a sistemática, o objetivo e a finalidade do tratado, assim como a prática posterior dos Estados contratantes, deixam claro que o benefício aduaneiro previsto pelo acordo pressupõe, conceitualmente, que as mercadorias “trocadas localmente” não sejam posteriormente vendidas a empresários com domicílio (ou sede) no restante do território federal.
O Tribunal Administrativo foi duramente criticado por Barfuß por adotar essa posição75:
A um tratado internacional – diretamente aplicável – […] não pode ser atribuído, em sua aplicação direta, […] um significado que decorra de forma genérica do entendimento que os órgãos de execução dos Estados contratantes (incluindo, por exemplo, os órgãos administrativos do próprio Estado) tenham conferido até então a uma ou outra disposição do tratado em questão. Tal método interpretativo é, no plano do direito interno, inconstitucional, por violar os princípios do Estado de Direito, da democracia e da separação de poderes.
Cabe, no entanto, reconhecer em favor do Tribunal Administrativo que ele mencionou o recurso à prática posterior apenas como elemento complementar. O tribunal teria chegado à mesma conclusão mesmo sem considerar os argumentos baseados no art. 31, parágrafo 3, alínea b, da Convenção de Viena.
Com relação ao art. 31, parágrafo 3, alínea b, da Convenção de Viena, a já mencionada decisão do Tribunal Administrativo de 30 de março de 2006 no Processo n. 2002/15/0098 também pode ser considerada ambígua: o tribunal confirma, de fato, “a ausência de efeito vinculante de um acordo decorrente de um procedimento amigável”, mas aparentemente o considera como expressão de uma “prática administrativa”, que “[permite] concluir que as partes contratantes tinham em mente uma interpretação dinâmica – e não estática – dos conceitos de rendimentos de trabalho autônomo e de trabalho subordinado”. A jurisprudência consolidada e bem fundamentada do Tribunal Administrativo quanto à ausência de efeito vinculante dos acordos decorrentes de procedimentos amigáveis poderia ser minada, caso tais acordos acabassem por adquirir relevância jurídica de forma indireta – sob a roupagem de prática administrativa76.
Mais recentemente, a Corte Constitucional austríaca, na já citada Decisão n. 20.005/2015, também se manifestou sobre o significado da prática entre os dois Estados contratantes referida no art. 31, parágrafo 3, alínea b, da Convenção de Viena, no contexto dos ADT:
O Ministro Federal das Finanças afirma, em sua manifestação, que a emissão do regulamento teria sido indispensável para garantir a aplicação do acordo de consulta celebrado em 2013 com base no art. 25, parágrafo 3, do ADT com Liechtenstein, e, com isso, assegurar uma aplicação uniforme do direito, supostamente de acordo com a prática entre os Estados contratantes. Contudo, diante da jurisprudência do Tribunal Administrativo, que rejeita uma interpretação em conformidade com a prática alegada (cf. decisão de 27-1-2011, processo n. 2009/15/0151), bem como de diversas decisões do Senado Fiscal Independente que seguiram essa mesma linha, a Corte Constitucional não pode reconhecer a existência de uma prática segundo a qual o art. 19, parágrafo 1, do ADT com Liechtenstein deveria ser aplicado independentemente da natureza concreta da atividade exercida, bastando que o Estado contratante desempenhasse funções públicas. Com efeito, só se pode falar em “prática posterior” relevante para fins de interpretação do tratado nos termos do art. 31, parágrafo 3, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (doravante: CVDT), quando as autoridades encarregadas da aplicação jurídica adotam uma posição uniforme que permaneceu incontestada, ou seja, não foi impugnada perante os tribunais ou foi confirmada pelas instâncias superiores (cf. também Lang, ÖStZ 2006, p. 208 e seguintes). Assim, a questão de saber se uma “prática posterior” nos termos do art. 31, parágrafo 3, da CVDT poderia justificar a legalidade do regulamento pode permanecer em aberto, pois, considerando a jurisprudência existente antes da celebração do acordo de consulta decorrente do procedimento amigável, tal prática não existia.
No caso decidido pela Corte Constitucional austríaca, a existência de uma “prática posterior” já se revelou inviável no ponto de partida, pois a interpretação preferida pelo Ministério Federal das Finanças já havia sido rejeitada pelo Tribunal Administrativo e pelo então Senado Fiscal Independente. Nos casos em que não exista jurisprudência anterior em nenhum dos dois Estados contratantes que, desde logo, excluísse a prática, surge ainda a questão de como comprovar a sua existência. Isso porque se exige uma atuação uniforme dos órgãos encarregados da aplicação do direito, ou seja, em regra, das autoridades fiscais locais, sendo que a divulgação de decisões que envolvam outros contribuintes geralmente esbarra nos deveres de sigilo das autoridades envolvidas. Além disso, no caso apreciado pela Corte Constitucional austríaca, a inexistência de uma prática uniforme foi constatada para o período anterior ao acordo de consulta decorrente de um procedimento amigável. Esse período se estendeu desde a entrada em vigor do ADT de 1971 até o ano de 2013. Embora muito breve, a fase posterior à celebração do acordo de consulta e à promulgação do regulamento que o implementou aparentemente não foi considerada relevante pela Corte Constitucional. Isso porque, nesse intervalo, tanto os contribuintes quanto as autoridades administrativas estavam vinculados ao regulamento. Um recurso contra um auto de infração baseado nesse regulamento só faria sentido se o contribuinte tivesse como objetivo específico obter a anulação do regulamento. Uma prática ocorrida sob a vigência obrigatória do regulamento não foi sequer considerada relevante pela Corte Constitucional. Muito provavelmente, também não se poderia falar em prática relevante se, imediatamente após a celebração do ADT, já tivesse sido firmado um acordo de consulta e editado um regulamento que o implementasse. Se a Corte Constitucional considerasse uma prática forçada por uma norma jurídica – cuja conformidade com o tratado ainda está por ser verificada – como suficiente para demonstrar essa conformidade, isso equivaleria a abdicar do controle constitucional dessa norma. Como no caso que deu origem à Decisão n. 20.005/2015 não havia nenhuma prática relevante sequer na Áustria, a Corte Constitucional também não precisou examinar se existia prática equivalente em Liechtenstein. De forma geral, a Corte Constitucional deixou em aberto se uma “prática posterior” pode, em absoluto, fundamentar a legalidade de um regulamento77. Diante de todas as dificuldades apontadas, foi prudente deixar essa porta aberta e não reconhecer de forma definitiva a relevância jurídica de uma prática posterior.
4. Treaty override
4.1. A jurisprudência alemã
Em 15 de dezembro de 2015, o Tribunal Constitucional Federal alemão teve a oportunidade de se pronunciar sobre uma questão há muito discutida: é compatível com a Lei Fundamental alemã que o legislador alemão desconsidere uma obrigação assumida no âmbito de um ADT? O tribunal respondeu afirmativamente a essa pergunta, fundamentando-se, em essência, no seguinte raciocínio78:
O art. 59, parágrafo 2, frase 1 da Lei Fundamental alemã estabelece não apenas o procedimento por meio do qual normas convencionais de direito internacional passam a ter eficácia na ordem jurídica nacional, mas também a posição hierárquica que o direito convencional declarado aplicável ocupa dentro dessa ordem. Assim, uma lei ordinária não pode – salvo se houver autorização expressa na própria Lei Fundamental – conferir ao conteúdo de um tratado internacional força normativa superior à das leis nacionais. Em conformidade com isso, o Tribunal Constitucional Federal alemão sempre enfatizou que a ordem de aplicação prevista no art. 59, parágrafo 2, frase 1, da Lei Fundamental não atribui aos tratados internacionais posição hierárquica superior às leis ordinárias […].
O princípio pacta sunt servanda, que por sua vez constitui uma norma geral do direito internacional (cf. Herdegen, in: Maunz/Dürig, GG, art. 25, nota 9, agosto de 2000; Kempen, in: v. Mangoldt/Klein/Starck, GG, vol. 2, 6ª ed., 2010, art. 59, § 2, nota 92), não conduz a uma conclusão diversa. Esse princípio descreve uma obrigação especial (de direito internacional) do Estado perante o parceiro contratual, mas nada dispõe sobre a vigência interna nem sobre a posição hierárquica dos tratados internacionais na ordem jurídica nacional (cf. Herdegen, in: Maunz/Dürig, GG, art. 25, nota 9, agosto de 2000). Em especial, ele não implica que todas as disposições de tratados internacionais passem a constituir regras gerais de direito internacional no sentido do art. 25 da Lei Fundamental (cf. BVerfGE 31, 145 [178]; cf. também BVerfG, decisão do Segundo Senado de 22 de agosto de 1983 – 2 BvR 1193/83 –, NVwZ 1984, p. 165; BVerfG, decisão da 2ª Câmara do Primeiro Senado de 24 de outubro de 2000 – 1 BvR 1643/95 –, VIZ 2001, p. 114).
Esse resultado não pode ser alterado pelo art. 2º, parágrafo 1, do Código Tributário – nem mesmo no que diz respeito a tratados internacionais sobre tributação (cf. Lehner, IStR 2012, p. 389 [400]). Segundo esse dispositivo, é verdade que os tratados com outros Estados, no sentido do art. 59, § 2, frase 1 da Lei Fundamental, prevalecem sobre as leis tributárias nacionais, desde que tenham se tornado direito interno diretamente aplicável. Contudo, por se tratar de uma norma infraconstitucional, o art. 2º do Código Tributário não pode conferir aos tratados internacionais por ele abrangidos uma posição hierárquica superior à das leis nacionais, dentro da pirâmide normativa (cf. Mitschke, DStR 2011, p. 2221 [2226]). No máximo, tal dispositivo poderia estabelecer a subsidiariedade das leis tributárias nacionais frente aos acordos de dupla tributação e outros tratados internacionais em matéria tributária.
[…] Se os tratados internacionais possuem o mesmo status que as leis federais ordinárias, então eles podem ser revogados por leis federais posteriores que com eles sejam incompatíveis, em conformidade com o princípio do lex posterior derogat legi priori (aa). O art. 59, parágrafo 2, frase 1 da Lei Fundamental não impede tal possibilidade (bb). Tampouco decorre da jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional Federal alemão que uma revogação dessa natureza esteja sujeita a condições especiais (cc). O direito internacional não impede que atos jurídicos internos, ainda que contrários ao direito internacional, produzam efeitos jurídicos dentro da ordem jurídica nacional. […].
Para normas de direito interno com mesmo nível hierárquico, aplica-se, em caso de conflito, o princípio lex posterior derogat legi priori – salvo se a norma mais antiga for mais específica que a posterior ou se a aplicação do princípio lex posterior tiver sido expressamente afastada. Se as normas de um tratado internacional produzem efeitos na ordem jurídica interna e têm o status de lei federal ordinária, elas também podem ser revogadas por uma lei federal posterior e contraditória, na medida do conflito (cf. Kunig, in: Graf Vitzthum/Proelß, Völkerrecht, 6ª ed., 2013, Parte 2, n. 118 e seguintes; para uma opinião divergente, ver Becker, NVwZ 2005, p. 289 [291]). […]O legislador também não é competente para denunciar tratados internacionais. Se, de fato, existisse uma obrigação vinculativa autoimposta decorrente da ratificação de um tratado internacional, isso equivaleria a uma renúncia permanente do legislador ao seu poder de legislar (cf. BVerfGE 68, 1 [83, 85 e seguintes]). Contudo, se o princípio democrático proíbe que o legislador fique vinculado de forma permanente a atos normativos de legisladores anteriores, e se ao mesmo tempo lhe falta a competência para denunciar tratados internacionais cujo conteúdo já não aprova, então ele deve ao menos poder editar leis que, dentro de sua esfera de competência, se afastem do que foi acordado internacionalmente.
4.2. A ausência de jurisprudência austríaca
Na Áustria, não há jurisprudência sobre essa questão. No entanto, também não se pode afirmar a existência de uma proibição de natureza constitucional que impeça uma lei federal ordinária de se sobrepor a disposições de um ADT. No caso de uma norma convencional que viole a Constituição, o art. 140a da Constituição Federal austríaca inclusive admite expressamente a possibilidade de que a suspensão de sua aplicação possa resultar na violação de uma obrigação assumida no plano do direito internacional. Tratados internacionais equiparados a leis ordinárias não apenas podem prevalecer sobre normas infraconstitucionais, mas também podem ser revogados por meio de uma nova lei federal ordinária79.
A ocorrência ou não de tal revogação80 nada tem a ver com a questão da relação entre os princípios lex specialis e lex posterior81.
Os ADT nem sempre constituem normas mais específicas em relação ao direito nacional82 e, ainda assim, também não costumam – ou mesmo na maioria dos casos não chegam a – ser revogados por normas nacionais posteriores83. Tampouco existe qualquer automatismo que imponha a resolução de conflitos normativos de forma mecanicista com base em um desses princípios – lex posterior ou lex specialis – ou ambos. A definição da relação entre normas contraditórias é, em última instância, uma questão de interpretação jurídica84.
No contexto desse processo interpretativo, também deve ser observado o dever de interpretação conforme ao direito internacional85: em caso de dúvida, as leis federais devem ser interpretadas de modo a evitar uma violação ao direito internacional. Por isso, parte-se da presunção de que o legislador federal ordinário não teve a intenção de criar uma situação jurídica contrária ao acordo internacional. Esse argumento deve ser considerado no âmbito da interpretação sistemática. Contudo, outros elementos interpretativos também devem ser levados em conta: se não houver dúvidas quanto à intenção do legislador de se afastar das obrigações assumidas internacionalmente, então – dependendo dos demais critérios relevantes à interpretação – pode-se concluir, com base em argumentos mais convincentes, que a norma do acordo internacional foi afastada por uma lei federal ordinária.
Um exemplo disso é o art. VII, n. 1, do Boletim Federal de Leis da Áustria n. 1995/2186:
As disposições do art. 11, parágrafo 3, do Acordo de 20 de dezembro de 1966 entre a República da Áustria e o Reino da Espanha para evitar a dupla tributação no campo dos impostos sobre a renda e sobre o patrimônio, publicado no Boletim Federal de Leis da Áustria n. 395/1967, deixam de ser aplicáveis aos rendimentos atribuíveis a períodos posteriores a 31 de dezembro de 1994.
Com isso, o legislador austríaco suprimiu a isenção de impostos sobre juros de títulos públicos no Estado de residência do beneficiário, prevista no ADT com a Espanha, e afastou-se de uma disposição desse acordo. A intenção era agir rapidamente contra produtos desenvolvidos por bancos que estavam explorando amplamente essa isenção fiscal. Paralelamente, já estavam em curso negociações com o lado espanhol para a revisão do acordo, e o treaty override foi posteriormente regularizado com efeitos retroativos por meio de uma modificação do ADT com a Espanha87.
5. Síntese conclusiva
A relação entre os ADT e as disposições constitucionais que lhes são aplicáveis é complexa. Em alguns dos casos em que a Corte Constitucional austríaca teve de decidir sobre possíveis violações de disposições de ADT ao princípio da igualdade, o respeito aos ADT foi, ao que tudo indica, desnecessariamente excessivo: a Corte pareceu sentir-se compelida a introduzir justificativas excepcionais que criam a impressão de que a forma normativa seria determinante – diferenciações inaceitáveis em leis federais ordinárias poderiam ser toleradas em ADT. Para tais padrões diferenciados, não há justificativa. Uma inconstitucionalidade constatada pela Corte Constitucional austríaca em relação a uma disposição de ADT exige a renegociação ou, no pior dos casos, a denúncia do acordo. Mesmo essa última medida, contudo, já não é mais incomum: cada vez mais, os Estados denunciam seus ADT quando a política originalmente subjacente ao acordo não mais corresponde aos objetivos atuais da política de convenções. A Decisão n. 1/2021, de 29 de setembro de 2022, na qual a Corte Constitucional austríaca declarou inconstitucionais determinadas disposições do Acordo de Sede da OPEP, ao menos suscita a esperança de que, no futuro, a Corte venha a aplicar às disposições dos ADT o mesmo critério que aplica às normas tributárias infraconstitucionais.
A Corte Constitucional e Tribunal Administrativo austríacos, por outro lado, têm mantido uma linha clara no tocante aos acordos decorrentes de procedimentos amigáveis: nos casos até agora decididos por ambos os tribunais, não houve flexibilização dos padrões do Estado de Direito. Com relação à prática posterior referida no art. 31, n. 3, alínea b, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a jurisprudência ainda apresenta incertezas. No resultado, contudo, os tribunais superiores não se deixaram, nem nesse domínio, despojar de sua competência de controle.
Resta ainda avaliar a apreciação de um treaty override. Do ponto de vista da política jurídica, as medidas cada vez mais frequentes adotadas pelos legisladores nacionais para se sobreporem aos tratados internacionais por eles próprios aprovados são altamente problemáticas. A confiança na ordem jurídica internacional sofre com essas tentativas de miná-la. No entanto, nem tudo que é criticável do ponto de vista da política legislativa é, por isso, inconstitucional. Também a Constituição Federal austríaca aparentemente admite tais violações ao direito internacional.
1* Título original Doppelbesteuerungsabkommen und Verfassungsrecht. Traduzido por Raphael Lavez. [Nota do tradutor]
Agradeço profundamente à Sra. Theres Neumüller, MSc (WU) pelo apoio na pesquisa bibliográfica, na preparação das referências bibliográficas e na revisão do texto. Concluí este manuscrito em 31-10-2022.
2 LANG, Die Anwendung des Multilateralen Instruments (MLI). Alongside Existing Tax Treaties. SWI 2017, 624 (625).
3 Na prática da política estatal, eles são também aprovados pelo Conselho Federal (“Bundesrat”), embora isso não seja exigido do ponto de vista constitucional (para uma análise detalhada, ver LANG, Doppel besteuerungsabkommen und Bundesrat, in Achatz/Ehrke Rabel/Heinrich/Leitner/Taucher [Hrsg], Steuerrecht, Verfassungsrecht, Europarecht. FS für Hans Georg Ruppe, 2007, p. 392).
4 A descrição acima desse fenômeno como derrogação revela-se inadequada: sobre isso, ver LANG, Normenkonflikte zwischen den Vorschriften des nationalen Steuerrechts und der Doppelbesteuerungsabkommen, in Gosch/Schnitger/Schön (Hrsg), Internationales Steuerrecht, FS für Jürgen Lüdicke, 2019, p. 437.
5 Veja, por exemplo, a instrução do Ministério das Finanças de 18-2-2013, BMF-010221/0009-IV/4/2013.
6 Para uma discussão na Alemanha, cf. LÜDICKE, Überlegungen zur deutschen DBA-Politik, 2008, p. 38.
7 BVerfG 10-3-1971, 2 BvL 3/68.
8 ZORN, Grundrechtsschutz im Bereich der Doppelbesteuerungsabkommen, in Lüdicke/Mellingho /Rödder/Gosch (Hrsg), Nationale und internationale Unternehmens besteuerung in der Rechtsordnung. FS für Dietmar Gosch zum Ausscheiden aus dem Richteramt, 2016, p. 476.
9 Acerca da discussão sobre os fundamentos jurídicos da reserva de progressividade, cf. especificamente WIDHALM, Rechtsgrundlagen und Anwendungsbereich des Progressions vorbehalts, in Gassner/Lang/Lechner (Hrsg), Die Methoden zur Vermeidung der Doppelbesteuerung, 1995, p. 159; ENGLMAIR in Aigner/Kofler/Tumpel, DBA, Art 23a, Rz 78–110.
10 Cf., por outro lado, acerca dos possíveis efeitos da cláusula negativa de progressividade para o imposto de sociedade, LANG, Progressions vorbehalt und Körperschafsteuerrecht, in Gassner/Lang/Lechner (Hrsg), Die Methoden zur Vermeidung der Doppelbesteuerung, 1995, p. 198.
11 BVerfG 14-5-1986, 2 BvL 2/83.
12 Cf. LANG, Introduction to the Law of Double Taxation Conventions, 2020, p. 40.
13 Assim já sustentava em LANG, O Tribunal Constitucional como intérprete dos acordos de dupla tributação, SWI, 1990, p. 19 (21).
14 Nesse sentido, LANG, SWI, 1990, p. 19; relativizando-o, ZORN, Grundrechtsschutz im Bereich der Doppelbesteuerungsabkommen, in Lüdicke/Mellingho /Rödder/Gosch (Hrsg), Nationale und internationale Unternehmensbesteuerung in der Rechtsordnung. FS für Dietmar Gosch zum Ausscheiden aus dem Richteramt, 2016, p. 475.
15 LANG, Möglichkeit zur Vereinfachung der Doppelbesteuerungsabkommen, in Urnik/Fritz Schmied/Kanduth-Kristen (Hrsg), Steuerwissenschaften und Rechnungswesen, FS für Herbert Kofler zum 60. Geburtstag, 2009, p. 132.
16 Sobre isso, LANG, Möglichkeit zur Vereinfachung der Doppelbesteuerungsabkommen, in Urnik/Fritz Schmied/Kanduth-Kristen (Hrsg), Steuerwissenschaften und Rechnungswesen, FS für Herbert Kofler zum 60. Geburtstag, 2009, p. 131.
17 RUST in Vogel/Lehner, DBA, Art 24, Rz 89; WASSERMEYER in Debatin/Wassermeyer, OECD-MA, Art 24, Rz 42.
18 VAN RAAD, Nondiscrimination in International Tax Law, 1986, p. 135-ss; AVERY JONES et al, The Non-discrimination Article in Tax Treaties, ET, 1991, p. 310 (330); RUST, in Vogel/Lehner, DBA, Art 24, Rz 89.
19 Detalhado em LANG/LOUKOTA, Das Erfordernis der Beibringung eines inländischen Besteuerungsnachweises nach § 102 Abs 1 Z 3 Satz 2 EStG, SWI, 2003, p. 67 (70).
20 Assim já sustentado em LANG, Die Konsequenzen des VfGH-Erkenntnisses zum DBA Liechtenstein, SWI, 2014, p. 402 (406).
21 Sobre isso, LANG, Doppelbesteuerungsabkommen und Gleichheitsgrundsatz, SWI, 2014, p. 58 (58-ss).
22 LANG, SWI, 2014, p. 402 (406).
23 Sobre isso, LANG, SWI, 2014, p. 402 (405-ss).
24 Cf. LANG, SWI, 2014, p. 402 (406).
25 LOUKOTA, DBA Liechtenstein auf dem Prüfstand des Verfassungsgerichtshofs, SWI, 2014, p. 2 (4-ss); JIROUSEK, Ist Artikel 14 DBA-Liechtenstein verfassungswidrig? ÖStZ, 2014, p64 (64-ss); AIGNER, KOFLER, TUMPEL, Zu den verfassungsrechtlichen Bedenken gegen Art 14 des österreichisch-liechtensteinischen Doppelbesteuerungsabkommens, SPRW, 2014, p. 1 (10).
26 LANG, SWI, 2014, p. 58 (63-ss).
27 LANG, SWI, 2014, p. 58 (64).
28 LANG, SWI, 2014, p. 58 (64). Concordando com essa crítica, ZORN in FS Gosch, p. 483.
29 LOUKOTA, SWI, 2014, p. 2 (8).
30 LANG, SWI, 2014, p. 58 (64); concordando, ZORN in FS Gosch, p. 483.
31 LANG, SWI, 2014, p. 402 (406).
32 Sobre isso, com mais detalhes, LANG, Art 3 Abs 2 OECD-MA und die Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen, IWB, 2011, p. 281 (288).
33 Exposição de motivos à proposta do governo (“Erläuternde Bemerkungen zum Regierungsvorlage”), 19ª publicação do Conselho Nacional, 12ª legislatura, p. 11.
34 VfSlg 19.889/2014, item 36.
35 VfSlg 19.889/2014, item 38, citando LANG, Hybride Finanzierungen im Internationalen Steuerrecht, 1991, p. 83.
36 VfSlg 19.889/2014, item 39-ss.
37 Referências em KORINEK, Der gleichheitsrechtliche Gehalt des BVG gegen rassische Diskriminierung, in Griller et al (Hrsg), Grundfragen und aktuelle Probleme des öffentlichen Rechts: FS für Heinz Peter Rill zum 60. Geburtstag, 1995, p. 183.
38 KORINEK in FS Rill, p. 192.
39 KORINEK in FS Rill, p. 191-ss
40 ZORN in FS Gosch, p. 484.
41 ZORN in FS Gosch, p. 484.
42 ZORN in FS Gosch, p. 484.
43 ZORN in FS Gosch, p. 484.
44 Nesse sentido, ZORN in FS Gosch, p. 485.
45 LANG, SWI, 2014, p. 58 (70).
46 Acerca do significado do controle de proporcionalidade no contexto do art. 1º, parágrafo 1, da Lei Constitucional Federal contra a Discriminação Racial, recentemente, HOLOUBEK, Verhältnismäßigkeit und Sachlichkeit: Überlegungen zu ihrer Bedeutung in der Struktur der Gleichheits prüfung, ZÖR, n. 74, 2019, p. 867 (874).
47 Detalhadamente em LANG, Die jüngste Rechtsprechung des VwGH zum DBA Österreich Liechtenstein, ÖStZ, 2015, p. 96 (96).
48 DORALT, Liechtenstein: Steueroase für Freiberufler? RdW, 2014, p. 545 (546).
49 SCHAFFER, TURCAN, SWI-Jahrestagung: Zurechnung von Einkünfte gemäß Art 14 DBA Liechtenstein, SWI, 2015, p. 69 (72-ss).
50 Nesse sentido, anteriormente, LANG, ÖStZ, 2015, p. 96 (101).
51 LANG, ÖStZ, 2015, p. 96 (101).
52 SCHAFFER, TURCAN, SWI, 2015, p. 69 (71).
53 LANG, ÖStZ, 2015, p. 96 (101).
54 LANG, ÖStZ, 2015, p. 96 (101).
55 Nesse sentido, anteriormente, LANG, ÖStZ, 2015, p. 96 (101).
56 Nesse sentido, anteriormente, LANG, ÖStZ, 2015, p. 96 (101).
57 VfGH 29-9-2022, SV 1/2021, item 55-ss.
58 VfGH 29-9-2022, SV 1/2021, item 41.
59 VfGH 29-9-2022, SV 1/2021, item 42.
60 Cf, por exemplo, a reflexão de Avi-Yonah em AVI-YONAH, International Tax Law as International Law, Tax Law Review, 2004, p. 483 (496).
61 Sobre a hierarquia das normas transformadas com base no art. 9º, parágrafo 1, da Constituição Federal austríaca, cf., em maiores detalhes, GRABENWARTER, FRANK, B-VG, 2020, Art 9, Rz 6–11; KLAMERT in Kneihs/Lienbacher, Rill-Schäffer-Kommentar Bundesverfassungsrecht, 2022, Rz 20–29; MUZAK, B-VG, 2020, Art 9, Rz 1 4; ÖHLINGER, MÜLLER in Korinek/Holoubek/Bezemek/Fuchs/Martin/Zellenberg, Österreichisches Bundesverfassungsrecht, 2018, Art 9, Rz 22–29; WUTSCHER in Kahl/Khakzadeh/Schmid, Kommentar zum Bundesverfassungsrecht B-VG und Grundrechte, 2021, Art 9, Rz 13-15.
62 Para mais detalhes sobre o que se segue, LANG, Auslegung und Anwendung von Doppelbesteuerungsabkommen, in Drüen/Hey/Mellingho (Hrsg), 100 Jahre Steuerrechtsprechung in Deutschland 1918-2018: FS für den Bundesfinanzhof, vol. 1, 2018, p. 983.
63 BFH 27-8-2008, I R 10/07, BStBl II 2009, 94, item 21.
64 Veja, também, GOSCH, Über die Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen, ISR, 2013, p. 87 (92-ss).
65 BFH 11/11/2009, I R 15/09, BStBl II 2010, 602, item 24-ss.
66 BFH 12.10.2011, I R 15/11, BStBl II 2012, p. 548, item 16; sobre isso, também LANG in FS 100 Jahre BFH, p. 983.
67 BFH 10-6-2015, I R 79/13, BStBl II 2016, p. 326, item 21; cf., também, LANG in FS 100 Jahre BFH, p. 983.
68 Cf. LOUKOTA, Tax Treaty Interpretation through Mutual Agreement Procedures, SWI, 2000, p. 299 (303-ss).
69 A esse respeito, KOPF, Die Bedeutung von Verständigungsvereinbarungen für die Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen, in Lang/Jirousek (Hrsg), Festschrift für Helmut Loukota zum 65. Geburtstag, 2005, p. 257; GARDINER, Treaty Interpretation, 2015, p. 253; LANG in FS 100 Jahre BFH, p. 997.
70 Sobre isso, veja GOSCH, ISR, 2013, p. 87 (92); LANG, Aussagen des VfGH zur Auslegung von Doppelbesteuerungsabkommen, SWI, 2015, p. 569 (571-ss); LANG in FS 100 Jahre BFH, p. 983.
71 BFH 20/8/2014, I R 86/13, BStBl II 2015, p. 18, item 34; sobre isso, veja também ISMER, BAUR, BFH: BVerfG-Vorlage: Tatbestands- und Verfassungsmäßigkeit von § 50d Abs 9 S 1 Nr 2 EStG 2002/2007/2009 und § 52 Abs 59a S 9 EStG 2009/2013: Treaty override; Rückwirkungsverbot, IStR, 2014, p. 812 (821-ss); LANG in FS 100 Jahre BFH, p. 983.
72 Sobre isso, LANG in FS 100 Jahre BFH, p. 983.
73 BFH 10-1-2012, I R 36/11, item 21; sobre isso, veja também BFH 24-9-2013, VI R 48/12, item 19; BFH 20-8-2014, I R 86/13, BStBl II 2015, p. 18, item 34; BFH 10-6-2015, I R 79/13, BStBl II 2016, p. 326, item 24; BFH 21-8-2015, I R 63/13, item 19; BFH 25-11-2015, I R 50/14, BStBl II 2017, p. 247, item 31; além disso, LANG in FS 100 Jahre BFH, p. 983.
74 Cf., contudo, VwGH 31-1-2018, Ra 2016/15/0004, item 11: “Quanto à alegação de admissibilidade segundo a qual haveria uma jurisprudência inconsistente do Tribunal Administrativo sobre a questão de a quem os rendimentos da prostituição devem ser atribuídos, o recorrente não apresenta decisões correspondentes que sustentem sua afirmação. Na medida em que o recorrente enxerga uma questão jurídica fundamental no fato de que, ‘desde o despacho correspondente do Ministério das Finanças’ de 2014 – com o qual se teria passado da tributação presumida para a tributação individual –, não haveria mais jurisprudência do Tribunal Administrativo, basta assinalar que despachos ou diretrizes do Ministério Federal das Finanças não constituem, em princípio, fontes de direito vinculativas para o Tribunal Administrativo (cf. VwGH 29-1-2015, 2012/15/0007; cf. ainda VwGH 18-12-2017, Ra 2017/15/0026, e a jurisprudência anterior ali citada). No presente caso, não se trata de um despacho com força normativa no sentido da decisão do Tribunal Constitucional de 28 de junho de 2017, V n. 4/2017”. Sobre isso, criticamente, WIEDERIN, Überlegungen zur gehörigen Kundmachung von Verordnungen, in Auer-Mayer/Felten/Mosler/Schrattbauer (Hrsg), FS für Walter J. Pfeil, 2022, p. 761 (770).
75 BARFUSS, Rechtsstaat und völkerrechtlicher Vertrag – Verfassungs rechtliche Überlegungen zum zollrechtlichen, “Accordino-Fall” 1987 und zur Interpretationsregel des Art 31 Abs 3 lit b WVK, in Mayer et al (Hrsg), Staatsrecht in Theorie und Praxis: Festschrift Robert Walter zum 60. Geburtstag, 1991, p. 33.
76 Críticas nesse sentido já haviam sido feitas em LANG, Tendenzen in der Rechtsprechung des österreichischen Verwaltungsgerichtshofs zu den Doppelbesteuerungsabkommen, IFF Forum für Steuerrecht, 2012, p. 26 (29-ss).
77 Quanto às dúvidas de ordem constitucional quanto a atribuir maior relevância jurídica à “prática posterior”, BARFUSS in FS Walter, p. 27; THALER, Enthält das Wiener Übereinkommen über das Recht der Verträge verfassungsändernde Bestimmungen? in FS Walter, p. 683 (693-ss).
78 BVerfG 15-12-2015, 2 BvL 1-12, itens 46-55.
79 Chegando à mesma conclusão, ZORN, Doppelbesteuerungsabkommen und Grundrechtsschutz, RdW, 2017, p. 389 (396-ss).
80 Neste caso, trata-se de uma revogação (“Verdrängung”) e não de uma derrogação (“Derogation”): sobre isso, LANG in FS Lüdicke, p. 444-ss.
81 Em complemento a isso, LANG in FS Lüdicke, p. 439-ss.
82 Mais detalhadamente em LANG in FS Lüdicke, p. 440.
83 Sobre isso, LANG in FS Lüdicke, p. 441-ss.
84 Mais detalhadamente em LANG in FS Lüdicke, p. 442-ss.
85 Corretamente, KOFLER, RUST, Deutsches BVerfG zur Verfassungskonformität von “ Treaty Overrides”, SWI, 2016, p. 144 (148); ZORN, RdW, 2017, p. 389 (398).
86 Sobre isso, ver também KOFLER, RUST, SWI, 2016, p. 144 (149-ss); ZORN, RdW, 2017, p. 389 (398).
87 Protocolo de modificação do Acordo celebrado em 20 de dezembro de 1966 em Viena entre a República da Áustria e o Reino da Espanha para evitar a dupla tributação no campo dos impostos sobre a renda e sobre o patrimônio, publicado no Boletim Federal de Leis da Áustria n. 1995/709; ver também ZORN, RdW, 2017, p. 389 (397).