A Instrução Normativa INPI n. 70/2017: Dedutibilidade e Remessa de Royalties para o Exterior em Face do Novo Posicionamento do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI

INPI Normative Ruling n. 70/2017: Deductibility and Royalties Remittances in View of INPI’s New Understanding

Romero Lobão Soares

Mestrando na linha de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado e Consultor Tributário no Rio de Janeiro/RJ. E-mail: romero.l.soares@gmail.com.

Marcelo Gustavo Silva Siqueira

Mestre na linha de Direito Internacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado e Consultor Tributário no Rio de Janeiro/RJ. E-mail: mgsiqueira2015@gmail.com.

Resumo

O presente artigo analisa a Instrução Normativa INPI n. 70/2017 e seus eventuais reflexos na legislação tributária e cambial, tendo em vista a modificação que tal norma trouxe ao procedimento de averbação/registro de contratos perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Verificou-se que, muito embora a referida instrução normativa tenha flexibilizado as regras procedimentais aplicáveis à averbação/registro de contratos, trazendo maior simplicidade e celeridade para a emissão dos Certificados de Averbação/Registro, as leis tributária e cambial que regem a matéria não foram ajustadas para refletir esta nova prática do INPI, de modo que as remessas de royalties para o exterior permanecem sujeitas aos limites de remessa e dedutibilidade fundamentados pela Portaria MF n. 436/1958.

Palavras-chave: royalties, INPI, transferência, tecnologia, dedutibilidade, remessas.

Abstract

The study aims to analyze INPI Normative Ruling n. 70/2017 and its impacts on the tax and exchange legislation, in view of the new outcome applicable to recordal/registration of agreements before the INPI. Although such rule provides a more favorable approach, in order to simplify the procedural rules applicable to the recordal/registration of agreements, tax and exchange rules did not follow the same rationale and royalties’ remittances abroad remain subject to the usual limitations.

Keywords: royalties, INPI, transfer of technology, deductibility, remittances.

I. Introdução

Em 1º de julho de 2017, entrou em vigor a Instrução Normativa INPI n. 70/2017 (“IN INPI n. 70/2017”), editada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”), regulamentando o procedimento administrativo de averbação de licenças e cessões de direitos de propriedade industrial e de registro de contratos de transferência de tecnologia e franquia.

Com isso, a atuação da autarquia ficou restrita ao simples registro ou averbação dos contratos, o que significa dizer que as avaliações relativas à legislação tributária assim como de controle cambial no país não mais serão levadas em consideração para fins de averbação1. Dessa forma, desde 1º de julho de 2017, particularidades relacionadas aos limites de remessa e dedutibilidade de pagamentos, prazo contratual, dentre outras questões eminentemente fiscais e cambiais deixaram de ser analisadas pelo INPI, de modo que o competente Certificado de Averbação passou a ser emitido com a ressalva de que o INPI “não examinou o contrato à luz da legislação fiscal, tributária e de remessa de capital para o exterior”, nos termos do que preceitua o art. 13, inciso XI, da IN INPI n. 70/2017.

A nova norma representa uma mudança de décadas na atuação do INPI no procedimento de averbação/registro de tais contratos que, historicamente, é marcada por sua excessiva intervenção nas relações jurídicas pactuadas entre particulares, ainda que não fossem partes relacionadas, com base em diferentes fundamentos (i.e., discricionariedade – até 1996, proteção da parte brasileira, prevenção de abusos, normas tributárias, normas cambiais). O INPI, vale notar, definia o valor da remuneração contratual e, consequentemente, os montantes passíveis de remessa para o exterior e dedutíveis para a empresa brasileira, fonte pagadora dos royalties e demais remunerações contratuais2.

Nos itens abaixo serão analisados os efeitos práticos da IN INPI n. 70/2017 sobre a averbação/registro de contratos e as normas de natureza tributária aplicáveis à dedutibilidade de despesas com royalties, know-how e determinados serviços técnicos (apenas quando relacionados à transferência de tecnologia, tais como treinamentos para a absorção da tecnologia por empregados da empresa brasileira), assim como as normas cambiais e normativos auxiliares exarados pelo Banco Central do Brasil (BACEN) relativamente à remessa de valores para o exterior. Contudo, antes de se avançar para tal análise, serão destacados os tipos de direitos e contratos envolvidos e o histórico da legislação tributária e cambial sobre o tema.

II. Da noção de direitos de propriedade intelectual e da transferência de tecnologia

Os direitos de propriedade intelectual (i.e., direitos autorais que protegem software, obras literárias e obras musicais) e de propriedade industrial (i.e., marcas e patentes) representam direitos intangíveis criados pela legislação de um país. Dessa forma, os referidos direitos são reconhecidos no âmbito territorial de um país e protegidos por um prazo determinado (no caso das marcas, passível de renovação).

O know-how, por sua vez, é normalmente tratado como um segredo industrial e, no Brasil, é protegido pela legislação de concorrência desleal. O know-how muitas vezes é um direito que poderia ser protegido como patente, mas diante da necessidade de publicidade do invento e do prazo determinado de proteção, as empresas optam pela sua manutenção como um segredo.

A patente e o know-how são considerados os mais relevantes para o desenvolvimento industrial e, consequentemente, econômico dos países. Atualmente esses direitos resultam da realização de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (“P&D”) que requerem vultosos investimentos em educação para a formação de pessoal e nos ativos necessários para as atividades de P&D.

Os países desenvolvidos sempre tiveram a maior parcela desses direitos e, nas últimas décadas, por terem a infraestrutura necessária para a realização de P&D, são os maiores investidores de tais atividades e, consequentemente, detentores da maior parcela de direitos de propriedade industrial, razão pela qual exigem dos demais países a existência de legislações mais protetivas para tais direitos3.

Os países em desenvolvimento, porém, não costumam ter um ambiente que fomente a P&D local no mesmo nível dos países desenvolvidos e, diante de o resultado desses investimentos ser a médio-longo prazo, dependem da tecnologia estrangeira para o desenvolvimento da indústria local. Nesse contexto, surgem os contratos de transferência de tecnologia entre empresas dos países desenvolvidos e em desenvolvimento4.

Os contratos de transferência de tecnologia são aqueles cujo principal objetivo é a obtenção definitiva ou mesmo o acesso temporário a conhecimentos tecnológicos e bens jurídicos imateriais protegidos pelo direito da propriedade industrial a serem explorados pelas empresas5.

No Brasil, costuma-se dizer que os contratos de transferência de tecnologia são somente aqueles passíveis de averbação perante o INPI6. Isto se dá em função da redação do art. 211 da Lei n. 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial – LPI), que estabelece que “o INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros”.

É importante esclarecer que o termo “tecnologia” possui significado bastante abrangente, sendo certo que os contratos capazes de proporcionar sua transferência entre particulares podem envolver qualquer tipo de acordo que tenha por escopo o ensinamento, o desenvolvimento e a exploração de conhecimentos, e não somente aqueles passíveis de averbação perante o INPI7.

Em que pese o conceito amplo de transferência de tecnologia, há um conjunto peculiar de normas tributárias, cambiais e de propriedade industrial que se aplicam a um número bastante restrito de contratos. Sob o ponto de vista do INPI, verifica-se que desde a edição do Ato Normativo n. 15, de 11 de setembro de 1975, a classificação dos contratos de transferência de tecnologia foi modificada, mas sendo sempre restrita a um grupo pequeno de contratos8.

Originalmente, o referido Ato Normativo n. 15 classificava os contratos de transferência de tecnologia em (a) Licença de Exploração de Patentes, (b) Licença de Uso de Marca, (iii) Contrato de Fornecimento de Tecnologia Industrial, (iv) Contrato de Cooperação Técnico-Industrial, e (v) Contrato de Serviço Técnico Especializado. Esta classificação foi modificada com o passar do tempo, culminando no Ato Normativo n. 135/1997, vigente antes da entrada em vigor da IN INPI n. 70/2017. Este Ato Normativo rezava, em seu item 2, que o INPI averbaria ou registraria os contratos que envolvessem a transferência de tecnologia. Vejamos:

“o INPI averbará ou registrará conforme o caso, os contratos que impliquem transferência de tecnologia, assim entendidos os de licença de direitos (exploração de patentes ou de uso de marcas) e os de aquisição de conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica e científica), e os contratos de franquia” (destacamos).

Juliana Viegas confirma que durante muitos anos, o INPI adotou esta classificação, aplicando o termo “transferência de tecnologia” de forma genérica, abrangendo o licenciamento de uso de marcas, o licenciamento de exploração de patentes, o fornecimento de tecnologia propriamente dito (know-how, tratado como assistência técnica pela legislação fiscal), os serviços de assistência técnica (tratado como serviço técnico pela legislação fiscal) e os contratos de franquia9.

Atualmente, o art. 2º da IN INPI n. 70/2017 elenca os contratos que serão averbados perante o INPI, segregando-os em 4 (quatro) grupos distintos, quais sejam:

I – Licença de direito de propriedade industrial:

a) o contrato de licença e de sublicença para exploração de patente concedida ou de pedido de patente, conforme disposto nos arts. 61 a 63 da Lei n. 9.279, de 1996;

b) o contrato de licença e de sublicença para exploração de registro de desenho industrial ou de pedido de desenho industrial, conforme disposto no art. 121 da Lei n. 9.279, de 1996; e,

c) o contrato de licença e de sublicença para uso de registro de marca ou de pedido de marca, conforme disposto nos arts. 139 a 141 da Lei n. 9.279, de 1996.

II – Cessão de direito de propriedade industrial:

a) o contrato de cessão de patente concedida ou de pedido de patente, conforme disposto nos arts. 58 a 60 da Lei n. 9.279, de 1996;

b) o contrato de cessão de registro de desenho industrial ou de pedido de desenho industrial, conforme disposto no art. 121 da Lei n. 9.279, de 1996; e,

c) o contrato de cessão de registro de marca ou de pedido de marca, conforme disposto nos arts. 134 a 138 da Lei n. 9.279, de 1996.

III – Transferência de tecnologia:

a) o contrato de fornecimento de tecnologia (know-how) que compreende a aquisição de conhecimentos e de técnicas não amparados por direitos de propriedade industrial ou o fornecimento de informações tecnológicas, destinados à produção de bens e serviços; e,

b) o contrato ou fatura de prestação de serviços de assistência técnica e científica que estipula as condições de obtenção de técnicas, métodos de planejamento e programação, pesquisas, estudos e projetos destinados à execução ou prestação de serviços especializados.

IV o contrato de Franquia empresarial regido pela Lei n. 8.955, de 15 de dezembro de 1994.

Como se observa, a IN INPI n. 70/2017 passou a segregar os contratos de transferência de tecnologia na forma de (i) licenças e cessões de direitos de propriedade industrial, (ii) transferência de tecnologia propriamente dita, como o know-how – considerado como fornecimento de tecnologia não patenteável – e serviços de assistência técnica10, e (iii) franquia empresarial.

Sob a ótica tributária, a Lei n. 10.168/2000, que instituiu o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, assim como seu instrumento de financiamento, qual seja, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE-Royalties), confirmou a mesma nomenclatura adotada pelo INPI sob a égide do Ato Normativo n. 135/1997 ao tratar dos contratos de transferência de tecnologia, determinando, através do § 1º do art. 2º, que “consideram-se, para fins desta Lei, contratos de transferência de tecnologia os relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica”.

A legislação do Imposto de Renda11, por sua vez, tratou a transferência de tecnologia (leia-se know-how), de forma exemplificativa, inserindo em tal modalidade a assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes. A referida terminologia resulta no fato de que o know-how não é protegido como um direito de propriedade industrial, razão pela qual não é tornado público, mas mantido em segredo, o que levou a legislação fiscal a estabelecer que deve ser comprovada a sua efetiva disponibilização para a outra parte por meio de técnicos, desenhos, estudos, instruções enviadas ao país, estudos técnicos realizados no exterior por conta da empresa, entre outros12. Todavia, não se trata de um serviço, tendo em vista que a forma de disponibilização é atividade meio para o seu posterior uso.

Muito embora os dispositivos em questão façam referência a contratos que seriam capazes de ensejar transferência de tecnologia entre as partes, não se pode afirmar com segurança sobre a existência de uma tipificação do “contrato de transferência de tecnologia” uma vez que as características básicas e os requisitos de validade essenciais não se encontram especificados por um regramento legal específico.

Desta forma, na ausência de um conceito específico previsto pela legislação tributária, caberá ao intérprete buscar a integração da legislação tributária através das diretrizes estabelecidas pelo órgão técnico, no caso, o INPI que, por atribuição legal, é responsável por executar as normas que regulam a propriedade industrial no Brasil.

Para fins do presente trabalho, serão considerados como contratos de transferência de tecnologia aqueles historicamente classificados pelo INPI de tal forma, quais sejam: (i) licença de uso de marca, (ii) licença de exploração de patentes, (iii) fornecimento de tecnologia não patenteada ou know-how, (iv) serviços de assistência técnica, científica, administrativa e semelhantes, que não será analisada no presente estudo; e (v) franquia empresarial, sendo que os dois últimos não serão analisados no presente estudo.

III. Breve histórico da legislação tributária aplicável à transferência de tecnologia no Brasil

A legislação tributária aplicável à transferência de tecnologia no Brasil surgiu dentro do contexto de combate aos planejamentos tributários abusivos praticados por empresas estrangeiras através de contratos de licenciamento de marcas e patentes e de know-how celebrados entre controladora estrangeira e controlada brasileira.

Em apertada síntese, pode-se destacar que o debate sobre o tema tem origem na fiscalização e estudo realizados no final da década de 50, sob a liderança de Noé Winkler, no exercício do cargo de Diretor do Imposto de Renda, que questionou o parco resultado apresentado por algumas empresas brasileiras que remetiam para suas controladoras no exterior valores consideravelmente baixos a título de lucros, se comparados a outros tipos de remessas para o exterior.

Em alguns casos, percebeu-se que os royalties e remunerações de assistência técnica dedutíveis da base de cálculo do IRPJ se mostravam exageradamente maiores que os próprios lucros declarados por estas empresas e muitas vezes correspondiam a direitos que sequer existiam ou já tinham expirado13.

A ideia do planejamento implementado por contribuintes na época era deduzir integralmente tais despesas e manter os lucros apurados pela sociedade brasileira em proporção inferior a 30% do capital registrado, afastando a tributação do imposto de renda adicional sobre o lucro em relação ao capital14 e a posterior tributação dos dividendos ao exterior pelo IRRF15, ainda que a remessa dos royalties e remunerações de assistência técnica também fosse tributada pelo mesmo tributo.

Além da questão fiscal enfrentada, os países da América Latina passaram a limitar a remessa de dividendos ao exterior por meio de leis que regulavam o capital estrangeiro (como a Lei n. 4.131/1962 faria posteriormente), com os royalties, porém, não sofrendo tal limitação e sendo uma alternativa para a remessa de recursos ao exterior16.

Este cenário gerava uma grave distorção nos resultados das empresas brasileiras, o que criou a necessidade de se desenvolver uma norma antiabuso específica para combater tais arranjos. Um dos estudiosos de um modelo normativo para combater tal prática foi Rubens Gomes de Sousa, que propôs que a dedução dos royalties por marcas e patentes e das remunerações por know-how fosse graduada em função do grau de essencialidade do produto do ponto de vista de seu maior ou menor interesse para a economia nacional17 mas sem o limite de 5% na lei (possível viés extrafiscal da norma tributária ao buscar induzir o comportamento do contribuinte18 e de proteção da arrecadação, na medida em que buscava-se evitar o comportamento abusivo do contribuinte na estruturação de contratos envolvendo transferência de tecnologia, ambos, obviamente, sujeitos ao princípio da proporcionalidade).

O limite máximo de 5% da receita bruta foi proposto pelo Fisco com base no padrão de mercado de 4% entre partes não relacionadas na época, bem como em projeto de lei anterior sobre o tema19. Os debates da época resultaram no art. 74 da Lei n. 3.470/195820, que trouxe o controle necessário à dedutibilidade de tais encargos no Brasil para a época ao exigir o registro de contratos no antecessor do INPI e a comprovação da transferência de tecnologia por meio de know-how (segredo industrial), moralizando na época as transações envolvendo a transferência de tecnologia no país.

No uso da competência atribuída pelo § 1º do art. 74 da Lei n. 3.470/1958 ao Ministro da Fazenda, foi baixada a Portaria MF n. 436/1958, que ainda veda sem fundamento legal a cumulação de royalties de marcas com royalties com outros direitos21, estabelecendo percentuais máximos de dedutibilidade relativamente a royalties de marcas e patentes, assim como de despesas com assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, considerados os tipos de produção ou atividade, segundo o grau de essencialidade, variando entre 1% a 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido22. Cabe destacar que a essencialidade nunca foi atualizada com base nas políticas substitutas do Brasil sobre indústria, comércio exterior e inovação, o que também contribui para a sua ilegalidade23.

Posteriormente, diante do momento econômico delicado e com déficit no balanço de pagamentos, novas regras tributárias aplicáveis aos royalties foram inseridas pela Lei n. 4.131/1962, que disciplinou a aplicação do capital estrangeiro no Brasil e as remessas de valores para o exterior, limitando a dedutibilidade (no caso de know-how, a no máximo 10 anos), bem como exigindo o registro na extinta Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), órgão que precedeu ao Banco Central do Brasil, instituído pela Lei n. 4.595/1964, alterada pelo Decreto-lei n. 278/1967.

A referida legislação, com viés cambial e intervencionista24, acabou proibindo as remessas de royalties para o exterior pelo uso de patentes ou marcas entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz no exterior, ou quando a maioria do capital da empresa brasileira pertencesse aos titulares do recebimento dos royalties.

Posteriormente, os arts. 52 e 71 da Lei n. 4.506/1964 estabeleceram, respectivamente, a indedutibilidade de despesas com assistência técnica, científica, administrativa e semelhantes (know-how) e com royalties por marcas e patentes.

Adicionalmente, a Lei n. 4.506/196425 definiu que os royalties, quando pagos para sócios ou dirigentes de empresa, e a seus parentes ou dependentes, seriam totalmente indedutíveis. Esta restrição, totalmente inconstitucional diante do requisito constitucional da dedutibilidade das despesas necessárias para determinar o lucro tributável26, tem implicado questionamentos nos dias atuais em casos envolvendo o pagamento de royalties entre empresas relacionadas, quando o dispositivo claramente se limita a pessoas físicas e ao IRPJ27, diante da interpretação equivocada por parte das autoridades fiscais a respeito da norma28-29.

É importante destacar que os percentuais de dedutibilidade ainda vigentes não refletem a prática de mercado mais recente na remuneração de diversas tecnologias licenciadas, que podem, inclusive, sofrer grandes variações conforme o seu segmento, como é o caso, por exemplo, das indústrias farmacêuticas e de TI (Tecnologia da Informação), que podem praticar royalties entre 15% e 20%30, situação que fortalece ainda mais os argumentos a favor da sua inconstitucionalidade31.

Dessa forma, atualmente a dedutibilidade de royalties do IRPJ/CSLL, quando pagos para empresa controladora no exterior, segue as seguintes condições legais:

i) Royalties decorrentes de contratos de Licença de Uso de Marca:

– Limitado em 1% da Receita Líquida de Vendas do produto fabricado ou vendido (art. 74 da Lei n. 3.470/1958; art. 12 da Lei n. 4.131/1962; art. 71, parágrafo único, alínea “g”, item 2; alínea “a” item II da Portaria MF n. 436/1958);

– Averbação do Contrato de Licença perante o INPI (§ 3º, art. 74, da Lei n. 3.470/1958; § 2º, art. 12, da Lei n. 4.131/1962; art. 71, parágrafo único, alínea “g”, item 1; art. 50 da Lei n. 8.383/1991);

– Registro do Contrato perante o Banco Central do Brasil (art. 71, parágrafo único, alínea “g”, item 1; art. 50 da Lei n. 8.383/1991);

ii) Royalties decorrentes de contratos de Licença de Exploração de Patentes:

– Limitado de 1 a 5% da Receita Líquida de Vendas do produto fabricado ou vendido, considerados os tipos de produção ou atividade segundo o grau de essencialidade (art. 74 da Lei n. 3.470/1958; art. 12 da Lei 4.131/1962; art. 71, parágrafo único, alínea “f”, item 2; alínea “a”, item I, da Portaria MF n. 436/1958);

– Averbação do Contrato de Licença perante o INPI (§ 3º, art. 74, da Lei n. 3.470/1958; § 2º, art. 12, da Lei n. 4.131/1962; art. 71, parágrafo único, alínea “f”, item 1, da Lei n. 4.506/1964; art. 50 da Lei n. 8.383/1991);

– Registro do Contrato perante o Banco Central do Brasil (art. 71, parágrafo único, alínea “g”, item 1; art. 50 da Lei n. 8.383/1991);

iii) Remuneração decorrente da prestação de serviços de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes relacionados aos contratos de transferência de tecnologia32:

– Limitado de 1 a 5% da Receita Líquida de Vendas do produto fabricado ou vendido, considerados os tipos de produção ou atividade segundo o grau de essencialidade (art. 74 da Lei n. 3.470/1958; art. 12 da Lei n. 4.131/1962; art. 52, alínea “a”; alínea “a”, item I, da Portaria MF n. 436/1958);

– Limitado aos 5 (cinco) primeiros anos do funcionamento da empresa ou da introdução de processo especial de produção, quando demonstrada sua necessidade, podendo este prazo ser prorrogado até mais cinco anos (§ 3º do art. 12 da Lei n. 4.131/1962);

– Averbação do Contrato de Licença perante o INPI (§ 3º, art. 74, da Lei n. 3.470/1958; § 2º, art. 12, da Lei n. 4.131/1962; art. 50 da Lei n. 8.383/1991);

– Registro do Contrato perante o Banco Central do Brasil (art. 52, alínea “a”; art. 50 da Lei n. 8.383/1991);

iv) Remuneração decorrente de contratos de fornecimento de tecnologia não patenteada ou know-how:

– Limitado de 1 a 5% da Receita Líquida de Vendas do produto fabricado ou vendido, considerados os tipos de produção ou atividade segundo o grau de essencialidade (art. 71, parágrafo único, alínea “f”, item 2, da Lei n. 4.506/1964; alínea “a”, item I, da Portaria MF n. 436/1958);

– Averbação do Contrato de Licença perante o INPI (art. 71, parágrafo único, alínea “f”, item 1, da Lei n. 4.506/1964);

– Registro do Contrato perante o Banco Central do Brasil (art. 52, parágrafo único, alínea “g”, item 1.

Vale notar que tais regras, muito embora tenham natureza tributária e regulem exclusivamente a dedutibilidade de despesas, costumavam ser utilizadas pelo INPI como fundamento para entendimentos que sequer estão positivados em nossa legislação33. O órgão recebe duras críticas por, muitas vezes, impor interpretação arbitrária de tais dispositivos e criar, no âmbito administrativo, um entendimento próprio a ser seguidos por particulares34, sem sequer positivar estes entendimentos em sua legislação. A nova norma do INPI, contudo, parece representar o início da modificação desse cenário.

IV. Impactos fiscais e cambiais decorrentes da IN INPI n. 70/2017

Como já mencionado, de acordo com a IN INPI n. 70/2017, o INPI não mais apreciará algumas particularidades relacionadas aos contratos de transferência de tecnologia, principalmente a legislação fiscal e cambial, para fins de emissão do competente Certificado de Averbação, nos termos da Resolução INPI n. 199/2017, norma que dispões sobre as diretrizes de exame para averbação ou registro de contratos de transferência de tecnologia.

Nesse sentido, questiona-se se (i) as regras de dedutibilidade permanecem inalteradas e (ii) se as vedações ao pagamento de royalties e remunerações decorrentes de contratos de transferência de tecnologia teriam sido afastadas, garantindo ao contribuinte a possibilidade de efetuar pagamentos para o exterior em montantes superiores aos limites de dedutibilidade.

Duas interpretações possíveis podem ser extraídas da leitura combinada do art. 14 da Lei n. 4.131/1962 com o art. 50 da Lei n. 8.383/1991. Destaque-se o que dispõem os referidos dispositivos:

Lei n. 4.131/1962

“Art. 14. Não serão permitidas remessas para pagamentos de ‘royalties’, pelo uso de patentes de invenção e de marcas de indústria ou de comércio, entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior ou quando a maioria do capital da empresa no Brasil, pertença ao aos titulares do recebimento dos ‘royalties’ no estrangeiro.

Parágrafo único. Nos casos de que trata este artigo não é permitida a dedução prevista no art. 12 (doze).”

Lei n. 8.383/1991

“Art. 50. As despesas referidas na alínea b do parágrafo único do art. 52 e no item 2 da alínea e do parágrafo único do art. 71, da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, decorrentes de contratos que, posteriormente a 31 de dezembro de 1991, venham a ser assinados, averbados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e registrados no Banco Central do Brasil, passam a ser dedutíveis para fins de apuração do lucro real, observados os limites e condições estabelecidos pela legislação em vigor.

Parágrafo único. A vedação contida no art. 14 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, não se aplica às despesas dedutíveis na forma deste artigo.”

A primeira interpretação possível dos dispositivos, que, inclusive, é historicamente utilizada pelo INPI para limitar as remessas para o exterior aos percentuais previstos pela Portaria MF n. 436/1958, leva em consideração o fato de que, originalmente, o art. 14 da Lei n. 4.131/1962 possuía dois tipos de vedação, tratando-se de pagamento de royalties de marcas e patentes para o exterior, quais sejam:

i) Proibição do pagamento em si: o art. 14 da Lei n. 4.131/1962 promoveu a vedação à remessa de pagamentos de royalties de marcas e patentes entre (a) filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior; ou (b) quando a maioria do capital da empresa no Brasil pertença ao(s) beneficiário(s) titular(es) do recebimento dos royalties no estrangeiro.

ii) Proibição da dedutibilidade dos pagamentos: considerando-se a vedação de se realizar o próprio pagamento para o exterior, o parágrafo único do art. 14 da referida lei também vedou a dedutibilidade das despesas anteriormente permitidas no art. 12 da mesma lei. Esta proibição, vale dizer, somente alcança os royalties de marcas e patentes.

Vale notar que desde a criação do INPI em 1970, em nenhum momento houve norma cambial que limitasse os valores passíveis de remessa com lastro nos valores dedutíveis para fins do IRPJ.

Com a edição da Lei n. 8.383/1991, permitiu-se a dedutibilidade das despesas com royalties de marcas e patentes, além das despesas com pagamentos por know-how para a empresa controladora no exterior, que também era vedada nos termos da alínea “b” do parágrafo único do art. 52 da Lei n. 4.506/1964, observados os limites e condições de dedutibilidade previstos pela legislação.

Em outras palavras, isso quer dizer que a dedutibilidade destas despesas passou a ser permitida mediante (i) a averbação dos respectivos contratos perante o INPI; (ii) seu registro perante o Banco Central do Brasil; e (iii) a possível exigência de observância dos limites de dedutibilidade.

Além de permitir a dedutibilidade, o parágrafo único do art. 50 removeu a proibição de remeter tais pagamentos, originalmente contida no art. 14 da Lei n. 4.131/1962, ao mencionar que a vedação à remessa “não se aplica às despesas dedutíveis na forma deste artigo”. Todavia, resta avaliar se a remessa é permitida somente até o limite do montante a ser deduzido pela empresa brasileira (limite de 1 a 5% da receita líquida de venda, nos termos do que preceitua a Portaria MF n. 436/1958) ou se inexiste um limite quantitativo nesse sentido.

Os dois entendimentos possuem fundamentos distintos. O primeiro leva em consideração o princípio da legalidade e busca extrair o sentido da norma a partir da interpretação literal do dispositivo, sem observar qualquer elemento adicional eventualmente necessário para justificar o comando extraído da norma.

Assim, o parágrafo único do art. 50 estaria permitindo que os pagamentos fossem realizados para o exterior somente até o limite do montante a ser deduzido pela empresa brasileira. Ou seja, a vedação de remeter tais pagamentos somente seria afastada até o limite das despesas dedutíveis na forma do próprio art. 50, que leva em consideração justamente o limite de 1 a 5% da receita líquida de venda, nos termos do que preceitua a Portaria MF n. 436/1958, assim como as condições relacionadas à averbação do contrato no INPI e seu registro perante o BACEN. Com isso, remessas superiores ao limite de dedutibilidade estariam proibidas, mesmo diante da flexibilização promovida pela IN INPI n. 70/2017.

Já o segundo posicionamento escora-se no fundamento econômico que se pode extrair das normas aplicáveis à dedutibilidade de royalties, valendo-se de uma interpretação valorativa, levando-se em consideração o fundamento de criação do dispositivo, as atuais normas de proteção da arrecadação, a sua desvinculação das normas cambiais, assim como o contexto atual da política industrial brasileira, que evidentemente já não mais reflete os ideais das décadas de 50 e 6035.

Vale esclarecer que o processo de interpretação da norma jurídica deve levar em consideração o pluralismo metodológico, tendo em vista a impossibilidade de qualquer um dos elementos da interpretação jurídica reger, isoladamente, o processo interpretativo. Nesse sentido, valiosas são as lições de Carlos Alexandre A. Campos:

“A inviabilidade de qualquer dos elementos da interpretação governar, sozinho, o processo de aplicação do direito tem por consequência lógica a recusa da preponderância apriorística dos mesmos. Deve prevalecer a noção de ‘pluralismo metodológico’: a inter-relação entre os critérios de interpretação, cabendo pesos distintos a cada um a depender do caso concreto, mas devendo o intérprete sempre buscar que estes se apoiem reciprocamente. Karl Larenz, recusando a preponderância a priori de um elemento sobre os demais, defendeu a inter-relação entre esses de forma a permitir que casos sejam resolvidos ‘de modo metodologicamente adequado’.”36

Dentro deste contexto, sabe-se que as regras de dedutibilidade até hoje vigentes foram criadas sob um propósito antiabuso, na medida em que as empresas brasileiras, em meados da década de 50, remetiam ao exterior royalties por licença de marcas e patentes em valores extremamente superiores aos próprios lucros destinados aos controladores e, muitas vezes, remuneravam direitos de propriedade industrial que sequer existiam (patentes expiradas, marcas não protegidas, know-how não disponibilizado etc.). Cabe destacar, por exemplo, que o direito autoral não foi utilizado no planejamento abusivo da época, o software estava em seu estágio inicial e ainda não era explorado como hoje, assim como o modelo de negócios adotado através do contrato de franquia empresarial ainda não era disseminado.

O controle da dedutibilidade visava, portanto, evitar que as empresas brasileiras reduzissem sua base tributável do IRPJ a partir do excesso de despesas dedutíveis, além de evitar remessas indevidas ao exterior. Tal legislação, mediante um limite quantitativo razoável (apenas para a época, diga-se) e o requisito de registro dos contratos, colocou um ponto final nas manobras praticadas pelos contribuintes que, através de contratos internacionais de licenciamento, executavam planejamentos abusivos no contexto tributário da época. Havia, portanto, uma justificativa totalmente válida para proteger o interesse nacional dos efeitos nefastos causados no âmbito do pagamento de royalties por licença de marcas e patentes e remunerações por know-how.

Todavia, a norma também possui aparente caráter extrafiscal ligado, na época, ao desenvolvimento industrial nacional, como foi com a vedação de remessa e dedutibilidade entre controlada/controladora, com a remuneração máxima estando claramente dissociada de qualquer padrão de mercado e da necessidade da empresa brasileira37.

Além disso, desde então, muitos aspectos da legislação fiscal foram modificados, assim como a própria política industrial, que era marcada pela constante intervenção econômica e pela política de substituição das importações. Nesse contexto, pode-se destacar a isenção de dividendos concedida às pessoas físicas e jurídicas a partir de janeiro de 1996, em razão do disposto no art. 10 da Lei n. 9.249/1995, a legislação de preços de transferência desvinculada das normas cambiais, a flexibilização cambial, a falta de atualização da Portaria MF n. 436/1958 com as políticas seguintes e da adequação dos percentuais de dedutibilidade aos padrões de mercado, assim como a revisão da função do INPI e o fim da própria política industrial de substituição das importações38.

Estas particularidades teriam, portanto, deixado para trás os fundamentos que justificariam a proibição de remessas de royalties entre subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior ou quando a maioria do capital da empresa no Brasil pertença aos titulares dos royalties no exterior, não fazendo sentido manter qualquer limitação de pagamentos (remessa ao exterior), nem mesmo quantitativa, no contexto atual. Inclusive, é justamente o que ocorre no caso de transações entre empresas residentes no Brasil e entre empresas no Brasil e partes não relacionadas no exterior, após o INPI ter decidido no passado recente não mais intervir na remuneração contratual acordada entre as partes, o que agora também foi estendido para partes relacionadas.

Todavia, diante da incerteza e possibilidade de interpretação diversa das autoridades, o Banco Central deveria dispor sobre o tema de modo a garantir segurança para a fonte pagadora brasileira, que, no contexto atual, possui o ônus de classificar corretamente sua operação na Portaria MF n. 436/1958, sob pena de infringir a legislação tributária e cambial.

Por outro lado, é plenamente possível defender a possibilidade de se remeter valores superiores aos limites de dedutibilidade, sempre que tais remessas se referirem a pagamento pelo fornecimento de know-how e de serviços de assistência técnica de forma dissociada dos percentuais de dedutibilidade de tais despesas.

No âmbito do know-how e de serviços técnicos relacionados à transferência de tecnologia, ainda existem argumentos adicionais, tendo em vista que, sob a sistemática da Lei n. 4.131/1962, eram vedadas apenas remessas ao exterior de royalties de marcas e patentes por parte de filiais ou subsidiárias brasileiras a suas matrizes ou controladoras estabelecidas no exterior.

Não havia, na Lei n. 4.131/1962, qualquer restrição à remessa de remuneração por transferência de know-how ou mesmo por serviços técnicos relacionados à transferência de tecnologia entre subsidiárias brasileiras e suas controladoras no exterior. Havia tão somente proibição à dedutibilidade de tais despesas quando efetuadas entre subsidiárias e controladoras, além de tais remessas serem somadas aos lucros distribuídos.

A proibição de remessas exclusivamente para royalties de marca e patente entre subsidiárias e controladoras na Lei n. 4.131/1962 é de clara compreensão, não permitindo sua extensão para outros direitos. Desta forma, quando a lei impõe limitações ou restrições a determinados casos especiais, tais limitações não podem ser estendidas de forma discricionária pela Administração Pública.

Como o art. 14 nunca vedou a possibilidade de remessa de remuneração por know-how e de assistência técnica com transferência de tecnologia entre subsidiárias e controladoras, não há como justificar que o art. 50, parágrafo único, da Lei n. 8.383/1991 estaria revogando a proibição de remessas para hipóteses diversas do pagamento de royalties de marcas e patentes.

Justamente neste sentido é o posicionamento de Juliana Viegas, abaixo transcrito:

“a) A vedação contida no art. 14 da Lei n. 4.131/62 – vedação essa que, repita-se, refere-se somente a royalties por marcas e patentes – continua a aplicar-se a royalties entre filiais e suas matrizes no exterior, e a royalties devidos por subsidiárias a suas controladoras estrangeiras que excedam os limites de dedutibilidade permitidos pela Portaria n. 436/58. Em outras palavras, royalties por marcas e patentes que excedam dos limites da Portaria n. 436/58, pela Lei 8.383/91 não são remissíveis no exterior, por não serem dedutíveis.

b) O referido art. 14 da Lei n. 4.131/62, entretanto, nunca vedou a possibilidade de remessa de remuneração por assistência técnica ou por transferência de tecnologia entre subsidiárias e suas matrizes no exterior, portanto o parágrafo único do art. 50 da Lei n. 8.383/91 não se aplica à remessa de remuneração por transferência de tecnologia. Quando o referido parágrafo dispõe que ‘a vedação não se aplica’, evidentemente não pode estar se referindo a algo que não era vedado. Em outras palavras, a vedação de remessa do excedente aos limites de dedutibilidade, contida no parágrafo único do art. 50 da Lei 8.383/91, não pode aplicar-se à remessa de remuneração por fornecimento de tecnologia não patenteada, entre subsidiárias e suas controladoras estrangeiras, uma vez que este tipo de remessa não está contido na hipótese do referido parágrafo único.”39

Além dos argumentos indicados acima, a interpretação pela existência de diferentes regras para a remessa de royalties conforme o tipo de contrato de transferência de tecnologia entre a controlada no Brasil e a controladora no exterior, tendo em vista que o know-how, a franquia, os royalties por direitos autorais (que não são sujeitos ao INPI) não estão sujeitos a quaisquer limites quantitativos de remessa, também demonstra que a limitação da remessa por licença de marcas e patentes aos percentuais de dedutibilidade não parece uma interpretação tão razoável.

Como se percebe, sob a nova sistemática, caberá ao contribuinte a avaliação dos aspectos fiscais associados à dedutibilidade, devendo analisar criteriosamente a legislação tributária vigente, na medida em que o critério adotado para fins de dedutibilidade poderá ser questionado pelas autoridades fiscais, a partir de um entendimento bastante restrito sobre, por exemplo, a dedutibilidade de despesas associadas a royalties/remunerações relacionados(as) a novas tecnologias que não possuam item específico previsto pela Portaria MF n. 436/1958.

Contudo, a preocupação não se dá apenas sob a ótica fiscal. Como o INPI também deixará de analisar as normas cambiais, a interpretação sobre o valor passível de remessa para o exterior ficará a cargo do BACEN, responsável por regular o competente regramento a respeito de tais transações.

Dessa forma, é aconselhável que os royalties por marcas e patentes acordados nos contratos entre partes relacionadas, caso estejam fora do enquadramento dos percentuais de dedutibilidade da Portaria MF n. 436/1958, possuam fundamentos econômicos para justificar a sua razoabilidade.

V. Penalidades cambiais

A Lei n. 13.506/2017 dispõe sobre o Processo Administrativo Sancionador na esfera de atuação do referido BACEN, que recentemente emitiu a Circular n. 3.857/2017 com o objetivo de regulamentar o rito de tramitação do processo administrativo necessário à aplicação das respectivas penalidades, medidas coercitivas e meios alternativos de solução de controvérsias direcionados, regra geral, às instituições financeiras, integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro e demais pessoas físicas ou jurídicas fiscalizadas pelo órgão.

A partir da análise das condutas listadas pela Lei n. 13.506/2017 como infrações administrativas passíveis de punição pelo BACEN, pode-se destacar a realização de operações de câmbio vedadas pelo ordenamento jurídico, inclusive quando praticadas por pessoas físicas ou jurídicas que não são frequentemente supervisionadas pela autarquia, como é o caso, por exemplo, das remessas de royalties para o exterior consideradas irregulares, ou seja, aquelas que são realizadas sem considerar a legislação específica.

Tais situações, por exemplo, podem ser verificadas nas hipóteses em que o contrato que deu origem à obrigação de pagar as respectivas remunerações não estiver, respectivamente, averbado no INPI e registrado perante o BACEN, ou mesmo nas situações em que remessas ultrapassarem os limites impostos pela legislação vigente, já que, como verificado, não houve qualquer mudança na legislação tributária. Adicionalmente, como a legislação cambial não é clara sobre o tema, o entendimento historicamente aplicado pelo INPI possivelmente continuará sendo aplicado pelo BACEN.

Faz-se importante destacar que, após a edição da IN INPI n. 70/2017, o risco de se incorrer em tais operações é bastante alto, na medida em que a autarquia deixou de examinar as normas fiscais e cambiais aplicáveis a cada contrato, simplesmente refletindo no Certificado de Averbação a remuneração pactuada entre as partes. Como as normas fiscais e cambiais usualmente examinadas pelo INPI permanecem vigentes, há inquestionável aumento da exposição da fonte pagadora brasileira em tais transações.

Sob a égide da legislação cambial anterior, as remessas irregulares podiam ser alvo de multas limitadas ao valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), com base no que dispunha a Lei n. 4.131/1962, a Lei n. 11.371/2006 e a Resolução do BACEN n. 4.104/2012. Atualmente, além de outras penalidades, o BACEN pode aplicar multas que não excederão o maior valor entre 0,5% da receita de serviços e produtos financeiros apurada no ano anterior ao da prática da infração ou R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais).

A gradação da pena-base dependerá, obviamente, da capacidade econômica e da reprovabilidade da conduta do infrator, do grau de lesão ou do perigo de lesão da infração, dos valores das operações irregulares e da duração da infração. No que diz respeito especificamente à multa, a Circular n. 3.857/2017 já prevê reduções e limites de acordo com a infração e o tipo de infrator.

Como se observa, muito embora a IN INPI n. 70/2017 aparentemente tenha criado um ambiente favorável à transferência de tecnologia no país, na prática, o contribuinte brasileiro passará a experimentar um cenário de extrema insegurança jurídica na medida em que, a partir desta nova conjuntura, a transação realizada será analisada separadamente pelas autoridades fiscais e pelo BACEN, o que poderá, inclusive, ensejar em interpretações diversas dos órgãos.

Ainda que se pudesse criticar o excesso de intervenção por parte do INPI na contratação da cessão/licenciamento de direitos de propriedade industrial, bem como nas transações envolvendo a transferência de tecnologia não patenteada, era inquestionável que a emissão do Certificado de Averbação com todas as informações relacionadas à transação conferia segurança ao contribuinte brasileiro, na medida em que autoridades fiscais e BACEN, geralmente, convalidavam a avaliação efetuada pelo órgão técnico do INPI sobre os percentuais de dedutibilidade aplicáveis, salvo raras exceções em que fossem constatados equívocos formais por parte da autarquia.

De fato, a modificação perpetrada pelo INPI é bastante bem-vinda, contudo, é necessário que haja uma unificação dos procedimentos e entendimentos por parte da Receita Federal do Brasil, do BACEN e do INPI, de modo que aquilo que é concedido com uma mão não seja retirado com a outra.

VI. Conclusão

De todo o exposto, pode-se perceber que o cenário de transferência de tecnologia no Brasil está experimentando uma visível evolução, trazendo boas expectativas para o mercado. As recentes modificações, ao que parece, tiveram a intenção de melhorar a prática de transferência de tecnologia entre empresas nacionais e internacionais, proporcionando um melhor ambiente de negócios.

Contudo, muito embora exista o pretenso interesse de redução do nível de intervenção estatal, visando justamente garantir a liberdade das partes de contratar, a edição da Instrução Normativa n. 70/2017, ao que parece, ainda não pode ser considerada como um marco para a melhoria do atual contexto de transferência de tecnologia no país, capaz de permitir um ambiente mais favorável para que os titulares da tecnologia disponibilizem o que há de melhor em termos de desenvolvimento tecnológico.

Apesar de o INPI ter reduzido a extensão de sua atuação na análise dos contratos de transferência de tecnologia, a alteração ocorreu apenas no âmbito regulamentar, com as leis tributária e cambial sobre a matéria permanecendo inalteradas e gerando incertezas a respeito da liberdade para realizar pagamentos entre a controlada no Brasil e a controladora no exterior.

Conforme exposto, há fundamentos para justificar a eliminação das proibições de pagamentos por licença de marcas e patentes feitas à época em que o pagamento de royalties por tais direitos se dava em um contexto abusivo, no campo do planejamento tributário. Em que pese os riscos de natureza fiscal serem afastados mediante a aplicação dos percentuais de dedutibilidade previstos pela legislação, existem argumentos para se sustentar que não existe tal limitação ao montante passível de remessa pela licença de marcas e patentes.

Todavia, diante da ausência de uma manifestação expressa do BACEN sobre os royalties por licença de marcas e patentes, as normas cambiais recentemente editadas demonstram que o maior entrave para o pagamento de royalties/remunerações para o exterior serão a incerteza jurídica sobre o entendimento das autoridades e os bancos comerciais, que passarão a avaliar as transações de forma mais criteriosa e, no pior dos cenários, sem o conhecimento das particularidades do tema.

Para que a iniciativa trazida pela IN INPI n. 70/2017 produza os resultados esperados, é fundamental que as regras tributárias e cambiais estejam alinhadas, de modo a evitar possíveis contradições no posicionamento da Receita Federal do Brasil e do BACEN. Caso contrário, ainda que o novo procedimento de averbação traga maior celeridade e liberdade na estipulação da remuneração contratual dentro de padrões de mercado, os contribuintes ficarão sujeitos a grande insegurança em razão da ausência de normas capazes de direcionar sua conduta no que diz respeito ao percentual de dedutibilidade a ser aplicado, bem como o valor a ser remetido para o exterior.

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1 É importante esclarecer que a emissão do Certificado de Averbação possui extrema relevância seja para fins tributários, seja para fins cambiais. De forma resumida, a averbação de contratos perante o INPI garante (i) a eficácia dos direitos perante terceiros, permitindo ao licenciado tomar as providências judiciais necessárias para assegurar o exercício de direitos contratuais, como a exclusividade de uso; (ii) a efetivação do pagamento de royalties e remunerações ao exterior em consonância com o disposto no art. 3º da Lei n. 4.131/1962; e (iii) a dedutibilidade das despesas incorridas pela empresa brasileira na apuração do IRPJ, sendo discutível a sua exigência para a CSLL.

2 Vale ressaltar que antes da edição da Instrução Normativa INPI n. 70/2017, a emissão do Certificado de Averbação era precedida de uma análise prévia da legislação tributária e cambial de modo que, através do referido documento, o INPI já definia o limite de dedutibilidade para a fonte brasileira com base nas diretrizes contidas na Portaria MF n. 436/1958, assim como também aprovava as referidas transações para fins de autorização do esquema de pagamento perante o Banco Central do Brasil (BACEN), condição para a efetivação das remessas ao exterior nos termos do revogado art. 102 da Circular BACEN n. 3.689/2013 (desde a Circular BACEN n. 2.816/1998 e da Carta-Circular n. 2.795/1998 havia uma outorga da prerrogativa do BACEN para que o INPI examinasse se os termos e condições contratuais cumpriam os regulamentos cambiais, o que foi modificado por ocasião da Instrução Normativa n. 70/2017, culminando na edição da Circular BACEN n. 3.837/2017).

3 SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. Investimentos estrangeiros e inovação tecnológica. In: RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá (org.). Direito internacional dos investimentos. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.

4 SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. Op. cit., 2014.

5 CARVALHO, Nuno T. P. Contratos de transferência de tecnologia. Revista da ABPI: Anais do XIV Seminário Nacional de Propriedade Industrial, 1994, p. 50-56.

6 A própria Receita Federal do Brasil incorreu em tal impropriedade ao esclarecer no revogado Ato Declaratório Normativo COSIT n. 1/2000, em seu item III, que “para fins do disposto no item I deste ato, consideram-se contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia aqueles não sujeitos à averbação ou registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e Banco Central do Brasil”.

7 Nesse contexto merecem destaque os comentários de Alberto Xavier acerca da ampla acepção do termo “transferência de tecnologia”. O autor esclarece que “é grande a ambiguidade que na doutrina e na legislação comparada rodeia os conceitos de ‘contratos de prestação de serviços técnicos’, ‘contratos de assistência técnica’ e ‘contratos de know-how’, todos relacionados com uma ampla e brumosa noção de ‘transferência de tecnologia’. E dizemos ampla e brumosa porque o conceito elástico de “transferência de tecnologia” tem sido elaborado pela lei para finalidades muito distintas: umas vezes, para disciplinar o regime de remessas cambiais relacionado com investimentos estrangeiros; outras, para efeitos de legislação antitruste ou de defesa da concorrência; outras, ainda, para efeitos tributários, de tal modo que pode afirmar-se, sem hesitação, que não existe um conceito técnico uniforme que consiga unificar as diversas acepções em que a expressão tem sido utilizada, tanto no que se refere ao conceito de ‘tecnologia’ propriamente dita quanto ao que se deva entender por ‘transferência’.” (XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 8. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 731)

8 José Carlos Vaz e Dias trata desta evolução normativa, culminando no Ato Normativo n. 135/1997, atualmente revogado pela IN INPI n. 70/2017 (DIAS, José Carlos Vaz e. Os contratos de transferência de tecnologia e as controvérsias da convivência entre regramentos antigos e a liberdade contratual: os serviços técnicos em perspectiva. XXIV Congresso Nacional do CONPENDI – UFMG/FUMEC/Dom Helder Câmara. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência, 2015). Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/3wD1c3Vtbp4P3T5e.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2018.

9 VIEGAS, Juliana L. B. Aspectos legais da contratação na área da propriedade industrial. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos; e JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). Propriedade intelectual. Contratos de propriedade industrial e novas tecnologias. Série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11 e 12.

10 É importante destacar que o INPI, por exclusão, define quais serviços não implicam transferência de tecnologia e, portanto, não são averbáveis perante a autarquia (Resolução INPI n. 156/2015).

11 Decreto n. 3.000/1999 – RIR/1999: “Art. 355 [...] § 3º A dedutibilidade das importâncias pagas ou creditadas pelas pessoas jurídicas, a título de aluguéis ou royalties pela exploração ou cessão de patentes ou pelo uso ou cessão de marcas, bem como a título de remuneração que envolva transferência de tecnologia (assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados) somente será admitida a partir da averbação do respectivo ato ou contrato no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, obedecidos o prazo e as condições da averbação e, ainda, as demais prescrições pertinentes, na forma da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.”

12 A Lei n. 3.470/1958 estabelece que: “Art. 74. [...]. § 3º A comprovação das despesas a que se refere este artigo será feita mediante contrato de cessão ou licença de uso da marca ou invento privilegiado, regularmente registrado no país, de acordo com as prescrições do Código da Propriedade Industrial (Decreto-lei nº 7.903, de 27 de agosto de 1945), ou de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, desde que efetivamente prestados tais serviços.” Seguindo a mesma lógica, a Lei n. 4.506/1964 destaca que: “Art. 52. As importâncias pagas a pessoas jurídicas ou naturais domiciliadas no exterior a título de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, quer fixas quer como percentagens da receita ou do lucro, somente poderão ser deduzidas como despesas operacionais quando satisfizerem aos seguintes requisitos: [...] b) corresponderem a serviços efetivamente prestados à empresa através de técnicos, desenhos ou instruções enviados ao país, estudos técnicos realizados no exterior por conta da empresa”. Vale notar que a Receita Federal do Brasil buscou definir a noção de assistência técnica, nos termos do art. 17, § 1º, II, “b”, da IN RFB n. 1.455/2014: “Art. 17. [...] § 1º Para fins do disposto no caput: [...] II – considera-se: [...] b) assistência técnica a assessoria permanente prestada pela cedente de processo ou fórmula secreta à concessionária, mediante técnicos, desenhos, estudos, instruções enviadas ao País e outros serviços semelhantes, os quais possibilitem a efetiva utilização do processo ou fórmula cedido.

13 “Em 1958, o autor deste livro, no exercício do cargo de Diretor do Imposto de Renda, preocupou-se com os parcos resultados apresentados por empresas controladas pelo exterior. Não eram convincentes os modestos frutos produzidos por altos investimentos. Designamos peritos de confiança para examinar a contabilidade das maiores empresas atuantes no País. Foram 33, sendo 13 do Rio e 20 em São Paulo. O relatório trouxe informações surpreendentes. As mais variadas formas de pagamentos de ‘royalties’ e de assistência técnica foram detectadas, inclusive pagamentos cumulativos a esses títulos. Deduções haviam [SIC] de até 27% da receita bruta. Os quadros demonstrativos que acompanharam o relatório da perícia fizeram aflorar situações interessantes. Em alguns casos os ‘royalties’ se apresentavam exageradamente elevados em função dos lucros declarados, evidenciando-se altíssimos em relação ao capital registrado. Numa empresa, para um lucro de cinco milhões, os ‘royalties’ se elevaram a quarenta e quatro milhões; n’outra, para um lucro de noventa e cinco milhões, ‘royalties’ de cento e dez milhões, afora situações de prejuízo contábil, com substanciais ‘royalties’ escriturados. Em outras posições comparativas, os lucros declarados representavam 13 a 17% do capital, enquanto que aí os ‘royalties’ mais encargos por assistência técnica somavam 62 a 67% do mesmo capital.” (WINKLER, Noé. Imposto de Renda – doutrina, comentários, decisões e atos administrativos e jurisprudência (Conselho de Contribuintes – Poder Judiciário). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 521)

14 O art. 3º da Lei n. 2.862/1956, vigente à época, previa que o lucro inferior a 30% do capital investido não estava sujeito ao adicional de imposto de renda. Nesse sentido, destaque-se: “Art. 3º O imposto recairá sobre os lucros, reais ou presumidos, verificados ao ano social ou civil anterior ao exercício financeiro em que for devido e que ultrapassem importância equivalente a 30% (trinta por cento) do capital efetivamente aplicado na exploração do negócio. Parágrafo único. Para a fixação do lucro tributável nos termos deste artigo, será adotado o conceito de lucro tributável na pessoa jurídica, estabelecido no regulamento do imposto de renda em vigor.”

15 GUMPEL, Henry J.; SOUSA, Rubens Gomes de. Taxation in Brazil – world tax series. Boston: Little Brown and Company, 1957.

16 SWANSON, Howard. Royalties and technical assistance arrangements. Taxes The Tax Magazine v. 36, n. 11. The Hague, novembro 1958, p. 825-828. OWENS, Elisabeth A. Royalties from foreign subsidiaries. Taxes – The Tax Magazine v. 37, n. 2. The Hague, fevereiro 1959, p. 129-136.

17 SOUSA, Rubens Gomes de. Parecer 3.1, de 12.04.1966: Imposto de Renda: art. 27 da Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964. Conceito de “passivo exigível” para os efeitos do cômputo do fundo de manutenção do capital de giro próprio. Provisões para contingências pendentes. In: SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres 3 – Imposto de Renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1976.

18 Para a Reuven S. Avi-Yonah, além das funções de arrecadar e redistribuir riqueza, a norma tributária possui uma terceira função, qual seja, a de regular comportamentos. Nesse sentido, o autor destaca que: “Taxation also has a regulatory component: It can be used to steer private sector activity in the directions desired by governments. This function is also controversial, as shown by the debate around tax expenditures. But it is hard to deny that taxation has been and still is used widely for this purpose, as shown inter alia by the spread of the tax expenditure budget around the world following its introduction in the United States in the 1970’s.” Mais adiante, o autor reforça seu posicionamento quanto à função extrafiscal da tributação: “This, then, is the third goal of taxation: regulation of private sector activity, by rewarding activities that are considered desirable (via deductions or credits) and deterring activities that are considered undesirable (via increased taxation).” (AVI-YONAH, Reuven S. The three goals of taxation. N.Y.U. Tax Law Review v. 60, n. 1. Nova Iorque, 2006-2007, p. 4 e 24) No mesmo sentido, ver: SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

19 Conforme justificação do PL n. 3.950/1958 do deputado Fernando Ferrari, que previa a limitação da dedutibilidade em 5%: “apenas quatro empresas são genuinamente nacionais cujos ‘royalties’ não excedem de 4% sobre o volume das operações pertinentes”.

20 “Art. 74. Para os fins da determinação do lucro real das pessoas jurídicas como o define a legislação do imposto de renda, somente poderão ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de ‘royalties’ pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% (cinco por cento) da receita bruta do produto fabricado ou vendido. § 1º Serão estabelecidos e revistos periodicamente mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções de que trata este artigo, considerados os tipos de produção ou atividades, reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade. § 2º Poderão ser também deduzidas do lucro real, observadas as disposições deste artigo e do parágrafo anterior, as quotas destinadas à amortização do valor das patentes de invenção adquiridas e incorporadas ao ativo da pessoa jurídica. § 3º A comprovação das despesas a que se refere este artigo será feita mediante contrato de cessão ou licença de uso da marca ou invento privilegiado, regularmente registrado no país, de acordo com as prescrições do Código da Propriedade Industrial (Decreto-lei nº 7.903, de 27 de agosto de 1945), ou de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, desde que efetivamente prestados tais serviços.”

21 Portaria MF n. 436/1958: “O Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda, no uso das suas atribuições legais e tendo em vista o disposto no art. 74 e §§ 1º e 2º da Lei n. 3.470, de 28 de novembro de 1958, relativamente à dedução de royalties, pela exploração de marcas e patentes, de despesas de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, bem como de quotas para amortização do valor de patentes, na determinação do lucro real das pessoas jurídicas, resolve: a) estabelecer os seguintes coeficientes percentuais máximos para as mencionadas deduções, considerados os tipos de produção ou atividade, segundo o grau de essencialidade: [...] II – royalties, pelo uso de marcas de indústria e comércio, ou nome comercial, em qualquer tipo de produção ou atividade, quando o uso da marca ou nome não seja decorrente da utilização de patente, processo ou fórmula de fabricação: 1% (um por cento)”.

22 O art. 6º do Decreto-lei n. 1.730/1979 alterou o limite de dedutibilidade dos royalties, passando a considerar a receita líquida de vendas em detrimento da receita bruta.

23 SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. A Portaria MF 436/58 em face da análise fiscal e extrafiscal da limitação da dedutibilidade (IRPJ) de royalties e remuneração por assistência técnica. Revista de Direito Tributário da APET ano X, ed. 37, março 2013.

24 ANDRADE JÚNIOR, Attila de Souza Leão. O capital estrangeiro no sistema jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

25 “Art. 71. [...] Parágrafo único. Não são dedutíveis: [...] d) os ‘royalties’ pagos a sócios ou dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes.”

26 Neste contexto, tem-se que, a partir do exame da norma constitucional e do Código Tributário Nacional, é possível se extrair o seguinte conceito de renda, conforme demonstrado por Luís Cesar Souza de Queiroz: “Renda e proventos de qualquer natureza (ou simplesmente Renda) é conceito que está contido em normas constitucionais relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que designa o acréscimo de valor patrimonial, informado pela obtenção de obtenção de produto, pela ocorrência de fluxo de riqueza ou pelo simples aumento no valor do patrimônio, apurado, em certo período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem para o acréscimo de valor do patrimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos que, estando relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou à preservação da existência, com dignidade, tanto da própria pessoa quanto de sua família, contribuem para o decréscimo de valor do patrimônio (fatos-decréscimos) [...]. Uma última observação merece ser efetuada. A definição construída aplica-se tanto às denominadas pessoas físicas quanto às denominadas pessoas jurídicas. Entretanto, a parte da definição que se refere a fatos decréscimos que [...] deve ser entendida de modo à compatibilizá-la com as características próprias das pessoas jurídicas.” (QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Imposto sobre a Renda – requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2003, p. 239 e 241)

27 LEONARDOS, Gabriel Francisco. Tributação da transferência de tecnologia. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

28 O CARF, em algumas oportunidades manifestou-se favoravelmente à administração tributária no sentido de que a proibição da dedutibilidade prevista na alínea “d” do parágrafo único do art. 71 da Lei n. 6.506/1964 aplica-se de forma bastante ampla, alcançando não somente sócios pessoas físicas, mas também pessoas jurídicas pertencentes a um mesmo grupo econômico. Nesse sentido são os Acórdãos n. 9101-003.063, publicado em 24 de outubro de 2017; n. 1301-002.200, publicado em 8 de maio de 2017; n. 9101-001.908, publicado em 25 de agosto de 2014.

29 Cabe ainda destacar que no caso de transações no Brasil e entre uma empresa brasileira e partes não relacionadas não localizadas em paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados, as limitações em vigor impactam apenas a apuração do IRPJ, não incluindo a CSLL, conforme inclusive reconheceu a Receita Federal no item 99 do Anexo I da IN n. 1.700/2017. Em que pese este fator, a Lei n. 9.430/1996, no caso de importação de tecnologia entre partes relacionadas ou localizadas em paraísos fiscais ou regimes fiscais privilegiados, excluiu tais operações do controle de preços de transferência, sujeitando tais transações aos limites de até 5% previsto na legislação ora analisada, com reflexo na própria CSLL (art. 18, § 9º e art. 28 da Lei n. 9.430/1996).

30 PARR, Russell. Royalty rates for licensing intellectual property. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2007.

31 SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. A Portaria MF 436/58 em face da análise fiscal e extrafiscal da limitação da dedutibilidade (IRPJ) de royalties e remuneração por assistência técnica. Revista de Direito Tributário da APET ano X, ed. 37, março 2013.

32 Como muitas tecnologias são complexas, não bastando a sua divulgação para a outra parte, é usual a previsão de treinamentos ou outra forma de absorção por empregados da empresa brasileira. Dessa forma, não consideramos que os limites de dedutibilidade são aplicáveis a pagamentos de serviços técnicos dissociados de contratos de licença de marca, patente e know-how, como ocorre em alguns serviços de montagem e comissionamento de determinados equipamentos, tendo em vista que são contratos de prestação de serviços que não envolvem transferência de tecnologia e são remunerados por homem/hora, razão pela qual não são sujeitos a tais limites de dedutibilidade. Além disso, muitas vezes as empresas estão em fase pré-operacional e não possuem faturamento como parâmetro.

33 BARBOSA, Denis Borges, Tributação da propriedade industrial e do comércio de tecnologia. São Paulo: RT/INPI, 1984.

34 Para um histórico mais detalhado sobre a origem do posicionamento do INPI, ver: DIAS, José Carlos Vaz e. Os contratos de transferência de tecnologia e as controvérsias da convivência entre regramentos antigos e a liberdade contratual: os serviços técnicos profissionais em perspectiva. XXIV Congresso Nacional do CONPEDI – UFMG/FUMEC/Dom Helder Câmara. Direito, inovação, propriedade intelectual e concorrência, 2015. Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/2oq57zr8/3wD1c3Vtbp4P3T5e.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2018.

35 SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. A Portaria MF 436/58 em face da análise fiscal e extrafiscal da limitação da dedutibilidade (IRPJ) de royalties e remuneração por assistência técnica. Revista de Direito Tributário da APET ano X, ed. 37, março 2013.

36 CAMPOS, C. A. A.; QUEIROZ, L. C. S.; RIBEIRO, Ricardo Lodi; VITAL, Gustavo Gama; ABRAHAM, M.; LIVIO, M.; ZAMBITTE, F.; ROCHA, S. A. Interpretação do sistema constitucional tributário. In: QUEIROZ, Luís Cesar Souza de; ABRAHAM, Marcus; e CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo (org.). Estado fiscal e tributação. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2015, p. 98.

37 SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. Op. cit., março 2013.

38 SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva. Op. cit., março 2013.

39 VIEGAS, Juliana L. B. Contratos de fornecimento de tecnologia e de prestação de serviços de assistência técnica e serviços técnicos. In: SANTOS, Manoel J. Pereira dos; e JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). Propriedade intelectual. Contratos de propriedade industrial e novas tecnologias. Série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 172.