ACÓRDÃO COMENTADO

Jorge Ricardo da Silva Júnior

Advogado e Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBDT.

Decisão da Suprema Corte dos Países Baixos

ECLI:NL:HR:2024:1879

Data de Julgamento: 20-12-2024

Comentários:

Em 20-12-2024, a Suprema Corte holandesa emitiu uma importante decisão envolvendo a Box 3 do imposto de renda de pessoa física holandês, usualmente denominada imposto holandês sobre a riqueza (Dutch Wealth Tax), o qual recai sobre rendimentos de poupança e investimentos, incluindo depósitos bancários, ações e propriedades secundárias daqueles contribuintes que ultrapassem a faixa de patrimônio estabelecida por lei.

Diferentemente dos impostos de renda tradicionais, o imposto de renda de pessoa física holandês pressupõe para determinados contribuintes um rendimento fictício sobre seus ativos e incide sobre esse retorno presumido.

O cálculo do imposto considera o valor total dos ativos tributáveis subtraído de quaisquer dívidas relacionadas, aplicando-se somente à riqueza líquida acima de limites determinados pela legislação. Nesse contexto, mesmo que os ativos não gerem uma renda “real”, o contribuinte ainda pode estar sujeito a esse tributo.

Historicamente, o referido tributo adotava uma sistemática de incidência com base em rendimentos presumidos, desconsiderando os lucros ou perdas reais do contribuinte. Assim, presumia-se um rendimento fixo sobre o valor do patrimônio, independentemente do que foi realmente percebido pelo contribuinte.

Ocorre que, justamente por sua sistemática, o imposto da Box 3 acaba sendo, em alguns casos, destoante do imposto que seria pago com base no rendimento real dos contribuintes.

Em razão disso, em 2021, a Suprema Corte dos Países Baixos (Hoge Raad) declarou inconstitucional o sistema de presunção de rendimentos da Box 3, ao afirmar que este violava a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (ECHR), por ser discriminatório e não refletir a realidade financeira de muitos contribuintes, especialmente em épocas de baixas taxas de juros.

Como consequência, foi instituída a “Wet Rechtsherstel Box 3 (Lei de Reparação Legal da Box 3), que passou a calcular o imposto com base em uma combinação de rendimento presumido e componentes mais próximos da realidade. Ou seja, buscou-se um proxy mais adequado para cálculo do referido tributo. É nesse contexto que se insere a recente decisão da Suprema Corte dos Países Baixos.

O caso concreto envolveu contribuinte holandês e sua esposa, que declararam rendimentos na Box 3 referentes ao ano de 2019.

O patrimônio declarado pelo contribuinte e sua esposa somava, em conjunto,
B 648.399, sendo o contribuinte titular de 61,24% dessa base e sua esposa titular de 38,76%. Os bens incluíam contas bancárias, poupança e uma segunda residência, que não era alugada, nem usada como investimento. Além disso, a residência era de propriedade formal, associação de coproprietários (condomínio), que tinha como coproprietários o contribuinte e sua esposa, e era utilizada por estes.

Ainda, o contribuinte declarou rendimentos de juros bancários.

A declaração apresentada pelo contribuinte foi realizada com base nas regras da Box 3 então vigentes (sistema de rendimento presumido), anteriormente à decisão de 2021 da Suprema Corte. Posteriormente, com base na mencionada Lei, que buscou adequar a Box 3, a autoridade fiscal reduziu a base tributável para um rendimento presumido de B 5.244, que considerava rendimentos não recebidos e valorização do imóvel.

O contribuinte não se conformou com a apuração realizada pelo Fisco e contestou judicialmente, alegando que o valor correto a ser considerado seria o rendimento efetivo, ou seja, a soma real dos rendimentos auferidos.

A decisão recorrida adotou as razões do contribuinte e entendeu que, à luz da decisão da Suprema Corte de 2021, o contribuinte não poderia ser tributado com base em rendimentos presumidos da Box, de forma que foi excluída a parcela relativa ao ganho de valorização do imóvel da base de cálculo, bem como valores de rendimentos presumidos em função da propriedade do imóvel (que não era explorado economicamente pelo contribuinte). Dessa forma, a base arbitrada pelo Fisco seria menor e o contribuinte, consequentemente, faria jus a uma restituição maior.

Em primeiro lugar, quanto aos rendimentos presumidos do uso do imóvel, a Corte decidiu que, ao determinar o rendimento real no contexto da reparação legal da Box 3, o benefício do uso próprio da segunda residência deve ser definido como nulo. Isso porque a determinação do valor desse benefício de uso próprio exige escolhas que somente o legislador pode fazer, e não a Suprema Corte.

Ou seja, a Corte afirmou que não poderia haver uma “renda imputada” pelo uso do imóvel (que não estava sendo explorado economicamente) pelo Judiciário, pois implicaria invasão da esfera do legislador. Nesse ponto, foi mantida a decisão recorrida.

Em segundo lugar, em relação ao ganho da valorização do imóvel, a Corte não concordou integralmente com a apuração do Fisco, que deve ser pautada pelos valores fiscais oficiais, e acabou reduzindo o valor considerado. A Corte destacou que não poderia ter sido considerado como “ganho” auferido o valor do imóvel decorrente de investimentos adicionais do contribuinte. Ou seja, não se poderia considerar parte do valor desembolsado pelo contribuinte como um “rendimento” decorrente do imóvel.

Assim, só poderia se considerar como rendimento a parte da valorização do rendimento no que excede os eventuais investimentos realizados pelo contribuinte no imóvel. Nesse ponto, a Corte reformou parcialmente a decisão recorrida (que havia excluído todo montante da valorização do imóvel), entendendo que ainda que não houve “ganho” realizado, decorrente de venda, a valorização do imóvel faz parte dos rendimentos do contribuinte desde que seja objetivamente calculada com base nos valores fiscais oficiais.

Portanto, a decisão foi parcialmente favorável ao contribuinte no caso.

É interessante notar que, apesar de fazer referência e reconhecer que o rendimento tributável deve refletir o ganho realmente obtido, a Corte validou a tributação da valorização do imóvel (ganho não realizado), ainda que de forma parcial, divergindo da decisão recorrida. Ou seja, não foram inteiramente afastadas pela decisão as presunções da lei de reparação da Box 3.

Vale ressaltar que a tributação pela Box 3 só é aplicável aos contribuintes que ultrapassarem determinada faixa de patrimônio. Assim, apesar de o imposto buscar tributar rendimentos, considera-se o patrimônio detido pelo contribuinte para, ao fim, buscar tributá-lo por um uma renda não realizada ou ficta, o que poderia ser justificado à luz de uma dita justiça tributária.

Dessa forma, embora a jurisprudência holandesa esteja caminhando para uma tributação mais próxima da realidade econômica do contribuinte, ao se afastar cada vez mais de uma tributação de renda ficta a partir de parâmetros não razoáveis, ainda permanecem resquícios para a tributação de ganhos não realizados.