Não Cumulatividade do ICMS, do IBS e da CBS: Dogmática Jurídica e Teoria da Classificação das Normas Constitucionais

Non-cumulative Nature of ICMS, IBS and CBS: Legal Dogmatics and the Theory of Constitutional Norms Categorization

Frederico Menezes Breyner

Mestre, Doutor e Pós-doutorado em direito tributário pela UFMG. Professor da graduação e mestrado acadêmico em direito da Faculdade de Direito Milton Campos. Advogado. E-mail: fredericobreyner@outlook.com.

Recebido em: 14-6-2024 – Aprovado em: 14-7-2024

https://doi.org/10.46801/2595-6280.57.9.2024.2568

Resumo

O artigo aborda a não cumulatividade do IBS e da CBS a partir dos métodos dedutivo e comparativo, com o propósito de categorizar as normas constitucionais que tratam do direito ao crédito desses tributos de acordo com a teoria da classificação das normas constitucionais em razão de sua eficácia e aplicabilidade. A abordagem dogmática estabelece a eficácia e a aplicabilidade das normas constitucionais que versam sobre o direito do contribuinte aos créditos que instrumentalizam a não cumulatividade, formulando um modelo para se avaliar a constitucionalidade das restrições a serem impostas por lei complementar regulamentadora. Conclui-se que a não cumulatividade do IBS e da CBS é instituída por norma de eficácia restringível e aplicabilidade imediata e integral, mas que margem de restrição por lei complementar é mínima, figurando assim como uma norma que contempla uma amplitude e extensão maior do que as normas que regulam a não cumulatividade do ICMS.

Palavras-chave: IBS, CBS, ICMS, não cumulatividade, eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.

Abstract

The article addresses the non-cumulative nature of IBS and CBS using deductive and comparative methods, with the purpose of categorizing the constitutional norms that deal with the right to credit for these taxes in accordance with the theory of classification of constitutional norms due to their effectiveness and applicability. The dogmatic approach establishes the effectiveness and applicability of constitutional norms that deal with the taxpayer’s right to deduct credits, proposing a model to evaluate the constitutionality of restrictions to be imposed by complementary law. The conclusion is that the non-cumulative nature of IBS and CBS is established by a rule of that admits a minimal range of restrictions in its effectiveness and that has immediate and full applicability, thus appearing as a rule that contemplates a greater breadth and extension than the rules that regulate the right to deduct the ICMS.

Keywords: IBS, CBS, ICMS, non-cumulative, effectiveness and applicability of constitutional norms.

1. Introdução

A reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional n. 132/2023 levará à extinção de impostos cuja competência era repartida entre todos os Estados e Municípios e o Distrito Federal, quais sejam, o ICMS e o ISSQN, bem como de tributos federais consistentes nas contribuições sociais PIS e Cofins.

Com exceção do ISSQN, esses tributos estão sujeitos ao princípio da não cumulatividade. Como são tributos de materialidades tributáveis distintas, a não cumulatividade do ICMS, do PIS e da Cofins também apresenta distinções. Em comum, contudo, tem-se a crítica de que a não cumulatividade desses tributos, tal como desenvolvida pela legislação, pelas decisões administrativas e pela jurisprudência, principalmente do STF, não alcançou uma amplitude apta a satisfazer seus objetivos, entre eles o de neutralidade da incidência tributária ao longo das cadeias de circulação de bens e prestações e serviços.

Esse foi um dos panos de fundo do discurso de suporte da reforma tributária, adotando-se um tributo único, com identidade de materialidades tributáveis, ampla base de incidência e não cumulatividade plena. Com o desenrolar do processo legislativo, a unicidade foi quebrada parcialmente pois, embora com a mesma materialidade e regime de não cumulatividade, operou-se a divisão entre a CBS e o IBS.

É nesse contexto que o presente artigo tem por objeto a análise do regime jurídico não cumulatividade do IBS e da CBS, com o objetivo de construir seus contornos normativos e propor uma classificação das respectivas normas constitucionais.

Os métodos utilizados são o descritivo-compreensivo1 e o comparativo funcionalista. A descrição abordará os efeitos jurídicos decorrentes das normas constitucionais que regulam a não cumulatividade do IBS e da CBS, de forma a compreender reciprocamente as aberturas que ela concede à lei complementar regulamentadora. Essa compreensão será pautada pela proposta classificatória das normas constitucionais de Silva2, o que se justifica por se tratar da “exposição mais conhecida e debatida nos meios brasileiros”3.

Já o método comparativo funcionalista será utilizado para comparar o regime constitucional da não cumulatividade do IBS e da CBS com o atual regime do ICMS. Por meio dele, busca-se identificar respostas jurídicas similares4 ou distintas para a questão da amplitude da não cumulatividade e da margem de conformação outorgada à lei complementar.

A adoção do ICMS para fins de comparação se justifica em dois argumentos. Em primeiro lugar, pela maior semelhança entre a materialidade tributável, composta por operações com mercadorias e prestações de serviços, o que o aproxima mais do IBS e da CBS do que o PIS e a Cofins, cuja materialidade é uma grandeza estanque e pessoal ao contribuinte, qual seja, a receita bruta. Logo, enquanto ICMS, IBS e CBS são tributos indiretos e não cumulativos que incidem sobre operações, o PIS e a Cofins são tributos diretos sobre a receita bruta ou o faturamento do contribuinte.

Logo, a hipótese de incidência daqueles tributos é uma operação que vincula duas pessoas, uma delas o contribuinte, e a outra a destinatária, adquirente ou tomadora, o que indica uma possibilidade jurídica de que o encargo correspondente ao tributo seja transferido do alienante para o adquirente na formação dos preços. Essa transferência é economicamente possível5, pois ausente prescrição jurídica que a obrigue. Logo, o destinatário da operação com bens e serviços pode vir a suportar o ônus do tributo caso as condições de mercado e pretensões do contribuinte o façam repercutir o ônus do tributo no preço praticado6. A não cumulatividade trabalha com essa possibilidade de repercussão do ônus do tributo, eliminando-a nas situações em que o destinatário, adquirente ou tomador também for contribuinte, pois terá ele o direito ao crédito correspondente ao imposto incidente e devido pelo contribuinte fornecedor ou prestador. Caso não seja ele contribuinte, mas sim consumidor final, que não realiza novas operações ou prestações tributadas, não haverá direito ao crédito para compensação, pois não haverá obrigação tributária decorrente de novo fato gerador por ele realizado. Para este caso, o direito pode prever mecanismos de pagamentos compensatórios pelo possível ônus tributário suportado, em matéria que se refere ao direito financeiro, pois estranha à relação jurídico-tributária.

Isso não ocorre no PIS e na Cofins, cuja hipótese de incidência, consistente na receita bruta, é estruturada em sua definição legal com abstração das operações ou prestações que lhe deram origem. Ademais, a não cumulatividade dessas contribuições não se refere ao tributo devido pelo fornecedor ou prestador, mas sim pela subtração, da contribuição devida, do valor consistente nas despesas incorridas multiplicado pela alíquota incidente sobre a receita do contribuinte. Logo, não há operação que vincule duas partes, e nem mecanismo jurídico de não cumulatividade que se refira à possível transferência do ônus tributário entre contribuintes7.

Em segundo lugar, a comparação se justifica também porque, assim como o ICMS, o IBS e a CBS, também contam com previsão constitucional que delega a regulamentação de aspectos da não cumulatividade à lei complementar.

A partir desse recorte, e tendo como premissa a dogmática jurídica da classificação das normas constitucionais, o artigo abordará a não cumulatividade do ICMS, com enfoque na jurisprudência do STF acerca das restrições ao crédito do imposto e ao papel da lei complementar. Em seguida será feita a análise da não cumulatividade do IBS e da CBS para, após a comparação, elaborar uma proposta de classificação das normas constitucionais que regulamentam a não cumulatividade do IBS e da CBS.

2. Dogmática jurídica e classificação das normas constitucionais

Ao tempo em que desenvolvido este artigo a reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional n. 132/2024 contava com cinco meses de sua promulgação. A instituição dos novos tributos nela previstos (IBS, CBS e imposto seletivo) ainda estava pendente de aprovação do respectivo projeto de lei complementar.

Por ser relevante e recente, é natural, nesse momento, que as discussões ainda sejam permeadas pelos aspectos políticos, históricos e finalísticos que motivaram a reforma do sistema tributário. Contudo, diante da existência de um novo texto constitucional, aqueles aspectos deixam de ser relevantes por si só. Sua relevância agora é relativa, pois os argumentos a ele relativos se dissolvem no ambiente formal do direito.

Nesse sentido é que se afirma que a “história da gênese da Constituição”, ou seja, da gênese da reforma tributária, não revela um “argumento decisivo” na interpretação e na aplicação de suas disposições8. A interpretação das disposições constitucionais da reforma tributária, como todo e qualquer texto que se refere a direitos constitucionalmente assegurados, no caso, o direito de crédito dos contribuintes, não pode resgatar “em toda sua inteireza, o método histórico de interpretação”9.

Uma análise meramente histórica, política ou finalística acarretaria uma insegurança que impediria a operacionalização jurídica da reforma tributária. O campo de visão se abriria para todo o processo de debates, movimentos e conflitos políticos e sociais que determinaram sua aplicação, tornando extremamente fluido o objeto jurídico a ser construído. Diversos autores que trabalharam a teoria da argumentação jurídica estabelecem uma hierarquia ou ordem de preferência entre os argumentos de interpretação, recaindo a preferência naqueles ligados ao aspecto institucional do direito, em especial os argumentos literais, semânticos e sistemáticos. Trata-se das regras J.7 a J.9 da teoria da argumentação jurídica de Alexy10, cuja ordem de preferência entre argumentos foi reformulada por autores brasileiros, em especial por meio das obras de Ávila11 e Bustamante12. As variações, contudo, não subvertem a preferência dos argumentos literal, semântico e sistemático.

Os argumentos histórico, genético e finalístico compõem a segunda escala na ordem de preferências. Isso não significa sua inutilidade, mas apenas que eles não são decisivos para iniciar ou fechar a cadeia argumentativa, mas sim para suportar decisões não inteiramente absorvidas pelos argumentos institucionais.

A dogmática jurídica, portanto, propõe decisões vinculadas a argumentos referidos ao sistema jurídico, em metodologia que não abre toda e qualquer premissa ao questionamento até que se torne objeto de uma evidência (característica da zetética). A premissa tomada como verdade “é dogmática, quando relacionada a uma dúvida que, não podendo ser substituída por uma evidência, exige uma decisão”13. Uma abordagem dogmática não questiona a premissa de que os juízos de dever-ser no âmbito do direito devem se limitar à ordem jurídica em vigor14.

O papel da dogmática jurídica não é o de identificar argumentos de autoridade a serem adotados por imposição ou força, desprovidos de razões jurídicas comunitariamente aceitas e fechados a novos escrutínios argumentativos. Suas funções somente são desempenhadas no interior de uma ambiente argumentativo, e consistem em sustentar no tempo determinadas formas de decisão (estabilização); ampliar a discussão jurídica provocando novas proposições (progresso); possibilitar que uma discussão não seja reaberta originalmente em todo caso novo (descarga); abordar a questão de forma unificada e sistemática, o que serve como informação e promove o ensino e a capacidade de transmissão (técnica); garantir eficácia ao princípio da universalidade e justiça formal ao permitir a decisão de casos em relação com os já decididos e por decidir (controle) e propor modelos de solução e sugestão de novas perguntas e respostas (heurística)15.

É nesse ponto que a teoria da classificação das normas constitucionais desempenha seu papel dogmático. Propõe-se um modelo que permite o progresso do direito constitucional ao identificar a eficácia e a aplicabilidade a todas as normas constitucionais, bem como um modelo de solução de questões constitucionais consistente em determinar, de forma sistematizada, quais os efeitos dessas normas, ou seja, quais os deveres e as proibições que elas projetam sobre os poderes constituídos.

A proposta teórica de classificação das normas constitucionais de José Afonso da Silva é aqui adotada para fins metodológicos considerando ajustes advindos de crítica terminológica endereçada por Ferreira Filho16-17 e com maior destaque a pontos específicos em atenção ao problema aqui proposto.

As normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata são normas cuja estrutura possibilita que seus efeitos jurídicos sejam completos, aplicando-se imediata e integralmente aos casos nela contemplados, independentemente de atos concretizadores legislativos ou administrativos. Destaca-se que são normas que não contam com previsão expressa de lei posterior que possa restringir sua eficácia, seja no mesmo dispositivo constitucional sobre os quais são construídas, seja em outro relativo ao mesmo tema.

As normas constitucionais de eficácia restringível, redutível ou contível (eficácia contida, na linguagem de José Afonso da Silva) e aplicabilidade imediata e integral têm as mesmas características das anteriores normas de eficácia plena, com a adição de que há previsão constitucional expressa para que lei reduza sua aplicabilidade. Três são os destaques de importância para o presente estudo. O primeiro é que essas normas são portadoras de eficácia plena e aplicabilidade imediata e integral enquanto não restringidas. Em segundo lugar, é de se concluir que, mesmo após restringidas, a eficácia plena e a aplicabilidade imediata e integral dessas normas se mantêm na parcela não afetada pela restrição. E, por último, tem-se que a extensão possível da restrição a ser imposta à eficácia da norma constitucional, no mais das vezes, é disposta de forma expressamente parcial, ou seja, a própria regulação constitucional admite uma restrição de parte da eficácia da norma constitucional, e não que toda sua eficácia seja subtraída. Essa estrutura projeta para a inconstitucionalidade a lei que reduza a eficácia da norma constitucional para além da restrição constitucionalmente admitida.

Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada são normas constitucionais de eficácia jurídica mínima consistente na vedação a que os poderes constituídos disponham em sentido contrário às suas disposições e revogação ou não recepção de normas infraconstitucionais anteriores, mas cuja aplicabilidade a situações futuras é mediata, indireta e reduzida, pois demandam, para tanto, concretização principalmente legislativa.

A exposição acima é uma redução simplificada da classificação apresentada com os destaques que se mostrarão aqui de maior importância, sem pretensão de exposição completa do tema, redução esta que se tem por suficiente para os objetivos do presente trabalho.

3. A não cumulatividade do ICMS

A Constituição, ao estabelecer a não cumulatividade do ICMS, enunciou que o imposto “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal” (art. 155, § 2º, I). Em seguida, estabeleceu as restrições ao direito de compensar o imposto, negando o creditamento quando as operações anteriores ou as operações e prestações posteriores forem isentas ou alheias à incidência do imposto (art. 155, § 2º, II).

Uma primeira linha de compreensão desses dispositivos é aquela segundo a qual da redação constitucional é possível sustentar que a única exigência para que ocorra a compensação é a existência de operações e prestações tributadas em múltiplas fases do exercício da atividade empresarial. Logo, todas as operações e prestações tributadas destinadas ao contribuinte que realize operações e prestações tributadas devem ter o respectivo imposto compensado.

A Constituição não restringe expressamente o direito à compensação em razão da modalidade de vinculação entre as operações e prestações anteriores e posteriores. Não se encontra na redação constitucional a exigência de que as operações anteriores tenham por objeto bens que integrem a mercadoria objeto da operação posterior, que tenham com ela contato físico, ou qualquer outra específica relação física ou mecânica. Basta que as operações e prestações estejam inseridas no fluxo de uma cadeia de circulação ou prestação tributadas para que o crédito do imposto seja deferido ao contribuinte nela inserido, sendo seu direito utilizá-lo para compensar o imposto incidente nas suas operações e prestações.

Da ausência de restrições, para além das situações de isenção e não incidência, a melhor doutrina preconiza a adoção de um amplo direito ao crédito, próximo da modalidade do crédito financeiro. Por isso Coêlho18 conclui que o crédito deferido pela Constituição aos contribuintes é “o mais amplo possível”, afirmando que o crédito financeiro sempre foi previsto na Constituição, o que projetava todas as restrições para o campo da inconstitucionalidade, atribuindo ainda caráter declaratório ao regime de crédito amplo da Lei Complementar n. 87, de 1996, pois caso a Constituição tivesse limitado o crédito à modalidade física, sua expansão por lei complementar seria inconstitucional.

No mesmo sentido, Derzi19 afirma que “o princípio da não cumulatividade na Constituição de 1988 é amplo e não comporta restrições em lei complementar”, justificando que a Constituição cuidou de detalhar os aspectos irrenunciáveis da não cumulatividade “de forma amplamente determinada, em suas linhas mais importantes. Decorre desse outro contexto, que já sabemos da simples leitura do art. 155, a espécie de compensação adotada, sua amplitude e os estornos admissíveis”.

Essa é a leitura que melhor se adequa ao caráter principiológico da não cumulatividade, que aponta como um dos objetivos a serem tutelados a neutralidade, que pode ser compreendida tanto do ponto de vista da oneração da cadeia econômica quanto da distorção das decisões econômicas.

No primeiro aspecto a não cumulatividade pela cadeia débito-crédito impede a oneração ao longo da cadeia de circulação e prestação. Os contribuintes nela inseridos compensam o imposto devido nas operações e prestações a ele destinadas, o que elimina a possibilidade de que eles suportem o respectivo ônus tributário eventualmente integrante do preço pago pela aquisição de mercadorias e pela utilização de serviços20.

A não cumulatividade também propicia a neutralidade por implicar menor distorção na tomada de decisões econômicas dentro de um mercado comum integrado. Assim, independentemente do local onde estabelecido o contribuinte, da origem das operações ou prestações, ou da quantidade de operações necessárias para que a mercadoria chegue ao consumidor final, o direito de crédito ao longo da cadeia tem por objetivo impedir uma tributação total superior à tributação que seria devida em caso de incidência única na última fase do ciclo. Logo, a não cumulatividade retira da tributação o caráter de fator relevante para a decisão dos agentes econômicos acerca da localização e da verticalização dos empreendimentos, bem como dos consumidores em preferir mercadorias oriundas de determinado local em razão do menor número de operações anteriores que poderiam ocasionar o aumento artificial do preço pela tributação cumulativa. Viabiliza-se assim a neutralidade também pela adaptação às condições de mercado. Em suma, a não cumulatividade o mecanismo acima descrito impede que sucessivas incidências tributárias em uma cadeia distorça a decisão pela concentração ou dispersão empresarial e, consequentemente, a formação de preços21.

Diante desses objetivos, a negativa de créditos sobre o imposto incidente em operações e prestações anteriores que se vinculem à atividade tributada, sob qualquer pretexto, faz com que o eventual ônus do imposto repercutido no valor da operação ou no preço da prestação possa refletir, enquanto custo ou despesa do contribuinte, na formação de seus próprios preços, sujeitando-se assim à nova incidência tributária. Há, nesse caso, incidência sobre base integrada pelo ônus tributário da etapa anterior, majorando artificialmente o preço do contribuinte e impedindo que este forme seu preço sem considerar a distorção da incidência em cascata ao longo da cadeia, o que impulsiona a uma repercussão ao consumidor final de um ônus potencialmente superior ao da alíquota incidente sobre a operação ou a prestação.

Além da própria acumulação de incidências, essa negativa de crédito em razão da relação que a mercadoria adquirida guarde com a mercadoria vendida, e não com a atividade realizada, implica ofensa ao princípio da igualdade. Privilegia-se setores da economia cuja atividade seja intensiva em matéria-prima, prejudicando a neutralidade para setores cuja atividade demande uma larga utilização de outros insumos e ativos22.

A jurisprudência do STF, contudo, não acolheu essa proposta de compreensão da amplitude da não cumulatividade. O que se pode verificar do entendimento da Suprema Corte é que a Constituição garantiria apenas um núcleo mínimo da não cumulatividade, próximo daquilo que se convencionou chamar de crédito físico. O regime de crédito físico é aquele segundo o qual o crédito das operações anteriores se restringe ao tributo incidente nas operações de que decorram a aquisição de mercadorias: (a) para revenda; (b) para emprego como matéria-prima, que se integram em um produto final; (c) para emprego como material de embalagem e (d) para emprego como produto intermediário, conceito que abrange bens que “ainda que não integrem o produto final, concorrem direta e necessariamente para este porque utilizados no processo de fabricação, nele consumido”23. Portanto, gastos decorrentes da aquisição de bens do ativo imobilizado, da realização de investimentos, ou da aquisição de bens necessários ao apoio da atividade do estabelecimento (uso e consumo do estabelecimento), ainda que tributados, não geram direito ao crédito nesse regime, mas apenas em caso de adoção de um regime mais amplo de creditamento, chamado de crédito financeiro.

O entendimento do STF é o de que, para além do conteúdo mínimo, permanente e irrestringível da não cumulatividade do ICMS, consistente no regime do crédito físico, é possível a adoção de amplitude maior do direito de crédito no plano infraconstitucional. Admite-se a possibilidade de um regime de crédito mais amplo por meio de lei complementar, a ser editada pelo Congresso Nacional para desempenhar a tarefa prevista no art. 155, § 2º, XII, “c”, da Constituição, que consiste em “disciplinar o regime de compensação do imposto”. É o que se extrai do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.325, o voto do Ministro Carlos Mário Velloso assim enfrentou a questão:

“Na forma do estabelecido no art. 155, § 2º, XII, c, da Constituição Federal, cabe à lei complementar disciplinar o regime de compensação do imposto. A Lei Complementar n. 87, de 1996 (Lei Kandir), estatuiu que o crédito do ICMS referente à aquisição do ativo permanente poderia ser aproveitado, e aproveitado de uma só vez, integralmente; estatuiu, também que o crédito do ICMS referente à energia elétrica poderia ser aproveitado sem restrições; e estatuiu, mais, que o crédito do ICMS referente a telecomunicações poderia ser utilizado também sem restrições.

A lei complementar assim dispôs, porque a norma constitucional, art. 155, § 2º, I, não impede que o legislador ordinário conceda mais. O que não pode fazer é conceder menos, na interpretação do texto constitucional. Noutras palavras, competindo ao legislador nacional, mediante lei complementar, disciplinar o regime de compensação do imposto (C.F., art. 155, § 2º, XII, c) pode ela adotar interpretação mais benéfica ao contribuinte.”

Essa compreensão é criticável por não concretizar em máxima eficácia o princípio da neutralidade. Afinal, a incidência do ICMS sobre as operações pelas quais o contribuinte adquire bens de uso e consumo do estabelecimento e bens do ativo imobilizado que não geram crédito do imposto ao adquirente ou tomador faz com que este contribuinte não consiga eliminar eventual ônus tributário integrante do valor das operações e prestações anteriores. Esse ônus integrará o valor de suas operações e prestações, sendo novamente tributado, distorcendo a formação de preços e prejudicando a livre decisão econômica em atividades que empregam intensivamente bens de uso e consumo e ativo imobilizado, em comparação com aqueles que se apoiam intensivamente em mercadorias para revenda, matéria-prima, produtos intermediários e material de embalagem.

Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sequer reconhece a própria alteração estrutural do ICMS pela Constituição de 1988. O ICM foi ultrapassado, e o imposto passou a ter como fato tributável também alguns serviços (o S do ICMS), em materialidade tributável que não é compatível com o conceito de matéria-prima, produtos intermediários e materiais de embalagem próprios da indústria de transformação. Afinal, da prestação de serviços de comunicação ou de transporte não resulta nenhum bem corpóreo ao qual possa uma mercadoria se incorporar a título de matéria-prima, que possa ser embalado, ou em cujo processo produtivo possa ser consumido um produto intermediário.

Mas, considerando a pacificação da jurisprudência do STF nesse sentido, deixou-se à lei complementar a tarefa de expandir o regime de creditamento para além do crédito físico. Nesse contexto constitucional é que a Lei Complementar n. 87, de 1996, apresentou-se como um divisor de águas na não cumulatividade do ICMS, pois a partir dela foram ampliadas as possibilidades de creditamento, caminhando a lei complementar para uma maior eficácia do princípio constitucional. Essa é a leitura que propõe acerca da mencionada jurisprudência do STF. Segundo a autora, a jurisprudência estabelece um núcleo mínimo de eficácia direta do princípio, e indica que “além desse núcleo de sentido mínimo, o princípio da não cumulatividade, à luz dessa jurisprudência, comporta um sentido mais amplo e perfeitamente compatível com a norma constitucional, mas não autoexecutável, por ser dependente de regulamentação por meio de lei complementar (ou seja, o ‘o regime de compensação do imposto’)”.

Segundo Derzi24, a Lei Complementar n. 87, de 1996, cumpriu a tarefa de efetivar a maior amplitude do direito de crédito. Ao invés de minimizar o princípio com definições restritivas do crédito em razão das características das mercadorias adquiridas e de sua relação física e mecânica com a mercadoria vendida, a Lei Complementar n. 87, de 1996, estabeleceu basicamente dois requisitos para o direito ao crédito: (i) a tributação das operações e prestações anteriores; e “ii) que tais bens não sejam alheios à atividade do estabelecimento, mas úteis e necessários ao desenvolvimento de sua atividade operacional”. É o que decorre do art. 20, caput e § 1º, da Lei Complementar n. 87, de 1996.

A Lei Complementar n. 87, de 1996, não distingue entre matéria-prima, produto intermediário, material de embalagem, insumos diretos ou indiretos, e nem se propõe a fazer uma relação de quais aquisições ou serviços tomados são aptos a gerar o crédito, afastando-se assim da legislação do IPI, do PIS e da Cofins. Também não reproduz as restrições do seu antecessor Convênio ICM n. 66/1988, que exigia em seu art. 31 modos específicos de emprego físico das mercadorias para que o crédito fosse devido ao contribuinte. Ao contrário, o art. 20 inclui o direito ao crédito relativamente a qualquer operação ou prestação tributada das quais tenha resultado a entrada de mercadoria e a utilização de serviço tributado pelo imposto. A adequada compreensão da Lei Complementar n. 87, de 1996, deve então partir de um amplo direito ao crédito, garantido pelo seu art. 20, para posteriormente serem reconhecidas, em disposições seguintes, limitações específicas ao crédito.

O que se percebe, portanto, é uma maior amplitude do direito ao crédito a partir da Lei Complementar n. 87, de 1996, que abandonou o critério do crédito físico, que concerne ao núcleo mínimo da não cumulatividade, e passou a admitir o creditamento por toda e qualquer aquisição ou utilização de mercadorias e serviços. Isso inclui, com condicionamentos temporais, os bens de uso e consumo do estabelecimento e os bens destinados ao ativo permanente.

A jurisprudência do STJ identifica essa alteração a partir da Lei Complementar n. 87, de 1996, como resulta expressamente dos trechos da ementa do REsp n. 1.175.166/MG25:

“Antes da atual LC 87/1996, vigia o Convênio Interestadual ICMS 66/1988, que regulava nacionalmente o ICMS, com força de lei complementar federal. O art. 31, III, previa o creditamento relativo aos insumos desde que: a) fossem consumidos no processo industrial e b) integrassem o produto final na condição de elemento indispensável a sua composição.

[...]

Ocorre que a LC 87/1996 ampliou a possibilidade de creditamento, pois fez referência apenas à vinculação dos insumos à atividade do estabelecimento, mas não à necessidade de que eles integrem o produto final (art. 20, § 1º).”

Seguindo a tônica e a tendência de ampliação do direito ao crédito do ICMS, o STJ entende que o conceito de bens de uso e consumo do estabelecimento, por terem tido o direito ao crédito de ICMS prorrogado sucessivamente pelas alterações no art. 33, I, da Lei Complementar n. 87, de 1996, merece interpretação restritiva. É ver o trecho pertinente do REsp n. 1.355.437/PR26:

“Tratando-se de uma exceção de ordem temporal que condiciona o exercício do direito de creditamento assegurado pelo caput do art.

20 da LC 87/96, a regra prevista no art. 33, I, dessa mesma lei complementar deve ser interpretada restritivamente, sob pena de, mediante eventual e indevido entendimento mais ampliativo, tornar sem efeito as importantes modificações normativas realizadas pela Lei Kandir. Assim, conforme a literalidade desse dispositivo legal, apenas as entradas referentes ao uso e consumo do estabelecimento, ou seja, do local que dá suporte à atividade fim da empresa (art.11, § 3º, da LC 87/96), têm o direito do respectivo creditamento protraído, não sendo possível estender essa restrição às aquisições de mercadorias ou produtos a serem consumidos no processo produtivo.”

Do acórdão acima citado fica claro que o conceito de bens de uso e consumo não se confunde com o conceito de bens alheios à atividade do estabelecimento. Nota-se que os chamados insumos da atividade, que geram direito ao crédito sem a prorrogação temporal do art. 33, I, da Lei Complementar n. 87, de 1996, são aqueles pertinentes à atividade tributada, ou seja, que interferem na qualidade e na quantidade das operações e prestações realizadas pelo estabelecimento. Já os bens de uso e consumo do estabelecimento são aqueles que, embora pertinentes à atividade, servem apenas ao seu suporte, ou seja, contribuem para a atividade sem determinar a qualidade e a quantidade das operações e prestações tributadas. Tem-se, por exemplo, os materiais de apoio à atividade administrativa, financeira, contábil, e estacionamento, cujo crédito somente seria devido após o prazo previsto no art. 33, I, da Lei Complementar n. 87, de 1996, em realidade que nunca se concretizará, dadas as sucessivas prorrogações por leis complementares posteriores.

Diante desse cenário normativo, é possível aliar a concepção de Derzi27 à clássica lição classificatória das normas constitucionais de José Afonso da Silva, para propor uma classificação, à luz da jurisprudência do STF, das normas constitucionais relativas ao princípio da não cumulatividade do ICMS. Dessas premissas se conclui que, pelo estado jurisprudencial, o princípio da não cumulatividade do ICMS é previsto em duas normas constitucionais distintas, com eficácia também distintas.

O art. 155, § 2º, I, da Constituição é norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata e integral, que consagra o direito ao crédito do imposto incidente das operações e prestações anteriores pelo critério do crédito físico, imediatamente exercitável pelo contribuinte do imposto, aquém do qual será inconstitucional qualquer ato ou norma restritivo do direito ao crédito. Já o art. 155, § 2º, XII, “c”, da Constituição, consagra norma constitucional de eficácia limitada e aplicabilidade indireta e mediata, pois delega à lei complementar a tarefa de expandir o princípio da não cumulatividade para além do crédito físico, em direção à uma não cumulatividade plena e efetiva.

4. A não cumulatividade do IBS e da CBS

4.1. A norma matriz da não cumulatividade do IBS e da CBS

O dispositivo matriz da não cumulatividade do IBS e da CBS é o art. 156-A, III, da Constituição, segundo a qual o IBS (e também a CBS, por força do art. 149-B, IV, da Constituição) “será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição”.

Há uma profunda diferença para com o art. 155, § 2º, I, da Constituição pois esse dispositivo enuncia a não cumulatividade do ICMS sem qualificar nem adjetivar as operações e prestações “anteriores”. Como visto, isso levou o STF a entendê-lo como uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata garantidora da não cumulatividade mínima restrita ao crédito físico.

De forma distinta, o art. 156-A, III, da Constituição trouxe para o dispositivo base da não cumulatividade do IBS e da CBS a maior extensão possível ao se referir às operações que investem o contribuinte no direito ao crédito, por meio do termo “todas”. Logo, todas as operações, independentemente de qualquer critério físico, mecânico, contábil ou financeiro, outorgam o direito de crédito. Reforçando que “todas” as operações portam essa eficácia, o dispositivo afirma em seguida que essas operações abrangem “inclusive” operações com direitos e serviços. Não é possível amplitude maior do que a formulada no dispositivo, pois nenhuma palavra da língua portuguesa poderia ter sentido mais abrangente do que a palavra “todas”, empregada inequivocamente no dispositivo constitucional.

A não cumulatividade do IBS e da CBS alça ao plano constitucional a irrelevância dogmática das restrições ao direito de crédito do contribuinte advinda das distinções entre os regimes de crédito físico ou financeiro, e entre as espécies de imposto sobre valor agregado do tipo produto (crédito físico), líquido (crédito pelos investimentos), renda (créditos na proporção do consumo ou depreciação) ou consumo (crédito integral pelo consumo ou depreciação futuros)28. Os intérpretes do dispositivo constitucional, seja ele o legislador, o chefe do Poder Executivo, o administrador público ou o juiz, ficam proibidos de adotar aquelas distinções para restringir o direito ao crédito. O dever constitucional, no IBS e na CBS, é o de sempre adotar o modelo que garanta, em todas as operações tributadas, o direito de crédito. As exceções não devem ser buscadas em modelos teóricos pré-jurídicos, mas apenas nas hipóteses expressamente previstas na Constituição.

A regulação dessas exceções aponta novo distanciamento para com o regime do art. 155, § 2º, I, da Constituição. Ao contrário daquele, o art. 156-A, III, da Constituição traz para o dispositivo base da não cumulatividade do IBS e da CBS as duas exceções possíveis ao direito de crédito. São elas as operações “consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição”.

Este artigo debate a primeira delas, que deve ser introduzida por lei complementar. Quanto a essas operações de uso e consumo pessoal, verifica-se uma mudança na tarefa atribuída à lei complementar. Como visto, no regime do ICMS, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é de que essa tarefa consiste em disciplinar a não cumulatividade de forma a ampliar o direito de crédito, partindo do irredutível crédito físico rumo ao crédito financeiro. No texto pertinente ao IBS e à CBS, sua tarefa é de apenas especificar as hipóteses de uso ou consumo pessoal que, segundo a Constituição, podem ser excetuadas da compensação garantida pelo dispositivo constitucional.

Em resumo, se no ICMS cabe à lei complementar expandir o mínimo de não cumulatividade garantido pela Constituição com base no crédito físico, no IBS e na CBS cabe à lei complementar reduzir a aplicabilidade da norma que outorga o direito ao crédito. Essa redução, contudo, não tem amplitude indeterminada. Pelo contrário, a primeira parte do final do art. 156-A, III, da Constituição veicula autorização constitucional para que a lei complementar restrinja a não cumulatividade por meio de uma formulação estruturada por termos fechados e restritos.

Ao desempenhar essa tarefa, não é dado à lei complementar formular um conceito abrangente e conotativo de “bens e serviços de uso e consumo pessoal”, deixando ao intérprete e aplicador da norma a tarefa de identificar quais bens e serviços se enquadrarão na definição.

A linguagem constitucional claramente estabelece que a tarefa da lei complementar será a de “especificar” as “operações” que serão consideradas como de uso e consumo pessoal. A definição deverá ser denotativa, ou seja, por referência direta à “coleção de todos aqueles objetos a que o termo se aplica”29, ou a “lista completa de todas as coisas às quais a palavra se aplica”30, pois apenas assim se terá uma especificação das operações, como exige o texto constitucional que se utiliza do plural em referência às operações. Logo, não há mais espaço para a categorização de bens e serviços em conceitos amplos, descrições fluidas ou listas exemplificativas que terminem por restringir o direito ao crédito.

Em uma comparação direta com o ICMS, tem-se que a nova redação da Constituição se refere ao “uso e consumo pessoal”, enquanto a atual Lei Complementar n. 87, de 1996, se refere ao “uso e consumo do estabelecimento”. No IBS e na CBS, portanto, a aquisição de bens que sejam pertinentes à atividade do estabelecimento, ainda que não determinem a qualidade ou a quantidade das operações a serem realizadas, é geradora do direito ao crédito do imposto e da contribuição. Os bens que atualmente são qualificados como de uso e consumo do estabelecimento estão inseridos na norma constitucional que outorga o direito ao crédito, e não foram contemplados pela margem de restrição possível à não cumulatividade, que contempla apenas bens de uso e consumo pessoal. O elemento “pessoal” que qualifica os bens de uso e consumo que poderão ter o crédito negado se refere a pessoas naturais que não sejam elas próprias contribuintes do imposto, ou a bens e serviços adquiridos pelo contribuinte pessoa jurídica e utilizados por seus diretores e empregados exclusivamente em caráter pessoal, sem nenhuma utilização social (ou seja, pertinente ao objeto social) ou empresarial (pertinente à atividade do contribuinte).

Em conclusão, o que a Constituição exige da lei complementar é uma lista taxativa e especificada de operações consideradas como de uso e consumo pessoal, entendidas como aquelas operações que resultem no consumo final de bens e serviços por pessoas naturais que não sejam contribuintes do IBS e da CBS e em atividades que não guardem nenhuma pertinência com o objeto social ou a atividade econômica do contribuinte. Qualquer categorização de bens e serviços relacionados à atividade do contribuinte, dividindo-os em espécies, qualquer descrição ampla ou listagem exemplificativa será inconstitucional se levar à restrição do direito de crédito.

4.2. O sentido da expressão “regime de compensação” na não cumulatividade do IBS e da CBS

O sentido que o atual art. 156-A, § 5º, II, da Constituição dá à expressão “regime de compensação” é diferente daquele dado pelo anterior art. 155, § 2º, XII, “c”, da Constituição. Se no ICMS a expressão foi interpretada como abrangente da própria extensão da não cumulatividade, o regime de compensação a que alude a reforma tributária para o IBS e a CBS pode se desdobrar em apenas duas modalidades: aquela em que o crédito do imposto será garantido tão somente pela incidência tributária na operação destinada ao adquirente do bem ou serviço, e aquela em que se condiciona o crédito do imposto “à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente”, “desde que” observada uma das situações previstas nas alíneas do dispositivo, quais sejam, situações nas quais “o adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços” (alínea “a”); ou em que “o recolhimento do imposto ocorra na liquidação financeira da operação” (alínea “b”).

O “regime de compensação” do IBS e da CBS, portanto, nada tem a ver com a espécie de operação que fundamenta o crédito, nem com a extensão ou a amplitude da não cumulatividade. O regime de compensação se refere à necessidade ou não de efetivo recolhimento para que o destinatário da operação tenha direito ao crédito.

A regra geral é de que o regime de compensação siga o critério da incidência tributária, sendo devido o crédito ao destinatário sempre que a operação a ele destinada sofra a incidência tributária do IBS e da CBS, independentemente de ter sido a respectiva obrigação tributária adimplida ou inadimplida ou de ter sido o respectivo crédito tributário “constituído” ou não por lançamento tributário. O art. 156-A, § 1º, VIII, da Constituição, adotando a melhor doutrina31, não reproduziu o termo “cobrado” constante no art. 155, § 2º, I, da Constituição, estabelecendo que o crédito está relacionado à existência de tributo devido sobre as operações, e tributo devido é aquele objeto da obrigação tributária resultante da incidência da norma tributária sobre a situação de fato nela definida.

Como exceção, e apenas nas duas situações previstas nas alíneas do art. 156-A, § 5º, II, da Constituição, a lei complementar pode adotar o regime de compensação sujeito à verificação do efetivo recolhimento do tributo resultante da incidência tributária. Por isso é que será inconstitucional a lei complementar que adotar o regime de compensação sujeito à verificação do efetivo recolhimento para situações que não se enquadrem em uma das duas alíneas do art. 156-A, § 5º, II, da Constituição32.

Pode-se afirmar, portanto, que a norma da não cumulatividade do IBS e da CBS quanto ao regime de compensação sujeito à verificação da incidência é norma de eficácia limitada. Isso significa que a Constituição garante com eficácia plena e aplicabilidade imediata o direito ao crédito em razão da verificação da incidência tributária, mas essa eficácia pode ser restringida caso, para além da verificação da incidência, seja introduzida uma nova condição ao direito ao crédito por lei complementar, qual seja, a verificação do efetivo recolhimento do tributo decorrente da incidência tributária. Essa restrição somente pode ser introduzida por lei complementar diante das situações previstas nas alíneas do art. 156-A, § 5º, II, da Constituição, sob pena de inconstitucionalidade.

4.3. A concessão de benefício para a desoneração de bens de capital

O último dispositivo a ser analisado é o inciso V do § 5º do art. 156-A da Constituição. Ele regula possíveis “desonerações da aquisição de bens de capital”, em matéria sobre a qual disporá a lei complementar.

Como todo e qualquer dispositivo, deve ele ser interpretado dentro do contexto e da finalidade da emenda constitucional, e com atenção às nuances de sua redação em preferência aos argumentos institucionais. Novamente, portanto, o caso não é de delegar à lei complementar a tarefa de regular a amplitude e a extensão da não cumulatividade, como antes se interpretava o art. 155, § 2º, XII, “c”, da Constituição.

Ao mencionar a desoneração da aquisição (e não desoneração na aquisição), o dispositivo permite que a lei complementar estabeleça um benefício fiscal para os contribuintes adquirentes de bens de capital. Isso significa, portanto, aliviar a carga tributária para além da não cumulatividade, até mesmo porque esta é técnica de tributação que não se confunde com benefício fiscal, mas sim com a implementação de princípios como o da neutralidade e objetivos como o de permitir que o ônus da tributação sobre a cadeia de circulação se limite ao valor agregado e termine por ser suportado pelo consumidor final.

Sendo assim, as medidas contidas nas alíneas do inciso V do § 5º do art. 156-A da Constituição podem ser concedidas pela lei complementar sem prejuízo dos créditos regulares da não cumulatividade, como forma de desoneração da aquisição. Trata-se de fazer com que o valor que o adquirente pagou pelo bem de aquisição, naquilo que se presume ser composto do ônus do tributo, seja a ele concedido como benefício fiscal em adição aos créditos da não cumulatividade.

A lei complementar pode, portanto, ampliar o crédito a que tem direito o contribuinte, concedendo-lhe novamente o crédito imediato e integral (alínea “a”). Pode ainda superar a jurisprudência em formação no Supremo Tribunal Federal para conceder ao adquirente do bem de capital o crédito integral mesmo diante do diferimento do tributo ou da redução em 100% da alíquota aplicáveis à operação de venda praticada pelo fornecedor (alíneas “b” e “c”).

Referindo-se à desoneração, e não à regulação ou restrição à não cumulatividade, não cabe interpretação a contrario sensu do inciso V do § 5º do art. 156-A da Constituição, de forma a ver no dispositivo uma autorização para que a lei complementar retire ou restrinja o direito ao crédito regular da não cumulatividade nas aquisições de bens de capital, como o fizeram o Convênio ICM n. 66/1989 e a Lei Complementar n. 102, de 2001.

Essa característica de concessão de benefício fiscal para além da não cumulatividade também é compartilhada pelo inciso II do § 7º do art. 156-A da Constituição. Segundo referida norma, a lei complementar poderá determinar a manutenção dos créditos do IBS e da CBS ao adquirente das operações e tomador dos serviços alcançados por imunidade.

Em conclusão, o V do § 5º do art. 156-A da Constituição e o inciso II do § 7º do art. 156-A da Constituição não são normas pertinentes à não cumulatividade do IBS e do CBS. São respectivamente normas de competência exonerativa, que autorizam a lei complementar a conceder benefícios fiscais no âmbito do IBS e da CBS.

5. Conclusão

Na temática da não cumulatividade do IBS e da CBS a Constituição remete alguns pontos à disciplina da lei complementar. Essa remissão, contudo, é bastante estrita e limitada, do que resulta que no regime do IBS e da CBS a lei complementar não tem espaço para conformar a amplitude e a extensão da não cumulatividade, diferentemente da conclusão a que chegou o STF para o ICMS.

A classificação das normas constitucionais pertinentes à não cumulatividade do IBS e da CBS servem, portanto, como método para identificar a eficácia e a aplicabilidade do direito ao crédito e as possibilidades de atuação da lei complementar, e podem ser categorizadas como se propõe a seguir.

A não cumulatividade do IBS e da CBS quanto à amplitude e extensão do direito ao crédito é norma constitucional de eficácia restringível por lei complementar. Esta lei complementar pode restringir a eficácia do direito ao crédito apenas mediante especificação, em definição taxativa e exaustiva, às operações que constituam uso e consumo pessoal (art. 156-A, III, da Constituição).

Isso significa que, para todas as outras operações que não sejam de uso e consumo pessoal, o direito ao crédito não pode ser validamente restringido, pois dotado de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Sobre as operações para “uso e consumo pessoal” o crédito somente pode ser validamente restringido por lei complementar que as especifique taxativamente.

Quanto ao regime de compensação condicionado à incidência tributária, a não cumulatividade do IBS e da CBS é norma constitucional de eficácia restringível (contida) por lei complementar. Esta lei complementar pode operar essa restrição ao adicionar uma condicionante da eficácia do direito ao crédito consistente na verificação do efetivo recolhimento do tributo decorrente da incidência tributária, mas apenas nas duas hipóteses estritamente discriminadas nas alíneas do art. 156-A, § 5º, II, da Constituição. Isso significa que, quanto às demais situações não enquadráveis nas alíneas do art. 156-A, § 5º, II, da Constituição, o direito ao crédito decorre da incidência tributária, e qualquer restrição no sentido de adicionar a condicionante de se verificar o efetivo recolhimento será inconstitucional.

Na ausência dessa lei complementar, não é de se exigir a verificação do efetivo recolhimento do tributo para que se tenha direito ao crédito. Bastará a incidência tributária. Sobrevindo essa lei complementar, o direito de crédito poderá ser restringido à verificação do efetivo recolhimento, mas apenas nas duas hipóteses estritamente discriminadas nas alíneas do art. 156-A, § 5º, II, da Constituição. Será inconstitucional a lei complementar que adote o regime de compensação condicionado à verificação do efetivo recolhimento do tributo para hipóteses não previstas em uma das duas alíneas do art. 156-A, § 5º, II, da Constituição.

O art. 156-A, § 5º, V, da Constituição é norma constitucional de eficácia limitada, que autoriza a lei complementar a ampliar os créditos devidos ao contribuinte adquirente de bens de capital para além dos créditos oriundos da base constitucional da não cumulatividade do IBS e da CBS. Trata-se de norma que autoriza concessão de benefícios fiscais na modalidade de crédito presumido que importem em desoneração das aquisições de bens de capital por uma das modalidades constitucionalmente admitidas (art. 156-A, § 5º, V, da Constituição). A mesma característica se verifica na norma constitucional que permite a manutenção do crédito na hipótese de imunidade (art. 156-A, § 7º, II, da Constituição).

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1 GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 29.

2 Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003.

3 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. A eficácia das normas constitucionais: tipologia ontológica das normas constitucionais. Revista Jurídica da Presidência v. 24, n. 133, 2022, p. 522-570, p. 527. ISSN 2236-3645.

4 DUTRA, Deo Campos. Método(s) em direito comparado. Revista da Faculdade de Direito UFPR v. 61, n. 3, 2016, p. 189-212. ISSN 2236-7284. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/46620. Acesso em: 01 maio 2020.

5 ENGLISCH, Joachim. VAT/GST and direct taxes: different purposes. In: LANG, Michael; MELZ, Peter; KRISTOFFEERSSON, Eleonor (coord./org./ed.). Value added tax and direct taxation: similarities and differences. Amsterdã: IBFD, 2009, p. 1-34.

6 SCHOUERI, Luís Eduardo. A restituição de impostos indiretos no sistema jurídico-tributário brasileiro. Revista de Administração de Empresas v. 27, 1987, p. 39-48. ISSN 0034-7590.

7 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 12. ed. E-book. São Paulo: SaraivaJur, 2023, Cap. XV, Tópico 2.4.1.

8 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

9 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Interpretação dos direitos fundamentais sociais, solidariedade e consciência de classe. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (coord./org./ed.). Direitos fundamentais sociais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 146.

10 ALEXY, Robert. Teoría de la argumentación jurídica. Tradução Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.

11 ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS v. 19, mar. 2001, p. 157-180. ISSN 2595-6884. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/revfacdir/article/view/71526/40588. Acesso em: 24 maio 2020.

12 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Argumentação contra legem: a teoria do discurso e a justificação jurídica nos casos mais difíceis. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 142-150.

13 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1993, p. 44.

14 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1993, p. 48.

15 ATIENZA, Manuel. Las razones del derecho: teorías de la argumentación jurídica. México: Unam, 2007, p. 169-170.

16 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional econômico. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 140.

17 O autor mencionado faz outras críticas de ordem substancial, assim como o faz Silva (SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de Direito do Estado v. 4, 2006, p. 23-51). Exemplo das críticas, principalmente no âmbito dos direitos fundamentais, é a de que seria um equívoco concluir que a norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata impediria qualquer intervenção legislativa ou administrativa, pois os poderes constituídos podem desenvolver o direito fundamental, ainda que a norma constitucional já estabeleça uma norma completa e suficiente à sua exigibilidade. Além disso, afirma-se que, em verdade, toda norma constitucional, principalmente a consagradora de direitos fundamentais, seria de eficácia limitada, pois o legislador sempre poderia restringir um direito fundamental quando em colisão com outros direitos ou com objetivos de relevância constitucional. Em contrapartida, pode-se responder às críticas no sentido de que a norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata não proíbe desenvolvimento, apenas o dispensa para fins de adquirir aplicabilidade e eficácia nos limites por ela contemplados. Além disso, algumas normas constitucionais não admitem restrição, como aquela que garante que “ninguém será submetido a tortura” (art. 5º, III, da Constituição); e outras normas constitucionais já indicam o âmbito possível da restrição, não sendo o grau de restrição uma decisão dos poderes constituídos construída com base em juízos de ponderação ou conformação para além do textualmente permitido. Nesse sentido, vide DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 58 e NOVAIS. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 569.

18 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

19 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 14. ed. Atualizado por DERZI, Misabel Abreu Machado. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

20 BREYNER, Frederico Menezes. Benefícios fiscais inconstitucionais e a proteção da confiança do contribuinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 128.

21 DERZI, Misabel Abreu Machado. Aspectos essenciais do ICMS como imposto de mercado. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coord./org./ed.). Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 122, p. 121.

22 DEXHEIMER, Vanessa Grazziotin. Dedução do crédito financeiro no ICMS: não cumulatividade e coerência legislativa. Revista Direito Tributário Atual v. 38. São Paulo: IBDT, 2017, p. 204-224. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1468. Acesso em: 13 maio 2024.

23 STF, RE n. 79.601, 1ª Turma, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, julgado em 26.11.1974, DJ 08.01.1975, p. 75.

24 DERZI, Misabel Abreu Machado. O conceito de princípio da não-cumulatividade – ICMS: RE: 200.168; RE 195.894; ADIN n. 2325-0. O que construímos em vinte anos? Observatório da Jurisdição Constitucional v. ano 2, 2008, p. 12-26.

25 STJ, 2ª Turma, REsp n. 1.175.166/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16.03.2010, DJe 26.03.2010.

26 STJ, 1ª Turma, REsp n. 1.366.437/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 03.10.2013, DJe 10.10.2013.

27 DERZI, Misabel Abreu Machado. O conceito de princípio da não-cumulatividade – ICMS: RE: 200.168; RE 195.894; ADIN n. 2325-0. O que construímos em vinte anos? Observatório da Jurisdição Constitucional v. ano 2, 2008, p. 12-26.

28 Para uma análise dos regimes de amplitude ao direito de crédito e espécies do imposto sobre valor agregado, vide MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2012.

29 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 3.ed. São Paulo: Mestre Jou, 1981, p. 121.

30 HOSPERS, John. An introduction to philosophical analysis. Nova Delhi: Allied Publishers, 2006, p. 40.

31 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003; MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004.

32 Não é o presente artigo espaço para discutir o regime de compensação condicionado ao efetivo recolhimento em seu mérito, principalmente na modalidade chamada de pagamento fracionado ou split payment. A adoção do regime, contudo, apresenta grandes dificuldades frente aos princípios da simplificação e da não cumulatividade.