O Princípio da Progressividade e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) em Relação à Emenda Constitucional n. 132/2023

The Principle of Progressivity and the Tax on Inheritance and Donation (ITCMD) after the Constitutional Amendment n. 132/2023

Fabio Pereira da Silva

Mestre e Doutorando em Controladoria e Contabilidade (PPGCC) pela FEA/USP. Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em Business Management com ênfase em finanças na UCSD – University of California, San Diego. Advogado em São Paulo. E-mail: fabio.silva@fipecafi.org.

Kauê Guimarães Castro e Sousa

Pós-graduado em Direito Tributário pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-Direito SP). Advogado em São Paulo. E-mail: kaue@apj.adv.br.

Michell Przepiorka

Mestre e Especialista em Direito Tributário Internacional – IBDT. MBA IFRS – Fipecafi. Julgador no Conselho Municipal de Tributos de São Paulo – CMT. E-mail: przepiorka@tpa.adv.br.

Recebido em: 9-4-2024 – Aprovado em: 18-4-2024

https://doi.org/10.46801/2595-6280.56.8.2024.2527

Resumo

O presente artigo tem por objetivo discutir as mudanças promovidas pela Emenda Constitucional n. 132/2023 em relação ao ITCMD. O estudo revisa os debates doutrinários sobre a exigência da adoção de alíquotas progressivas como condição para atendimento do princípio da capacidade contributiva, bem como a evolução do entendimento jurisprudencial sobre a aplicação da progressividade para tributos classificados como “reais”. Conclui-se que muito embora a proporcionalidade seja suficiente para atender ao princípio da capacidade contributiva, a progressividade tem por objetivo atender os preceitos constitucionais visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, por exigir uma parcela maior de imposto daqueles que possuem melhores condições econômicas.

Palavras-chave: progressividade, capacidade contributiva, impostos reais, jurisprudência.

Abstract

This article aims to discuss the changes promoted by Constitutional Amendment No. 132/2023 to the ITCMD. The study reviews the doctrinal debates on adopting progressive rates as a condition for compliance with the principle of ability to pay and the evolution of the jurisprudential understanding of the application of progressivity to taxes classified as “propter rem”. It is concluded that although proportionality is sufficient to meet the principle of ability to pay, progressivity aims to meet the constitutional precepts aiming at constructing a fairer and more egalitarian society by requiring a greater share of tax from those with better economic conditions.

Keywords: progressivity, ability to pay, “propter rem” taxes, jurisprudence.

I. Introdução

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Fazenda em dezembro de 2023, o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis ou Doações (ITCMD) representou apenas 0,39% da carga tributária brasileira no ano de 20221. O montante pouco expressivo talvez explique a escassez de discussões acadêmicas sobre o tema, especialmente em comparação com os debates mais frequentes envolvendo outros tributos que possuem maior representatividade na arrecadação tributária do país.

Entretanto, a promulgação da Emenda Constitucional n. 132/2023 traz à tona duas questões que merecem atenção dos operadores do direito: a adoção mandatória de alíquotas progressivas e a delimitação de competências em casos que envolvam doadores ou donatários residentes no exterior ou bens situados fora do país.

Dada a recente previsão legislativa, entende-se oportuno revisitar as discussões concernentes à progressividade, incluindo uma análise do impacto concreto dessa medida em relação ao ITCMD, tomando por base o Projeto de Lei n. 07/2024, do Estado de São Paulo.

Para tanto, o presente artigo inicia sua análise a partir da delimitação do alcance do ITCMD na Constituição, bem como a conformação legislativa de seu fato gerador. Na sequência, analisar-se-ão, a partir de revisão bibliográfica e jurisprudencial, os limites e a aplicação do princípio da progressividade ao referido imposto.

II. Breve histórico da tributação sobre heranças e doações nas Constituições brasileiras e aspectos gerais do ITCMD

O ITCMD encontra-se atualmente previsto no art. 155, inciso I, da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 03, de 1993, cuja competência para instituição, cobrança e fiscalização recai sobre os Estados e o Distrito Federal2.

Cumpre destacar que, historicamente, a Constituição de 1988 inovou ao delegar competência tributária sobre as doações de bens móveis aos Estados e ao Distrito Federal, haja vista que as Cartas Magnas anteriores segregavam a materialidade e o campo de incidência dos impostos sobre a transmissão da propriedade, a depender de certos critérios.

Com efeito, as Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946 (antes da reforma tributária de 1965) atribuíam aos Estados, no que tange à tributação da propriedade, tão somente a competência tributária referente às doações de bens imóveis, enquanto a tributação das operações envolvendo a transmissão gratuita de bens móveis era de competência residual da União Federal3. Já a Constituição de 1967, alterada pela EC n. 1, de 1969, autorizava os Estados a tributarem apenas as transmissões, a qualquer título, de bens imóveis, sejam elas gratuitas ou onerosas, inter vivos ou causa mortis.

Logo, percebe-se que a Constituição Federal de 1988, de modo original, conferiu aos Estados e ao Distrito Federal o poder de instituir imposto sobre doações de bens móveis, alargando, portanto, sua competência tributária.

Tal distinção também fica clara ao analisarmos a redação do caput do art. 35 do Código Tributário Nacional de 19664, que expressamente confere aos Estados a competência para instituir imposto sobre transmissão, a qualquer título, exclusivamente de bens imóveis. No entanto, a Carta Política de 1988, na mesma via em que amplia a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, também a reduz, ao delegar aos Municípios o poder de tributar as transferências onerosas inter vivos de bens imóveis, antes pertencente unicamente à esfera estadual e distrital. Esse é o comando expresso no inciso II do art. 156 da CF/19885.

Segundo Sacha Calmon, houve uma elação e redução simultânea da competência estadual e distrital do ITCMD, o que se deu por meio da repartição do antigo ITBI, então de competência do Estado, nas hipóteses “causa mortis” e “inter vivos”. Como consequência, os Municípios passaram a deter competência tributária sobre a transmissão de bens imóveis inter vivos, ao passo que a competência dos Estados sobre a transmissão causa mortis passou a englobar quaisquer bens e direito, concretos ou abstratos, mobiliários e imobiliários. Segundo o Autor, “tomou-se o monte na acepção de uma universitas rerum” (universalidade de bens) e “entregou-se a competência desse vero imposto sobre heranças e doações ao Estado-Membro”6.

Em que pesem as diferenças entre os comandos contidos no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal de 1988, é certo que houve a recepção dos arts. 35 a 42 do códex como lei complementar, nas partes que não colidem com a Carta Republicana. Entretanto, ainda que tal recepção produza efeitos regulamentares para certas matérias atinentes ao ITCMD e ao ITBI, não há atualmente lei complementar dirimindo as lacunas deixadas pelo constituinte a respeito de certas particularidades do ITCMD.

Feito este breve histórico a respeito do ITCMD em nosso ordenamento constitucional e legal, expondo as particularidades que levaram ao seu atual quadro normativo, passamos à materialidade do imposto e seus aspectos gerais.

O fato gerador do ITCMD se concretiza com a transmissão por morte ou por doação de quaisquer bens e direitos, nos termos do art. 35 do CTN, supracitado. Especificamente em relação à propriedade imobiliária, nas doações a transmissão ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245 do Código Civil)7, e na hipótese de transmissão causa mortis quando da abertura da sucessão (art. 1.784 do Código Civil)8.

A partir da materialidade, tem-se que a base de cálculo do ITCMD corresponde ao valor venal dos bens ou direitos transmitidos, conforme inteligência do art. 38 do CTN9. Sem ingressar nas especificidades, registra-se que, diferentemente do ITBI10, para o qual há decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça sob o rito de repetitivos, ainda está em aberto a definição da base de cálculo do ITCMD.

Com efeito, ainda há discussão acerca da aplicação do valor venal do IPTU ou do valor fundiário do ITR para fins de apuração da base de cálculo do ITCMD, como acontece no Estado de São Paulo (apesar do contencioso em torno deste tema)11.

Quanto ao sujeito passivo da obrigação tributária, a legislação define como “qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei” (art. 42 do CTN), de modo que a atribuição específica do contribuinte é definida por cada ente federado competente.

Ademais, no que toca à competência territorial para cobrança do ITCMD, nos casos envolvendo bens imóveis e seus respectivos direitos, a cobrança será legítima no local onde estiver situado o bem. Já em relação aos bens móveis, títulos e créditos, será devido o imposto ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou, ainda, ao Distrito Federal, nos termos do art. 155, § 1º, I e II, da CF/1988, com nova redação dada pela Emenda Constitucional (EC) n. 123/2023.

Por fim, a Constituição Federal, em seu art. 155, § 1º, IV, determina que o Senado Federal é responsável pela fixação de alíquotas máximas do ITCMD, podendo os Estados e o Distrito Federal, no entanto, fixarem alíquotas de sua escolha, respeitando esse teto e a capacidade contributiva dos contribuintes. Atualmente vigora a Resolução SF n. 9, de 5 de maio de 1992, que impõe a alíquota máxima de 8% (oito por cento) em todo território nacional. Deve-se destacar, ainda, que conforme teor da Súmula n. 112 do STF, o ITCMD é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão.

A respeito da aplicação das alíquotas, consoante veremos ao longo do presente estudo, durante muitos anos persistiu intensa controvérsia sobre a possibilidade de aplicação de alíquotas progressivas ao ITCMD. A jurisprudência, incluindo aquelas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), modificou-se com o decorrer do tempo, criando um ambiente de pouca segurança jurídica para os contribuintes.

Finalmente, as controvérsias foram encerradas pela EC n. 132/2023, que acrescentou o inciso V no § 1º do art. 155 da CF, dispondo expressamente que o ITCMD “será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”.

Feitas tais considerações preliminares, passamos a analisar o papel da progressividade no sistema tributário, com especial foco no ITCMD.

III. Progressividade tributária e a capacidade contributiva

O princípio da capacidade contributiva encontra-se positivado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 145, § 1º, estabelecendo que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”12.

A doutrina tributária conflui no sentido de que o princípio da capacidade contributiva guarda relação direta com o princípio da igualdade, devendo o Estado tributar de forma igualitária aqueles que apresentam a mesma condição de suportar o ônus fiscal, sem que, para isso, seja comprometido o mínimo existencial de cada indivíduo.

A respeito da capacidade contributiva, Geraldo Ataliba13 aduz que tal princípio modula a tributação de maneira a adaptá-la à riqueza dos contribuintes, de modo que lei tributária gere efeitos sobre tais riquezas sem destruir sua base criadora, enquanto Luciano Amaro14 relembra que referido princípio traduz-se no milenar brocardo “suum cuique tribuere” (dar a cada um o que é seu – tradução livre).

Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho15 afirma que “só pode ser feita a igualdade se buscarmos a capacidade contributiva das pessoas”. Não discorda Regina Helena Costa16 ao descrever que a capacidade contributiva seria um subprincípio, derivado de um princípio mais geral da própria igualdade, irradiando efeitos para todos os setores do direito. Com efeito, Humberto Ávila17 preconiza que a capacidade contributiva é critério de aplicação da igualdade, sem a qual esta torna-se “uma forma despida de qualquer conteúdo”, já que a ausência de critérios normativos materiais esvaziaria a igualdade como metanorma estruturadora. Por fim, Luís Eduardo Schoueri18 leciona que a capacidade contributiva é corolário do princípio da igualdade em matéria tributária, servindo de critério para mensuração e valoração da riqueza de cada contribuinte.

A capacidade contributiva, portanto, é elevada ao patamar constitucional como princípio de caráter normativo, e não meramente programático, sendo, na visão de Kiyoshi Harada, um princípio voltado ao atingimento da justiça fiscal, instrumentalizada a partir da repartição proporcional dos encargos do Estado com a capacidade de cada contribuinte19.

Nota-se, assim, que a exigência direcionada para que a tributação seja aplicada em conformidade com a capacidade contributiva dos indivíduos é livre de dissensos doutrinários, prevalecendo entendimento predominante de que esse princípio é decorrência lógica do princípio da isonomia. Entretanto, o mesmo não se pode dizer sobre a progressividade, em que as opiniões jurídicas se dividem entre aqueles que consideram ser uma exigência incondicional do princípio da capacidade contributiva e aqueles que argumentam que a progressividade é compatível com aludido princípio, mas sua aplicação não é obrigatória.

Nessa linha de compreensão, para José Maurício Conti, a progressividade seria um método de tributação mais alinhado ao princípio da capacidade contributiva, sendo também um instrumento para promover a equidade vertical na sociedade20. Estevão Horvath, a seu turno, é ainda mais enfático, preceituando que todos os impostos, necessariamente, deveriam ser progressivos, como meio de concretização da capacidade contributiva21.

Entendimento semelhante demonstram Paulo Rosenblatt e Juliana Studart, para quem “a progressividade é o modo de graduação de alíquotas que melhor atende à exigência da capacidade contributiva, uma vez que gradua o valor da alíquota a depender da matéria econômica tributável”22.

Misabel Derzi igualmente proclama que o vínculo entre progressividade e capacidade contributiva é de caráter intrínseco e inseparável, tendo em vista que a progressividade se torna indispensável para a concretização da personalização vindicada pela Constituição Federal23. Por sua vez, André Mendes Moreira postula que a progressividade é corolário do princípio da capacidade contributiva, integrando outros subprincípios de envergadura constitucional, sendo eles: pessoalidade, generalidade, seletividade e universalidade24.

Nesta esteira, Schoueri expõe que “a ideia de progressividade não contraria o princípio da igualdade”, uma vez que “naquilo que são iguais [...], todos os contribuintes estão isentos”, enquanto “naquilo em que se diferenciam, dá-se, também, um tratamento diferenciado, mas exclusivamente sobre a parcela da renda que uns têm e outros não”25. Note que, para o Autor, a progressividade não contraria a exigência do § 1º do art. 145 da CF, em verdade, sua aplicação vai ao encontro do princípio da capacidade contributiva.

Isso não significa, consoante alerta o autor, que para atender os preceitos da Constituição Federal as alíquotas dos impostos devem ser obrigatoriamente progressivas. Com efeito, conforme leciona, a adoção de alíquotas proporcionais seria suficiente para concretizar o princípio da capacidade contributiva, uma vez que também nessa sistemática ocorre um crescimento no valor do tributo arrecadado conforme aumenta o valor da base de cálculo. Não obstante, aduz o Autor, em certas situações, a adoção da progressividade implicaria numa tributação até mesmo desigual, condenando, portanto, a própria capacidade contributiva. São os casos em que, ao se analisar as riquezas de forma periódica, em primazia da praticidade, tributa-se mais intensamente aqueles que auferem maiores rendas em curtos espaços de tempo, do que sujeitos com rendimentos globais de mesma monta, mas auferidos no decorrer de toda a vida26.

Expressa a mesma linha de pensamento Ramon Tomazela, ao aduzir que o “princípio da capacidade contributiva não exige que o cidadão com maior potencial econômico contribua progressivamente mais para as despesas públicas”, uma vez que que referido princípio não teria a “função de expropriar recursos financeiros dos contribuintes com base na utilidade marginal decrescente da renda [...], sendo suficiente o simples aumento do imposto devido em termos absolutos”27.

Por sua vez, Martha Leão afirma que a progressividade “não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas, sim, um refinamento desse postulado”, chegando a afirmar que a progressividade se mostraria inapta para atingir as finalidades sociais que justificariam sua própria adoção num Estado Social de Direito, tendo em vista que a tributação mais gravosa sobre certos contribuintes dependeria de uma finalidade indutora que produzisse efeitos práticos, o que não ocorre no atual sistema tributário brasileiro. Na visão da Autora, a escolha do constituinte por um sistema preferencialmente progressivo não deve ser interpretada de forma absoluta e isolada, de modo que acabe por esvaziar os demais direitos e preceitos estabelecidos no próprio texto constitucional, como os direitos fundamentais à propriedade privada e à liberdade28.

Como se nota, há intenso dissenso doutrinário sobre a imposição do princípio da progressividade como exigência decorrente da previsão contida no § 1º do art. 145 da CF. Se por um lado, parte da doutrina não encontra óbice constitucional na aplicação do princípio da progressividade, entendendo que sua aplicação tem como objetivo uma melhor distribuição de renda entre a sociedade, de outro lado, há opiniões no sentido de que a Constituição Federal exige a aplicação de alíquotas progressivas, pois somente dessa forma será atendido o princípio da capacidade contributiva em sua completude.

É oportuno destacar que a progressividade pode ser instrumentalizada na sistemática tributária de diferentes formas, sendo seu aspecto mais usual a fixação de alíquotas graduais que aumentam quanto maior for a base objeto da tributação.

A doutrina aponta que aplicação da progressividade pode se dar de forma simples ou graduada, no que tange à incidência das alíquotas sobre o total da base de cálculo ou a partir de um escalonamento incidente sobre as distintas faixas de cada alíquota29. De forma exemplificativa, imaginemos uma herança de R$ 32.000,00, na qual as alíquotas incidentes sejam de 1% para bases entre R$ 10.000,00 e R$ 30.000,00 e 2% para bases acima de R$ 30,000,00 e menores que R$ 50.000,00. Logo, a tributação pela progressão simples e graduada resultaria nos seguintes recolhimentos:

Valor da Herança: R$ 32.000,00

Total recolhido

Progressividade Simples

R$ 32.000,00 x 2%

R$ 640,00

Progressividade Gradual

Até R$ 10.000: isenção

R$ 20.000,00 x 1%
R$ 2.000,00 x 2%

R$ 240,00

A partir do exemplo, nos parece que a aplicação de faixas escalonadas de alíquotas contribui para uma tributação mais equilibrada e personalizada, sendo, inclusive, uma forma alinhada aos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, já que onera igualmente os contribuintes que possuem patrimônio até determinado montante, e tributa mais intensamente as faixas superiores.

Noutro giro, também importa mencionar que a progressividade pode se dar sobre diferentes bases de cálculo, notadamente no que se refere à tributação na transmissão causa mortis, que pode incidir sobre (i) a totalidade da herança ou sobre (ii) o quinhão de cada herdeiro. Enquanto na primeira espécie o imposto incidirá sobre a totalidade do valor da herança, a segunda segrega a base de cálculo tributável, de modo que as alíquotas incidirão individual e separadamente sobre cada quinhão, sendo possível um maior aferimento da capacidade contributiva de cada herdeiro.

Tal divisão é relevante nos casos em que a herança é recebida por múltiplos herdeiros, especialmente nos cenários em que o monte-mor é desigualmente dividido entre seus beneficiários. Para melhor elucidação, tomemos um exemplo prático no qual 3 (três) irmãos recebem uma herança cujo valor totalize R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em que o primeiro irmão recebe R$ 30.000,00 (trinta mil reais); o segundo irmão recebe R$ 15.000,00 (quinze mil reais); e o terceiro irmão recebe R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Quanto às alíquotas e faixa de isenção, tomemos as mesmas adotadas no exemplo anterior. Vejamos:

Valor a ser recebido

Tributação sobre a totalidade do patrimônio transmitido

Tributação sobre os quinhões individualizados

1º irmão

R$ 30.000,00

Isenção até R$ 10.000,00
R$ 20.000,00 x 1% = R$ 200,00
R$ 20.000,00 x 2% = 400,00
Total do Imposto = R$ 600,00
Valor devido por cada irmão: R$ 200,00

Isenção até R$ 10.000,00
R$ 20.000,00 x 1% = R$ 200,00
Total devido: R$ 200,00

2º irmão

R$ 15.000,00

Isenção até R$ 10.000,00
R$ 5.000,00 x 1% = R$ 50,00

3º irmão

R$ 5.000,00

Isenção até R$ 10.000,00

Da simples análise de ambos os métodos de tributação, depreende-se que a incidência do imposto sobre a totalidade da herança, além de se mostrar mais onerosa, se revela mais gravosa àqueles que manifestam menor capacidade econômica, dado que tende por vislumbrar, equivocadamente, a extinta capacidade contributiva do próprio de cujus, ao invés da capacidade dos herdeiros, que verdadeiramente arcam com o ônus tributário.

Em ambos os exemplos expostos acima, nota-se que a correta aplicação da progressividade no sistema tributário, atrelada a bases e normas que denotam a pessoalidade e capacidade econômica de cada contribuinte, implica diretamente na promoção de uma sociedade que se aproxima mais dos ideais de igualdade e solidariedade constitucionalmente instituídos.

Nesse sentido, numa acepção utilitarista, tem-se que um dos objetivos da adoção de impostos progressivos seria propiciar a redistribuição da renda entre as classes sociais, evitando, assim, a concentração exacerbada e indevida de riquezas nas mãos de poucos indivíduos.

Tal corrente, contudo, é criticada – principalmente por Seligman – nos seguintes pontos: (i) não é função do imposto redistribuir renda, mas sim do Estado por meio de políticas públicas voltadas às classes sociais mais necessitadas; e (ii) a aplicação de critérios progressivos de tributação, isoladamente, impacta tão somente na arrecadação do Estado, de modo que a concretude da distribuição de renda e justiça social dependem, igualmente, do controle dos gastos públicos30.

Em crítica mais incisiva, o filósofo Robert Nozick ataca o uso de princípios utilitaristas como meio de justificar a distribuição de renda, já que a própria concepção de que a “sociedade” deveria redistribuir renda seria algo sem sentido, já que a sociedade em si não tem renda a ser distribuída, mas apenas as “pessoas” que recebem renda. Para o filósofo, pouco importa se um conjunto de regras é considerado teoricamente “bom”, uma vez que se os seus resultados forem considerados “indesejáveis”, tal conjunto não pode ser considerado “bom”31.

Já especificamente no que toca o imposto sobre heranças, Rosen e Gayer defendem que um sistema efetivo de tributação de heranças seria capaz de produzir uma distribuição de renda mais equitativa, em contraposição a uma concentração indevida de riqueza hereditária. No entanto, os mesmos autores também apontam que o emprego de um imposto hereditário, se mal utilizado, pode resultar num efeito oposto, acarretando uma distribuição de renda menos igualitária. Dentre os pontos elencados que exprimem tais riscos, citam que (i) se o imposto sobre herança reduz a poupança, haverá menos capital, levando a uma baixa do salário real pelo trabalho e, por consequência, o aumento da desigualdade, já que a renda do capital é distribuída mais desigualmente do que a renda do trabalho; (ii) a redução das transferências voluntárias de riqueza de indivíduos mais abastados para cidadãos menos favorecidos pode resultar no aumento da desigualdade; e (iii) a redução das transferências de riquezas entre pais e filhos, considerando que os progenitores teriam capacidade de obtenção de renda superior a dos filhos, ocasionaria no aumento da desigualdade de renda entre gerações32.

Percebe-se, portanto, que a progressividade no sistema tributário se revela como importante ferramenta de efetivação social e cumprimento dos ditames constitucionais, atuando como corolário do princípio da capacidade contributiva e, por reflexo, na promoção do próprio princípio da igualdade na sociedade. Todavia, além de não ser impositiva sua implementação, vez que alíquotas proporcionais também atenderiam ao princípio da capacidade contributiva, é notória a complexidade que a sua aplicação acarreta ao ordenamento, não sendo recomendada sua utilização isolada como meio de política pública e de atingimento dos ideais constitucionais de construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária.

Independentemente da linha hermenêutica que prevaleça sobre o tema, fato é que o Sistema Tributário Nacional convive com a progressividade intensamente. São várias as razões para esse cenário. Em primeiro lugar, após avaliar o entendimento da doutrina é possível concluir que a aplicação de alíquotas progressivas ou é exigida ou ao menos não fere o princípio da capacidade contributiva. Em segundo lugar, é consenso que a aplicação de alíquotas progressivas é necessária para proporcionar maior justiça fiscal, permitindo uma redistribuição da carga tributária, amainando a regressividade do nosso sistema tributário. Por fim, o próprio STF, após modificar sua interpretação sobre § 1º do art. 145, consolidou o entendimento no sentido que a progressividade atende a capacidade contributiva não só nos impostos tidos como pessoais, mas também naqueles compreendidos como reais, como foi o caso do ITCMD, no julgamento do RE n. 562.045/RS, mais adiante comentado.

IV. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na aplicação da progressividade nos impostos reais e pessoais e o advento da Emenda Constitucional n. 132/2023

A doutrina estabelece, tradicionalmente, uma classificação dos impostos entre os de natureza real e de natureza pessoal. Os primeiros seriam aqueles em que o legislador teve por consideração tão somente o objeto tributável, sem levar em conta as condições particulares do contribuinte, ou seja, adotam-se critérios objetivos para a dosagem da exação. Já os segundos seriam aqueles em que o legislador, ao delimitar a hipótese de incidência, sopesa características individuais do contribuinte de modo a assegurar uma graduação do imposto, ou seja, adotam-se critérios subjetivos para definição do quantum tributário devido. Essa, inclusive, é a clássica lição de Geraldo Ataliba, ao conceituar referida classificação, in verbis:

“56.2 São impostos reais aqueles cujo aspecto material da h.i. limita-se a descrever um fato, ou estudo de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja, indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. A h.i. é um fato objetivamente considerado, com abstração feita das condições jurídicas do eventual sujeito passivo; estas condições são desprezadas, não são consideradas na descrição do aspecto material da h.i. (o que não significa que a h.i. não tenha aspecto pessoal; tem, porém este é indiferente à estrutura do aspecto material ou do próprio imposto).

56.3 São impostos pessoais, pelo contrário, aqueles cujo aspecto material da h.i. leva em consideração certas qualidades, juridicamente qualificadas, dos possíveis sujeitos passivos. Em outras palavras: estas qualidades jurídicas influem, para estabelecer diferenciações de tratamento legislativo, inclusive do aspecto material da h.i. Vale dizer: o legislador, ao descrever a hipótese de incidência, faz refletirem-se decisivamente, no trato do aspecto material, certas qualidades jurídicas do sujeito passivo. A lei, nestes casos, associa tão intimamente os aspectos pessoal e material da h.i. que não se pode conhecer este sem considerar concomitantemente aquele.”33

A partir de tal classificação, e do previsto no art. 145, § 1º, da CF/1988, que determina que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, surgiu intenso debate quanto a possível aplicabilidade de alíquotas progressivas em impostos de natureza real. Para os defensores de uma interpretação mais restritiva do alcance da progressividade, a mencionada graduação no texto constitucional estaria vinculada apenas aos impostos de “caráter pessoal”, somada ao fato de que locução “sempre que possível” não autorizaria a sua extensão aos demais impostos, já que não seria possível a atribuição de um caráter pessoal a um imposto real.

Aludido imbróglio foi objeto de apreciação do Supremo Tribunal Federal em algumas ocasiões, nas quais, por certo tempo, perdurou o entendimento de que não seria possível a aplicação da progressividade em impostos de natureza real.

No julgamento do Recurso Extraordinário n. 153.771/MG, em sessão realizada em 20 de novembro de 1996, a Corte entendeu que não seria possível a instituição de alíquotas progressivas na cobrança de IPTU, exceto na hipótese especificamente delimitada no texto constitucional, qual seja, a prevista no art. 182, § 4º, II34, decorrente do descumprimento da função social do imóvel urbano, em caráter notadamente extrafiscal. Ademais, os ministros também entenderam que a progressividade prevista no § 1º do art. 145 da CF se voltava apenas aos impostos pessoais, já que não seria possível aferir a capacidade econômica dos contribuintes em impostos reais.

Posteriormente, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 234.105/SP, em sessão de 8 de abril de 1999, o Plenário da Corte esboçou entendimento quanto à inconstitucionalidade de adoção de alíquotas progressivas no âmbito do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI), também sob o fundamento de que impostos de caráter real não seriam abarcados na progressividade contida no § 1º do art. 145 da Constituição Federal. Referido tema, inclusive, foi objeto da Súmula n. 656 da Suprema Corte, editada em 13 de outubro de 200335.

Foi somente em 6 de março de 2013, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 562.045/RS, Tema 21 da Repercussão Geral, que o STF alterou seu entendimento, admitindo a aplicação da técnica da progressividade aos impostos reais, especificamente, naquele caso, ao ITCMD. Em contrariedade aos entendimentos esposados até então, a Corte Constitucional consagrou que a classificação dos impostos como reais ou pessoais seria indiferente para fins de aplicação da progressividade, uma vez que tal técnica denotaria instrumento concretizador do princípio da capacidade contributiva, de observância obrigatória em todos os impostos, ante a necessidade de promoção da justiça social e redistributiva por meio da tributação.

Apesar do julgamento da Suprema Corte, muitos dos estados permaneceram cobrando o ITCMD por meio de alíquotas fixas (proporcionais), ante à mera possibilidade de aplicação da progressividade. No entanto, observa-se uma recorrência de notícias concernentes a propostas de elevação das alíquotas do ITCMD, tanto no que tange à definição da alíquota máxima pelo Senado Federal, quanto à possibilidade de os estados aumentarem suas alíquotas, mesmo dentro do limite de 8%. Cite-se, a título de exemplo, o Projeto de Resolução do Senado n. 57, de 201936, que aumenta a alíquota máxima do imposto para 16%. Já em São Paulo, no dia 17 de abril de 2020, foi publicado no Diário Oficial o Projeto de Lei n. 250, de 2020 (“PL n. 250/2020”)37, que propõe alterações na alíquota e base de cálculo do ITCMD, dispondo sobre a aplicação de alíquotas progressivas até o limite atual de 8%.

Ocorre que com o advento da Emenda Constitucional n. 132/2023, notória pela reforma tributária sobre o consumo, houve a introdução do inciso VI no § 1º do art. 155 da CR/1988, no qual passa a ser obrigatória a adoção da progressividade no imposto sobre transmissão causa mortis e doação:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; [...]

§ 1º O imposto previsto no inciso I: [...]

VI – será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação;” (Destaque nosso)

Nesta senda, em decorrência da EC n. 132/2023, em tese, os Estados devem ajustar a legislação local para instituir a progressividade das alíquotas desse imposto, o que pode resultar até mesmo em um aumento da carga tributária, a depender do patamar do patrimônio transferido. Logo, enquanto a progressividade no ITCMD antes tinha tratamento jurídico de faculdade, com a nova redação constitucional a graduação de alíquotas passa a ser método de tributação obrigatório.

Neste contexto, é discutível se a existência de uma faixa de isenção e uma alíquota única já não cumpriria essa exigência de progressividade ou se há obrigatoriedade de implementação de várias faixas, e quais seriam as consequências de eventual descumprimento, podendo se especular a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade da lei instituidora ou mesmo a existência de crime de responsabilidade fiscal.

Além disso, a Emenda Constitucional também determina que a incidência progressiva do imposto deve se dar sobre o valor do quinhão ou do legado, e não sobre o valor total da herança, fato este que impacta significativamente na apuração do imposto nos casos de múltiplos herdeiros, conforme tratado em tópico anterior deste artigo.

Um exemplo de alteração da legislação estadual decorrente da EC n. 132/2023 é o Projeto de Lei n. 07/2024, do Estado de São Paulo, cujo objetivo é alterar “a Lei n. 10.705, de 28 de dezembro de 2000, que dispõe sobre o Imposto sobre a Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, visando à instituição de alíquotas progressivas no âmbito do Estado de São Paulo”38.

Dada a relevância do assunto e seus possíveis impactos na tributação sobre heranças e doações, é apropriado examinar as disposições estabelecidas no mencionado projeto de lei:

Artigo 16. O imposto é calculado aplicando-se as seguintes alíquotas sobre as faixas do valor fixado para a base de cálculo, convertida em UFESP:

I – 2% (dois por cento) sobre a parcela da base de cálculo que for igual ou inferior a 10.000 (dez mil) UFESPs;

II – 4% (quatro por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceder 10.000 (dez mil) UFESPs e for igual ou inferior a 85.000 (oitenta e cinco mil) UFESPs;

III – 6% (seis por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceder 85.000 (oitenta e cinco mil) UFESPs e for igual ou inferior a 280.000 (duzentos e oitenta mil) UFESPs;

IV – 8% (oito por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceder 280.000 (duzentos e oitenta mil) UFESPs;

§ 1º A apuração do imposto devido será efetuada mediante a decomposição em faixas de valores totais dos bens e direitos transmitidos, que será convertida em UFESP, ou outro índice que a substitua, sendo que a cada uma das faixas será aplicada a respectiva alíquota.

§ 2º O imposto devido é resultante da soma total da quantia apurada na respectiva operação de aplicação dos porcentuais sobre cada uma das parcelas em que vier a ser decomposta a base de cálculo.”

A partir da nova redação do art. 16, é possível destacar duas grandes diferenças, em comparação à sistemática atualmente vigente: (i) as alíquotas do imposto são progressivas; e (ii) a progressividade adotada é a gradual, de modo que cada faixa é isoladamente tributada, conforme método demonstrado alhures.

Para realizar uma análise concreta do impacto potencial da aprovação do PL n. 07/2024, considere-se a hipótese de sucessão causa mortis (ou doação) de patrimônio nos montantes de R$ 300.000,00; R$ 1.000.000,00; R$ 5.000.000,00 e R$ 10.000.000,00. O objetivo é comparar a carga tributária atual (alíquota proporcional de 4%, conforme art. 16 da Lei n. 10.705/2000) com aquela que será devida se a mudança da proposta for aprovada. Vejamos a análise39:

Patrimônio
transmitido

ITCMD devido
(sistemática atual)

ITCMD devido
(sistemática do PL 07/2024)

R$ 300.000,00

R$ 12.000,00

R$ 6.000,00

R$ 1.000.000,00

R$ 40.000,00

R$ 32.928,00

R$ 5.000.000,00

R$ 200.000,00

R$ 232.816,00

R$ 10.000.000,00

R$ 400.000,00

R$ 534.800,00

Da simples análise da tabela acima, percebe-se que é expressiva a diferença resultante na carga tributária do ITCMD em doações e sucessões sob a nova sistemática. Como é típico dos tributos progressivos, o valor devido aumenta progressivamente à medida que a base de cálculo aumenta. Portanto, na transmissão de patrimônios menores, é esperado que a carga tributária seja reduzida. Por outro lado, para patrimônios mais substanciais, o montante devido ao Estado de São Paulo, nesse exemplo, aumentará exponencialmente.

V. Conclusões

O presente artigo teve o objetivo de discutir as recentes mudanças em relação ao ITCMD, promovidas pela Emenda Constitucional n. 132/2023. Mais especificamente, o estudo se ocupou de revisitar os debates doutrinários sobre a exigência da adoção de alíquotas progressivas como condição para atendimento do princípio da capacidade contributiva, bem como a evolução do entendimento jurisprudencial sobre a aplicação da progressividade para tributos classificados como “reais”. Concluiu-se que a progressividade tem por objetivo atender os preceitos constitucionais visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, muito embora a proporcionalidade seja suficiente para atender ao princípio da capacidade contributiva, por exigir uma parcela maior de imposto daqueles que possuem melhores condições econômicas.

Adicionalmente, com o intuito de promover uma análise concreta das possíveis mudanças que decorrerão da nova previsão constitucional sobre a progressividade do ITCMD, buscou-se avaliar o impacto que a aprovação do Projeto de Lei n. 07/2024, do Estado de São Paulo terá na carga tributária nas hipóteses de doações e heranças caso aprovado.

Essa avaliação permite concluir que o referido Projeto de Lei cumpre seu papel ao empregar a progressividade em favor de maior justiça fiscal, por permitir uma distribuição da carga tributária mais adequada aos anseios sociais.

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2 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;”

3 MARTINS, Ricardo Lacaz. Tributação das heranças e doações. São Paulo, SP: IBDT, 2021 (Série Doutrinária Tributária 39), p. 181.

4 “Art. 35. O impôsto, de competência dos Estados, sôbre a transmissão de bens imóveis e de direitos a êles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.”

5 “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...]

II – transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;”

6 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 235.

7 “Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.”

8 “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”

9 “Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.”

10 Vide BEVILACQUA, Lucas Clovis; PRZEPIORKA, Michell. A conformação do fato gerador do ITBI pelos tribunais superiores. Revista dos Tribunais v. 112, n. 1054. São Paulo: RT, ago. 2023, p. 203-218.

11 O Decreto Estadual n. 55.002/2009 alterou o Regulamento do ITCMD de São Paulo (Decreto n. 46.655/2002), para determinar que a base de cálculo do imposto, em se tratando de imóvel urbano, seria calculada partir do “valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador”, desde que não inferior ao valor venal adotado no lançamento do IPTU. Tal alteração ensejou um grande contencioso, tendo o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se consolidado no sentido de que é ilegal a adoção do valor de referência do ITBI para apuração da base de cálculo do ITCMD, dado o comando expresso no CTN é de que a base de cálculo se expressa no valor venal dos bens. Neste sentido: (i) TJSP, Remessa Necessária Cível n. 1060819-91.2018.8.26.0053, Rel. Borelli Thomaz, 13ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 17.07.2020; (ii) TJSP, Remessa Necessária Cível n. 1007519-49.2020.8.26.0053, Rel. Teresa Ramos Marques, 10ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 17.07.2020. Ademais, o Plenário do STF entendeu que discussão da matéria é de natureza infraconstitucional (RE n. 1.162.883/SP, DJe 08.11.2018), não sendo competência da Corte decidir a respeito. Já o STJ afirmou que a matéria é de direito local, não podendo ser apreciada naquela instância (vide os REsp n. 1.797.510/SP e n. 1.703.144/SP e AREsp n. 2.424.559/SP, n. 1.189.089/SP e n. 1.394.481/SP).

12 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...]

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

13 ATALIBA, Geraldo. IPTU – progressividade. Revista de Direito Tributário n. 56, 1991, p. 76.

14 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 136.

15 CARVALHO, Paulo de Barros. Limitações ao poder de tributar. Revista de Direito Tributário n. 46. São Paulo: RT, 1988, p. 150.

16 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação do Professor Geraldo Ataliba, 1992, p. 22.

17 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 357-358.

18 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2024, e-book, 5.1.2 Capacidade contributiva como parâmetro.

19 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018, p. 444.

20 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1996, p. 93.

21 HORVATH, Estevão. Mesa de debates no VI Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário n. 60. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 191-209.

22 ROSENBLATT, Paulo; PEREIRA, Juliana Studart. Alíquotas progressivas no imposto sobre a transmissão de bens imóveis: proposta de superação da Súmula 656 do Supremo Tribunal Federal. Revista de Informação Legislativa: RIL v. 54, n. 215, jul./ set. 2017, p. 195-212,. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/215/ril_v54_n215_p195, p. 208.

23 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1165.

24 MOREIRA, André Mendes. Capacidade contributiva. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coord.). Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/264/edicao-1/capacidade-contributiva.

25 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2024, e-book, 2. Progressividade, proporcionalidade e regressividade.

26 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2024, e-book, 2.6 Ainda sobre a progressividade e capacidade contributiva.

27 Santos, R. T. (2021). A progressividade do Imposto de Renda e os desafios de política fiscal. Revista Direito Tributário Atual v. 33. São Paulo: IBDT, p. 327-358. Recuperado de https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1743, p. 335.

28 Leão, M. T. (2012). A (des)proporcionalidade da progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física no sistema brasileiro. Revista Direito Tributário Atual v. 28. São Paulo: IBDT, p. 188-205. Recuperado de https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1755, p. 191-204/205.

29 “Progressão simples é aquela em que cada alíquota maior se aplica por inteiro a toda matéria tributária. Progressão graduada é aquela em que cada alíquota maior calcula-se apenas sobre a parcela do valor compreendido entre um limite inferior e outro superior, de modo que é preciso aplicar tantas alíquotas quantas sejam as parcelas de valor e depois somar todos esses resultados parciais para obter o imposto total a pagar.” (SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo, 1975, p. 171)

30 SELIGMAN, Edwin Robert Anderson. L’impôt progressif em théorie et em pratique. Paris: V. Diard et E. Briére, 1909, p. 322 (apud MARTINS, Ricardo Lacaz. Tributação das heranças e doações. São Paulo, SP: IBDT, 2021. Série Doutrinária Tributária 39, p. 103).

31 NOZICK, Robert. Anarchy, state and utopia. Oxford: Basil Blackwell, 1974 (apud BROWNING, Edgar K. 2002. The case against income redistribution. Public Finance Review 30, p. 511).

32 ROSEN, Harvey S.; GAYER, Ted. Finanças públicas. Tradução: Rodrigo Dubal. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015, p. 486.

33 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 141-142.

34 “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes [...]

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: [...]

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;”

35 “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel”.

37 Destaque-se que referido Projeto de Lei foi arquivado em 10 de maio de 2023. De toda forma, ilustra os riscos relacionados ao aumento das alíquotas do ITCMD. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000322805. Acesso em: 21 fev. 2024.

39 Considerando o valor de R$ 35,36 da UFESP em 2024.