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O Princípio da não Discriminação no Direito Tributário Internacional

The non Discrimination Principle in International Tax Law

Antônio Augusto Souza Dias Júnior

Procurador da Fazenda Nacional em Campinas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Mestrando em Tributação Internacional pelo IBDT. E-mail: toniaugusto@hotmail.com.

Resumo

O presente artigo pretende analisar o princípio da não discriminação no direito tributário internacional, sob a perspectiva da OCDE em comparação com sua aplicação nos tratados tributários brasileiros. Serão analisados precedentes nos dois campos de aplicação do princípio da não discriminação, numa tentativa de compreender o alcance do princípio em cada área.

A abordagem parte de uma concepção geral do princípio da não discriminação até chegar ao princípio da não discriminação no direito tributário internacional. A relação entre a legislação tributária brasileira e o princípio da não discriminação presente nos tratados assinados pelo Brasil também será discutida, no sentido de se verificar a coerência entre as normas internas e as convenções internacionais.

Palavras-chave: não discriminação, tributação internacional, legislação doméstica.

Abstract

The present paper intends to analyze the non discrimination principle in international tax law, under OECD’s perspective in comparison with its application in Brazilian tax treaties. Precedents in both realms of non discrimination application will be addressed, attempting to understand the extent of the principle in each area.

The approach starts from a general conception of non discrimination principle until arrive to the non discrimination principle in international tax law. The relationship between Brazilian tax legislation and the non discrimination principle present in the treaties subscribed by Brazil will be also addressed, in the sense to verify the coherence between the domestic legislation and the international conventions.

Keywords: non discrimination, international taxation, domestic legislation.

1. Introdução

O princípio da não discriminação funda-se na ideia de igualdade, e requer a identificação de critérios e justificativas em que a discriminação não deve ser permitida. Por outro lado, a constatação de situações e condições díspares pode justificar um tratamento diferenciado, o que não contraria o princípio da não discriminação. Pelo contrário, o realiza.

A não discriminação funda-se também na ideia de equidade, já que o tratamento discriminatório fere as noções mais básicas de justiça.

Não é exagero afirmar que a própria criação das normas jurídicas é motivada em parte pela demanda de se erradicar discriminações arbitrárias, dado que o caráter geral e abstrato da norma tem o potencial de fomentar um tratamento igualitário e equânime.

Embora o princípio seja definido pela negativa, é preciso enfatizar que seu conteúdo comporta também obrigações positivas do Estado, como a construção de instalações especiais para portadores de necessidades especiais, a criação de programas de cotas em universidades públicas etc.

Apesar de ser comum aos publicistas a abordagem da discriminação perpetrada pelo Estado, não se pode esquecer que também os particulares devem obediência ao princípio da não discriminação.

No presente trabalho, pretendemos abordar uma única faceta do princípio em questão: sua aplicação no direito tributário internacional. Não se pode esquecer, contudo, que outras normas de direito internacional tratam do princípio da não discriminação de modo mais amplo, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela Assembleia Geral da ONU1 e o Tratado da União Europeia2.

2. Princípio da não discriminação no Modelo da OCDE de tratados internacionais contra bitributação

Abordaremos a partir de agora o princípio da não discriminação na forma como disposto na Convenção Modelo da OCDE. Advertimos desde já que sempre que necessário, far-se-á menção à política brasileira de celebração de tratados, tendo em vista que, assim como ocorre em relação a outros dispositivos do Modelo, o Brasil segue posição peculiar em alguns pontos do art. 24.

Outra advertência inicial em relação à não discriminação no direito tributário internacional se faz necessária.

No caso da aplicação da não discriminação no direito tributário internacional, é necessária uma certa dissociação em relação ao princípio da igualdade. Isso porque a não discriminação no direito tributário internacional não impede o tratamento privilegiado a não residentes, o que aliás costuma acontecer em tratados bilaterais contra bitributação. O art. 24 do Modelo da OCDE, por mais paradoxal que possa parecer, proíbe a discriminação contra o não nacional e o não residente, mas não proíbe que estes sejam privilegiados em detrimento dos nacionais e residentes.

Ou seja, não há proibição contra a discriminação aplicada a nacionais e residentes, tendo em vista a permissão de tratamento mais benéfico a estrangeiros e não residentes3.

2.1. Art. 24, § 1º

Comecemos pela redação do dispositivo estudado no presente tópico:

“Nacionais de um Estado Contratante não devem estar sujeitos, no outro Estado Contratante, a qualquer tributação ou obrigação com ela conexa que seja diversa ou mais gravosa do que aquela a que estejam sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem nas mesmas circunstâncias, em especial no que se refere à residência. Não obstante o estabelecido no Artigo 1º, esta disposição aplicar-se-á também às pessoas que não são residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes.”4

Pode-se perceber inicialmente a introdução de um critério distinto, qual seja, o da nacionalidade5. Enquanto à residência diz respeito ao exercício de atividades de forma qualificada em determinado território, a nacionalidade das pessoas jurídicas depende em especial da lei de cada país6. O residente, por sua vez, é aquele que, em virtude da legislação de determinado Estado, está sujeito a imposto nesse Estado em razão de seu domicílio, residência, sede de direção ou qualquer outro critério de natureza similar, nos termos do art. 4 do Modelo da OCDE.

A norma rejeita de pronto a tributação mais gravosa em razão da nacionalidade por si só. É dizer, o fato de ser nacional de outro Estado Contratante não é suficiente para que se legitime uma carga tributária mais elevada.

Ao mesmo tempo, há previsão explícita de que os nacionais de outro Estado Contratante que não podem ser discriminados são aqueles que se encontrem na mesma circunstância. E por mesma circunstância pode-se entender a residência no mesmo país. Em outras palavras, é legítima a tributação diversa ou mais gravosa em relação a não residente, tendo em vista que este encontra-se em situação diversa. Enquanto a nacionalidade não é critério legítimo para discriminação pelo art. 24, § 1º, a residência o é.

A referência à mesma circunstância no que diz respeito à residência não estava prevista expressamente na redação do Modelo da OCDE de 1963. Contudo, a orientação da OCDE é de que a residência sempre foi critério legítimo de discriminação para o § 1º, tendo a alteração redacional caráter interpretativo7.

Levando em consideração que a tributação de residentes costuma se dar em bases universais, Alexandre Monteiro relaciona o critério da residência com a própria capacidade contributiva, que sabidamente é o principal critério de diferenciação no direito tributário8.

Além disso, deve-se lembrar que o critério da residência é o principal fator de diferenciação e identificação do modo de tributação em uma convenção bilateral contra bitributação. Todos os dispositivos são desenvolvidos a partir de uma lógica que confere um tratamento específico a não residentes. Eventuais equiparações de não residentes a residentes apenas confirma esse pensamento.

Nesse ponto, é curioso notar que o art. 24, § 1º representa uma ampliação do escopo dos tratados, na medida em que a última sentença do dispositivo manda aplicar seu regramento a todos os nacionais dos Estados Contratantes, enquanto o art. 1º do Modelo da OCDE limita os benefícios do tratado aos residentes dos Estados Contratantes.

Significa que, para fins de proteção à discriminação em relação à nacionalidade, o Modelo da OCDE é mais abrangente, pois se aplica não apenas aos residentes dos Estados Contratantes, mas também aos nacionais não residentes de qualquer dos Estados Contratantes9.

Por fim, não se deve perder de vista que a redação determina que a vedação aplica-se não só em relação à tributação, mas também em relação às obrigações conexas, o que inclui as chamadas obrigações acessórias, ou deveres instrumentais. A proteção é ampla, abrangendo não só a carga tributária, mas também as formalidades relativas à tributação, como os prazos prescricionais e decadenciais, forma de pagamento e método de repetição de indébito10.

2.2. Art. 24, § 2º

O segundo parágrafo do art. 24 do Modelo da OCDE dirige-se especificamente aos apátridas:

“As pessoas apátridas que sejam residentes de um Estado Contratante não deverão estar sujeitas a qualquer tributação ou obrigação com ela conexa que seja diversa ou mais onerosa do que aquela a que estejam sujeitos os nacionais do Estado em questão que se encontrem nas mesmas circunstâncias, em especial no que diz respeito à residência.”11

A norma acima elege o mesmo critério para a vedação da não discriminação: a tributação não pode ser diversa ou mais gravosa, nem mesmo no que diz respeito às obrigações conexas com a tributação. Mais uma vez, deve se considerar contribuintes que estejam nas mesmas circunstâncias, sendo expresso que a residência em Estados distintos não se traduz em circunstância similar para fins de se vedar o tratamento discriminatório.

O parágrafo diferencia-se, assim, ao estender a proteção aos apátridas que sejam residentes de um dos Estados Contratantes.

Enquanto para os nacionais de um Estado Contratante não se exige que sua residência coincida com sua nacionalidade, no caso dos apátridas a proteção só existe em função da residência em um dos Estados que celebram o tratado.

Podemos dizer com isso que o § 2º do art. 24 equipara os apátridas residentes em determinado Estado aos seus nacionais, no que diz respeito à proteção contra não discriminação.

A definição de apátrida adotada nos Comentários da OCDE é a mesma da Convenção de Nova Iorque de 1954 sobre o status das stateless persons (pessoas sem nacionalidade), que se refere ao apátrida como aquele que não é considerado nacional sob a legislação de qualquer Estado12.

Cumpre registrar que o Brasil não inclui o § 2º em suas convenções bilaterais contra bitributação.

2.3. Art. 24, § 3º

O § 3º introduz o critério da residência ao vedar a discriminação contra o não residente que possui estabelecimento permanente no outro Estado Contratante. Comecemos pelo conhecimento de seu texto:

“A tributação de um estabelecimento permanente que uma empresa de um Estado Contratante tenha no outro Estado Contratante não será nesse outro Estado menos favorável do que a tributação imposta às empresas desse outro Estado que exerçam as mesmas atividades. Esta disposição não deve ser interpretada de modo que se obrigue um Estado Contratante a conceder aos residentes do outro Estado Contratante quaisquer deduções pessoais, abatimentos e reduções que, para fins tributários, conceda aos seus próprios residentes em função de estado civil ou encargos familiares.”13 (Destacamos)

Como se vê do trecho destacado, a proteção deixa de ser contra a tributação e as obrigações conexas que sejam diversas ou mais gravosas. O que se proíbe em relação à tributação do estabelecimento permanente é a tributação menos favorável.

Uma vez que a tributação do estabelecimento permanente exige critérios de apuração diferenciados em relação àqueles aplicáveis para os residentes, a proibição de uma tributação diversa não faria o menor sentido. É dizer, a maneira de se tributar o estabelecimento permanente necessariamente deve ser diversa daquela imposta aos residentes14. O que não se permite é a tributação menos favorável, e para tanto não se pode considerar que as obrigações acessórias diversas das exigidas dos não residentes consistam em uma tributação menos favorável.

Retomando o critério da residência já mencionado, deve-se ter em mente desde já que o estabelecimento permanente consiste em uma atuação qualificada de um não residente no Estado da fonte. Para a OCDE, trata-se de uma sede fixa de negócios onde a empresa exerça, no todo ou em parte, suas atividades15.

No caso do estabelecimento permanente, temos aqui a não discriminação baseada na residência, e não na nacionalidade16.

A parte final busca vedar a cumulação de benefícios pessoais das pessoas físicas. Conforme Gilberto de Castro Moreira Júnior,

“A segunda parte do parágrafo 3 tem por objetivo evitar que as pessoas físicas que possuem estabelecimento permanente no outro Estado-Contratante obtenham vantagens superiores às dos residentes, por conta da cumulação de deduções e abatimentos pessoais de encargos familiares que lhes sejam concedidos no Estado em que são residentes, em razão do disposto na legislação interna, e no outro Estado, em razão do princípio de igualdade de tratamento. Por isso, o Estado onde está localizado o estabelecimento permanente tem a faculdade de conceder as deduções e vantagens pessoais na proporção existente entre o valor do lucro do estabelecimento e o valor do rendimento global tributável no outro Estado.”17

Em outras palavras, busca-se evitar que a referida norma seja utilizada como veículo propiciador da dupla não tributação.

2.4. Art. 24, § 4º

Dispõe o art. 24, § 4º do Modelo da OCDE:

“Salvo se aplicável o previsto no parágrafo 1º do artigo 9º, no parágrafo 6º do artigo 11 ou no parágrafo 4º do artigo 12, os juros, royalties e outras importâncias pagas por uma empresa de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante são dedutíveis, para fins de determinação do lucro tributável dessa empresa, sob as mesmas condições que se tivessem sido pagos a um residente no primeiro Estado mencionado. De igual modo, quaisquer dívidas de uma empresa de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante serão dedutíveis, para o efeito de determinar o patrimônio tributável dessa empresa, sob as mesmas condições em que seriam contraídas para com um residente do primeiro Estado mencionado.”18

O § 4º veda uma discriminação baseada na residência do recebedor de juros, royalties ou quaisquer pagamentos de dívidas, ao impor o mesmo tratamento de tais remessas quanto à dedutibilidade que é reconhecida aos pagamentos feitos a residentes.

Veda-se uma discriminação contra a empresa residente que se obrigou a remeter juros, royalties, ou pagamentos relativos a quaisquer outras dívidas para residentes no outro Estado Contratante. Não deixa de ser uma norma que privilegia a liberdade de contratar, permitindo as mesmas condições de dedutibilidade dos pagamentos feitos a residentes, caso a empresa opte por contrair obrigações com residentes no exterior19.

A ressalva inicial diz respeito ao ajuste relativo aos preços de transferência e aos ajustes de juros e royalties pagos a pessoa com a qual se possui relação especial. Nesses casos expressamente ressalvados, é possível haver um tratamento diferenciado em função da residência do recebedor das remessas. Isso porque a discriminação não se dá, a rigor, em função da residência, mas sim da relação especial entre o residente e o não residente, o que impõe o ajuste para se permitir a dedução apenas do que seria remetido a um não residente que não tenha relação ou vínculo especial com o residente20.

Registre-se que o Brasil não reproduz esse parágrafo em alguns de seus tratados. Assim, podemos citar como tratados brasileiros que não reproduzem o § 4º do Modelo da OCDE: Suécia, Espanha, Finlândia, Argentina, Áustria, Canadá, Dinamarca, entre outros.

Por outro lado, são tratados brasileiros que reproduzem o § 4º do Modelo da OCDE: África do Sul, Bélgica, Chile, China, Coreia do Sul etc.

Ainda que o tratado possua o § 4º, contudo, deve-se analisar se não há cláusula de salvaguarda ressalvando a aplicação da legislação brasileira de subcapitalização, como acontece nos tratados brasileiros celebrados com África do Sul, Chile, Israel, Peru, Portugal, Rússia e Turquia.

Em relação aos tratados que reproduzam o § 4º (e que não possuam cláusula de salvaguarda), não é possível que a legislação brasileira imponha restrições ou condições mais gravosas para a dedução de juros, royalties ou quaisquer dívidas pagas ao residente no país que possui tratado com tal dispositivo (ressalvando-se os ajustes em função da relação especial entre a pessoa que paga e o recebedor)21.

A Lei n. 12.249/2010 (que trouxe dispositivos de controle de subcapitalização) possui normas que não devem ser aplicadas em relação aos residentes de países com os quais o Brasil acordou a obediência ao art. 24, § 4º, do Modelo da OCDE. Por exemplo, cite-se o art. 24 da referida lei:

Lei n. 12.249/2010, art. 24: “Sem prejuízo do disposto no art. 22 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, os juros pagos ou creditados por fonte situada no Brasil à pessoa física ou jurídica, vinculada nos termos do art. 23 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, residente ou domiciliada no exterior, não constituída em país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado, somente serão dedutíveis, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, quando se verifique constituírem despesa necessária à atividade, conforme definido pelo art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, no período de apuração, atendendo aos seguintes requisitos:

[...]” (Destacamos)

Perceba que o art. 24 da Lei n. 12.249/2010 é aplicável apenas a pessoas físicas ou jurídicas vinculadas nos termos do art. 23 da Lei n. 9.430/1996.

Como esse dispositivo possui um rol de pessoas vinculadas muito mais amplo que as pessoas associadas do art. 9º dos tratados, a regra brasileira de subcapitalização extrapola a ressalva contida no art. 24, § 4º, da Convenção Modelo da OCDE, reproduzido em alguns de seus tratados.

Queremos dizer com isso que a aplicação do art. 24 da Lei n. 12.249/2010, ao abranger pessoas vinculadas nos termos do art. 23 da Lei n. 9.430/1996, não atende à ressalva estabelecida do art. 24, § 4º, do Modelo da OCDE, quando permite os ajustes de juros pagos a pessoas com relações especiais sem que se fale em discriminação vedada.

Mais uma vez, deve-se atentar para a presença de cláusulas de salvaguarda que permitam a aplicação da legislação brasileira de subcapitalização mesmo nos casos em que haja a reprodução do § 4º.

Ainda em relação ao art. 24, § 4º, cumpre analisar a legislação brasileira relativa à dedutibilidade de royalties. O art. 74 da Lei n. 3.470/1958 assim regula o tema:

“Art. 74. Para os fins da determinação do lucro real das pessoas jurídicas como o define a legislação do imposto de renda, somente poderão ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de ‘royalties’ pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% (cinco por cento) da receita bruta do produto fabricado ou vendido.

§ 1º Serão estabelecidos e revistos periodicamente mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções de que trata este artigo, considerados os tipos de produção ou atividades, reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade.

[...]”

Como se vê do dispositivo acima, as quantias devidas a título de royalties pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, só podem ser deduzidas do lucro bruto da devedora até o limite máximo de 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido.

Questiona-se a respeito da aplicabilidade desse limite aos pagamentos realizados a residentes no Brasil. Há aqueles que entendem que o limite aplica-se indistintamente aos pagamentos realizados a residentes no Brasil ou no exterior, do mesmo modo que há os que restringem a aplicabilidade do limite às remessas de royalties ao exterior.

Caso se opte pela última posição, haveria uma discriminação contra a empresa residente no Brasil que realizasse remessas de royalties ao exterior, impondo-se um limite de dedutibilidade não previsto caso os pagamentos fossem realizados para residentes no Brasil. A incompatibilidade com o art. 24, § 4º, do Modelo da OCDE seria patente (ressalvando-se eventual protocolo em contrário nos tratados celebrados)22.

Deve-se registrar que o Supremo Tribunal Federal possui julgado antigo no sentido de que a restrição do art. 74 da Lei n. 3.470/1958 também é aplicável a pagamentos efetuados a residentes no Brasil (RE n. 104.368, DJ 28.02.1992).

Para uma abordagem mais completa do tema, não se pode olvidar a posição de que o art. 74 da Lei n. 3.470/1958 sequer estaria em vigor, pois teria sido revogado pelos arts. 52 e 71 da Lei n. 4.506/1964:

“Art. 52. As importâncias pagas a pessoas jurídicas ou naturais domiciliadas no exterior a título de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, quer fixas quer como percentagens da receita ou do lucro, somente poderão ser deduzidas como despesas operacionais quando satisfizerem aos seguintes requisitos:

[...] c) o montante anual dos pagamentos não exceder ao limite fixado por ato do Ministro da Fazenda, de conformidade com a legislação específica.” (Destacamos)

“Art. 71. A dedução de despesas com aluguéis ou ‘royalties’ para efeito de apuração de rendimento líquido ou do lucro real sujeito ao imposto de renda, será admitida:

a) quando necessárias para que o contribuinte mantenha a posse, uso ou fruição do bem ou direito que produz o rendimento; e

[...]

Parágrafo único. Não são dedutíveis:

[...] f) os ‘royalties’ pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no exterior:

[...] 2) Cujos montantes excedam dos limites periodicamente fixados pelo Ministro da Fazenda para cada grupo de atividades ou produtos, segundo o grau de sua essencialidade e em conformidade com o que dispõe a legislação específica sobre remessa de valores para o exterior.” (Destacamos)

Segundo Gabriel Francisco Leonardos, o art. 52 da Lei n. 4.506/1964, ao tratar inteiramente da dedutibilidade de pagamentos por know-how, teria revogado tacitamente o art. 74 da Lei n. 3.470/1958. Para o autor, o mesmo aconteceu em relação à dedutibilidade de royalties por patentes e marcas, regulados inteiramente pelo art. 71 da Lei n. 4.506/196423.

Uma advertência é necessária: a revogação teria ocorrido apenas em relação ao limite de cinco por cento, mas não em relação à possibilidade de fixação do limite pelo Ministério da Fazenda, como se vê da redação dos dispositivos acima. Desse modo, não há mais um teto máximo fixado pela lei, o que permitiria ao Ministério da Fazenda uma fixação de limites percentuais superiores.

Não obstante a tese da revogação do art. 74 da Lei n. 3.470/1958, o STF possui precedente segundo o qual a “Lei n. 4.506/64, embora haja estabelecido modificações, no que concerne a dedutibilidade de despesas como ‘royalties’, não revogou o art. 74 da Lei n. 3.470/1958” (RE n. 104.368, DJ 28.02.1992). Referido precedente costuma ser repetido, sem maiores considerações, por julgados posteriores que discutem o mesmo tema, como se pode ver no AI n. 671.362, julgado em 12 de agosto de 2008 no STF, e os Recursos Especiais do STJ n. 378.575 (j. 21.02.2006), n. 260.513 (DJ 24.10.2005) e n. 204.696 (DJ 22.08.2005).

2.5. Art. 24, § 5º

O § 5º traz regra que aborda a não discriminação de empresas cujo capital é detido por não residentes:

“Empresas de um Estado Contratante cujo capital seja total ou parcialmente detido ou controlado por um ou mais residentes do outro Estado Contratante não serão sujeitas, no primeiro Estado, a qualquer tributação ou obrigação com ela conexa que seja diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitas as empresas similares do primeiro Estado.”24

Mais uma vez, veda-se a discriminação baseada na residência, ainda que de modo indireto (residência dos detentores do capital da empresa, e não da pessoa jurídica em si). A proteção contra não discriminação vale apenas para as pessoas cujo capital é detido por não residentes, e não contra os detentores do capital, que podem sofre tributação mais gravosa sem que se invoque violação ao parágrafo acima transcrito25.

Tal norma entende que a residência do detentor do capital não é critério legítimo para se diferenciar empresas sediadas em um mesmo território, o que, apesar de não representar uma proteção ao detentor do capital, como já dito, não deixa de ser um estímulo ao investimento de capital estrangeiro, pois garante que os resultados da investida não serão discriminados pelo fato de seus controladores serem estrangeiros.

A vedação de tratamento discriminatório está presente também no direito brasileiro que disciplina o capital estrangeiro:

Lei n. 4.131/1962, art. 2º: “Ao capital estrangeiro que se investir no País, será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei.”

Em relação à lei brasileira, cumpre registrar o entendimento doutrinário de que a lei incorreria em equívoco ao igualar o tratamento do capital nacional e estrangeiro, tendo em vista que este último estaria em posição mais vantajosa que o primeiro. Segundo essa vertente, a equalização entre o investimento nacional e o estrangeiro seria uma atitude benéfica ao último; a postura mais acertada deveria levar em conta que o capital nacional e o estrangeiro não estão em igualdade de condições, sendo legítima a diferenciação de tratamento26.

2.6. Art. 24, § 6º

Por fim, cumpre expor o sexto parágrafo:

“As disposições deste Artigo deverão, não obstante o disposto no Artigo 2º, ser aplicadas aos tributos de qualquer espécie ou denominação.”27

O dispositivo acima introduz mais uma “excentricidade” da norma da não discriminação presente nos tratados contra bitributação. É que, além de a não discriminação introduzir o critério da nacionalidade para aplicação do tratado, introduz ainda a necessidade de se considerar todos os tributos dos Estados Contratantes quando se está diante do art. 24, não apenas os tributos sobre a renda e o capital28.

Não é demais lembrar que o termo “tax” é traduzido, no direito tributário brasileiro, por tributo, e não por taxa.

Desse modo, a regra da não discriminação prevista no Modelo da OCDE aplica-se a tributos exigidos por qualquer subdivisão política de uma Federação. No caso do Brasil, esse entendimento é chancelado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que admite a obediência dos Estados e Municípios aos tratados celebrados pela União como representante da República Federativa29.

3. Aplicações da não discriminação no direito tributário internacional: Caso Schumacker, Caso Volvo e CIDE-royalties

3.1. Caso Schumacker

O Caso Schumacker ilustra a amplitude do princípio da não discriminação na Comunidade Europeia. O Tribunal chamado a se manifestar sobre o caso teve que analisar a problemática não só do ponto de vista do tratado contra bitributação, mas também de uma visão mais abrangente da não discriminação, relacionada com a liberdade de circulação na Comunidade Europeia.

A situação concreta dizia respeito a um senhor residente na Bélgica que exercia suas atividades profissionais na Alemanha. Pela convenção germano-belga contra a bitributação, a tributação dos rendimentos do Sr. Schumacker caberia à Alemanha, pois era esse o Estado onde era exercida a atividade remunerada. Desse modo, os rendimentos salariais foram tributados na fonte, mediante a retenção realizada pela entidade patronal do profissional.

Tal sistemática não ofereceria nenhum problema caso os rendimentos tributados na fonte representassem apenas uma parcela diminuta em relação à renda total do recipiente. No caso em questão, contudo, o rendimento obtido no exterior e tributado na fonte representava a totalidade da renda do Sr. Schumacker.

Referida tributação na fonte acabava por penalizar o profissional, que não poderia diminuir a base tributável com deduções próprias de sua situação familiar, não havendo direito a abatimentos ou reduções da base de cálculo da tributação da renda.

Diante da peculiaridade do caso, o tribunal equiparou o Sr. Schumacker a um residente na Alemanha, para permitir que a tributação ali efetuada levasse em consideração os elementos negativos da renda, permitindo-se assim as deduções próprias da tributação na residência. Essas considerações podem ser visualizadas no trecho da decisão transcrito a seguir:

“O rendimento auferido no território de um Estado por um não residente constitui, muito frequentemente, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da residência. Por outro lado, a capacidade contributiva pessoal do não residente, resultante da tomada em consideração do conjunto dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode mais facilmente ser apreciada no local onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais. Tal lugar corresponde, geralmente, à residência habitual da pessoa em causa. Assim, o direito fiscal internacional, nomeadamente o modelo de convenção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matéria de dupla tributação, admite que compete, em princípio, ao Estado da residência tributar o contribuinte de maneira global, tomando em consideração os elementos inerentes à sua situação pessoal e familiar.

[...] A situação é, todavia, diferente em casos como o presente, em que o não residente não aufere rendimentos significativos no Estado de residência e obtém o essencial dos seus recursos tributáveis de uma atividade exercida no Estado de emprego, de modo que o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar.

Entre tal não residente e um residente que exerce atividades assalariadas comparáveis não existe qualquer diferença de situação objetiva susceptível de justificar diferenças de tratamento quanto à tomada em consideração, para efeitos de tributação, da sua situação pessoal e familiar.

[...] Na audiência, o Finanzamt referiu dificuldades de ordem administrativa que tornariam impossível ao Estado de emprego conhecer os rendimentos auferidos no Estado de residência pelos não residentes que trabalhem no seu território. Este argumento também não pode ser acolhido.” (Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, AC de 14.02.1995, processo C-279/93 – destacamos)

Pode-se perceber que a não discriminação prevista no art. 24 do Modelo de tratados contra bitributação da OCDE não protegeria o Sr. Schumacker, tendo em vista sua situação de não residente. Haveria no caso, para a OCDE, uma situação não similar que justificaria o tratamento diferenciado.

O tribunal precisou se valer do princípio da livre circulação de pessoas da Comunidade Europeia, bem como de uma interpretação baseada na substância sobre a forma30.

Ou seja, a concepção de não discriminação do direito comunitário foi utilizada em um caso de direito tributário internacional no qual a não discriminação prevista em um tratado contra bitributação foi considerada insuficiente para a solução da lide.

O princípio presente no direito comunitário europeu, por ser mais amplo e abrangente, foi considerado mais adequado para os julgadores nesse caso concreto.

Essa amplitude do princípio da não discriminação na Comunidade Europeia pode ser vislumbrada em propostas doutrinárias que, a nosso ver, seriam inimagináveis no pensamento jurídico brasileiro.

O inglês Philip Baker, por exemplo, levanta a questão sobre a possibilidade de se obrigar um país a celebrar tratados contra bitributação com disposições similares em relação a benefícios tributários com diversos Estados contratantes. O autor traz o questionamento a respeito de uma possível violação ao princípio da não discriminação (oriundo dos direitos humanos) com tratados contra bitributação que privilegiam os residentes de determinados países em detrimento de outros31.

A ideia levantada demonstra como a não discriminação desenvolvida em uma seara pode ter influências em outros terrenos, uma vez que caso se admita a proposta, estaríamos diante de uma cláusula da nação mais favorecida (desenvolvida no comércio internacional) aplicável aos tratados contra bitributação.

3.2. Caso Volvo

O presente caso diz respeito a julgamento que até a presente data aguarda resolução definitiva no STF. Trata-se de ação judicial na qual a Volvo Brasil e a Volvo Suécia, em litisconsórcio, questionaram a aplicação do art. 75 da Lei n. 8.383/1991, o qual determinava a incidência do imposto de renda na fonte sobre o lucro líquido apenas para os não residentes, isentando assim os residentes dessa tributação.

A Volvo Brasil e a Volvo Suécia argumentaram que o dispositivo em questão, ao conceder tratamento distinto entre residentes e não residentes, violava o art. 24 do Acordo Brasil-Suécia.

O TRF 4 considerou que não havia “violação ao princípio constitucional da isonomia tributária, pois inexiste relação de similitude entre o sócio, residente e domiciliado em território estrangeiro, súdito do Reino da Suécia e o sócio residente e domiciliado no Brasil.” (AC n. 97.04.26084-9, DJ 11.04.2001).

O STJ reformou o acórdão do TRF 4, consignando que o princípio da não discriminação tributária adotado na ordem interna deve ser adotado também na ordem internacional (REsp n. 426.945, j. 22.06.2004). O STJ entendeu que a residência não poderia ser critério válido para discriminação.

A questão será resolvida no STF pelo RE n. 460.320, que conta apenas com o voto do relator Gilmar Mendes, tendo este já pronunciado que “a decisão do STJ, aparentemente, confundiu indevidamente o critério da conexão nacionalidade com os critérios da conexão residência, uma vez que estendeu a todos os súditos suecos residentes no exterior benefícios fiscais apenas concedidos aos residentes no Brasil, independentemente de serem estrangeiros ou brasileiros”.

Pelo estudo anterior a respeito da não discriminação nos tratados tributários, não nos parece haver qualquer razão para que se mantenha a decisão do STJ. O critério utilizado pela legislação questionada é o da residência, e não o da nacionalidade. Constatando-se a residência diversa de duas pessoas, não há que se censurar a discriminação, diante de toda a lógica de aplicação dos tratados tributários, que diferenciam a todo o tempo os residentes e os não residentes para fins de tratamento tributário.

3.3. CIDE-royalties

Abordaremos agora a discussão quanto à eventual violação da regra da não discriminação do art. 24 dos tratados contra bitributação por uma contribuição de intervenção no domínio econômico, a CIDE-royalties. Em que pese haver questionamento quanto à sua própria legitimidade constitucional como contribuição de intervenção no domínio econômico32, nosso foco será sua análise em confronto com a não discriminação. Nos termos da Lei n. 10.168/2000, assim restou instituída a CIDE-royalties:

“Art. 2º Para fins de atendimento ao Programa de que trata o artigo anterior, fica instituída contribuição de intervenção no domínio econômico, devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.

[...] § 2º A partir de 1º de janeiro de 2002, a contribuição de que trata o caput deste artigo passa a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.

§ 3º A contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas no caput e no § 2º deste artigo. [...]”

Antes de prosseguir com a análise quanto à relação da contribuição com o princípio da não discriminação, cumpre estabelecer nossa premissa de que o contribuinte desse tributo é o remetente dos royalties, tendo em vista que ele faria parte de um grupo de sujeitos especialmente afetado com os recursos arrecadados33.

Desse modo, levaremos em questão que eventual violação ao princípio da não discriminação seria fundamentada no fato de o contribuinte brasileiro, remetente dos royalties, celebrar contrato com residente no exterior.

Há quem sustente que a contribuição em questão viola o princípio (ou regra) da não discriminação trazido no art. 24 do Modelo da OCDE, chegando a argumentar que a contribuição em questão seria ilegítima mesmo diante de regra expressa em tratado vedando a não discriminação:

“É sabido que a discriminação não está ligada apenas à raça, cor ou religião. São muitas as formas de discriminar. Acreditamos que a hipótese acima representa uma incontestável discriminação ao produto ou serviço estrangeiro, não por pretender afastá-lo ou impedi-lo de ingressar no país, mas por torná-lo menos competitivo economicamente, por ser mais oneroso. [...] O fato jurídico, alcançado pelo Direito, suficiente para exigir a cobrança do tributo, é o envio de royalties para exterior. Nos parece que já seria inquestionável a discriminação, ainda que não existissem os tratados.”34

Com todo o respeito, a argumentação acima não nos parece convincente. O autor não aborda a necessária superação do critério da residência como fator legítimo de discriminação. O autor dá a entender que o fato de a residência de um dos contratantes ser no Brasil ou no exterior é irrelevante para a diferenciação de tratamento tributário.

Todavia, como já visto à exaustão, são várias as razões para a discriminação em função da residência. Enquanto o residente é tributado, geralmente, pela universalidade de suas rendas, a tributação da renda do não residente geralmente desconsidera suas despesas, incidindo sobre o rendimento bruto.

Além disso, as cargas tributárias dos países são distintas, o que já indica a legitimidade da discriminação, tendo em vista a ausência de uniformidade na tributação dos fatos econômicos pelos Estados. Ora, não nos parece defensável sustentar que um residente no Brasil está, sob o ponto de vista da tributação, em situação similar a um residente da Noruega, ou a um residente do Panamá.

O raciocínio mais coerente nos parece ser o de que os Estados possuem soberania tributária para definir os limites e o modo da sua tributação, não havendo uma obrigação de criação ou imposição de tributos em desacordo com sua própria política tributária local35.

O professor João Dácio Rolim, ao confrontar a CIDE-royalties com o art. 24, § 1º dos tratados contra bitributação brasileiros chega a conclusão que nos parece mais técnica:

“Primeiro a discriminação da incidência da CIDE não envolve nacionalidade ou controle, pois não importa se a empresa sediada no Brasil é controlada ou não por residente no exterior, tendo sido eleita como hipótese de incidência da contribuição social qualquer pagamento de royalties ao exterior e como contribuinte a empresa no Brasil. Segundo, o nacional do outro país contratante deve se encontrar ‘na mesma situação’ dos nacionais do país onde ocorre a discriminação, o que exige que as situações comparáveis sejam as mesmas ou ao menos fundamentalmente similares. Novamente, a situação do contribuinte sujeito a CIDE (empresa no Brasil que remete royalties ao exterior) não seria comparável com a empresa no Brasil que não remete royalties ao exterior. A discriminação ocorre em função da residência do recipiente (ser ou não do exterior), admitindo-se que a contribuição da CIDE indiretamente onere a sua contratação em comparação com a contratação de empresas sediadas no Brasil (todas as empresas no Brasil que façam remessas ao exterior estão sujeitas a contribuição), a diferenciação de tratamento em função da residência do receptor dos royalties (se no Brasil, não incidência; se no exterior, com incidência da CIDE) poderia ser feita adotando-se como elemento de diferenciação o critério da residência.”36

Acreditamos desse modo que a legislação instituidora da CIDE-royalties não viola o art. 24, § 1º, da Convenção Modelo da OCDE (reproduzido nas convenções fiscais brasileiras), pois a diferenciação de tratamento tributário ocorre em função da residência do recipiente das remessas (ser ou não no exterior), e não em função da nacionalidade.

Ainda, o art. 2º da Lei n. 10.168/2000 tampouco viola o art. 24, § 4º, da Convenção Modelo da OCDE, uma vez que o tributo em questão não é uma restrição à dedução de royalties pagos por empresa residente no Brasil a residente de outro Estado Contratante37.

4. Conclusões

Com o presente trabalho, buscou-se empreender uma análise do princípio da não discriminação no direito tributário internacional.

Um comentário inicial teve de ser feito a respeito da não discriminação no direito internacional público.

Pela análise sequencial da não discriminação desde sua presença em instrumentos internacionais de direitos humanos, passando pela sua irradiação no comércio internacional e chegando ao direito tributário internacional, percebe-se que a amplitude do princípio vai diminuindo de escopo e amplitude, sendo defensável o entendimento de que sequer haveria que se falar em princípio quando se chega ao direito tributário internacional, mas sim em regra (com a ressalva de que mesmo as regras possuem uma carga axiológica).

Desse modo, a não discriminação assume caráter mais concreto e específico à medida que se avança na ordem disposta em nosso trabalho.

Também acreditamos que o estudo realizado acima permite a constatação de que a não discriminação desenvolvida e aplicada em um campo pode influenciar a aplicação do princípio em outra seara, como se viu no caso Schumacker.

Como o direito possui a pretensão de acompanhar a sociedade, acredita-se que o princípio da não discriminação no direito tributário internacional sofrerá mudanças significativas nas próximas décadas.

O cenário de inovações tecnológicas cada vez mais velozes, as mudanças de paradigmas na economia e a preocupação em um patamar inédito com a perda de receitas tributárias exposta pelo BEPS justificam que o princípio da não discriminação seja objeto de uma nova análise.

E nessa tarefa, julgamos necessário que o protagonismo dos países desenvolvidos, tanto no que diz respeito às propostas no comércio internacional quanto no direito tributário internacional, dê lugar a um ambiente compartilhado em que se leve em conta os interesses também dos países em desenvolvimento, igualmente merecedores de proteção contra a discriminação.

Referências

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1 “Art. II 1 – Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2 – Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. [...] Art. VII Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.” Esse artigo 7 da Declaração Universal possui efeitos na seara tributária: “This article reflects one of the main fundamental legal principles, to wit equality and can be found in similar words also in other laws. As Gribnau points out these fundamental legal principles, reflecting legal values, function as a check on legislative power protecting citizens against interferences with their liberty. This principles restrict the legislative power to tax, by providing courts the possibility to protect amongst others taxpayers. Not only should the law not discriminate, legal equality also implies a well functioning tax administration that treats all taxpayers equal and is not corrupt.” (BURGERS; e VALDERRAMA, 2017, p. 771)

2 “Art. 2º A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.”

3 “O princípio da não discriminação não se confunde com o princípio da isonomia porque: (i) proíbe a adoção da nacionalidade como critério discriminante e; (ii) permite seja dado tratamento privilegiado dos nacionais do outro Estado contratante.” (OKUMA, 2003, p. 285 – destacamos)

4 “Nationals of a Contracting State shall not be subjected in the other Contracting State to any taxation or any requirement connected therewith, wich is other or more burdensome than the taxation and connected requirements to wich nationals of that other State in the same circumstances, in particular with respect to residence, are or may be subjected. This provision shall, notwithstanding the provisions of Article I, also apply to persons who are not residents of one or both the Contracting States.”

5 “As normas de não discriminação atualmente veiculadas em acordos de bitributação não lidam com o objeto primordial de tais acordos, mas refletem as opções políticas dos Estados-contratantes em criar, como países da fonte, um ambiente fiscal isonômico para os residentes do outro país. A partir desta perspectiva, as normas de não discriminação servem ao objetivo mais amplo dos acordos de bitributação, i.e., a promoção da livre movimentação de pessoas, negócios e capitais.” (RAAD, 2005, p. 58)

6 “A nacionalidade brasileira das pessoas jurídicas depende da obediência a dois requisitos: 1) estarem organizadas conforme a lei brasileira e; 2) terem sua sede no país, tal como dispõe atualmente o artigo 1.126 do Código Civil [...] Portanto, em relação à nacionalidade, o ordenamento jurídico brasileiro classifica as sociedades: 1) sociedades estrangeiras – constituídas de acordo com leis estrangeiras com sede e administração no exterior; 2) sociedades brasileiras – aquelas constituídas de acordo com leis brasileiras, com capital e controle brasileiros e; 3) subsidiárias de sociedades estrangeiras – multinacionais constituídas sob a forma requerida na legislação brasileira, com capital e controle estrangeiros. Os tratados internacionais segundo o modelo recomendado pela OCDE qualificam como nacionais todas as pessoas jurídicas constituídas conforme a legislação em vigor nos Estados contratantes. Assim, remete os aplicadores do direito ao ordenamento jurídico interno e aos critérios nele adotados.” (OKUMA, 2003, p. 274-275)

7 “The expression ‘in particular with respect to residence’ makes clear that the residence of the taxpayer is one of the factors that are relevant in determining whether taxpayers are placed in similar circumstances. The expression ‘in the same circumstances’ would be sufficient by itself to establish that a taxpayer who is a resident of a Contracting State and one who is not a resident of that State are not in the same circumstances. In fact, whilst the expression ‘in particular with respect to residence’ did not appear in the 1963 Draft Convention or in the 1977 Model Convention, the member countries have consistently held, in applying and interpreting the expression ‘in the same circumstances’, that the residence of the taxpayer must be taken into account.” (Comentários da OCDE, p. 333-334)

8sendo a capacidade contributiva, em seu aspecto subjetivo, a medida da igualdade em seus contornos tributários, verifica-se, desde logo, a impossibilidade de equiparação entre pessoas jurídicas residentes e não residentes. Isto porque, como se sabe, a tributação de rendimentos de residentes no País observa o princípio da tributação em bases universais (worldwide income taxation), ao passo que a tributação das pessoas jurídicas não residentes é sempre feita de acordo com determinado genuine link eleito pela legislação que associe o rendimento obtido com o território da fonte. Isso significa dizer, em outros termos, que a legislação, no que toca aos não residentes, considera apenas tributável parte de seus rendimentos, ignorando, igualmente, as suas despesas, que deverão ser consideradas no país de sua residência. Fica nítido observar a distinção supra, quando se analisa alguns aspectos relativos à harmful tax competition.” (MONTEIRO, 2010, p. 373-374 – destacamos)

9 “[…] o § 1º do art. 24 aplica-se indistintamente a todos os nacionais dos dois Estados contratantes, independentemente do país de sua residência, que poderá ser um terceiro Estado. Dessa forma, os nacionais que não sejam residentes de quaisquer dos Estados contratantes também estão autorizados a invocar a proteção assegurada pela cláusula de não discriminação [...]” (SANTOS, 2017, p. 240).

10 “Subject to the foregoing observation, the words ‘... shall not be subjected ... to any taxation or any requirement connected therewith which is other or more burdensome...’ mean that when a tax is imposed on nationals and foreigners in the same circumstances, it must be in the same form as regards both the basis of charge and the method of assessment, its rate must be the same and, finally, the formalities connected with the taxation (returns, payment, prescribed times, etc.) must not be more onerous for foreigners than for nationals.” (Comentários da OCDE, p. 293)

11 “Stateless persons who are residents of a Contracting State shall not be subjected in either Contracting State to any taxation or any requirement connected therewith, wich is other or more burdensome than the taxation and connected requirements to wich nationals of the State concerned in the same circumstances, in particular with respect to residence, are or may be subjected.”

12 “Finally, it should be understood that the definition of the term ‘stateless person’ to be used for the purposes of such a clause can only be that laid down in paragraph 1 of Article 1 of the Convention of 28 September 1954, which defines a stateless person as ‘a person who is not considered as a national by any State under the operation of its law’.” (Comentários da OCDE, p. 297)

13 “The taxation on a permanent establishment wich an enterprise of a Contracting State has in the other Contracting State shall not be less favourably levied in that other State than the taxation levied on enterprises of that other State carryng on the same activities. This provision shall not be construed as obliging a Contracting State to grant to residents of the other Contracting State any personal allowances, reliefs and reductions for taxation purposes on account of civil status or family responsabilities wich it grants to its own residents.”

14It appears necessary first to make it clear that the wording of the first sentence of paragraph 3 must be interpreted in the sense that it does not constitute discrimination to tax non-resident persons differently, for practical reasons, from resident persons, as long as this does not result in more burdensome taxation for the former than for the latter. In the negative form in which the provision concerned has been framed, it is the result alone which counts, it being permissible to adapt the mode of taxation to the particular circumstances in which the taxation is levied. For example, paragraph 3 does not prevent the application of specific mechanisms that apply only for the purposes of determining the profits that are attributable to a permanent establishment. The paragraph must be read in the context of the Convention and, in particular, of paragraph 2 of Article 7 which provides that the profits attributable to the permanent establishment are those that a separate and independent enterprise engaged in the same or similar activities under the same or similar conditions would have been expected to make. Clearly, rules or administrative practices that seek to determine the profits that are attributable to a permanent establishment on the basis required by paragraph 2 of Article 7 cannot be considered to violate paragraph 3.” (Comentários da OCDE, p. 339 – destacamos)

16 “Strictly speaking, the type of discrimination which this paragraph is designed to end is discrimination based not on nationality but on the actual situs of an enterprise. It therefore affects without distinction, and irrespective of their nationality, all residents of a Contracting State who have a permanent establishment in the other Contracting State.” (Comentários da OCDE, p. 297)

17 MOREIRA JÚNIOR, 2003, p. 143.

18 “Except where the provisions of paragraph 1 of Article 9, paragraph 6 of Article 11, or paragraph 4 of Article 12, apply, interest, royalties and other disbursements paid by an enterprise of a Contracting State to a resident of the other Contracting State shall, for the purpose of determining the taxable profits of such enterprise, be deductible under the same conditions as if they had been paid to a resident of the first-mentioned State. Similarly, any debts of an enterprise of a Contracting State to a resident of the other Contracting State shall, for the purpose of determining the taxable capital of such enterprise, be deductible under the same conditions as if they had been contracted to a resident of the first-mentioned State.”

19 “O parágrafo 4º (a cláusula de ‘não dedutibilidade’) veda uma recusa ou restrição da dedutibilidade de determinados pagamentos que um contribuinte residente faça a uma pessoa não residente se estes pagamentos forem inteiramente dedutíveis quando destinados a uma pessoa residente. O devedor residente seria discriminado (nenhum direito a dedução, ou direito apenas a uma dedução limitada) como consequência da ausência de residência da pessoa recebedora do pagamento.” (RAAD, 2005, p. 54)

20 “Paragraph 4 does not prohibit the country of the borrower from applying its domestic rules on thin capitalisation insofar as these are compatible with paragraph 1 of Article 9 or paragraph 6 of Article 11. However, if such treatment results from rules which are not compatible with the said Articles and which only apply to non-resident creditors (to the exclusion of resident creditors), then such treatment is prohibited by paragraph 4.”

21 “a parte inicial do § 4º do art. 24 da Convenção Modelo exclui do âmbito de aplicação da cláusula de não discriminação as regras de subcapitalização que determinem a realização de ajustes fiscais compatíveis com o § 6º do art. 11 ou com o § 1º do art. 9º (‘salvo se for aplicável o disposto no parágrafo 1º do Artigo 9º, no parágrafo 6º do Artigo 11’). Isso significa que as regras domésticas de subcapitalização que alcancem apenas empresas associadas (art. 9º) ou partes com relações especiais (art. 11) poderão ser aplicadas sem qualquer incompatibilidade com a cláusula de não discriminação, desde que o ajuste realizado pela Administração Tributária, com base na lei doméstica, reflita o ‘padrão arm’s lenght’. [...] Em suma, tem-se que o art. 24, § 4º da Convenção Modelo da OCDE será aplicado quando: (i) as regras de subcapitalização controlarem exclusivamente os contratos de empréstimos contraídos com não residentes, restringindo o volume de endividamento e a possibilidade de dedução das despesas com juros; (ii) os ajustes fiscais realizados pelas regras de subcapitalização não estejam inseridos no âmbito do art. 9, § 1º, tampouco do art. 11, § 6º, que somente admitem ajustes fiscais compatíveis com o ‘padrão arm’s lenght’, em operações realizadas entre ‘empresas associadas’ ou entre credor e devedor que mantêm ‘relação especial’.” (SANTOS, 2017, p. 256)

22 Na mesma linha: SANTOS, 2017, p. 254.

23 LEONARDOS, 1997, p. 166-168.

24 “Enterprises of a Contracting State, the capital of wich is wholly or partly owned or controlled, directly or indirectly, by one or more residents of the other Contracting State, shall not be subjected in the first-mentioned State to any taxation or any requirement connected therewith wich is other or more burdensome than the taxation and connected requirements to wich other similar enterprises of the first mentioned State are or may be subjected.”

25 § 76 dos Comentários ao art. 24 da Convenção Modelo da OCDE: “This paragraph forbids a Contracting State to give less favourable treatment to an enterprise, the capital of which is owned or controlled, wholly or partly, directly or indirectly, by one or more residents of the other Contracting State. This provision, and the discrimination wich it puts an end to, relates to the taxation only of enterprises and not of the persons owning or controlling their capital. Its object therefore is to ensure equal treatment for taxpayers residing in the same State, and not to subject foreign capital, in the hands of the partners or shareholders, to identical treatment to that applied to domestic capital.” (OECD, 2010, p. 350)

26 SILVEIRA, 2003, p. 386-388.

27 “The provisions of this article shall, notwithstanding the provisions of Article 2, apply to taxes of every kind and description.”

28 “Na prática, a cláusula de não discriminação também pode ser aplicada para contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento (‘payroll tax’), tributos incidentes sobre as entradas de capital (‘capital duty’), tributos sobre bens imóveis (‘property tax’), entre outros.” (SANTOS, 2017, p. 265)

29 “No direito internacional apenas a República Federativa do Brasil tem competência para firmar tratados (art. 52, § 2º da Constituição da República), dela não dispondo a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, veda pelo art. 151, inc. III, da Constituição.” (RE n. 229.096, DJe 11.04.2008)

30 DOURADO, 2002, p. 107.

31 “Suppose that state A enters into Double taxation conventions with states B and C. Residentes of state B are given a greater benefit under the convention than residents of state C – a lower withholding tax on dividends, for example. A resident on state C can show that he is in an objectively identical position to an equivalent resident of state B (save only for his place of residence), yet he is subject to a difference in tax treatment. Usually, the difference in treatment could be justified by pointing to the different course of the negotiations with state B and C, and the different priorities for the states arising from their different tax and economic systems. The difference is inherent in a system based on bilateral conventions. However, this is only a partial explanation for someone who is aggrieved by the failure to treat him in a fashion equivalent to his neighbour. This leaves the interesting question whether human rights instruments (or, more likely, constitutional guarantees) impose on a state the obligation to try to achieve a degree of commonality between the bilateral conventions it negotiates with other states.” (BAKER, 2017, p. 64-65 – destacamos)

32 “cremos que a exação criada pela Lei nº 10.168/00 padece de vício de inconstitucionalidade já naquela que seria a sua ‘norma de competência’, isto é, a finalidade invocada para a sua criação não encontra amparo na Constituição da República. Com efeito, consoante já referimos no capítulo correspondente à ‘intervenção no domínio econômico’, esta só é possível desde que seja destinada a preservar ou alcançar os objetivos gerais descritos no art. 3º ou os princípios particulares relacionados no art. 170. Assim, não é qualquer intervenção que autoriza a instituição de contribuição, mas apenas aquela interferência efetuada no ‘domínio econômico’. [...] reconhecemos que o setor em que se pretende intervir na contribuição analisada é outro que não o econômico, sendo que a autorização para a instituição de contribuição interventiva somente existe quanto a este último.” (HORVATH, 2009, p. 124-126)

33 No mesmo sentido: “No caso da CIDE sobre os royalties, não há qualquer tipo de dúvida sobre quem seja o contribuinte do tributo: é disposição literal do § 2º do artigo 2º da Lei nº 10.168 que a contribuição é devida pela pessoa jurídica que pagar, creditar, entregar, empregar ou remeter royalties, a qualquer título, a beneficiário residente ou domiciliado no exterior. O contribuinte da CIDE é, portanto, a pessoa jurídica brasileira que paga os royalties ao beneficiário no exterior. [...] Assim sendo, não há identidade de contribuintes no imposto de renda incidente na fonte sobre o pagamento de royalties ao exterior e na CIDE sobre os royalties. Enquanto no caso do imposto de renda na fonte o contribuinte do imposto é o beneficiário dos rendimentos no exterior, no caso da CIDE o contribuinte do tributo é a pessoa jurídica brasileira que efetua os pagamentos dos royalties.” (BIANCO, João Francisco. A CIDE sobre royalties e os tratados internacionais contra a dupla tributação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 261-262). Em sentido contrário: “o contribuinte da CIDE-royalties é, na verdade, o titular dos recebimentos a título de fornecimento de tecnologia, prestação de serviços técnicos e administrativos, cessão de licença de uso de marcas e exploração de patentes e as que pagarem royalties a qualquer título.” (ALVES; e OLIVEIRA, 2015, p. 78-124)

34 VENTURA, 2005, p. 715.

35 TEIXEIRA, 2009, p. 130.

36 ROLIM, 2014, p. 231-232. O mesmo autor identifica, contudo, uma incompatibilidade entre a cobrança da CIDE-royalties e o acordo TRIPS da OMC assinado pelo Brasil, acordo este que determina que seus membros concederão aos nacionais dos demais países-membros tratamento não menos favorável que o outorgado aos seus próprios nacionais com relação à regulação da propriedade intelectual. Observa o professor que “diferente da não discriminação das Convenções de Dupla Tributação, o princípio no GATT, GATS e TRIPS visa a afastar qualquer disguised restriction on trade e não somente aquelas situações específicas nos parágrafos do art. 24 do Modelo de Convenção.” (Op. cit., p 235) De fato, ao se compreender que a proteção do TRIPS é mais ampla, impedindo tratamento mais gravoso às relações que envolvam direitos de propriedade intelectual nas quais figurem partes estrangeiras, a conclusão do professor afigura-nos acertada.

37 Registre-se a posição de que a CIDE-royalties violaria indiretamente a regra dos tratados brasileiros que prevê o limite de 15% para o imposto de renda na fonte sobre remessas de royalties a residentes do outro Estado Contratante: “Trata-se da legislação (Leis 10.168/2000 e 10.336/2001) que criou a chamada ‘CIDE-royalties’, que posteriormente converteu-se na ‘CIDE-remessas’. Na verdade, o legislador ordinário criou essa mal apelidada ‘contribuição’ para eludir as regras dos tratados de bitributação firmados pelo Brasil que limitam a uma alíquota máxima de 15% a incidência do imposto de renda na fonte sobre royalties remetidos a um residente do outro país signatário do tratado. [...] Instituindo a cobrança da CIDE sobre tais remessas, o governo federal buscou garantir uma receita tributária mesmo que o Poder Judiciário, aplicando o art. 7º dos tratados de bitributação, venha a impedir a ilegal cobrança do imposto de renda na fonte sobre remessas relativas a serviços técnicos/administrativos prestados por um residente de país com o qual o Brasil mantém convenção contra a dupla tributação da renda.” (GODOI, 2007, p. 81/100)