JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Avaliação Econômica de Intangíveis e Aplicação do Método da Renda: o Caso Facebook Inc. v. Commissioner

Izadora Coutinho

Mestranda em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), com período de pesquisa no International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD). Pesquisadora do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Especialista em Direito Tributário e em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Advogada tributarista em São Paulo.

EMENTA:

INTERNATIONAL TAX LAW. TRANSFER PRICING. COST SHARING AGREEMENT (CSA). INTANGIBLE VALUATION. PLATFORM CONTRIBUTION TRANSACTION (PCT). INCOME METHOD. DISCOUNT RATE. ARM’S LENGTH PRINCIPLE. INTERNAL REVENUE CODE § 482 – TEMP. TREAS. REG. § 1.482-7T.

Dispute involving the Internal Revenue Service’s (IRS) revaluation of intangible assets transferred in 2010 by Facebook Inc. (U.S.) to its Irish subsidiary under a Cost Sharing Agreement (CSA). The U.S. Tax Court held that: (i) only the U.S. parent made non-routine platform contributions, justifying the application of the Income Method as the best method for valuing the Platform Contribution Transaction (PCT); (ii) the Residual Profit Split Method (RPSM) was appropriately rejected, as the Irish subsidiary’s contributions were deemed operational; (iii) the IRS’s inputs, especially revenue projections and a 14.44% discount rate, were found to be overly optimistic or flawed, and the court instead accepted more conservative assumptions, including a 17.7% discount rate; and (iv) the arm’s length PCT Payment value was determined to be USD 7.7 billion. The Court also upheld the validity of the 2009 cost sharing regulations (Temp. Treas. Reg. § 1.482-7T) as consistent with the arm’s length principle and IRC § 482. The Tax Court decision applied the 2009 CSA regulations and provides important guidance on the valuation of intangibles in cross-border group structures.

United States Tax Court. 164 T.C. No. 9. FACEBOOK, INC. & SUBSIDIARIES, Petitioner v. COMMISSIONER OF INTERNAL REVENUE, Respondent. Docket No. 21959-16.1. Filed May 22, 2025.

Comentários sobre o caso

Em 22 de maio de 2025, a U.S. Tax Court proferiu decisão no caso Facebook Inc. v. Commissioner, que marca um importante precedente na aplicação das regras de preços de transferência a ativos intangíveis, especialmente no contexto de acordos de compartilhamento de custos (Cost Sharing Agreements – CSA). A controvérsia girou em torno da valoração de intangíveis transferidos pela matriz norte-americana à subsidiária irlandesa e da seleção do método mais adequado de precificação. A decisão oferece uma oportunidade valiosa para examinar os desafios práticos e conceituais da avaliação econômica de intangíveis. Para o Brasil, o tema é relevante especialmente em razão da recente adoção das diretrizes da OCDE pela Lei n. 14.596/20231.

O caso envolveu a transferência, em 2010, de diversos ativos intangíveis – como tecnologia da plataforma, base de usuários, dados, marca e direitos de comercialização – da Facebook Inc. (EUA) para a Facebook Ireland Holdings Unlimited (Irlanda), no âmbito de um CSA regido sob o Temporary Treasury Regulation. § 1.482-7T2. A matriz americana avaliou os ativos em US$ 6,3 bilhões, enquanto o Internal Revenue Service (IRS) os reavaliou em US$ 19,9 bilhões, exigindo um ajuste substancial no chamado Platform Contribution Transaction (PCT Payment).

A controvérsia no caso envolveu duas questões principais: (i) a escolha do método de valoração; e (ii) os parâmetros econômicos relevantes adotados – como projeções de receita, taxa de desconto e as premissas de risco. A Corte considerou inadequada e afastou a aplicação do método de divisão residual de lucros (Residual Profit Split Method – RPSM), sob o fundamento que somente a Facebook Inc. (a entidade norte americana), havia aportado contribuições não rotineiras no desenvolvimento dos intangíveis. À subsidiária irlandesa caberiam apenas funções meramente operacionais, relacionadas à exploração econômica dos ativos. Diante disso, o tribunal validou a aplicação do Income Method, previsto no § 1.482-7T(g)(4), o qual estima o valor presente dos lucros futuros atribuíveis aos intangíveis transferidos.

A decisão reafirma a lógica do princípio do arm’s length, mesmo em contextos marcados por informações assimétricas e dificuldades de comparabilidade. Reiterou-se, ainda, a preferência por métodos que permitam a estimativa direta do valor de ativos intangíveis com base em projeções economicamente fundamentadas.

Todavia, a Corte reconheceu que a aplicação do Income Method pelo IRS se baseou em premissas pouco realistas, construídas a partir de expectativas excessivamente otimistas e desvinculadas dos riscos tecnológicos, concorrenciais e operacionais que efetivamente cercavam a operação. Essa abordagem do IRS comprometeu a confiabilidade do exercício de valoração, levando o tribunal a rejeitar as projeções de receita apresentadas pela autoridade fiscal por superestimarem, de forma inconsistente, o potencial econômico dos ativos transferidos.

Em relação à taxa de desconto, o índice de 14,44% proposto pelo IRS foi considerado subavaliado, tendo sido mantida a taxa de 17,7% sugerida pelo contribuinte, por melhor refletir os riscos de mercado e a realidade funcional da subsidiária irlandesa. Com base nesses ajustes, o valor do Platform Contribution Transaction Payment (PCT Payment) foi fixado em US$ 7,7 bilhões.

A decisão oferece um alerta sobre os riscos associados à manipulação ou má fundamentação de inputs econômicos em contextos de avaliações com alto grau de complexidade e subjetividade, como os que envolvem estruturas com intangíveis de difícil valoração. Ao mesmo tempo, revela a complexidade da delimitação entre contribuições rotineiras e não rotineiras no contexto de grupos multinacionais.

O precedente da U.S. Tax Court no caso Facebook Inc. v. Commissioner evidencia que, mesmo quando adotadas metodologias aceitas pelas autoridades fiscais, disputas complexas podem surgir em torno das premissas econômicas utilizadas, como a estimativa da vida útil dos intangíveis, os cenários de geração de receita e a taxa de desconto aplicada, exigindo elevado grau de fundamentação técnica, documentação robusta e alinhamento com o princípio do arm’s length.

A jurisprudência americana também enfatiza a necessidade de substance over form, exigindo que os contribuintes estrangeiros desempenhem funções reais, assumam riscos genuínos e disponham de capacidade operacional compatível.

Convém ressaltar ainda que o caso evidencia que a aplicação do Income Method pode dar origem a disputas técnicas sofisticadas, especialmente no que diz respeito à seleção dos inputs econômicos, como projeções de receita, premissas de risco e taxa de desconto, bem como à correta identificação das contribuições funcionais relevantes no contexto da transação. Tais desafios não são exclusivos da realidade norte-americana e certamente se refletirão na experiência brasileira, em especial na análise de operações realizadas por empresas de setores intensivos em ativos intangíveis, como os de tecnologia, farmacêutico, cosméticos e publicidade.

Relevância do caso para o contexto brasileiro

A controvérsia decidida oferece lições valiosas para o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no atual contexto de implementação das novas regras de preços de transferência. O Income Method, validado com ajustes pela Corte norte-americana, corresponde a uma técnica de avaliação fundamentada no valor presente dos lucros futuros atribuíveis aos ativos intangíveis transferidos, sendo amplamente reconhecido pelas OECD Transfer Pricing Guidelines e, conforme informado anteriormente, expressamente contemplado no art. 11, VI, da Lei n. 14.596/2023 e art. 45, § 1º, da Instrução Normativa RFB n. 2.161/2023.

O critério do substance over form também é de suma importância para a adequada aplicação das regras brasileiras de delineamento das transações controladas, conforme os arts. 7º a 9º da Lei n. 14.596/2023, e deve orientar tanto os contribuintes quanto a Receita Federal na delimitação das contribuições relevantes no contexto de estruturas internacionais.

No Brasil, o art. 11, VI, da Lei n. 14.596/2023, que alinha as regras nacionais de preços de transferência aos Padrões da OCDE, admite expressamente a utilização de métodos alternativos de valoração, desde que produzam resultados consistentes com aqueles que seriam obtidos em transações comparáveis realizadas entre partes independentes. Essa diretriz é complementada pelo art. 45, § 1º, da Instrução Normativa RFB n. 2.161/20233, que autoriza o uso de técnicas e modelos de avaliação econômica de ativos amplamente reconhecidos, notadamente os métodos baseados em renda, como o fluxo de caixa descontado (discounted cash flow – DCF). Tais métodos tendem a ser mais apropriados em situações que envolvem intangíveis de difícil valoração ou participações societárias para as quais não existam comparáveis confiáveis no momento da transação entre partes relacionadas. Nesses casos, a adoção de instrumentos de valuation representa uma alternativa legítima e tecnicamente apropriada à aplicação dos métodos tradicionais.

Nesse sentido, o precedente norte-americano atua como um importante alerta metodológico, pois embora o Income Method seja expressamente admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, sua aplicação demanda elevado grau de rigor técnico, fundamentação econômica consistente, documentação probatória adequada e aderência estrita ao princípio do arm’s length. A inobservância desses requisitos pode resultar em ajustes fiscais relevantes, especialmente quando constatadas inconsistências metodológicas ou simulações artificiais de valor que comprometam a confiabilidade da avaliação adotada.

1 BRASIL. Lei n. 14.596, de 14 de junho de 2023. Dispõe sobre regras de preços de transferência relativas ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e altera a Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 jun. 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14596.htm. Acesso em: 27 maio 2025.

2 TEMP. TREAS. REG. § 1.482-7T (U.S. Tax Regulations): UNITED STATES. Code of Federal Regulations. Title 26 – Internal Revenue. § 1.482-7T – Methods to determine taxable income in connection with a cost sharing arrangement (Temporary). Disponível em: https://www.taxnotes.com/research/federal/cfr26/1.482-7T. Acesso em: 26 maio 2025. Internal Revenue Code § 482 – Transfer Pricing Regulations (PDF oficial do IRS): UNITED STATES. Internal Revenue Service. Section 482: Transfer Pricing Regulations. Washington, D.C., 2022. Disponível em: https://www.irs.gov/pub/irs-apa/482_regs.pdf. Acesso em: 26 maio 2025.

3 BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa RFB n. 2.161, de 29 de setembro de 2023. Dispõe sobre os preços de transferência a serem praticados nas transações efetuadas por pessoa jurídica domiciliadas no Brasil com partes relacionadas no exterior e dá outras providências. Disponível em: https://normasinternet2.receita.fazenda.gov.br/#/consulta/externa/133782. Acesso em: 26 maio 2025.