A Incidência do Imposto de Renda e do ITCMD em Operações com Trusts

The Levy of Income Tax and Tax on Inheritance and Donations (ITCMD) on Transactions with Trusts

Ricardo Calil

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado em São Paulo. E-mail: ricardo@calil-law.com.br.

Resumo

O presente estudo tem por objetivo analisar a incidência do Imposto de Renda e do ITCMD, no Brasil, em operações com trusts constituídos no exterior, que tenham como criador (settlor) e como beneficiários pessoas físicas residentes fiscais no Brasil. Para tanto, o estudo se propõe, inicialmente, a delinear o conceito de trust, instituto jurídico ainda pouco conhecido e utilizado por brasileiros, definindo as suas características e identificando as suas espécies. A partir disso, passamos a examinar basicamente se as transferências de recursos do settlor para o trustee caracterizam uma doação sujeita ao ITCMD e se as transferências de recursos do trustee para os beneficiários caracterizam uma doação sujeita ao ITCMD ou o recebimento de rendimento sujeito ao Imposto de Renda.

Palavras-chave: Imposto de Renda, ITCMD, trusts, planejamento tributário sucessório.

Abstract

This study aims to analyze the levy of Brazilian Income Tax and Inheritance and Donation Tax (ITCMD) on trusts set up overseas by Brazilian residents (settlor) with beneficiaries resident in Brazil. For this purpose, it first examines the concept of a trust, a legal instrument not widely known and used by Brazilians, by defining its characteristics and identifying the different types of trusts. Then, it basically examines whether the transfer of assets from the settlor to the trustee is subject to ITCMD or not and whether the transfer of assets from the trustee to the beneficiaries could be deemed as a donation subject to ITCMD or an income subject to Income Tax.

Keywords: Income Tax, Inheritance and Donation Tax (ITCMD), trusts, international tax and estate planning.

Introdução

A tributação de trusts no Brasil é matéria ainda incipiente em nossa doutrina e jurisprudência. Talvez a maior causa disso seja o fato de que tal instituto ainda é pouco utilizado pelos brasileiros que procuram um planejamento sucessório no exterior.

As razões para o pouco uso de trusts são diversas. Em geral, ainda causa preocupação e desconfiança o fato de que, com a criação do trust, perde-se a propriedade formal dos bens em favor de um terceiro (trustee), que ficará encarregado de administrar os bens e distribuir os rendimentos aos beneficiários. Os brasileiros em geral, consciente ou inconscientemente apegados ao tradicional direito de propriedade delineado nos moldes do direito romano, ainda relutam com a ideia de transferir a propriedade formal dos seus bens para um terceiro.

Soma-se a isso o fato de o trust ainda não ter sido expressamente regulado pela legislação brasileira, seja do ponto de vista da sua recepção à luz do direito civil, seja em relação aos efeitos tributários. A falta de uma regulamentação clara e precisa gera insegurança jurídica, o que propicia uma certa repulsa ao uso do instituto.

Além disso, recentemente, com os escândalos envolvendo a Operação Lava-Jato, a figura do trust foi associada a práticas criminosas, envolvendo ocultação de bens, corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Esse cenário gera incertezas aos potenciais usuários de trusts.

Deixando de lado esses fatores adversos, um breve estudo do instituto revela que o trust, forjado durante a Idade Média na Inglaterra, é uma figura jurídica de importância ímpar no cenário internacional e isso se deve ao fato de que ele possibilita a organização de planejamentos sucessórios e empresariais com alto grau de complexidade e refinamento1, que combinam (a) flexibilidade na distribuição dos rendimentos e do patrimônio principal; (b) facilidade na sucessão, evitando processos burocráticos como os de inventário e partilha, (c) proteção patrimonial para os beneficiários2; (d) planejamento tributário e (e) filantropia.

Não é à toa que alguns países, como a Itália, de forte tradição no civil law, reconhecendo essa importância, optaram por regulamentar internamente a utilização de trusts por seus residentes. Outros, como a França, já deram os primeiros passos através da introdução do instituto da fidúcia em seu ordenamento jurídico3.

Não é o objetivo deste artigo, dado o espaço reduzido, examinar em detalhes o histórico do instituto, os tipos de trust, bem como as semelhanças e as diferenças com outras figuras jurídicas existentes no Brasil. Isso será feito de forma resumida e na medida necessária para chegarmos às respostas que pretendemos apresentar, mas não podemos deixar de ressaltar que tal empreendimento já foi realizado de forma muito consistente por autores nacionais de renome4.

O objetivo deste artigo é examinar os impactos tributários, no Brasil, de um trust no exterior, que tenha como criador (settlor) e como beneficiários pessoas físicas residentes no Brasil, e como trustee uma entidade residente no exterior. A nossa análise tem por objetivo identificar como e em que hipóteses se dá a incidência do Imposto de Renda e do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e por Doação (ITCMD) nas transferências de bens, recursos e direitos do settlor para o trustee e deste aos beneficiários.

Em outras palavras, o objetivo principal deste artigo é identificar se as transferências de recursos do settlor para o trustee caracterizam uma doação sujeita ao ITCMD e se a transferência de recursos do trustee para os beneficiários caracteriza uma doação sujeita ao ITCMD ou o recebimento de rendimento sujeito ao Imposto de Renda.

Para tanto, iniciaremos o nosso estudo delineando as características gerais dos trusts, as relações jurídicas que são geradas a partir da sua criação, os elementos que compõem essa relação e os principais tipos de trusts. É a partir dessa análise que procuraremos identificar a natureza jurídica das transferências de recursos entre os participantes do trust e a possível incidência do Imposto de Renda e do ITCMD em cada uma dessas transferências.

Não estamos desconsiderando o fato de que, dependendo das circunstâncias ou da natureza jurídica dos participantes de um trust, outros tributos podem incidir, como o imposto sobre operações cambiais (IOF-Câmbio) sobre a transferência internacional de recursos, o imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI) sobre a transferência de bens imóveis etc. Além disso, em determinados casos, poderá haver a aplicação de tratados internacionais contra a dupla tributação. Isso dependerá dos aspectos específicos de cada caso e foge do escopo deste sucinto trabalho.

1. As características gerais dos trusts

1.1. Conceito

O trust pode ser definido como o conjunto de direitos e obrigações criados a partir do ato em que uma pessoa, conhecida como settlor, transfere, por ato inter vivos ou causa mortis, a propriedade (legal title) de bens e direitos a um terceiro (trustee), para que este os administre nos termos delineados no instrumento de criação do trust (trust instrument), em favor de beneficiários, detentores dos direitos econômicos (equitable interest, beneficial interest ou ainda equitable ownership) definidos no trust instrument.

Essa definição5 tem por base o conceito adotado pelo art. 2º da Convenção de Haia sobre o Direito Aplicável aos Trusts: “Article 2. For the purposes of this Convention, the term ‘trust’ refers to the legal relationships created – inter vivos or on death – by a person, the settlor, when assets have been placed under the control of a trustee for the benefit of a beneficiary or for a specified purpose.”

1.2. Estrutura e elementos dos trusts

1.2.1. Settlor

O settor é o criador, o fundador do trust. É a pessoa titular dos bens e direitos que serão transferidos para o trustee, a fim de que este os administre, nos termos delineados no trust instrument, em prol dos beneficiários.

Via de regra, o papel do settlor é o de transferir os bens e direitos para o trustee e delimitar, no instrumento de criação do trust, as regras que devem governar a gestão desses recursos e a distribuição do patrimônio (principal) e dos frutos (rendimentos) aos beneficiários. Após a criação do trust, o settlor sai de cena6 e caberá aos beneficiários o direito de exigir do trustee a execução do trust nos termos do trust instrument.

Entretanto, o trust comporta grande flexibilidade7 e é possível que o settlor seja o próprio trustee ou que ele (settlor) retenha para si alguns poderes, como o de substituir o trustee, controlar a administração dos bens pelo trustee, inclusive autorizar ou vetar determinadas operações e também de revogar o trust, desde que se trate de trust revogável8. O settlor pode, inclusive, ser um beneficiário do trust.

1.2.2. Patrimônio

O patrimônio do trust é formado pelos bens e direitos que integram o trust. Inclui-se qualquer espécie de ativos reais ou obrigacionais (financeiros, mobiliários, imobiliários, intangíveis etc.). A transferência do patrimônio do trust para o trustee é, ao lado da declaração de vontade do settlor, condição essencial para a constituição do trust.

Após a transferência, a propriedade formal (legal title) dos bens e direitos do trust passa a ser do trustee, ao passo que os benefícios econômicos (equitable title) são dos beneficiários.

É importante destacar que os bens e direitos, muito embora de propriedade formal do trustee, constituem um patrimônio autônomo. Isso significa que tais bens e direitos não respondem pelas dívidas pessoais do trustee e tampouco podem ser utilizados pelo trustee para razões distintas daquelas definidas no trust instrument.

1.2.3. Trust Instrument

O trust instrument9 é o documento escrito, formulado pelo settlor, que contém todas as regras que deverão reger o trust, especificando os bens e direitos que formarão o seu patrimônio, os direitos e obrigações do trustee e os direitos dos beneficiários.

O trust instrument não é um documento obrigatório, pois a constituição do trust pode ser feita, na maior parte dos casos e das jurisdições, de forma oral ou escrita10. O fundamental11 é a manifestação da intenção pelo settlor combinada com a transferência da propriedade dos bens e direitos para o trustee. Entretanto, na infinita maioria dos casos, os trusts são constituídos e regidos por regras fixadas por escrito no trust instrument.

1.2.4. Trustee

É a pessoa incumbida do dever de administrar o patrimônio e distribuir os rendimentos aos beneficiários, seguindo os ditames definidos no trust instrument e nas regras gerais aplicáveis à administração de trusts previstas na legislação e jurisprudência12 de cada país. Exerce, portanto, função tipicamente fiduciária13.

Perante terceiros, o trustee é o legítimo proprietário do patrimônio, sendo titular do legal title. Dessa forma, os atos do trustee em relação ao patrimônio, como a cessão, locação, arrendamento, investimentos etc., são atos próprios do trustee, sendo válidos e eficazes pelo simples fato de que o trustee é o proprietário dos bens que formam o patrimônio do trust14. Atos que tenham maior potencial de colocar em risco o patrimônio, como empréstimos e garantias, normalmente não são permitidos ou estão sujeitos a um controle mais estrito15.

O trustee deve manter o patrimônio do trust separado do seu próprio patrimônio16. Além disso, deve mantê-lo produtivo, aplicando-o seguindo as regras dispostas no trust instrument, devendo sempre agir com cautela e evitar investimentos de risco que coloquem em perigo o patrimônio do trust17. O objetivo, como se vê, é a preservação do patrimônio18.

Dentro desse contexto, há dois deveres fiduciários básicos impostos ao trustee19: o dever de cuidado (duty of care) e o dever de lealdade (duty of loyalty). O dever de cuidado impõe ao trustee o cuidado nos investimentos, na administração e na distribuição dos bens do trust. O dever de lealdade exige que o trustee administre o patrimônio em prol dos interesses dos beneficiários e proíbe o trustee de desenvolver qualquer atividade com os bens em interesse ou benefício próprio20.

A venda de ativos ou a realização de investimentos em afronta ao trust instrument e que acarretem prejuízos ao patrimônio do trust pode gerar a responsabilidade do trustee de arcar com as perdas com o seu próprio patrimônio pessoal21.

Além disso, o trustee está obrigado a manter contabilidade adequada dos seus atos e prestar contas aos beneficiários de como o patrimônio está sendo aplicado22. Isso não significa que o trustee está subordinado à vontade dos beneficiários. O trustee é o proprietário do patrimônio e sua subordinação se dá exclusivamente em relação aos deveres impostos no trust instrument e na legislação de cada país. Eventualmente, o trustee tem que submeter determinadas decisões à aprovação do settlor ou a um terceiro por ele indicado, mas não porque isso decorra da natural relação entre settlor e trustee, e sim em função das disposições do trust instrument23.

O trustee pode ser nomeado pelo settlor em ato inter vivos ou mortis causa. Mesmo sendo a figura central do trust, a falta de um trustee não invalida o trust, pois um juiz pode suprir a sua falta nomeando um trustee.

Qualquer pessoa física ou jurídica pode desempenhar a função de trustee, desde que tenha capacidade para dispor de bens. Na prática, na imensa maioria dos casos, a atividade é desempenhada por sociedades especializadas (trust companies), inclusive instituições financeiras, porque a atividade requer alta capacitação técnica para a gestão de ativos e elaboração de relatórios. O trustee pode inclusive delegar algumas de suas atribuições específicas a mandatários, mas desde que limite as suas atribuições ao campo de suas especialidades e supervisione as suas atividades24.

Um trust pode contar com mais do que um trustee desempenhando concomitantemente (co-trustees) as suas atividades25. O settlor pode ainda designar trustees substitutos, que atuarão na ausência ou afastamento do trustee original.

A condição de trustee deve ser aceita. Não basta que o settlor designe uma determinada pessoa como trustee. Essa pessoa deve aceitar a função. Entretanto, uma vez aceita, o trustee somente pode deixar a sua função (a) se houver previsão para tanto no ato constitutivo, (b) mediante autorização judicial, ou (c) em havendo a concordância de todos os beneficiários.

1.2.5. Beneficiário

O beneficiário é a pessoa designada no trust instrument como titular do direito aos rendimentos (também conhecidos como income beneficiaries) e/ou aos bens do patrimônio principal do trust (remainder beneficiaries)26. Os benefícios estipulados num trust instrument podem variar, mas eles derivam basicamente do patrimônio principal do trust ou dos rendimentos (dividendos, royalties, juros, ganhos de capital, aluguéis etc.) obtidos a partir do patrimônio principal.

Existem beneficiários com direito a receber rendimentos variáveis conforme a rentabilidade dos investimentos realizados com o patrimônio do trust; outros com direito a receber rendimentos fixos preestabelecidos, independentemente do rendimento efetivo obtido a partir dos investimentos; e outros com direito a receber os bens que formam o patrimônio principal do trust a partir da ocorrência de um determinado evento ou do término do trust.

Em um trust familiar tradicional, o settlor normalmente designa o cônjuge como beneficiário dos rendimentos do trust em vida e os filhos como beneficiário dos bens após o falecimento do cônjuge. Mas como se trata de instrumento flexível, outras formas de distribuição podem ser estabelecidas. Por exemplo, o settlor pode determinar que o cônjuge terá direito a um valor fixo mensal de rendimentos, independentemente da lucratividade do patrimônio do trust, e que o saldo de bens e rendimentos acumulados será distribuído aos filhos após o falecimento do cônjuge e desde que os filhos já tenham atingido uma determinada idade. Os tipos de benefícios e critérios para pagamento dependerão fundamentalmente dos termos definidos pelo settlor no trust instrument. Existe até mesmo a possibilidade de o trust instrument fixar condições suspensivas27 ou resolutivas28 para que um beneficiário receba pagamentos do trust ou deixar a critério do trustee ou de um terceiro a discricionariedade para estipular os rendimentos que determinados beneficiários irão receber.

Além de ter o direito de receber os rendimentos e/ou bens em trust, o beneficiário é a pessoa que detém os poderes de exigir do trustee a execução dos termos do trust instrument e dos seus deveres fiduciários (dever de cuidado e dever de lealdade).

O beneficiário não responde por eventuais dívidas contraídas pelo trustee na administração dos bens do trust29. Tais dívidas somente podem ser suportadas pelo trustee, pois foi ele quem as contraiu. Existe, assim, uma proteção do patrimônio próprio do beneficiário. Isso reforça a ideia de que o trustee deve exercer o seu mister com o máximo de cuidado, já que a realização de operações especulativas ou arriscadas podem, em última instância, comprometer até mesmo o seu próprio patrimônio pessoal.

Um ponto importante a ser destacado é que os direitos do beneficiário não decorrem de uma relação direta com os bens que formam o patrimônio do trust, mas sim da relação jurídica com o trustee, que é obrigado a administrar os bens e distribuir os rendimentos aos beneficiários nos termos do trust instrument. Conforme exemplo apresentado por J. E. Penner30, a consequência prática disso é que se o beneficiário tiver direito a receber os rendimentos do trust decorrentes de dividendos de uma sociedade em trust, o não pagamento dos dividendos não gera para ele, beneficiário, um direito de acionar diretamente a sociedade. O beneficiário apenas terá o direito de exigir do trustee que transfira a ele um valor equivalente aos dividendos recebidos pelo trustee.

O direito do beneficiário tem, portanto, essencialmente, a natureza de direito obrigacional, ligando a pessoa do trustee (devedor) à pessoa do beneficiário (credor). Note que utilizamos a expressão “essencialmente” porque há alguns elementos na relação do beneficiário com o patrimônio do trust que resvalam numa relação mais próxima a de um típico direito real. Assim, algumas ressalvas devem ser feitas.

Em primeiro lugar, o direito do beneficiário frente ao trustee está condicionado à existência do patrimônio e existe em função dele. Se o patrimônio for dilacerado por maus investimentos, perda ou roubo, desaparece o direito do beneficiário. Nesse caso, caberá ao beneficiário apenas reclamar uma reconstituição do patrimônio do trust às expensas do trustee se restar comprovado que o trustee agiu em desconformidade com as regras do trust instrument ou com as leis que regulam a sua atuação como trustee31.

Um segundo aspecto a ser destacado é que, caso o trustee aliene a terceiros algum bem integrante do patrimônio do trust em desrespeito aos termos do trust instrument, o beneficiário terá o direito de exigir que o adquirente respeite os direitos do beneficiário do trust. Esse direito de sequela existe principalmente nos países de common law32. Note que o direito de sequela não permite ao beneficiário reaver o bem para si, mas apenas forçar o adquirente a respeitar a destinação do bem e dos seus respectivos rendimentos nos termos do trust instrument. O bem continuará, assim, submetido ao regime de trust. O direito de sequela, executável contra terceiros, apenas deixará de existir contra adquirentes de boa-fé (bona fide purchaser), assim entendidos aqueles que, em linhas gerais, tenham realizado a aquisição de forma onerosa e não tenham conhecimento dos direitos dos beneficiários33.

Outro aspecto relevante é que os direitos econômicos do beneficiário podem ser transferidos a terceiros34 ou até mesmo podem ser utilizados pelo beneficiário para constituir um subtrust35. Assim, o beneficiário que possui uma dívida com o terceiro pode quitar essa dívida por meio da cessão dos seus direitos econômicos sobre o trust ao seu credor36. O cessionário passará a exercer contra o trust os mesmos direitos que o beneficiário original possuía. O beneficiário poderá ainda constituir um subtrust e transferir seus direitos de beneficiário no trust original para o patrimônio do subtrust.

Diante dessas diferentes facetas, um ponto que gera muito debate na doutrina, em especial nos países de civil law, é a definição da natureza jurídica dos direitos dos beneficiários, mais especificamente se estamos diante de um direito real, cuja principal e mais tradicional característica é o de ser oponível contra todos, ou de um direito pessoal, exercível pelo beneficiário apenas contra a figura do trustee. Há opiniões respeitáveis em favor de uma e da outra tese37.

A qualificação do direito do beneficiário como direito real ou pessoal é enfrentada de forma bem prática por J. E. Penner. Para o referido autor, de fato a noção romana de direito real é mais restritiva, já que o direito de propriedade em países com essa tradição jurídica pressupõe a concentração, em uma única pessoa, de todos os direitos inerentes ao domínio (dispor, usar e fruir) e isso não ocorre com o beneficiário do trust. Já o pragmatismo do direito anglo saxão permite chamar de “propriedade” também o direito do beneficiário de um trust, muito embora ele não se confunda com o direito de propriedade clássico do direito romano germânico. Entretanto, para o referido autor, isso é muito mais uma mera questão de rotulagem, pois o que importa é compreender os direitos do trustee e dos beneficiários.

Esses direitos, explica o referido autor, não são concorrentes. É o trustee quem tem a propriedade legal dos bens que formam o patrimônio do trust e o direito de demandar terceiros contra qualquer posse ou uso indevidos desses bens. Esse direito não existe para o trustee e para o beneficiário concomitantemente. O direito de sequela do beneficiário, acima mencionado, surge apenas e tão somente quando os bens são transferidos a terceiros em ato que viole os termos do trust instrument e desde que o adquirente não seja possuidor de boa-fé.

O mesmo autor ainda relata que essas características sui generis do trust levaram algumas legislações de civil law, como a de Quebec, a determinar que o patrimônio do trust é autônomo e distinto dos patrimônios do settlor, do trustee e do beneficiário, sendo que nenhum dos três possui qualquer direito real sobre os bens do trust38. A Escócia, outro país de civil law que incorporou os trusts à sua legislação, adota um regime diferente, no qual o trustee possui dois patrimônios, um pessoal e outro que ele detém em trust em favor dos beneficiários.

Essa confusão é absolutamente compreensível. Estamos diante de uma figura jurídica construída dentro de países com tradição jurídica diversa da nossa, com características muito peculiares.

Trazendo as considerações acima para a nossa realidade jurídica, entendemos mais razoável concluir que, no direito brasileiro, o direito do beneficiário seria hoje essencialmente um direito de natureza obrigacional. Isso porque, mesmo com as ressalvas acima, as suas características se aproximam muito mais das características essenciais dos direitos obrigacionais. Além disso, não podemos esquecer que, em nosso ordenamento, os direitos reais são taxativos, ou seja, somente são considerados direitos reais aqueles definidos como tais na lei civil39. Como o trust não está previsto na lei civil brasileira, não nos parece possível caracterizar o direito do beneficiário como um direito real à luz da nossa legislação.

Qualificar o direito do beneficiário como um direito real ou pessoal é uma discussão muito interessante do ponto de vista acadêmico, mas o mais importante, para a definição dos efeitos tributários do trust no Brasil, é a constatação de que o beneficiário de um trust não possui, em regra, uma relação jurídica direta com o patrimônio do trust, que é o conjunto de bens que produz os frutos (rendimentos) a serem distribuídos aos beneficiários. Voltaremos a esse ponto mais adiante.

1.2.6. Protetor (Protector)

O protetor é uma pessoa nomeada pelo settlor no trust instrument com poderes de vetar determinadas decisões do trustee ou até mesmo de substituí-lo. O protetor não é uma figura obrigatória em trusts, cabendo ao settlor decidir sobre a sua existência. O settlor pode se autonomear protetor do trust ou nomear um terceiro da sua confiança40.

1.3. Principais restrições à liberdade do settlor

Embora o settlor tenha ampla liberdade na criação do trust, na descrição dos deveres e discricionariedade do trustee, e no desenho dos direitos dos beneficiários, alguns países impõem certas restrições a essa liberdade. Descreveremos abaixo as principais delas.

1.3.1. O trustee não pode ser o único beneficiário

O settlor e o trustee podem ser a mesma pessoa e o settlor pode ser também um dos beneficiários. Entretanto, as regras que regulam o trust não permitem que o único trustee seja também o único beneficiário. Ocorrendo esse evento, o trust estaria automaticamente extinto41. Note que a regra não proíbe que o trustee seja um dos beneficiários, mas sim que ele seja o único beneficiário.

A razão para essa proibição repousa no fato de que, como a função primordial do trustee é administrar um patrimônio em prol do beneficiário e pagar rendimentos e/ou distribuir bens e direitos a esse beneficiário de acordo com regras preestabelecidas, existem obrigações do trustee para com o beneficiário. Consequentemente, não existe sentido em alguém estar obrigado a administrar um patrimônio em benefício de si próprio, de acordo com regras preestabelecidas, pois disso decorreria a assunção de obrigações de uma pessoa perante ela mesma42. Uma obrigação pressupõe duas pessoas distintas, uma com direitos e a outra com deveres. É dessa lógica que resulta a proibição acima.

1.3.2. A regra contra as perpetuidades (Rules against perpetuities)

A regra contra as perpetuidades tem por objetivo impedir a criação de trusts perpétuos43. Basicamente, a regra prevê um limite temporal máximo entre o início de vigência do trust e a data em que os (últimos) beneficiários podem exigir seus direitos em relação ao trust (vesting period). Esse período varia de jurisdição para jurisdição, havendo estados que aboliram a aplicação da regra.

1.4. Espécies de trust

Não obstante se trate de um instituto com ampla flexibilidade contratual e, portanto, sujeito a diferentes roupagens, a doutrina costuma apresentar os principais tipos de trust com base (i) no seu objetivo – trusts privados (private express trusts) e trusts de caridade (charitable trusts); (ii) no ato que dá origem do trustinter vivos ou causa mortis; (iii) nos deveres do trustee em relação à administração do patrimônio – trusts passivos e ativos; (iv) na sua revogabilidade pelo settlortrusts revogáveis e irrevogáveis; e (v) nos poderes do trustee ao distribuir bens e rendimentos aos beneficiários – trusts fixos (fixed trusts), em que não existe poder discricionário do trustee para distribuir rendimentos a beneficiários, e discricionários44 (discretionary trusts), em que existe tal discricionariedade.

Existem ainda, ao lado dos trusts discricionários, os trusts de suporte (support trusts45). Nos trusts de suporte, o settlor impõe ao trustee que distribua recursos a um ou mais dos beneficiários com a finalidade de garantir o seu sustento, educação e padrão de vida nos termos fixados no trust instrument. O trustee terá uma certa margem de liberdade para distribuir rendimentos aos beneficiários, mas desde que atenda a esses objetivos fixados pelo settlor.

Por fim, ainda em relação aos poderes do trustee, é válido mencionar a possibilidade de o settlor outorgar ao trustee ou a um terceiro, que pode ser inclusive um dos beneficiários, poder de nomeação46 (power of appointment), que consiste em atribuir rendimentos ou bens do trust a determinadas pessoas47, a critério do detentor desse poder e conforme a sua discricionariedade. O settlor pode, inclusive, restringir a extensão desse poder e o rol de pessoas que podem ser nomeadas.

É importante ressaltar que os trusts não precisam ser puramente fixos, discricionários ou de suporte. Como se trata de uma figura jurídica que abre ampla liberdade para o settlor delinear seus termos na constituição do trust, é possível mesclar elementos de um trust fixo com elementos de um trust discricionário, de suporte e inclusive conceder ao trustee ou a um terceiro poderes de nomeação. Isso vai depender, é claro, da vontade do settlor, dos seus anseios e das características do seu patrimônio e da sua família.

2. A tributação de trusts no Brasil

2.1. O fluxo de recursos no trust e os possíveis eventos tributários

Os tributos incidem sobre manifestações de riquezas. Portanto, para examinarmos os possíveis impactos tributários de um trust no Brasil, faz-se necessário dissecar os fatos ocorridos desde a sua criação, passando pela administração e pagamento de rendimentos aos beneficiários, até a sua extinção48. O fluxo de riquezas no trust, desde a sua criação até a distribuição de rendimentos, bens e direitos aos beneficiários, pode ser sintetizado da seguinte forma:

1. O settlor, domiciliado no Brasil, transfere valores, bens e direitos a um trustee domiciliado no exterior.

2. O trustee, domiciliado no exterior, administra bens e direitos de acordo com os termos do trust instrument. A aplicação dos recursos no mercado gera rendimentos ao patrimônio do trust.

3. O trustee distribui aos beneficiários rendimentos, bens e direitos nos termos definidos no trust instrument.

A partir desse fluxo de transferência, geração e distribuição de riquezas, examinaremos abaixo quais dessas etapas podem estar sujeitas ao ITCMD e quais ao Imposto de Renda.

Ressalvamos que alguns dos eventos acima não encontram uma solução clara e incontroversa na nossa legislação tributária. Isso decorre essencialmente do fato de que o trust é uma figura inexistente em nossa legislação civil. Não temos, por aqui, a divisão da propriedade em formal (legal title) e econômica (equitable title) como ocorre nos países de common law que abrigam os trusts. Temos, sim, a possibilidade de desmembrar os poderes inerentes à propriedade (usar, gozar, dispor da coisa e reavê-la de quem a possua injustamente49) entre diversas pessoas distintas, como ocorre no caso do usufruto, no direito de habitação ou no direito de uso, por exemplo. Mas nenhuma dessas figuras é igual ao equitable title da common law. Como o direito tributário se utiliza basicamente das figuras jurídicas do direito civil para estabelecer as hipóteses de incidência e, como algumas das relações criadas no trust não existem em nosso ordenamento jurídico, o assunto pode gerar controvérsia em diversos pontos.

Outra ressalva importante é que neste artigo examinaremos a incidência do Imposto de Renda e do ITCMD em casos nos quais o settlor e o beneficiário são pessoas distintas. Não trataremos de hipóteses em que ambas as figuras do trust recaiam sobre a mesma pessoa, porque tal particularidade poderia acarretar conclusões distintas que mereceriam uma análise separada.

2.2. As hipóteses de incidência do ITCMD e do Imposto de Renda. Diferenciação necessária

O nosso ponto de partida para analisar a incidência do ITCMD e do Imposto de Renda em operações com trust é examinar as hipóteses de incidência desses dois tributos. Adotaremos, aqui, a premissa de que os dois tributos não incidem sobre o mesmo fato. Embora reconheçamos que esse não seja um posicionamento incontroverso, entendemos que é o que encontra guarida na melhor doutrina sobre o assunto. Comecemos pelo ITCMD e depois passemos ao Imposto de Renda.

O ITCMD é um imposto estadual previsto no art. 155, I, da Constituição Federal, que incide sobre a transmissão de bens causa mortis ou por doação, de quaisquer bens ou direitos. A transmissão causa mortis decorre do falecimento da pessoa e da consequente transmissão do patrimônio do falecido ao herdeiro ou legatário nos termos previstos na legislação civil e/ou no testamento eventualmente deixado pelo de cujus.

A doação, por sua vez, é definida pelo art. 538 do Código Civil como o “contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. O Código Civil de 1916, com sutil diferença, continha a mesma definição em seu art. 1.165. A única diferença reside no fato de que o antigo Código previa a necessidade de aceitação da doação pelo donatário. Isso, porém, não interferirá em nossa análise.

Esse conceito, por estar em vigor quando da publicação da Constituição Federal de 1988, é fundamental para compreendermos a hipótese de incidência do ITCMD sobre doações, uma vez que o art. 110 do CTN é claro ao determinar que “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Vale, portanto, o conceito de doação previsto no Código Civil.

O conceito de doação previsto no Código Civil não é caracterizado apenas pela transferência de bens ou direitos por liberalidade. Há um elemento adicional e importantíssimo no conceito, que é a transferência de bens do patrimônio de uma pessoa para o patrimônio de outra. Assim, somente seria possível a incidência do ITCMD nas transferências de recursos a título gratuito que passassem a integrar o patrimônio do receptor.

Caio Mário da Silva Pereira esclarece que “Para que haja doação, é indispensável esta mutação ou movimento. Tem de haver um deslocamento do bem, com o empobrecimento do doador e o enriquecimento do donatário.”50 Serpa Lopes51, por sua vez, ao analisar todas as correntes e autores que examinaram o conceito de patrimônio, demonstra que o conceito de patrimônio engloba todos os bens e direitos sobre os quais incide a responsabilidade do seu titular quanto ao pagamento dos seus débitos frente aos seus credores. Confira-se:

“Para Von Tuhr, o patrimônio é poder econômico. São direitos patrimoniais, acrescenta, os que asseguram ao homem os meios econômicos necessários à sua existência e à sua atividade volitiva, sendo que o caráter mais importante dos direitos patrimoniais é o de formarem todos juntos, no conceito de patrimônio, o objeto sobre o qual incide a responsabilidade do seu titular, quanto ao pagamento dos seus débitos.”52

É, então, por meio dessa noção elementar do patrimônio, que se torna possível explicar, do ponto de vista da técnica jurídica, e do direito em geral, a razão de o patrimônio poder responder por todas as dívidas do seu titular e transmissível aos herdeiros, no caso de morte.”53

“Os citados autores, definindo o patrimônio, após considerá-lo um conjunto de bens e não um conjunto de direitos, entendem resumir-lhe o âmbito, para afirmá-lo circunscrito exclusivamente aos bens suscetíveis de agressão por parte dos credores.”54

“Além desse princípio fundamental, Ennecurus ressalta mais os seguintes: […] b) a unidade se revela, além disso, no fato do patrimônio total (e só este), isto é, o conjunto de direitos patrimoniais, responder em princípio pelas dívidas do titular, no estado em que estiver num dado momento.”55

Assim, não é a simples transferência de recursos de forma não onerosa que abre espaço para a incidência do ITCMD. Há algo a mais exigido pela lei, que é o aumento do patrimônio pessoal do receptor de tais recursos.

O Imposto de Renda, por sua vez, tem seu fato gerador previsto nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”), que o define como sendo a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica (i) de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; e (ii) de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os demais acréscimos patrimoniais não compreendidos no item (i).

Não adentraremos, aqui, nas inúmeras discussões doutrinárias acerca do conceito de renda e de proventos de natureza, pois tal tarefa já foi desenvolvida por tributaristas de escol desde o advento do CTN. Adotaremos, para fins deste trabalho, as conclusões do ilustre Ricardo Mariz de Oliveira sobre o assunto, em seu livro Fundamentos do Imposto de Renda. O referido autor, após examinar a fundo a hipótese de incidência do Imposto de Renda com base na Constituição Federal, no CTN e na doutrina clássica que examinou o assunto, aponta que “o incremento patrimonial que integra a sua base de cálculo deve sempre ser originado de causas das quais participe a própria fonte produtora, que é o patrimônio ou o seu titular”56.

Ou seja, não é o simples acréscimo patrimonial que dá ensejo ao Imposto de Renda, mas sim aquele acréscimo que decorre (a) da prestação de serviços pelo beneficiário do rendimento ou (ii) do emprego de bens ou direitos do patrimônio do beneficiário (locação, alienação, licença, empréstimo etc.). Em qualquer caso, imprescindível se faz a existência de esforço da pessoa ou do emprego de bens que integrem o seu patrimônio.

São essas também as ponderações do saudoso Aliomar Baleeiro57:

“Em princípio, do ponto de vista jurídico-tributário, a existência da renda pressupõe: a) fonte permanente, como a casa, a fábrica, a atividade física ou intelectual do indivíduo; b) o decurso dum período de tempo, geralmente de um ano; c) o caráter periódico ou regular das atividades; d) aplicação da atividade do titular na gestão da fonte (o aménagement da fonte, segundo Allix e Lecerclé).”

Importante sublinhar que a onerosidade também já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como condição para a incidência do Imposto de Renda, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 117.887/SP, de 11 de fevereiro de 1993, cuja ementa estabelece que “Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso.”

Concluindo: o acréscimo patrimonial não oneroso, decorrente de mera liberalidade, sujeita-se ao ITCMD, ao passo que o acréscimo patrimonial oneroso, decorrente de esforço da pessoa ou do emprego de bens que integrem o seu patrimônio, é passível de tributação pelo Imposto de Renda.

Feitas essas observações iniciais, passemos a examinar em quais fluxos de riquezas especificados acima haveria a incidência do ITCMD e/ou do Imposto de Renda.

2.3. O settlor, domiciliado no Brasil, transfere valores, bens e direitos a um trustee domiciliado no exterior

O primeiro fluxo de riquezas em operações com trust ocorre na constituição do trust, com a transferência de bens do settlor ao trustee. Descartamos, de imediato, a incidência do Imposto de Renda, uma vez que o trustee não recebe esse patrimônio em decorrência de serviços prestados ou do emprego do seu patrimônio. Haveria, por outro lado, a possibilidade de cogitar a incidência do ITCMD sob o argumento de que estaríamos diante de uma doação, por se tratar de ato praticado por mera liberalidade, ou seja, desprovido de onerosidade.

Pensamos, todavia, de modo diverso. Como demonstrado acima, o conceito de doação previsto no Código Civil não é caracterizado apenas pela transferência de bens ou direitos por liberalidade, mas também pela circunstância de estar ocorrendo a transferência de bens do patrimônio de uma pessoa para o patrimônio de outra. Assim, somente haveria a incidência do ITCMD se o bem transferido pelo settlor passasse a integrar o patrimônio do trustee.

Conforme examinado no decorrer deste trabalho, os bens transferidos em trust não integram o patrimônio pessoal do trustee. Ao trustee é transferido apenas o legal title (título de propriedade) dos referidos bens e direitos. Entretanto, esses bens e direitos não respondem por dívidas pessoais do trustee e não geram seu enriquecimento pessoal. Ao contrário, ao receber o patrimônio do trust, o trustee fica obrigado a administrá-lo e distribui-lo aos beneficiários seguindo os ditames impostos pelo settlor no instrumento de trust.

Não há, portanto, a incidência do ITCMD na transferência de bens e direitos do settlor ao trustee. Esse mesmo entendimento se estende aos casos de trusts criados em testamento. Como os bens recebidos pelo trust não integram o seu patrimônio pessoal, não há sucessão de bens para o trustee, não havendo, assim, a incidência do ITCMD na hipótese causa mortis.

A autora portuguesa Veronica Scriptore Freire e Almeida, em sua dissertação de mestrado intitulada A tributação dos trusts, analisou de forma aprofundada a doutrina de diversos países em relação ao assunto e, ao mencionar a doutrina italiana, destaca que diversos autores consideram descabida a incidência do imposto sobre doações e sucessões na transferência dos bens do settlor ao trustee. Os fundamentos apresentados por cada autor variam, mas, em linhas gerais, tais autores defendem58 a não incidência do referido imposto pela (a) ausência de animus donandi, (b) não enriquecimento do trustee e, consequentemente, (c) porque tal tributação não obedeceria ao princípio da capacidade contributiva.

É fato que cada país possui impostos com contornos próprios, não sendo sempre válida a interpretação dada por um autor de um país com relação a um determinado imposto para a interpretação de um imposto similar em outra jurisdição. Entretanto, neste caso específico, entendemos que os apontamentos feitos pela doutrina italiana, mencionados no aludido trabalho, são elucidativos e aplicáveis no Brasil.

2.4. O trustee, domiciliado no exterior, administra os bens e direitos de acordo com os termos do trust instrument. A aplicação dos recursos no mercado gera rendimentos ao patrimônio do trust

Neste momento, não há que se cogitar a incidência do ITCMD. O trustee recebe tais rendimentos a título oneroso, decorrente da aplicação do patrimônio do trust, e não haveria campo para cogitar a incidência do ITCMD. Por outro lado, os rendimentos auferidos pelo trustee domiciliado no exterior na administração do trust podem estar sujeitos ao Imposto de Renda na fonte, no Brasil, se os rendimentos tiverem origem em fonte localizada neste País, conforme determinam os arts. 68559 e seguintes do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/1999) e legislação posterior aplicável.

2.5. O trustee distribui aos beneficiários rendimentos, bens e direitos nos termos definidos no trust instrument

A distribuição dos bens, direitos e rendimentos aos beneficiários domiciliados no Brasil poderia se sujeitar à incidência do ITCMD, pois, neste momento, há um incremento no patrimônio dos beneficiários em virtude de ato não oneroso.

O acréscimo é não oneroso porque ele não decorre de qualquer esforço praticado pelo beneficiário ou do emprego de qualquer bem ou direito sobre o qual ele detenha a propriedade ou a posse. O beneficiário não possui uma relação direta com esses bens, seja a título de propriedade ou posse. Assim, ao receber os rendimentos do trust, ou os próprios bens e direitos que formam o patrimônio em trust, o beneficiário aufere um acréscimo a título gratuito, que poderia se sujeitar à incidência do ITCMD, respeitadas, entretanto, as regras de competência previstas no art. 155, § 1º, da Constituição Federal.

A conclusão acima está ainda em linha com objetivo essencial dos trusts. Como bem destacado por Mark Reutlinger, os trusts integram um processo de doação60, por meio do qual o settlor, utilizando-se do trustee, irá efetuar uma doação de bens aos beneficiários. O trustee opera, assim, como um conduíte, responsável por administrar os bens e direitos a ele transferidos pelo settlor e distribui-los aos beneficiários, a título gratuito, acompanhados dos respectivos rendimentos gerados durante a administração do trustee, nos termos delineados no trust instrument.

Ressalvamos, entretanto, que a conclusão acima não nos parece absoluta em todos os casos, uma vez que, dependendo da configuração do trust, o rendimento obtido a partir da aplicação dos bens e direitos em trust e disponibilizados ao beneficiário pode estar sujeito ao Imposto de Renda. Isso ocorrerá nos casos em que um dos beneficiários seja o próprio trustee ou um co-trustee com poderes de gestão sobre determinados bens do trust61. Mais do que isso, deve haver uma relação direta entre o rendimento distribuído a tal beneficiário e o bem sobre o qual ele exercia poder de gestão.

Havendo a confluência desses dois fatores, entendemos que o mais correto será a incidência do Imposto de Renda e não do ITCMD, porque o beneficiário, na condição de trustee, já é o titular do direito de propriedade ou exerce a posse do bem responsável por gerar o rendimento a ele distribuído. Haveria, aqui, valendo-se das palavras de Aliomar Baleeiro transcritas acima, a “aplicação da atividade do titular na gestão da fonte”, o que justificaria a incidência do Imposto de Renda.

Trata-se, entretanto, de uma situação excepcional e que deve ser verificada cuidadosamente em cada caso. De qualquer modo, é importante frisar que tal rendimento somente estará sujeito ao Imposto de Renda no momento em que ele seja disponibilizado à pessoa na condição de beneficiário, livre de qualquer encargo. Não basta que tal rendimento seja recebido pelo beneficiário na condição de trustee ou co-trustee.

3. Conclusões

Este artigo procurou examinar a incidência do ITCMD e do Imposto de Renda, no Brasil, em operações com trusts constituídos no exterior, em que o trustee e/ou o beneficiário são residentes fiscais no Brasil.

Com base na análise acima, foi possível identificar que a transferência de bens do settlor, domiciliado no Brasil, para um trustee no exterior, não estará sujeita ao Imposto de Renda ou ao ITCMD, porque não resta caracterizado, na hipótese, efetivo aumento patrimonial do trustee, seja a título oneroso ou gratuito.

Já os rendimentos auferidos pelo trustee na administração do trust podem estar sujeitos ao Imposto de Renda na fonte, no Brasil, se os rendimentos tiverem origem em fonte localizada neste País, conforme determina a legislação do Imposto de Renda aplicável.

Por fim, a entrega de bens, direitos ou valores, pelo trustee, ao beneficiário domiciliado no Brasil, poderá estar sujeita à incidência do ITCMD, uma vez que o beneficiário estará recebendo tais bens a título gratuito, respeitando-se, entretanto, as regras de competência previstas no art. 155, § 1º, da Constituição Federal.

As conclusões acima podem ser relativizadas em casos muito específicos, nos quais um dos beneficiários atua na administração dos bens, seja na condição de trustee ou co-trustee. Nesses casos, seria possível cogitar a incidência do Imposto de Renda, ao invés do ITCMD, no recebimento de rendimentos pelo beneficiário em questão, uma vez que ele teria participação ativa na gestão dos bens dos quais se originam os rendimentos.

Bibliografia

ALMEIDA, Verônica Scriptore Freire e. A tributação dos trusts. Coimbra: Almedina, 2009.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

DEKKERS, René. La fiction juridique. Sirey, 1935.

DE PAGE, Henri. Droit civil, t. 5a.

ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; e WOLFF, Martin. Derecho de cosas, I.

GENY, F. Méthode d’interprétacion. 2. ed., I, Paris, 1932.

LESLIE, Melanie B.; e STERK, Stewart E. Trust and estates (concepts and insights). 2. ed. Foundation Press, 2011.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: princípios gerais, posse, domínio e propriedade imóvel. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. v. VI.

MENNEL, Robert L.; e BURR, Sherri L. Wills and trusts in a nutshell. 4. ed. West Publishing Co., 2012.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

______. O instituto do “trust” na perspectiva do direito brasileiro. Estudos de direito tributário em homenagem ao Prof. Gerd. Willi Rothmann”. São Paulo: Quartier Latin, 2016.

PENNER, J. E. The law of trusts. 10. ed. Oxford University Press, 2016.

PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. IV.

______. Instituições de direito civil. 21. ed. atual. por Caitlin Mulholland. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III.

REUTLINGER, Mark. Wills, trusts, and estates: essential terms and concepts. 2. ed. Aspen Publishers, 1998.

SALOMÃO NETO, Eduardo. O trust e o direito brasileiro. São Paulo: Trevisan, 2016.

VON TUHR. Derecho civil, teoría gen. del derecho civ. alemán, I.-1.

1 Como ensinam Leslie e Sterk, “trusts are more popular today than ever before, for a variety of reasons. Trusts allow settlors to provide for successive generations of beneficiaries over time and to provide special protection for irresponsible or incapacitated beneficiaries. Trusts maximize flexibility in an estate plan because trustees can adapt as circumstances change over time. Trusts can be used to minimize estate tax or to avoid probate.” (LESLIE; STERK, 2011, p. 109)

2 Leslie e Sterk explicam que os trusts, dependendo da configuração, podem até mesmo inviabilizar a constrição de bens pelos credores dos beneficiários para a satisfação dos seus créditos (Ibid., p. 124-129).

3 ALMEIDA, 2009, p. 135.

4 Dentre os quais, destacamos Eduardo Salomão Neto (SALOMÃO NETO, 2016).

5 Definições semelhantes também são encontradas na doutrina estrangeira. Segundo Robert L. Mennel e Sherri L. Burr, “a trust is a device whereby a trustee manages property for one or more beneficiaries. The settlor or trustor is the person establishing the trust. The trustee is person responsible for managing the trust assets and holds the legal title. The beneficiary is the person who benefits from the trust assets and holds the equitable title. The trust res is the trust property.” (MENNEL; BURR, 2012, p. 175 e 176)

6 Nas palavras de J. E. Penner, “a settlor creates the trust, determining its terms; the settlor, once having created the trust, is not the person who enforces it. It is the beneficiaries alone who are entitled to do that. Equity regards the creation of a trust as a ‘disposition’ of the trust property. The settlor disposes of his interest in the trust property, so that it is no longer his. In the case of a self-declaration of a trust, though he retains the title to the trust property, he disposes of his legal beneficial interest by creating an equitable beneficial interest for the beneficiaries. In the case of a transfer of assets to someone else, the case is even clearer. The settlor not only disposes of his beneficial interest, but passes his legal title to the trustee, who himself will be bound by the beneficiaries’ beneficial equitable interest. In this later case, the settlor will drop out of the picture completely.” (PENNER, 2016, p. 25)

7 O alto grau de flexibilidade dos trusts é bem ilustrado nas palavras de Mark Reutlinger: “Trusts come in many sizes, shapes, colors, and configurations, limited only by the imagination of their creators and the relevant rules of law.” (REUTLINGER, 1998, p. 146)

8 PENNER, op. cit., p. 25.

9 Leslie e Sterk explicam que o instrumento de criação do trust é denominado “instrument of trust” ou “deed”, se o settlor não for o próprio trustee; e “declaration of trust” se o settlor for o próprio trustee. Neste artigo, utilizaremos a expressão “instrument of trust”, porque ela é a mais utilizada de forma genérica pela doutrina que consultamos (op. cit., p. 118).

10 MENNEL; BURR, op. cit., p. 191-192.

11 LESLIE; STERK, op. cit., p. 118-119.

12 Os trusts foram criados e desenvolvidos em países de common law, onde as decisões dos tribunais são fonte do direito. Portanto, muitas das regras aplicáveis aos trusts advêm de jurisprudência formada nesses países.

13 REUTLINGER, op. cit., p. 155.

14 PENNER, op. cit., p. 30 e 33.

15 MENNELL; BURR, op. cit., p. 257.

16 Examinando a legislação norte-americana, a separação dos patrimônios é colocada por Robert Mennell como um dever do trustee: “There are two duties involved in ‘earmarking’. First, the trust assets should be separated from all other assets. Second, the assets should be clearly identified as belonging to this trust. [...] Trustees must not commingle the assets of the trust with the trustee’s personal assets.” (MENNELL; BURR, op. cit., p. 279). No mesmo sentido aponta Mark Reutlinger, ao definir o dever do trustee de segregar os patrimônios: “Keeping trust property separate from the trustee’s own property (segregation) and labeling it clearly (earmarking it) as belonging to the trust […].” (REUTLINGER, op. cit., p. 225)

17 Conforme pontua J. E. Penner, diferenciando os poderes e deveres de um proprietário comum em comparação com o trustee: “A legal owner of property not subject to a trust has all the same powers, but not duties. He can invest it, or not, as he chooses, and may engage in dangerously speculative investments. A trustee must invest the trust property and must not do so in a dangerously speculative way. Where appropriate, trustees must also insure the trust property, against fire, for example, if the trust property is a house.” (PENNER, op. cit., p. 33)

18 Para uma análise mais detalhada dos cuidados a serem tomados pelo trustee na aplicação do patrimônio do trust, ver SALOMÃO NETO, op. cit., p. 45 e seguintes.

19 LESLIE; STERK, op. cit., p. 109.

20 Robert Mennell explica que a realização de negócios pessoais do trustee que tenham como objeto o patrimônio em trust caracteriza quebra de trust por violação ao seu dever de lealdade independentemente de boa-fé ou obediência aos padrões de mercado: “Good faith of the trustee does not prevent the imposition of liability for the breach of trust, although it is relevant in determining whether further action (such as removal as trustee or denial of commissions) should be taken. The trustee breaches the duty of loyalty simply by buying, directly or indirectly, trust assets. The price paid by the trustee may be as high as, or even higher than, the price which could be obtained from others, but a breach has nevertheless occurred.” (MENNELL, op. cit., p. 265)

21 PENNER, op. cit., p. 46.

22 Ibid., p. 31.

23 Ibid., p. 25-26.

24 SALOMÃO NETO, op. cit., p. 40.

25 LESLIE; STERK, op. cit., p. 108.

26 Ibid., p. 109.

27 Um exemplo de benefício sujeito à condição suspensiva seria um trust em que o settlor determina ao trustee a transferência de ações de uma determinada empresa quando o filho completar 30 anos, desde que o filho tenha concluído a faculdade de administração de empresas.

28 Um exemplo de benefício sujeito à condição resolutiva seria um trust em que o settlor determina ao trustee o pagamento de rendimentos para o sustento da filha até que ela se case.

29 PENNER, op. cit., p. 34.

30 Ibid., p. 27.

31 Essa peculiaridade da relação jurídica entre o beneficiário e o trustee é muito bem explicada por J. E. Penner, nos seguintes termos: “[...] If the trust property is stolen or lost and cannot be recovered, or is destroyed, then the trust essentially evaporates, because there is no property to which the beneficiary’s rights under a trust can attach (Morley v Morley (1678)). […] Thus, if the property disappears, then so the trust, and so does the beneficiary’s right. There is a sharp difference between the right of the beneficiary in this respect and the right of the buyer under a contract of sale to be delivered goods, or the right of a creditor. If the goods that the seller is bound to deliver are lost or stolen before title passes, then the buyer does not lose his contractual right to the seller’s delivery of them; he may bring an action for damages for breach of contract for their full value. […] Note, however, that the complete loss of the trust property may not leave the beneficiaries absolutely bereft. If the trust property is lost through no fault of the trustee, then that is the end of the matter. But if the trust property was lost because of the trustee’s fault, the trustee’s liability for this breach of trust continues even if the breach caused the total loss of the trust property. For example, if the trustee commits a breach of trust by investing the trust fund improperly so that all the money is lost, the trustee is liable to reconstitute the trust by restoring property of the same value as what was lost. […]” (Ibid., p. 265)

32 De acordo com J. E. Penner, nos países de civil law que incorporaram o trust em sua jurisdição, o direito de sequela inexiste, cabendo ao beneficiário prejudicado, conforme o caso, o direito de anular a alienação do bem ou pleitear indenização por perdas e danos do trustee (ibid., p. 58).

33 Ibid., p. 38 e 39.

34 Ibid., p. 27.

35 Ibid., p. 40.

36 Leslie e Sterk explicam que esse direito de alienação pode ser afastado pelo settlor se o trust instrumento contiver a cláusula spendthrift. Tal cláusula pode restringir tanto o direito do beneficiário de ceder os direitos de beneficiário a terceiros (uma espécie de inalienabilidade) como o direito dos credores de buscar a satisfação dos seus créditos perante o beneficiário nos seus direitos de beneficiários no trust (uma espécie de impenhorabilidade) (op. cit., p. 126-127).

37 A controvérsia e as diversas linhas doutrinárias são descritas em detalhes por Eduardo Salomão Neto (op. cit., p. 69 e seguintes). J. E. Penner também explica com clareza a controvérsia e os posicionamentos existentes em favor de cada tese: “There is a long-standing historical debate about what sort of right the beneficiary has under a trust. In particular, the dispute concerned the application of Roman law categories of rights in rem and rights in personam to the English law of property, where it is ill-fitting. Rights in rem are rights that ‘bind all the world’; that is all persons, because of the sort of right that they are. […] By contrast, a right in personam is a right that correlates with a duty that, typically, only one other person owes you. The classic example is the debtor-creditor relationship. […]

For some commentators, the beneficiary’s right was a right in rem, because it bound almost all the world ie it bound all successors in title (2.57) to the trustee with the exception of the bona fide purchaser. For others, it could not be, because it did not bind mere successors in possession to the trustee of the trust assets. Where a thief stole a trust chattel or an adverse possessor took possession of trust land, the trustee, and only the trustee, could bring an action for conversion against the thief or seek or seek to evict the adverse possessor. The trust beneficiary could not, although as we have seen (2.36) he could by legal action require the trustee to enforce his legal rights to bring an action for conversion against the thief or require him to evict the adverse possessor. From this perspective then, the beneficiary had no right (or at least no direct right) vis-à-vis the trust property itself, or against those who interfered with it. So the right could not be a right in rem, so therefore, since the right had to be either a right in rem or a right in personam, it must be a right in personam; on this view, a trust is essentially ‘obligational’, not proprietary, the idea being that the beneficiary has no true interest in the trust assets themselves, but only has the right that the trustee, or third-party recipient from the trustee, perform a personal obligation owed to him. Perhaps the most famous advocate of this view was Maitland (Maitland (1929)).” (Op. cit., p. 58 e 59)

38 Conforme evidencia J. E. Penner (ibid., p. 54 e seguintes), os arts. 1.260 e 1.261 do Código Civil de Quebec estabelecem essa definição nos seguintes termos:

“1260. A trust results from an act whereby a person, the settlor, transfers property from his patrimony to another patrimony constituted by him which he appropriates to a particular purpose and which a trustee undertakes, by his acceptance, to hold and administer.

1261. The trust patrimony, consisting of the property transferred in trust, constitutes a patrimony by appropriation, autonomous and distinct from that of the settlor, trustee or beneficiary and in which none of them has any real right.”

39 Conforme preleciona Caio Mário da Silva Pereira “O aspecto, igualmente preponderante, na caracterização dos direitos reais, é a sua limitação legal. Somente o legislador (no Código ou em lei extravagante) pode criá-los. A convenção ou a vontade dos interessados não tem esse poder.” (PEREIRA, 2016, p. 8)

40 PENNER, op. cit., p. 78.

41 LESLIE; STERK, op. cit., p. 111; REUTLINGER, op. cit., p. 155.

42 “Since, as we have seen, a settlor can declare himself trustee of property for someone, the settlor and the trustee can be the same person. A settlor can also convey property to a trustee on trust for himself, so the settlor and the beneficiary can be the same person. A trustee can also be one of several beneficiaries, as would result from, for example, a transfer of title to Blackacre to B on trust for B and C in equal shares. But what cannot exist is a lone trustee who is also a lone beneficiary. The law does not recognize a division of the individual self so that you would have an obligation to hold property for yourself in a defined way, an obligation that you could enforce against yourself.” (PENNER, op. cit., p. 16)

43 Ibid., p. 84.

44 LESLIE; STERK, op. cit., p. 122.

45 Ibid., p. 122.

46 PENNER, op. cit., p. 71.

47 Leslie e Sterk explicam que o poder de nomeação confere alta flexibilidade ao trust e pode ser muito útil e efetivo em diversos casos. Citam como exemplo um caso em que o settlor possui uma filha e que a sua intenção é deixar os rendimentos do patrimônio para ela, enquanto estiver viva; e, após o falecimento da filha, o patrimônio principal do trust para os netos, de modo a proporcionar a eles os recursos para as suas principais necessidades. Entretanto, como os netos ainda são muito novos, o settlor ainda não sabe quais dos netos serão bem sucedidos e, consequentemente, não necessitarão dos recursos do trust, e quais têm uma maior probabilidade de necessitar desses recursos. Como a sua filha tende a viver muito mais tempo que o settlor e irá assistir o desenvolvimento da carreira profissional de cada um deles, o settlor pode, no trust instrument, atribuir à filha o poder de nomear, no futuro, quais dos filhos serão beneficiados pelo patrimônio do trust (LESLIE; STERK, op. cit., p. 147).

48 Não abordaremos, aqui, a tributação dos rendimentos recebidos pelo trustee pela administração do trust.

49 Os poderes inerentes à propriedade – usar, gozar, dispor e reaver o bem – encontram-se definidos no art. 1.128 do Código Civil, nos seguintes termos: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

50 PEREIRA, 2017, p. 225.

51 LOPES, 2001, p. 62-70.

52 VON TUHR, p. 388-389, apud LOPES, 2001, p. 62.

53 GENY, p. 141, apud LOPES, 2001, p. 64.

54 DE PAGE, p. 555 apud LOPES, p. 67; DEKKERS, p. 379 apud LOPES, p. 67.

55 ENNECCERUS, p. 610 apud LOPES, p. 70.

56 OLIVEIRA, 2008, p. 145.

57 BALEEIRO, 1999, p. 283.

58 ALMEIDA, 2009, op. cit., p. 188-190.

59 “Art. 685. Os rendimentos, ganhos de capital e demais proventos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte situada no País, a pessoa física ou jurídica residente no exterior, estão sujeitos à incidência na fonte: [...].”

60 REUTLINGER, op. cit., p. 148.

61 Como visto acima, as regras vigentes nos países que adotam o trust permitem que o trustee seja um beneficiário, desde que ele não seja o único beneficiário.